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Pais e filhos… e Estado: análise constitucional dos fundamentos e limites da intervenção estatal no direito à convivência familiar

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO INTERINSTITUCIONAL – UFRN/MPRN. SASHA ALVES DO AMARAL. PAIS E FILHOS… E ESTADO: análise constitucional dos fundamentos e limites da intervenção estatal no direito à convivência familiar. NATAL/RN 2016.

(2) SASHA ALVES DO AMARAL. PAIS E FILHOS… E ESTADO: análise constitucional dos fundamentos e limites da intervenção estatal no direito à convivência familiar. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Curso de Mestrado Interinstitucional – UFRN/MPRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Martins. NATAL/RN 2016.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Amaral, Sasha Alves do. Pais e filhos… e Estado: análise constitucional dos fundamentos e limites da intervenção estatal no direito à convivência familiar / Sasha Alves do Amaral. Natal, 2016. 276f. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Martins. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Convivência familiar - Dissertação. 2. Liberdade parental - Dissertação. 3. Autonomia da criança - Dissertação. 4. Desenvolvimento da criança - Dissertação. 5. Intervenção estatal subsidiária - Dissertação. 6. Juridicidade - Dissertação. 7. Solidariedade - Dissertação. I. Martins, Leonardo. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA. CDU 347.63.

(4) SASHA ALVES DO AMARAL. PAIS E FILHOS… E ESTADO: análise constitucional dos fundamentos e limites da intervenção estatal no direito à convivência familiar. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Curso de Mestrado Interinstitucional – UFRN/MPRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Martins. Aprovada em: 29 de agosto de 2016. BANCA EXAMINADORA. Prof. Dr. Leonardo Martins Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Presidente. Profa. Dra. Cristina Foroni Consani Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 1ª Examinadora. Profa. Dra. Maria Aparecida de França Gomes Universidade Potiguar (UnP) 2ª Examinadora. NATAL/RN 2016.

(5) AGRADECIMENTOS. Existe um provérbio africano que diz: é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. Pois bem. Tendo-me lançado nesta aventura que é a jornada acadêmica – a qual foi ainda mais desafiante com a chegada, no semestre final de qualificação e defesa da dissertação, de minha terceira filha, Helena –, cheguei à conclusão de que é possível estabelecer um paralelo com a frase acima para se afirmar que, sim, também foi preciso de uma aldeia para que eu pudesse escrever este trabalho. Sendo assim, não posso deixar de externar aqui meus agradecimentos àqueles que compuseram a minha pequena-grande tribo, que tanto me apoiou e inspirou ao longo dos meus dois anos de estudo como aluno do curso de mestrado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Primeiramente, agradeço ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPRN) por este projeto pioneiro e audacioso, que promoveu um rico e necessário encontro: do MP com o pensamento crítico da faculdade e da faculdade com os problemas sociais a cuja solução os promotores de justiça se dedicam todos os dias na sua lida ministerial. A minha querida turma de mestrado, feita de pessoas com autêntico prazer e respeito pela pesquisa. Para tudo há um tempo debaixo do céu, e fico muito feliz de ver os rumos que nossas trajetórias pessoais tomaram para que, enfim, vindos de diferentes partes do Brasil, tivéssemos a oportunidade de nos encontrarmos e nos apoiarmos na busca do equilíbrio – nada fácil de alcançar – entre os afazeres domésticos, o trabalho e a Academia. À querida Naide Maria Pinheiro, líder da nossa turma, uma apaixonada pela pesquisa, sempre disposta a se alegrar com nossas conquistas e nos auxiliar em nossos desafios – que, por sinal, não foram poucos. Ao querido amigo, forjado em meios às dores e delícias do mestrado – seminários em dupla, estágio docência e orientador compartilhado –, Mariano Lauria Paganini. Como diz o verso bíblico, é na angústia que se faz o irmão. Aos meus queridos colegas Olegário Gurgel Ferreira Gomes, pelas sempre ricas sugestões e reflexões compartilhadas; Márcio Soares Berclaz, um amigo sempre afetuoso e inspirador; Antônio Cláudio Linhares Araújo, mente instigada, que sempre trouxe um rico contraponto à voz da maioria; Eduardo Medeiros Cavalcanti, por, no início, ter-me despertado para buscar o meu grão de areia, sobre o qual se ergueria meu trabalho; Manoel Onofre de Souza Neto, solícito colega, desde sempre disposto a ajudar, de alguma forma, os que cruzam o seu caminho; André Mauro Lacerda Azevedo, cujo trabalho no Centro de Estudos e.

(6) Aperfeiçoamento Funcional do MPRN permitiu-me a realização deste mestrado; Morton Luiz Faria de Medeiros, que participou da minha banca de qualificação, incorporando ricas sugestões à pesquisa; Helen Crystine Corrêa Sanches, querida colega de Santa Catarina e incentivadora, que, por pouco, não esteve na minha banca final; Millen Castro Medeiros de Moura e Flávio Okamoto, pela disponibilidade de, mesmo em meio às suas atarefadas vidas, ajudar-me na revisão do texto; à querida Renata Rivitti, que, sempre tão afetuosamente, compartilhou comigo de materiais e vivências na sua descoberta do direito norte-americano da criança, do adolescente e de família, o que refletiu muita luz para esta dissertação; a Aparecida França, por ter aceitado o convite e me dado o privilégio de participar de minha banca de defesa da dissertação, contribuindo para minha pesquisa com o seu olhar psi e sua sensibilidade; e a Nouraide Queiroz, minha revisora gramatical, pelo zelo e carinho com que sempre realizou seu trabalho. Amigos, em algum ponto desta jornada acadêmica, a ajuda de cada um de vocês foi fundamental para que eu completasse este trabalho. Aos meu amigos e colegas do Fórum Nacional de Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência (Proinfância), com quem tanto aprendo e divido o fardo de ser promotor numa área tão fundamental – mas, paradoxalmente, ainda tão vilipendiada no Brasil – como o direito da criança e do adolescente: muitas das inquietações que me levaram a esta pesquisa nasceram de nossos debates presenciais ou virtuais. Aos professores que mais contribuíram para o meu pensamento crítico neste mestrado: Ricardo Tinoco de Góes, Cristina Foroni Consani e Leonardo Martins – a quem sou muito grato por ter-me ajudado a encontrar, no meio das minhas inquietações pessoais e profissionais, o objeto desta pesquisa. Ao meu pai Eduardo, a Noélia e Ian, com quem eu, minha esposa e filhas pudemos conviver mais na fase de escrita da dissertação, em Fortaleza/CE, para consolidar nosso apego e afeto. Aos meus irmãos Carol, Levi, Brenda, e à doce sobrinha Olivinha, alegria das priminhas e dos tios, cuja convivência, no primeiro semestre de 2016, foi uma das minhas principais inspirações para escrever cada uma destas linhas, tratando de um tema tão poderoso como o direito à convivência familiar. Aos meus amados sogros Eleazar e Leta, porque, mais uma vez, em um momento tão delicado para minha família, foram nossa fortaleza em Fortaleza e o abrigo dos sonhos de que eu, Karine, Cecília, Alice e Helena somos feitos. A Leni e Lorena, as maquinistas da nossa locomotiva, que cuidaram com tanto zelo e carinho da minha família durante a escrita desta dissertação..

