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3 AUTONOMIA DOS PAIS

3.4 O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE PARENTAL NOS EUA

A jurisprudência norte-americana desenvolveu a teoria sobre os direitos da criança a partir de uma concepção welfarista, na qual se reconhecia aos mais novos, quando muito, direitos relativos à sua dependência, mas não direito de liberdade.205 Vinculando o exercício pleno da cidadania ao domínio da razão, a compreensão dominante nos Estados Unidos construiu-se no sentido de que, não sendo o infante dotado de maturidade suficiente, não se lhe poderia reconhecer a aptidão para titularizar determinados tipos de direitos fundamentais, notadamente os que pressupusessem a sua autonomia e participação.

É o legado da denominada impaired choice theory (teoria da escolha debilitada) para a concepção norte-americana da condição jurídica da criança, que muito aproxima-se das teorias das capacidades de nosso direito civil.206 Por esse prisma, a menoridade é vista como etapa na qual o desenvolvimento infantil dá-se sob o manto protetor de seus genitores, e a cidadania do pequeno pressupõe a integração pela representação de seus pais ou responsáveis.

A ideia da dependência da criança, fundante da impaired choice theory, complementa-se na jurisprudência dos Estados Unidos pelo privilégio dado à autonomia dos pais na educação de sua prole, segundo os valores e a visão de mundo que lhes pareçam mais apropriados. A visão da Constituição como um estatuto de preservação das liberdades negativas dos cidadãos – valores tão caros à sociedade norte-americana – manifestou-se no lar na posição destacada que a autoridade parental recebe quando em discussão os direitos dos

205 Cf. item 2.2.

206 Sobre a impaired choice theory, cf. DAILEY, Anne C. Children´s constitutional rights. In: Minnesota

Law Review, v. 95, n. 06. Minneapolis: University of Minnesota Law School, 2011, p. 2099-2179. DAILEY, Anne C. Children´s constitutional rights. In: Minnesota Law Review, v. 95, n. 06. Minneapolis: University of Minnesota Law School, 2011, p. 2099-2179. Disponível em: <http://www.minnesotalawreview.org/wp-content/uploads/2011/06/Dailey_PDF.pdf>. Acesso em : 10 fev. 2016.

pais na criação dos seus filhos frente a intervenções externas, públicas ou privadas. Isso foi ratificado em várias ocasiões e à luz de diversos direitos fundamentais pela jurisprudência da Suprema Corte daquele país.

Em Wisconsin v. Yolder (1972), o estado norte-americano de Wisconsin processou pais amish por violarem uma lei estadual que determinava que os jovens de até dezesseis anos deveriam frequentar a escola pública.207 Os genitores negavam-se a cumprir a lei, alegando que os valores do ensino médio conflitavam com suas crenças religiosas. A Suprema Corte americana, de forma unânime, com base na primeira emenda à Constituição dos EUA – na parte que outorga ao cidadão a liberdade de crença –, deu ganho de causa aos pais, asseverando que a liberdade de sua religião sobrepunha-se ao interesse do Estado de tornar obrigatório o ensino médio aos adolescentes. Alegou, ainda, que os valores e programas da escola secundária estavam “em franco conflito com o modelo de vida determinado pela religião amish”.208

Em Smith v. Organization of Foster Families For Equality and Reform (1977), uma associação de foster parents – em uma tradução livre, pais cuidadores – questionou a constitucionalidade de uma lei do Estado de Nova York que, regulando o programa de Foster Care, privilegiava medidas acautelatórias do direito à convivência familiar dos pais biológicos em detrimento do interesse dos pais cuidadores e das crianças sob sua tutela.209

207 Disponível em: <https://www.oyez.org/cases/1971/70-110>. Acesso em: 30 jun. 2016. 208

Wisconsin v. Yolder. Disponível em: https://www.oyez.org/cases/1971/70-110. Acesso em: 17 abr. 2016.