(7) A minha querida mãe Célia Alves do Amaral, pessoa 100% coração, porque só cheguei onde cheguei por causa dela. Como eu fui abençoado nas minhas idas semanais à Natal para as aulas do mestrado, quando, então, eu voltava a ser o seu filho único – com muito mimo, com muito amor. Às quatro mulheres da minha vida: Karine, Cecília, Alice e Helena. Simplesmente, faltam-me as palavras para descrever o que vocês são para mim e em mim. Não consigo mais ser quem eu sou sem vocês – e isso me faz pleno. Por fim, ao Autor e Consumador da minha vida e fé, que me deu esta linda aldeia e a fez sempiterna..

(8) RESUMO A presente dissertação estuda os limites e fundamentos da intervenção estatal na relação de pais e filhos. Desde a Constituição de 1988, com a adoção pelo Brasil da Doutrina da Proteção Integral, a criança e o adolescente assumiram o status de sujeitos de direitos, o que trouxe consequências jurídicas e éticas para as suas relações sociais, a começar pela redefinição de seu espaço dentro do lar. Como credor de direitos na família, o petiz passa a ter o direito de ter suas opiniões direta e devidamente consideradas nos assuntos referentes a si, e a sua proteção jurídica pelo Estado não mais coincide, necessariamente, com as projeções de seus pais ou responsáveis. A intervenção do poder público junto à família tem apresentado, então, o seguinte desafio epistemológico: à medida que o Estado protege os interesses da infância, diminui-se o raio de liberdade dos pais na sua educação. Sendo, porém, a Lei Fundamental um documento de garantia de liberdades, a ação governamental sobre o lar deve considerar a pluralidade de liberdades ali presentes – no caso deste estudo, as de pais e filhos. Portanto, sem prejuízo da consideração individual dos interesses dos conviventes, necessária também uma abordagem comunitária do direito dos familiares, quando, então, o poder familiar e o direito à convivência familiar deixam de ter, respectivamente, referência unilateral a pais ou a filhos para assumir uma dimensão recíproca, fundada sobre a solidariedade. Por esse prisma, a solidariedade tem papel fundamental não como sucedâneo, mas complemento às teorias tradicionais da justiça e é necessário à ciência do direito o desenvolvimento de métodos que, ao invés de suplantá-la, dialoguem com a ética e a moral, a fim de reduzir o fardo jurídico que se atribui ao direito, de ser panaceia para as injustiças do mundo. Para a realização deste estudo, a metodologia utilizada é de uma pesquisa bibliográfica e documental, por meio de livros, artigos e análise da evolução da jurisprudência e legislação nos Estados Unidos e Europa, investigando a sua influência sobre o direito brasileiro de família e da criança e do adolescente. As conclusões e os conceitos trabalhados ao longo da pesquisa serão aplicados à luz de uma temática – a adoção intuitu personae – que bem ilustra a tensão entre as liberdades de pais e filhos e a intervenção governamental na família. Conclui-se então que, ao contrário do que uma abordagem individualista dos direitos leva a crer, o empoderamento da criança não é inversamente proporcional ao de seus pais, pelo contrário, quanto mais se expandem as liberdades desses, mais disporá o pequeno cidadão de processos e oportunidades para o seu pleno desenvolvimento. A atuação estatal deve-se dar de forma subsidiária à ação parental, a fim de resguardar a intimidade do lar e, quando necessário, dar o apoio adequado aos familiares para o desempenho de suas funções de cuidado e a garantia dos seus direitos. Palavras-chave: Convivência familiar. Liberdade parental. Autonomia e desenvolvimento da criança. Intervenção estatal subsidiária. Juridicidade e solidariedade..

(9) ABSTRACT The present master dissertation aims to analyze the limits and foundations of state intervention in the relationship between parents and children. Since the 1988 Constitution, with the adoption of the Integral Protection Doctrine, by Brazil, children and the teenager assumed a rights holder status, which brought legal and ethical consequences for their social relations, starting with the redefinition of its space inside the home. As a rights holder into the family sphere, the infant starts to be allowed to have their own direct opinions which should be duly considered in matters related to themselves, and their legal protection by the state do not necessarily corresponds to the projections of their parents or guardians. The intervention of the public authorities along the family has presented, then, the following epistemological challenge: as the state protects the interests OF children, decreases the radius of parents´ freedom in their education. However, being the Fundamental Law a liberties assurance document, the government actions on the family home should consider the plurality of freedoms presents there - in this particular case, those belonging to the parents and children. Therefore, without prejudice to the individual account of the interests of cohabitants, it is also necessary a communitarian approach of the family members rights, when the family power and the right to family life starts to not have unilateral reference to parents or children, and become to take a reciprocal dimension, based on solidarity. In this light, solidarity plays a key role, not as a substitute but as a complement to traditional legal theories, and is necessary for the science of law the development of methods that, rather than surpass it, hold discussions with the ethics and morality in order to reduce the legal burden assigned to the law, of being a panacea for the world injustices. In this master dissertation was adopted as a research methodology, the bibliographical and documentary research through books, articles and analysis of the jurisprudence evolution and legislation in the United States and Europe, investigating its influence on Brazilian family law and on child and adolescents law. Lastly, the conclusions and concepts developed throughout the research will be applied in the light of a thematic – the intuitu personae adoption – that illustrates the tension between the freedoms of parents and children and government intervention in the family. It concludes, then, that, contrary to what an individualistic rights approach suggests, the child's empowerment is not inversely proportional to their parents', but on the other hand, the more expands the freedom of these, more the small citizen will have at their disposal processes and opportunities to their full development. The state action must occur in a subsidiary manner to the parent action in order to safeguarding the intimacy of the home and, when necessary, provide adequate support to family members to perform their care functions and the guarantee of their rights. Keywords: Family living. Parental freedom. Child´s development and autonomy. Subsidiary state intervention. Juridicity and solidarity..

(10) LISTA DE SIGLAS. CDC. –. Convenção sobre os Direitos da Criança. CF. – Constituição Federal. CLT. – Consolidação das Leis do Trabalho. CNJ. – Conselho Nacional de Justiça. ECA. –. EUA. – Estados Unidos da América. GCom. –. General Comment. IDEA. –. Individuals with Disabilities Education Act. ONU. –. Organização das Nações Unidas. PLC. –. Projeto de Lei da Câmara. PNAS. –. Política Nacional de Assistência Social. PNCFC. –. SINAJUVE –. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária Sistema Nacional de Juventude. STJ. –. Superior Tribunal de Justiça. SUAS. –. Sistema Único de Assistência Social. SUS. –. Sistema Único de Saúde. UNESCO. –. Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. UNICEF. –. Fundo das Nações Unidas para a Infância. USP. –. Universidade de São Paulo. Estatuto da Criança e do Adolescente.

(11) SUMÁRIO 1 2. 2.1 2.2 2.3 2.4. 2.4.1 2.5 2.6. 2.7 2.7.1 2.7.2 2.8 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6. 3.6.1. 3.6.2 3.7 3.8. INTRODUÇÃO………………………………………...................................... O PRINCÍPIO DO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: ORIGEM, EVOLUÇÃO, ESTRUTURA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS………………………………………......................... O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA ENQUANTO INTERESSE DO PAI: A DOUTRINADO PATRIA POTESTAS.................................................... O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA ENQUANTO INTERESSE DA MÃE: THE TENDER YEARS DOCTRINE......................................................... O MELHOR INTERESSE COMO UM PARÂMETRO PRÓPRIO DA CRIANÇA............................................................................................................ O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA COMO CRITÉRIO PERMISSIVO PARA A INTERVENÇÃO ESTATAL NA FAMÍLIA: A DOUTRINA DO PARENS ATRIAE................................................................................................. O Menorismo no Brasil..................................................................................... O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA COMO PRINCÍPIO PROTETIVO DO DIREITO INTERNACIONAL..................................................................... A PROCLAMAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA: O INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA COMO PRINCÍPIO GARANTISTA.................................................................................................... DOIS DESAFIOS À UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA............................................................................................................ O problema da falta de efetividade das normas de proteção aos direitos da criança…………………………………………………………………........ O apego ao subjetivismo como forma de decidir questões relativas à criança…………………………………………………………………………. O IMPACTO DO MOVIMENTO DE DIREITOS PARA A CRIANÇA NOS ASSUNTOS DA FAMÍLIA................................................................................. AUTONOMIA DOS PAIS……………………………………………………. O FEMINISMO E SUA INFLUÊNCIA PARA O MOVIMENTO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA.................................................................................. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA REPERCUSSÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA.................................................. A AUTONOMIA DOS PAIS EM QUESTÃO..................................................... O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE PARENTAL NOS EUA................................................................ O PODER PARENTAL NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA...................... PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS À DEFINIÇÃO DA ÁREA DE PROTEÇÃO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR........................................................................................................... Método e parâmetro para análise da intervenção estatal: o processo de justificação constitucional segundo o critério da proporcionalidade.............................................................................................. O desafio epistemológico inerente à análise das intervenções estatais no direito à convivência familiar........................................................................... A ÁREA DE PROTEÇÃO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR: ASPECTOS SUBSTANCIAIS E PROCEDIMENTAL....................................... O STATUS NEGATIVUS DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR............................................................................................................ 11. 16 17 20 22. 24 29 32. 36 44 45 48 52 55 60 62 68 73 80. 82 85. 88 90 93.

(12) 3.9 4 4.1 4.2 4.3 4.4. 4.5 5 5.1 5.2. 5.3 5.4. O PODER FAMILIAR RECÍPROCO E O CONCEITO DE INTEGRIDADE FAMILIAR…………………………………………………………………… AUTONOMIA E DIGNIDADE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE………………………………………………......................... A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA INFANTIL: ENTRE A AUTONOMIA E A PROTEÇÃO DA CRIANÇA……………………………... A AUTONOMIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE EM QUESTÃO..... O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS……………………………………………....... A CONTRIBUIÇÃO DE AMARTYA SEN PARA A ABORDAGEM DO DESENVOLVIMENTO E SUA REPERCUSSÃO PARA OS DIREITOS INFANTOJUVENIS............................................................................................ A ÁREA (OU “AS ÁREAS”) DE PROTEÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO INFANTOJUVENIL.................................................... INTERVENÇÕES ESTATAIS NO DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR…………………………………....................... O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E AS LIBERDADES NEGATIVAS E POSITIVAS.............................................................................. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE DA AÇÃO ESTATAL E A GARANTIA DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.......................... A RELAÇÃO COMPLEMENTAR ENTRE A JURIDICIDADE E A SOLIDARIEDADE PARA A GARANTIA DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.......................................................................................................... A SOLIDARIEDADE E O ASPECTO PROMOCIONAL DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.............................................................................. 6 ANÁLISE TEMÁTICA..................................................................................... A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE................................................................... 6.1 6.1.1 Escorço histórico sobre a colocação de crianças e adolescentes em lares substitutos.......................................................................................................... 6.1.2 A adoção intuitu personae pelo prisma procedimental dos direitos da criança................................................................................................................ 6.1.3 A ética e a política pública em torno do cadastro de adoção......................... 6.1.4 A adoção intuitu personae pelo ângulo dos genitores biológicos.................... 6.1.5 A delicada questão sobre a formação do vínculo afetivo entre a criança e os adotantes........................................................................................................ 6.1.6 O cadastro de adoção pelo prisma dos que esperam na fila dos pretendentes à adoção....................................................................................... 6.1.7 A titularidade e o conteúdo do direito à convivência familiar como parâmetro de análise dos casos de adoção intuitu personae………………... 7 CONCLUSÃO.................................................................................................... REFERÊNCIAS.................................................................................................. 96. 105 110 114 119. 126 133 147 153 157. 166 175 188 189 197 201 213 221 230 244 247 251 258.

(13) 11. 1 INTRODUÇÃO. Desde a promulgação da Convenção sobre os Direitos da Criança – e, no caso brasileiro, com a Constituição Federal de 1988, que acolheu integralmente os princípios desse tratado –, tem sido cada vez mais frequente a polarização entre as pretensões do Estado e as dos pais no que toca a decisões fundamentais sobre os direitos da criança e do adolescente. Como credor de direitos na família, o infante passa a ter uma posição de fala: o petiz passa a ter a prerrogativa de ter suas opiniões direta e devidamente consideradas nos assuntos referentes a si, e a sua proteção jurídica pelo Estado não mais coincide, necessariamente, com as projeções externas de terceiros, mesmo que sejam esses seus pais ou responsáveis. A intervenção governamental junto à família tem apresentado, então, o seguinte desafio epistemológico: à medida que o Estado protege os interesses da infância, diminui-se o raio de liberdade dos pais na sua educação. Esse cenário faz com que o direito de família seja um palco em que as concepções públicas e privadas sobre a infância hodierna digladiam-se: ora a criança e o adolescente são tidos, finalmente, como detentores de direitos que por muito tempo lhes foram negados; ora à juventude do mundo contemporâneo são dados direitos demais. A elevação de uma determinada categoria de pessoas a uma posição jurídica ascendente implica, para os integrantes deste grupo social, essencialmente, o direito de ter direitos, e isso termina por redefinir o seu papel na sociedade e, muitas vezes, no próprio espaço doméstico. Esse fenômeno – que se verificou não só com a criança e o adolescente no final do século XX, mas, antes deles, no final do século XVIII e início do século XIX, com a burguesia e os seus novos direitos liberais; o proletariado, com sua pauta de direitos sociais nos séculos XIX e XX, e a mulher, com a sua luta por igualdade e liberação ao longo do XX e XXI –, não raro, vem acompanhado do desconforto da classe tida por dominante e que, até então, desfrutava sem maiores questionamentos de sua posição privilegiada no meio social. No caso da criança, a posição normativa de destaque com que os mais novos adentraram o século XXI acarreta para o direito o desafio de acomodar as liberdades potencialmente em conflito de pessoas, pais e filhos, que dividem o mesmo espaço de convivência e cuja compreensão sobre as bases de sua relação melhor vê-se refletida nos preceitos morais, com os seus códigos de amor e solidariedade, do que propriamente nos parâmetros jurídicos, com a sua lógica de coercibilidade. Em muitos temas regulados pelo Estado, alega-se, a definição primeira sobre a medida cabível deveria competir aos particulares, dentro de sua visão de mundo, e não ao poder público. Por esse prisma, a.