209 Tentando traçar um paralelo com o direito brasileiro, o Foster Care é uma medida de proteção à criança e ao

adolescente que se aproxima dos programas de acolhimento familiar, previstos no ECA, art. 101, VIII. No caso brasileiro, ao invés de o Poder Judiciário acolher os pequenos em um abrigo – as unidades de acolhimento institucional –, eles são encaminhados para acolhimento junto a famílias cadastradas no programa. Da mesma forma, porém, que o acolhimento institucional, o acolhimento familiar é excepcional e provisório (ECA, art. 101, §1º), pois, segundo nossa lei, o afastamento da criança de sua família de origem deve ser excepcional e provisório (ECA, art. 19, caput e § 3º). Entre nós, o acolhimento familiar tem preferência sobre o institucional, pois entendeu o legislador que isso é menos prejudicial para o desenvolvimento da criança (ECA, art. 34, § 1º). No mesmo sentido, BOWLBY, John. Cuidados maternos e saúde mental. Tradução: Vera Lúcia Baptista de Souza e Irene Rizzini. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Pela lei do estado de Nova York, a criança poderia ser colocada sob o programa de Foster Care de forma voluntária, por seus pais, ou mediante ordem judicial, em caso de maus-tratos. Na forma voluntária, o programa é visto como uma medida provisória de proteção e apoio à família, diante da momentânea dificuldade dos pais biológicos de criar temporariamente seus filhos. Os adultos que cuidam diretamente da criança, denominados foster parentes – algo como “pais cuidadores” –, o fazem através de contrato com a agência que cuida do programa. A criança sob Foster Care pode ser removida do lar tanto por pedido dos pais biológicos, dos cuidadores ou por decisão da própria agência. No Foster Care, a lei transfere para a agência que cuida do programa a guarda da criança, mas a maioria das funções relativas ao cuidado diário são exercidas por seus pais cuidadores. Os pais cuidadores não detêm formalmente todos poderes decorrentes da guarda legal da criança, apesar de, na prática, exercer sua parcela. No acolhimento voluntário, os pais biológicos retém parte dos seus poderes e têm a obrigação de visitar o seu filho e planejar seu futuro. No caso de acolhimento por ordem judicial, os pais têm seus poderes familiares suspensos e, portanto, não têm à sua disposição a decisão em torno do momento em que a criança deve retornar para o lar. Informações disponíveis em: <http://www.casebriefs.com/blog/law/family-law/family-law-keyed-to-

Em Smith, discutia-se a política do Estado de Nova York de mudar as crianças de seus lares cuidadores a fim de evitar que os pequenos criassem vínculos com os adultos que os acolhiam, o que poderia ser um impeditivo para seu eventual retorno ao lar de origem. Uma associação de pais cuidadores (foster parents) questionou, então, numa class action, a quebra das cláusulas do devido processo legal e da igualdade, ambas constantes da 14ª Emenda à Constituição dos EUA. Alegava-se que haveria violação a tais proteções, em virtude de o petiz ser removido dos lares acolhedores sem ter sido ouvido, o que poderia desmerecer os laços de afinidade legitimamente constituídos entre a criança e seus cuidadores. Um grupo de mães com filhos sob o programa de foster care, por sua vez, interviu em favor da família Smith e no de outros pais biológicos em situação semelhante. A Suprema Corte federal deu ganho de causa aos pais biológicos, afirmando que a lei do Estado de Nova York não era inconstitucional, pois, nas decisões em torno da colocação da criança junto a um lar acolhedor, o que se buscava proteger era a natureza do interesse envolvido (no caso, de feição biológica), e não o seu peso (quando o que se discutiria seriam os laços afetivos estabelecidos pela criança com seus cuidadores).

Em Troxel v. Granville (2000), a Suprema Corte dos EUA deparou-se com a discussão em torno do direito de visita dos avós paternos (os Troxels) às suas netas, resistido pela genitora (a sra. Granville).210 Na ação, os avós, com base em uma legislação do Estado de Washington, procuravam ter mais contato com suas netas, pois, até o suicídio de seu filho, Brad Troxel, os progenitores viam-nas regularmente, em todos os finais de semana. A lei em vigor permitia que qualquer pessoa da família, a qualquer tempo, pudesse recorrer ao Judiciário para definir questões em torno do direito de visita. Pela legislação estadual, caberia às cortes definir, mesmo contra a vontade dos pais, os parâmetros do direito de visita, conforme o melhor interesse da criança indicasse. A genitora-ré, por sua vez, insurgia-se contra a pretensão de seus sogros e tencionava que os contatos diminuíssem para uma vez por mês – e, ainda assim, por um curto período de tempo.

Na sua decisão, a corte constitucional dos Estados Unidos deu ganho de causa à mãe, alegando que a lei de Washington, no que toca à liberdade parental, violava a cláusula do devido processo legal, prevista na 14ª Emenda à Constituição. Nas palavras da ministra relatora Sandra Day O´Connor, “o interesse de liberdade em questão – o interesse dos pais no

weisberg/state-regulation-of-the-parent-child-relationship/smith-v-organization-of-foster-families-for-

equality-and-reform-offer>. Acesso em: 17 abr. 2016. E ainda: <http://www.invispress.com/law/family/smith.html>. Acesso em: 17 abr. 2016

cuidado, custódia e controle sobre seus filhos – é talvez o mais velho dos interesses de liberdade fundamental reconhecidos por esta corte”.211