(14) 12. vulnerabilidade da criança deixa de ser compreendida como um conceito protetivo, para ser vista por seus responsáveis legais de soslaio, como se fosse uma cláusula genérica de permissibilidade irrestrita e atemporal do Estado no lar, um ticket para a intromissão governamental na família. A permissibilidade do uso de castigo físico na criação de filhos; os direitos relacionados à sexualidade infantojuvenil; as discussões de gênero na esfera pública; o corte etário para a matrícula em uma determinada série escolar; a observância ou não de um currículo ou grade específica de instituição do ensino fundamental ou médio; as decisões sobre a sujeição da criança e do adolescente a um determinado tratamento médico ou profilático (transfusão de sangue; aplicação de vacinas; métodos contraceptivos; aborto etc.); a liberdade de religião; a liberdade para se reunir e protestar contra o governo; a limitação para o acesso a determinados bens culturais ou de consumos… Esses temas, se em uma discussão entre adultos já suscitam não pouca polêmica, quando se tem como público-alvo a criança e o adolescente, ganham um tom candente, que dá azo a opiniões apaixonadas nas redes sociais e em fóruns públicos de discussão. A disputa, real ou simbólica, que daí nasce contribui para a refração social ao direito nos assuntos de família, fazendo com que os pais assumam um estado de resistência às políticas públicas de promoção dos direitos da criança e do adolescente. Contudo, é de se questionar se tamanha dissensão entre os setores público e privado encontra eco na legislação brasileira, bem como até que ponto o debate polarizado não tem mais contribuído para o ensimesmamento da família ou, ainda, para a desresponsabilização dos pais para com os direitos de seus filhos, sob uma equivocada compreensão de igualdade entre a maior e a menoridade. A relação tensionada entre o Estado e os particulares, no que diz respeito aos direitos infantojuvenis, nos inquietou suficientemente para dela fazer o nosso grão de areia, a partir do qual construímos esta pesquisa e de onde extraímos a seguinte pergunta que nos servirá de fio condutor doravante: quais são os limites e sobre que fundamentos o Estado pode intervir no espaço doméstico para promover, prover e proteger o direito fundamental à convivência familiar? Para responder a essa questão, necessário será, antes, definir no que consiste a área de proteção desse direito, bem como a quem se refere sua titularidade: aos filhos? Aos pais? a ambos os grupos? Neste trabalho, os capítulos 2 ao 5 tratam do desenvolvimento das bases teóricas e jusfilosóficas necessárias para a reflexão do papel do Estado junto às famílias, mais especificamente no que toca à relação de pais e filhos. O capítulo 6, por sua vez, trata de.

(15) 13. aplicar os conceitos e institutos aqui elaborados a um tema específico do direito da criança e do adolescente a fim dar ao leitor a dimensão desta pesquisa em movimento, isto é, aplicada a um problema da vida real das pessoas. O capítulo 2 refere-se ao levamento do atual estado do debate doutrinário e legislativo em que esta pesquisa insere-se. Serão estudadas as raízes do direito da infância deste início do século XXI e, para tanto, necessário será se lançar na pesquisa sobre as origens e a evolução do parâmetro jurídico do melhor interesse da criança (best interest of the child) – positivado, na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, como o princípio do interesse superior da criança e do adolescente. É na compreensão histórica do melhor interesse, desde suas origens anglo-americanas nos séculos XVIII e XIX até sua incorporação nos tratados de direito internacional da infância do século XX, que residem muitas explicações sobre o papel sociocultural – e, daí, jurídico – cabível à criança e ao adolescente nas sociedades contemporâneas ocidentais. Dedicar-se-á ainda esse segundo capítulo a estudar a natureza e a estrutura do interesse superior do petiz tal qual delineadas no ordenamento jurídico brasileiro, para, por fim, levantar dois desafios atuais para a plena realização dos direitos da criança no mundo, correlacionando essa leitura ao cenário brasileiro e, ainda, ao objeto desta pesquisa, a relação paterno-filial. No capítulo 3, considerando que os direitos – e, assim, a autonomia – da criança e do adolescente apresentam íntima relação com sua sujeição ao poder externo que compete aos seus pais ou responsáveis, esta pesquisa dedica-se a aprofundar a análise em torno de um tema ainda tão carente de maior reflexão na academia brasileira: as bases constitucionais da liberdade parental. Para tanto, aproxima-se da discussão doutrinária e forense desenvolvida nos Estados Unidos, uma vez que, nesse país, tanto o debate científico, como o jurisprudencial têm raízes muito mais profundas e de longa data do que no Brasil, tendo, inclusive, já se integrado ao cotidiano da sociedade norte-americana. Em seguida, analisa-se se o conceito liberal de integridade familiar, tal qual desenvolvido na obra dos autores Joseph Goldstein, Anna Freud e Albert J. Solnit, encontra respaldo no ordenamento brasileiro e, em sendo afirmativa a resposta, de que forma a abordagem liberal dos direitos fundamentais pode contribuir para o desenvolvimento de uma teoria nacional do direito constitucional de família que mais una os interesses de pais e filhos do que os repila. A pergunta a ser respondida é: haverá um melhor interesse da família? Se sim, de que forma esse instituto deve ser compreendido para que se torne compatível com a noção de interesse superior da criança e do adolescente?.

(16) 14. Uma vez estabelecidas as premissas teóricas para a análise da autoridade parental, será a vez de, no capítulo 4, dedicar-se ao estudo do tema da autonomia da criança e do adolescente. O desafio, que neste momento caberá, expressa-se na seguinte pergunta: Como falar da liberdade de um ser que é natural (nos seus primeiros anos de existência) e juridicamente (nos seus primeiros dezoito anos de vida) sujeito a um poder alheio, de seus pais ou responsáveis? Responder a essa questão leva ao desafio de situar a autonomia infantojuvenil em algum ponto entre os direitos de proteção e os de liberdade. Nessa parte do trabalho, o referencial teórico de Amartya Sen, com sua análise das liberdades pelo prisma do desenvolvimento, será de grande valia para fazer-se a ligação dos vértices em que se situam os direitos de provisão, proteção e participação do petiz, dentro dos quais a criança e o adolescente desenvolvem sua personalidade e cidadania. Estabelecidos os referenciais teóricos para a análise da autonomia dos pais e de seus filhos, será a hora de, no capítulo 5, apontarem-se os limites e fundamentos para a intervenção estatal no seio doméstico – e estudarem-se os limites do agir público nos lares é, por outro ângulo, investigarem-se os próprios limites do direito na regulação das relações de família. Necessário, então, será estabelecer as bases sobre as quais o Estado age, definindo de que forma a juridicidade do direito pode-se relacionar com a solidariedade da sociedade para potencializar as liberdades sociais e individuais e, no caso deste estudo, dos familiares, tanto enquanto agrupamento, como para cada um de seus membros individualmente considerados. A ideia de atuação estatal subsidiária e, ainda, o fundamento dos vínculos obrigacionais imperfeitos – em contraposição aos liames obrigacionais perfeitos do direito –, tal qual apresentado no pensamento filosófico de matiz kantiana de Onora O´neill, servirão de embasamento teórico para a construção científica nesta parte do trabalho. Ao final, no capítulo 6, aplicar-se-ão os institutos desenvolvidos ao longo da pesquisa a determinado tema do direito da infância e da juventude no qual a relação entre pais e filhos vê-se triangularizada pela intervenção estatal, acarretando não pouco debate no meio doutrinário e jurisprudencial pátrio. Trata-se do fenômeno das adoções intuitu personae, cujas raízes socioculturais seculares no Brasil têm levado ao grau máximo o tensionamento que se pode estabelecer entre as eficácias jurídica e social de um texto normativo. Com isso, pretendemos expor nossas elaborações teóricas e filosóficas à luz de uma temática concreta, o que melhor permitirá aferir a validade das premissas de que partimos e das conclusões a que chegamos. É a aproximação da ciência do direito aos problemas reais da sociedade que permite à produção acadêmica a sua relevância científica, a qual se pode obter tanto pela ratificação das hipóteses apresentadas como pelo seu falseamento..

(17) 15. A metodologia desta dissertação consiste no estudo da doutrina e jurisprudência estrangeiras – sobretudo dos Estados Unidos – na área do direito constitucional de família e dos diplomas internacionais do direito da criança e do adolescente, cotejando os dados dessa pesquisa externa com os parâmetros legislativos do direito brasileiro e aferindo em que medida o direito alienígena faz eco ou não com os nossos institutos jurídicos referentes à relação paterno-filial. Este trabalho encontra sua justificativa no fato de que a relação de pais e filhos não recebe a devida atenção na doutrina do direito brasileira, quer civilista, quer constitucional. Esse é o motivo, aliás, por que se reputa que muito do presente debate, em torno dos direitos infantojuvenis, apresenta-se hoje tão fragmentado no meio social, com discursos antagônicos, que ora exaltam o progresso da legislação brasileira – o problema não seria das leis em si mesmas, mas da falta de sua efetividade –, ora pretendem voltar aos tempos de outrora, quando a autoridade dos pais não era passível de questionamento. O debate pendular, entendese, é tão somente o sintoma – um dos – da falta que a sistematização teórica e a fundamentação constitucional fazem ao direito da criança, do adolescente e de seus pais. E é nessa lacuna que este estudo encontra sua razão de ser..

(18) 16. 2 O PRINCÍPIO DO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: ORIGEM, EVOLUÇÃO, ESTRUTURA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS Discorrer sobre a construção de um ramo do direito voltado especificamente à infância, é, em boa parte, acompanhar a evolução do princípio do melhor interesse da criança (best interest of the child, no direito anglo-americano, seu berço) ou, tal como positivado entre nós no art. 100, parágrafo único, IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), interesse superior da criança e do adolescente.1 Surgido na jurisprudência e doutrina inglesa e desenvolvido no direito norteamericano, o parâmetro do melhor interesse é dos institutos mais polêmicos do direito contemporâneo, em nome do qual muitas injustiças contra crianças e adolescentes já foram cometidas, haja vista, por exemplo, a máxima prender para proteger, que regia a prática judicial sob o manto do extinto Código de Menores2 e que, durante muitos anos no Brasil, afastou infantes de seus pais sem qualquer procedimento judicial do tipo contencioso, colocando os primeiros sob a tutela de instituições estatais ou filantrópicas.3 Entretanto, mesmo hoje, na vigência de uma nova sistemática de direitos, o melhor interesse ainda tem sido objeto de não poucas polêmicas, ao pautar decisões judiciais que, tomando por base esse mesmo princípio, chegam a resultados diametralmente opostos.4 Nesse contexto, a análise da evolução do standard do interesse superior da criança – desde suas origens anglo-americanas até sua incorporação nos diplomas de direito internacional – torna-se premente para qualquer pesquisa que tenha como objeto de estudos não só os direitos da criança e do adolescente, mas também os de seus pais, quando na relação com sua prole, pois, desse modo, poder-se-á compreender tanto o que esse princípio representa hoje, como também o que ele não pode voltar a ser: uma porta sem travas a permitir práticas arbitrárias por parte do Estado ou dos particulares contra os direitos fundamentais dos mais novos.. 1. BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 27 jun. 2016. 2 BRASIL. Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm>. Acesso em: 27 jun. 2016. 3 Nesse sentido, rico é o relato produzido em: LEITE, Ligia Costa. Meninos de rua: a infância excluída no Brasil. São Paulo: Atual, 2001. 4 Um dos casos mais emblemáticos dessa divergência jurisprudencial na área da infância são as, assim denominadas, adoções intuitu personae sobre as quais discorre-se no capítulo 6 deste estudo..

(19) 17. 2.1. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA ENQUANTO INTERESSE DO PAI: A DOUTRINA DO PATRIA POTESTAS Se, no âmbito da ciência política, os filósofos do direito natural do século XVIII. tiveram grande influência para desconstruir o Establishment do poder monárquico vigente,5 no âmbito das relações familiares, ao contrário, o paradigma do poder absoluto do patriarca permanecia intocado. 6 Isso porque o liberalismo, na sua vertente original, receoso das interferências estatais no âmbito da autonomia burguesa, foi hábil em separar o espaço público do privado, deixando a família à margem de reflexões então vigentes no âmbito da ciência política. Sendo assim, o lar permanecia um espaço sob o domínio e direção do homem e, dessarte, enquanto o direito natural servia para externamente ao lar questionar o despotismo no espaço público, entre quatro paredes consolidava, paradoxalmente, a figura do monarcapai de família, senhor absoluto nos assuntos domésticos.7 No direito de família, tal compreensão cristalizou-se no instituto do patria potestas: os rumos do lar eram aqueles mesmos ditados pelo chefe de família, não havendo que se buscar uma compreensão doméstica a partir do prisma da mãe e, muito menos, de seus filhos. Na Inglaterra do início do século XVII, nas disputas familiares em torno da guarda de crianças, o conceito de patria potestas foi-se firmando de forma plena. 8 Sendo o poder paterno uma decorrência da própria lei da natureza, não caberia ao direito questionar tal estado de coisas, mas sim preservá-lo e reproduzi-lo. Tal raciocínio implicava uma pretensa esfera de proteção da mulher e sua prole, a partir da qual não se haveria de buscar interesses que lhes fossem próprios, pois seus anseios amalgamavam-se e expressavam-se pelos de seu protetor, o homem. 5 6. 7. 8. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. Nesse sentido, Will Kymlicka, quando da análise da importância do movimento feminista para a filosofia política contemporânea, aduz que os liberais clássicos relutaram em julgar as relações familiares à luz de um padrão de justiça. Isso porque, entendia-se, a família era uma unidade biológica determinada e a justiça se referiria ao domínio público. As relações familiares, sendo privadas, seriam governadas pelo instinto ou pela solidariedade natural. KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 317. Nesse sentido, a clássica obra de Robert Filmer, Patriarcha, de 1680, tida por sistematizadora do patriarcalismo então vigente, na qual se sustenta a teoria do poder monárquico e patriarcal sobre as mesmas bases, divinais. FILMER, Robert. Patriarcha, or the natural power of kings. London: Richard Chiswell, 1680. Contra essa visão John Locke, teórico do iluminismo, insurgir-se-ia posteriormente. Cf. LOCKE, John. Two treatises of government. Disponível em: <http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/econ/ugcm/3ll3/locke/government.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2016. Nesse sentido, KOHM, Lynne Marie. Tracing the foundations of the best interests of the child standart in american jurisprudence. Journal of law and family studies, v. 10, n. 2, 2008. Utah: University of Utah, p. 337-381. Disponível em: <http://epubs.utah.edu/index.php/jlfs/article/download/46/39>. Acesso em: 11 fev. 2016..