Em Winkelman v. Parma City School District (2007), a Suprema Corte conferiu aos pais de uma criança com deficiência o direito de, em nome próprio – e não como simples representação processual – e sem advogado, postular na justiça o direito ao atendimento educacional especializado que fora negado ao seu filho na instância escolar.212 Segundo o tribunal, a lei em questão (Individuals with Disabilities Education Act – IDEA) conferia tal direito aos pais. Também se reconheceu na decisão que o direito à educação especial era um direito não só dos filhos com deficiência, mas também dos seus pais. Interessante notar que, em Winkelman, a Corte Suprema reconheceu à criança com deficiência direitos próprios, no sentido de ter mais direitos que as crianças sem deficiência, de forma que poderiam essas ter seus interesses diretamente considerados213 – o que, a contrario sensu, significa afirmar que tal prerrogativa não é extensível ao restante da população infantil e, portanto, tratava-se de uma exceção que só confirma a regra dos direitos na dependência dos petizes norte- americanos.

Decisões como essas delinearam o pensamento dominante na jurisprudência norte- americana relativa à liberdade parental na educação dos filhos. Liberdade, essa, que se sobrepõem tanto perante terceiros de fora do lar – sejam representantes do Estado, sejam demais parentes integrantes da família extensa – como também, ressalte-se, perante a própria criança ou adolescente. Por esse motivo, quando da análise do caso Michael H. v. Gerald D. (1989), no qual se discutia a paternidade socioafetiva frente à paternidade biológica de uma menina, o acórdão da Suprema Corte apontou que o direito da criança restringia-se, quando muito, a observar o direito dos pais em disputa.214

Nas questões de família, o prisma de análise da Suprema Corte dos Estados Unidos dá-se, então, com foco no interesse dos adultos, não no da criança. Isso faz com que parte da doutrina norte-americana critique tal linha jurisprudencial, uma vez que, ao privilegiar os

211 Disponível em: <https://www.oyez.org/cases/1999/99-138.>. Acesso em: 17 abr. 2016. 212 Disponível em: <https://www.oyez.org/cases/2006/05-983.>. Acesso em: 30 jun. 2016.

213 Nesse sentido, GODSOE, Cynthia. All in the Family: towards a new representational model for parents and

children. In: The Georgetown Journal of Legal Ethics, v. 24. Washington: Georgetown University Law

Center, 2011, p. 303-355. Disponível em: <http://brooklynworks.brooklaw.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1306&context=faculty>. 13 abr.2016.

214 Disponível em: <https://www.oyez.org/cases/1988/87-746>. Acesso em: 30 jun. 2016. / A partir desse caso,

Dailey conclui que: “A proposição de que as crianças têm um direito constitucionalmente independente de manter relações fundamentais de afeto nunca foi abertamente aceita pela maioria da Suprema Corte”. (Tradução livre). No original: “The proposition that children have an independent constitutionally protected right to maintain primary caregiving relationships has never been openly accepted by a majority of the Supreme Court”. DAILEY, op. cit., p. 2162.

interesses dos maiores, deixa-se de analisar a lide também pelo prisma dos pequenos.215 Para Dailey, casos como Yoder ou Smith, nem chegaram a cogitar quais impactos a decisão traria para o desenvolvimento da criança e os vínculos afetivos que constituíra com seus cuidadores216.

A visão dominante da liberdade parental na jurisprudência estadunidense é apontada por alguns autores como um dos principais motivos para a não adesão dos EUA à Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente.217 Apesar de ter participado ativamente dos trabalhos preparatórios do texto da Convenção,218 os Estados Unidos – que na administração Clinton chegaram a assiná-la, demonstrando interesse em ratificar o tratado219 – até a presente

data não a ratificaram por causa da resistência de setores mais conservadores da sociedade americana.

As razões para a não incorporação da CDC pelos EUA decorreriam sobretudo de dois motivos: a) a preservação da soberania do Estado – aqui entendida enquanto descentralização do poder decisório do governo federal para os governos estaduais, onde cada ente da federação tem uma larga margem de discricionariedade para formular as leis que melhor atendam aos interesses da comunidade local; b) uma larga tradição da teoria constitucional do direito de família norte-americano, que privilegia o poder parental em detrimento da autonomia da criança.220

Pergunta-se então: os casos analisados teriam a mesma solução no direito brasileiro? Em uma primeira análise, parece-nos que não, pois, desde 1988, com a acolhida em nossa Lei Fundamental da Doutrina da Proteção Integral, a teoria e, sobretudo, a legislação

215 Cf., a propósito, DAILEY, op. cit.; e BARTHOLET, Elizabeth. Ratification by the United States of the

Convention on the Rights of the Child: pros and cons from a child´s rights perspective. BARTHOLET, Elizabeth. Ratification by the United States of the Convention on the Rights of the Child: pros and cons from a child´s rights perspective. In: The Annals of the American Academy of Political and Social Science, jan., 2011. v. 633. n. 1, p. 80-101. Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/faculty/bartholet/ANNALS382389_Rev2.for%20web.pdf>. Acesso em 13 fev. 2016.