(20) 18. Essa concepção androcêntrica foi decisiva para alocar o conceito de melhor interesse da criança dentro da esfera de interesses de seu pai. Essa concepção estabeleceu-se claramente no direito anglo-saxão do século XVIII, vindo a ganhar novo prisma somente a partir da evolução da jurisprudência da então recém-independente nação norte-americana novecentista até que o melhor interesse fosse incorporado nos tratados internacionais de direitos da infância do século XX, conforme veremos a seguir.9 A influência do postulado do patriarcado sobre as cortes britânicas mostra-se historicamente em casos como o De Manneville v. De Manneville, de 1804. 10 Ali, a jurisprudência inglesa, em uma disputa em torno da custódia de uma criança de 11 meses, reconheceu ao pai o direito de guarda, retirando-a dos cuidados de sua genitora sob o argumento de que “o direito é claro: a custódia de uma criança, qualquer que seja sua idade, pertence ao pai, se assim ele escolher” (tradução livre).11 Em seus estudos, Lynne Marie Kohm aponta três casos do direito inglês do final do século XVIII (Rex v. Mansfield, de 1763; Blisset´s Case, de 1774 e Powel v. Cleaver, de 1789) que esboçavam uma tendência de se considerar os interesses da criança nas situações em que os interesses do pai francamente entravam em rota de colisão com os de sua prole – notadamente no terceiro caso, Powel v. Cleaver. Porém, como bem demonstra o caso De Manneville v. De Manneville, cronologicamente posterior, tais casos eram exceções que apenas confirmaram a regra do patriarcado na jurisprudência anglo-saxã, cujo parâmetro permanecia bem firme na mente dos magistrados britânicos. No mesmo sentido, Noblet e Reardon asseveram que a jurisprudência inglesa, apenas do final do século XVIII, teria chegado a mitigar a regra de common law do interesse primordial do pai, porém só nos casos cuja direção do genitor sobre seus filhos foi evidentemente imoral ou herética. Para os demais casos, vigia a presunção da supremacia dos interesses masculinos no lar.12 Do outro lado do Atlântico, porém, na recém-proclamada república americana de final do século XVIII e início do século XIX, a jurisprudência do direito de família, oriunda do direito inglês, evoluía em uma direção, que, apesar de não romper inteiramente com o. 9. Cf. o estudo a respeito da gênese e evolução do standard do melhor interesse da criança na jurisprudência angloamericana feito por Lynne Marie Kohm. KOHM, op. cit. 10 KOHM, op. cit. 11 No original: “The law is clear, that the custody of a child, of whatever age, belongs to the father, if he chooses”. KOHM, op. cit., p. 356-358. 12 REARDON, Kathleen Kelley; NOBLET, Christopher T. Childhood denied: ending nightmare of child abuse and neglect. Los Angeles: Sage Publications, 2009. p. 91..

(21) 19. primado do patriarcalismo, relia-o, dando-lhe uma conformação mais condizente com os tempos que se descortinavam perante a novel nação estadunidense. Se, na esfera social, a Revolução Industrial do início do século XIX dava ao movimento liberal a força econômica de que precisava para fazer valer a visão e o modo de vida burgueses, no campo político, os anseios liberais levavam à queda dos regimes absolutistas, fazendo com que o direito dos cidadãos ganhasse proeminência nas Constituições dos novos regimes e freassem os avanços do Estado sobre a vida privada e o patrimônio dos cidadãos. Nessa nova ordem em que os direitos humanos pretendiam-se universais, 13 o pensamento judicial dos Estados Unidos passou a rever alguns dos seus tradicionais postulados. Era o reflexo das ideias circulantes na classe média desse país. Nascia então a tendência judicial do direito norte-americano denominada patriarcado judicial (judicial patriarchy), a qual se definia como “uma versão legal e refinada da distinção entre a autoridade masculina para governar o lar e a responsabilidade feminina para administrá-lo”.14 Baseado na ideia de que às mulheres casadas faltava a necessária independência intelectual e, daí, econômica do varão, era necessário conferir àquelas uma especial proteção contra os abusos de que fossem vítimas. Enquanto no século XVIII às esposas não eram conferidos direitos destacados de seu marido, “o direito de família do século XIX reconhecia às mulheres direitos na dependência – ou talvez, mais propriamente, direitos que não os de propriedade”.15 Isso levou o governo americano a lançar políticas ambivalentes nas temáticas de gênero: apesar de a mulher ganhar espaço na ordem legal no que se referia a “poderes domésticos” (domestic powers) isso não se traduzira em políticas externas ao lar ou em emancipação econômica.16 Para fazer valer a ideologia do patriarcado judicial, laborou então o Judiciário estadunidense sob o pálio da discricionariedade, podendo, assim, com maior liberdade, reler alguns dos postulados da common law britânica no direito de família. Era necessário se buscar 13. A declaração de direitos do homem e do cidadão, fruto da Revolução Francesa, proclamava em seu primeiro artigo “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”. DECLARAÇÃO de direitos do homem e do cidadão, de 26 de agosto de 1789 (França). Universidade de São Paulo – USP, Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-à-criação-da-Sociedade-das-Naçõesaté-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em: 27 jun. 2016. 14 Tradução livre. No original: “The judicial patriarchy represented a refined and revised legal version of the distinction between the male authority to govern the home and the female responsability to maintain it”. GROSSBERG, Michael. Governing the heart: law and family in nineteenth century America. Carolina do Norte. The University of North Carolina Press, 1985. p. 298. 15 Ibid., p. 298. 16 Ibid., p. 300..

(22) 20. um novo local para a mulher, também uma cidadã, na família, sem contudo se atentar contra a ordem natural das posições sociais. Era necessário reler a posição feminina nos seus lares, porém de uma forma tal que o status quo do governo masculino permanecesse. E em que tema não teria maior poder a mulher senão na sua posição de mãe? A partir dessa constatação passou a ser revisto um dos pilares do patriarcado: aquele atinente à guarda e criação dos filhos nas ações de divórcio. Era o nascimento da Tender Years Doctrine (em uma livre tradução: Doutrina da Tenra Idade), que, ao desapegar os interesses da mulher dos de seu marido, levou a reboque a destacar deste também a posse sobre os interesses de seus filhos. Assim, a Tender Years Doctrine representou um movimento inicial para a construção de um novo parâmetro para a constituição do princípio do melhor interesse da criança. 2.2 O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA ENQUANTO INTERESSE DA MÃE: THE TENDER YEARS DOCTRINE Enquanto a questão da criança trabalhadora e sua exploração no âmbito laboral foi uma das primeiras preocupações decorrentes de todo o impacto social gerado pela Revolução Industrial na Europa – com seus processos de mecanização, de êxodo rural, de explosões demográficas nos principais centros urbanos etc. –, na recém-nascida república dos Estados Unidos do início do século XVIII, essa questão trabalhista tornou-se menos urgente para um número crescente de famílias. Ganhava, em vez disso, uma visão romântica que dava destaque a questões em torno dos cuidados maternos para com sua prole. 17 Tal fator contribuiu para a formulação de uma teoria no direito de família norte-americano em que a preferência da guarda, nas ações de separação, passava a ser dada à mulher nas ações cujo objeto fosse a custódia de crianças menores de sete anos. Nascia a Tender Year Doctrine, a qual representava uma ruptura com a anterior Doutrina do Patria Potestas. Dessarte, em 1809, a Suprema Corte do Estado de Carolina do Norte negou a um pai que vivia em ostensivo adultério o direito de guarda sobre sua filha, que vivia bem adaptada com sua genitora.18 Os argumentos foram construídos no sentido de que o parâmetro até então hegemônico da potestade paterna levaria a injustiças para com a menina. Apesar de não terem nominado um interesse superior da criança, o prisma da petiz foi devidamente considerado no. 17 18. Cf. REARDON; NOBLET, op. cit., p. 87. KOHM, op. cit..

(23) 21. caso concreto.19 Em 1815, em uma disputa em que, desta vez, o cônjuge virago era o acusado de adultério, a Suprema Corte do Estado da Pensilvânia, apesar de ter conferido ao pai o direito a uma guarda futura de suas filhas, manteve a prole com sua genitora em virtude da sua tenra idade.20 Três anos mais tarde, quando chamado a rever a guarda, uma vez que superada a pouca idade, o colegiado advertiu as partes a tomarem cuidado quanto a abruptas mudanças de custódia a fim de que fosse evitado “violento choque tanto para as crianças quanto para sua mãe”.21 Em 1834, a Suprema Corte do Estado de Massachusetts, em Commonwealth v. Wales Briggs, numa ação ajuizada pelo pai visando a retomar a guarda do filho que fora subtraído pela genitora em virtude dos alegados destemperos do marido, a corte alegou que, nas disputas de guarda, tanto as regras do common law – então calcadas sobre o postulado do patria protestas – como as da Tender Years Doctrine deveriam ter como principal diretriz o bem-estar da criança. A corte, porém, deixou claro que o melhor interesse não se tratava de um fator dissociado do interesse dos pais, mas sim de um parâmetro inerente ao poder familiar de que eles estavam revestidos.22 Finalmente, em 1840, no Estado de Nova Iorque discutiu-se uma causa, Mercein v. Barry, que terminaria na mais alta Corte dos Estados Unidos.23 No cerne da demanda estava a disputa pela guarda de uma bebê. No Tribunal a quo, o colegiado, na linha do que já se vinha esboçando na jurisprudência norte-americana, estabeleceu que os interesses dos pais deveriam ceder diante do bem-estar da criança nas disputas de guarda. A Suprema Corte federal, por sua vez, ao analisar o caso em 1847, diferenciando os direitos de bem-estar (welfare rights), de conteúdo provisional, dos de liberdade (liberty rights), vinculou o standard do melhor interesse aos primeiros. E, no caso, em virtude da tenra idade da criança e dos cuidados que sua criação inspiravam naquela fase de sua vida, a petiz permaneceu com sua genitora.24 O caso Mercein, teve, portanto, dois grandes significados. Em primeiro lugar, sacramentou a jurisprudência que se vinha desenhando nas cortes estaduais dos EUA que começava a chamar a atenção para os interesses da criança nas lides envolvendo adultos. Enquanto uma nova visão, para as questões em torno do petiz, evoluía nos Estados Unidos do 19. KOHM, op. cit., p. 359. KOHM, op. cit. 21 KOHM, op. cit., p. 359; 360. 22 KOHM, op. cit., p. 362; 363. 23 KOHM, op. cit. 24 KOHM, op. cit., p. 363-365. 20.

(24) 22. século XIX, no mesmo período na Inglaterra, os tribunais, ainda presos ao parâmetro do patria potestas, “aplicavam as regras do common law perto do absurdo”, distanciando-se do senso comum de justiça que clamava pela reforma daquelas normas.25 Em segundo lugar, Mercein lançou as bases para o desenvolvimento de uma teoria constitucional que comporia a identidade americana do direito da criança, de lógica provisional, pautada sobre os direitos de bem-estar (welfare rights), mas não nos de liberdade. Dessa forma, privilegiavam-se os anseios da criança na lide, sem, contudo, desapegá-los dos interesses de seus pais, uma vez que eram esses os primeiros a garantir o cuidado infantil. Mesmo que se atente para a crítica de alguns autores a essa concepção welfarista do melhor interesse,26 o desenvolvimento da Tender Years Doctrine contribuiu, de todo o modo, para a constituição de um novo parâmetro para o melhor interesse, permitindo que o direito da mulher e da criança estabelecesse um ponto de inflexão no pensamento andrógeno até então vigente no direito de família anglo-americano, o que exerceria uma considerável influência por longos anos na jurisprudência norte-americana do direito de família.27 2.3 O MELHOR INTERESSE COMO UM PARÂMETRO PRÓPRIO DA CRIANÇA Nos Estados Unidos de meados do século XIX, o melhor interesse foi-se gradualmente constituindo como um parâmetro referido à criança, apto a guiar o juiz na análise do caso concreto. Como informam Noblet e Reardon: A lei da parentalidade mudou da perspectiva de enfatizar os direitos de propriedade do pai (e, posteriormente, de ambos os pais) sobre seus filhos para a de ver as crianças como pessoas individualizadas com interesses e 25. KOHM, op. cit., p. 363. Nesse sentido, para Dayana Wright, a concepção welfarista do melhor interesse mostrou-se incapaz de separar o desejo da criança do de seus pais. Tería aí, então, mais uma fachada do que uma efetiva mudança na concepção do infante: na verdade, era do querer dos adultos de que tratava esse melhor interesse. WRIGHT, Dayana C. Manneville v. De Manneville: rethinking the birth of custody law under patriarchy. Disponível em: <http://www.history.cooperative.org/journals/lhr/17.2/wright.html>. Acesso em: 5 abr. 2016. p. 247-249. 27 Como informa Kohm sobre a influência da Tender Years Doctrine nas ações de guarda dos Estados Unidos: “A preferência paterna se dissipou no final dos anos 1890 ante a presunção de que as crianças, na sua tenra idade, precisam mais de suas mães (do que de seus pais) […] Essa presunção, que só poderia ser superada pela evidência de inidoneidade, continuou a ser a regra em muitas jurisdições até o final dos anos 1980” (tradução livre). No original: “Paternal preference completely gave way in late 1890s to the presumption that children need their mothers more (than fathers) in tender years. […] This presumption, which could only be overcome by evidence of unfitness, continued to be the law in many jurisdictions until the 1980s”. KOHM, op.cit., p. 371. A partir da década de 1980, a visão de igualdade entre os gêneros passou a equalizar as questões de guarda da criança, dando-se, então, preferência não mais a um genitor conforme seu sexo, mas sim ao que efetivamente desempenhasse o papel de primeiro cuidador do petiz (primary caregiver). KOHM, op.cit., p. 372. 26.

(25) 23. direitos. Ademais, desde a metade do século XIX, as decisões em torno da guarda, de forma crescente, passaram a se basear no melhor interesse da criança.28 (Tradução livre). A visão da Tender Years Doctrine continuou tendo forte influência sobre os magistrados americanos, muito do que se justifica pelo fato de o direito de família da época ser uma área tão dada a discricionariedades, tornando-a mais suscetível às visões de mundo e ideologias do julgador. Porém, cada vez mais era o prisma dos cuidados da criança que ganhava relevo, em detrimento de uma postura apriorística em favor de quaisquer de seus ascendentes. United States v. Green (1824) é tido como um dos primeiros casos da jurisprudência ianque a trazer parâmetros próprios de análise da lide pelo prisma da criança.29 A Suprema Corte de Rhode Island não deu guarida ao direito de o pai ter a custódia de seu filho, pois, apesar de, em termos genéricos, o genitor ter a potestade da guarda sobre seus descendentes, na análise do caso concreto, tal direito não se fazia absoluto, pois correlato ao dever de proporcionar o bem-estar de sua prole. Na decisão, o colegiado apontou, ainda, que, se o infante fosse de suficiente capacidade, deveria também ter sua opinião considerada para balizar a decisão do magistrado.30 Assim, à medida que o prisma do melhor interesse do petiz evoluía, o mesmo ia-se incorporando à lógica jurisprudencial norte-americana e, assim, institucionalizava-se. Nesse sentido, a lógica da proteção primordial da criança formatou o primeiro estatuto de adoção elaborado nos EUA, no Estado de Massachussets, em 1851.31 Com isso, o instituto da adoção mudava sobremodo sua feição clássica, pois dali em diante tratar-se-ia precipuamente do cuidado da criança, e não mais, como ocorrera no direito romano, da mera preocupação de perpetuar, pela transmissão hereditária, o patrimônio de um adulto. O conceito de melhor interesse da criança permitiu que a colocação em família substituta visasse não mais ao bem-estar da família (no seu aspecto patrimonial), mas sim aos interesses. 28. No original: “The law of parenthood has shifted from emphasizing fathers’ (and later both parents’) property rights over children, toward seeing children as individual persons with interests and rights. Furthermore, that since the mid 19th century, custody decisions have increasingly been based on the best interests of the child”. REARDON; NOBLET, op. cit., p. 43. 29 KOHM, op. cit. 30 KOHM, op. cit., p. 362. 31 A informação é trazida em: KOHM, op. cit., p. 366, e devidamente confirmada na página em inglês do Wikipedia sobre o tópico adoption (adoção), bem como na sítio eletrônico do Adoption History Project (Projeto da História da Adoção), da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. Links disponíveis, respectivamente nas páginas: <https://en.wikipedia.org/wiki/Adoption>. e <http://pages.uoregon.edu/adoption/timeline.html>. Acesso em: 23 mar. 2016..

(26) 24. essenciais da criança, no que toca à sua vida e personalidade.32 Como visto no item anterior, a lógica que inspirou a configuração do melhor interesse nos Estados Unidos foi a da proteção, e não a da liberdade da criança, e isso implicava duas questões. A primeira era que tal concepção tornara o melhor interesse, apesar de agora visto pelo prisma da criança, praticamente indissociável do de um adulto-cuidador – em regra, seus pais –, pois a esse incumbiria em primeiro plano a proteção indispensável ao desenvolvimento de sua prole. Como veremos no capítulo 3 deste estudo, tal tradição explica em boa parte por que, ao longo do século XX, a jurisprudência americana desenvolveu-se no sentido de privilegiar a autonomia parental, sendo, porém, resistente em conferir à criança e ao adolescente um status próprio de titulação de direitos, especialmente no que se refere aos direitos de liberdade. Em segundo lugar, atribuir ao melhor interesse uma conotação eminentemente protetiva terminou por reaproximar o Estado das questões domésticas, na medida em que caberia aos agentes governamentais garantir, em última instância, a vida e a liberdade dos cidadãos, quando isso não ocorresse de forma espontânea no lar, com especial enfoque para o interesse das pessoas tidas por incapazes, tal como uma criança. Era o ressurgimento, no início do século XX, da Doutrina do Parens Patriae como uma face bem específica para as problemáticas da infância, conforme veremos a seguir. 2.4 O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA COMO CRITÉRIO PERMISSIVO PARA A INTERVENÇÃO ESTATAL NA FAMÍLIA: A DOUTRINA DO PARENS PATRIAE Fazendo uma breve retrospectiva histórica, constata-se que a Doutrina do Parens Patriae deita raízes no feudalismo, quando, diante da morte do servo, os filhos desse e sua terra passavam ao controle do senhor feudal.33 Em tais ocasiões, cabia à Coroa a proteção dos 32. Em seu estudo sobre a evolução do instituto da adoção nos Estados Unidos, Fred L. Kuhlman aduz: “A lei romana reconhecia a adoção como uma método conveniente de prover a família de um herdeiro para salvá-la da extinção e perpetuar os direitos de honras religiosas da família. [...] É de se notar que os romanos usavam a adoção como um artifício para promover o bem-estar da família enquanto unidade mais do que o bem-estar da criança ou da sociedade em geral”. No original: “The Roman law recognized adoption as a convenient method of providing a family heir to save the family from extinction and to perpetuate the rights of family religious worship. […] It should be noted in passing that the Romans used adoption as a device to promote the welfare of the family as a unit rather than the welfare of the child or of the society in general”. KUHLMAN, Fred L. Intestate Succession by and from the Adopted Child. Washington University Law Review, v. 28, n. 4, jan. 1943, p. 220-250. Disponível em: <http://openscholarship.wustl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3886&context=law_lawreview>. Acesso em: 23 mar. 2016. 33 Cf. LOWE, N; WHITE, R. Wards of the Court. 2. ed. Londres: Barry Rose, 1986.el em: Disponív em: <http://www.duhaime.org/LegalDictionary/P/ParensPatriae.aspx>. Acesso em: 6 abr. 2016. BARTON, Chris;.

(27) 25. bens dos órfãos abastados contra o eventual e indevido mau-uso por parte de guardiões ou outros parentes. Em caso de morte do suserano, assumia a realeza os cuidados da pessoa e o patrimônio do infante, o que terminava sendo um negócio bastante lucrativo para o Estado. Entre a Idade Média e a atualidade, na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, por influência da filosofia política do utilitarismo, 34 começou-se a desenvolver a preocupação com a criança na qualidade de futuro adulto, participante de uma sociedade organizada. Nessa perspectiva, formar adequadamente os de menor idade deixava de ser uma preocupação exclusiva dos pais, para ser também, em última instância, do próprio Estado. Dessarte, as Doutrinas do Patria Potestas e do Tender Years passaram a dividir espaço com a atuação protetiva do Estado junto a criança, uma vez constatada a inadequação parental para cuidar de sua prole. O poder público deteria então o poder de, em nome dos interesses últimos da nação, intervir na família para proteger seus futuros cidadãos. Era a Doutrina do Parens Patriae (do latim, que significa Pai da Pátria), pela qual o Estado levantava-se como o grande tutor da nação – ou, nos termos de Noblet e Reardon, uma espécie de Superpai.35 Entretanto, a tutela dos hipossuficientes pelo Estado deparava-se, no espaço doméstico, com os limites decorrentes da aversão burguesa à invasividade pública sobre os assuntos de família. No âmbito jurisdicional, tal receio liberal fez com que, paralelamente à perda de poder dos regimes absolutistas europeus durante o século XVIII, estabelecessem-se novos postulados teóricos para o processo, calcados agora sobre a tradição civilista da. DOUGLAS, Gillian. Law and Parenthood. Londres: Butterworth, 1995. p. 324. HIMES, Jay L. State Parens Patriae Authority: the evolution of the state attorney general’s authority. Miami, Flórida: The Institute for Law and Economic Policy Symposium Protecting the Public: The Role of Private and Public Attorneys’ General, 2004. Disponível em: <http://apps.americanbar.org/antitrust/at-committees/atstate/pdf/publications/other-pubs/parens.pdf.>. Acesso em: 6 abr. 2016. 34 Em sua formulação original, a doutrina utilitarista, de matriz aristotélica (por prever a proeminência da comunidade política sobre suas partes individuais, os cidadãos) e sistematizada inicialmente por Jeremy Bentham (1748-1832) no final do século XVIII e desenvolvida por John Stuart Mill (1806-1873) ao longo do século XIX, vê na utilidade “o princípio que estabelece a maior felicidade de todos aqueles cujo interesse está em jogo, como sendo a justa e adequada finalidade da ação humana, e até a única finalidade justa, adequada e universalmente desejável”. Desse modo, no utilitarismo, a soma do número de interesses individuais afetados “constitui a circunstância que contribui na maior proporção para formar a norma em questão – a norma do certo e do errado”. ARAÚJO, Cícero. Bentham, o Utilitarismo e a Filosofia Política Moderna. In: BORON, Atilio A. Filosofia política moderna: de Hobbes a Marx. São Paulo: USP; DCP-FFLCH; CLACSO, 2006. Assim, pela quantificação dos interesses majoritários, tem-se a configuração da melhor regra de conduta a ser observada tanto pelos governantes como pelos governados. Daí porque Will Kymlicka aduz que “o utilitarismo, na sua formulação mais simples, afirma que o ato ou procedimento moralmente correto é aquele que produz a maior felicidade para os membros da sociedade”. KYMLICKA, op. cit., p. 11. 35 NOBLET; REARDON, op.cit., p. 93; 94..

Referências

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