216 DAILEY, op. cit. / Também criticando a jurisprudência adultocêntrica dominante nos EUA e demonstrando

em que sentido a adesão pelos EUA à Convenção sobre os Direitos da Criança traria uma visão mais balanceada para as lides, envolvendo direitos de pais e crianças, v. BARTHOLET, op. cit.

217 Cf. ALSTON; TOBIN, op. cit. KLICKA; ESTRADA, op. cit. ARANTES, Esther Maria de Magalhães.

Inquirição de crianças: um debate necessário. <http://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2012/07/Inquiricao-Judicial-de-Criancas.pdf>. Acesso em: 10 set. 2015.

218 Cf. ARANTES, op. cit.

219 No início do governo Obama, o governo norte-americano manifestou interesse em retomar a discussão com

o Congresso visando à ratificação da CDC. Nesse sentido, cf. BLANCHFIELD, Luisa. The United Nations Convention on the Rights of the Child: background and policy issues. Disponível em: <http://www.americanbar.org/content/dam/aba/publishing/insights_law_society/R40484.authcheckdam.pdf >. Acesso em: 30 mar. 2016.

220 Para uma análise mais detalhada dos motivos por que os EUA não ratificaram a Convenção, vide ALSTON;

nacional desenvolveram-se visando a aferir o olhar da criança nas lides em torno de si. Em 2009, com a edição da Lei 12.010221, de 3 de agosto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passou a ter como um dos princípios para a aplicação de medidas de proteção aos petizes a sua “oitava obrigatória e participação”.222 No mesmo sentido, o novo Código de Processo Civil223, em seu art. 693, parágrafo único, assevera que, nas Ações de Família, quando em discussão o interesse de criança ou de adolescente, deverá ser observado o procedimento previsto na legislação específica, ou seja, no ECA.

Assim, no ordenamento brasileiro, na interpretação das normas infraconstitucionais – as janelas, segundo os teóricos da eficácia horizontal mediata – que tratam da condição da criança e do adolescente como sujeitos de direito, os mais novos têm o direito de serem ouvidos sobre a medida de proteção a ser aplicada em seu favor e de terem sua opinião devidamente considerada nas disputas processuais que digam respeito a si, como dispõe o ECA, art. 100, parágrafo único, XII. Trata-se de uma decorrência de status da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e da Doutrina da Proteção Integral, acolhida na Constituição.

Ademais, diante da literalidade dos arts. 205; 206, I; e 208, I, da Lei Fundamental brasileira – os quais dispõem que a educação é dever do Estado e da família (art. 205); sobre a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206, I); sobre a obrigatoriedade da educação básica dos 04 aos 17 anos (art. 208, I) –, parece-nos difícil sustentar, como no caso Yoder, a pura prevalência da autonomia parental frente ao direito público subjetivo à educação da criança. De igual modo, as decisões obtidas nos casos Smith e Granville, provavelmente, seguiriam outro percurso, considerando a conformação infraconstitucional dada entre nós ao direito à convivência familiar da criança, que implica, além da proteção à familia nuclear (pais e descendentes), a garantia para o petiz da família extensa ou ampliada.224 Ainda, o direito fundamental à educação tem sido tematizado em

221 BRASIL. Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho

de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,

aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências.

222 BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 100, parágrafo

único, XII.

223 BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 30 jun. 2016.

224 Nesse sentido, o ECA, art. art. 25, caput e parágrafo único, define a família natural in verbis: “Entende-se

por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.

nossa jurisprudência como um direito próprio da criança, sem relação intitulatória com o direito de seus pais.225

Entretanto, é necessário cautela antes de se repudiar a serventia dos fundamentos das decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos em torno da autonomia parental para o direito brasileiro. É de se ver se, e em que medida, as razões da jurisprudencia americana supracitada poderiam também contribuir para uma leitura mais balanceada da relação entre o poder parental e a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. Pois, talvez por figurar no rol dos direitos fundamentais da criança, o direito à convivência familiar é pouco discutido entre nós pelo prisma dos pais, aos quais ainda falta o desenvolvimento de uma teoria constitucional que lhes melhor respalde o exercício do poder familiar.226

Analisar o alcance dos direitos dos pais não significa abdicar das conquistas alcançadas com a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança – afinal, a liberdade parental também integra os direitos da CDC, tal como estabelecem seus arts. 3.2; 5; 9.1; 14.2; 18.1; 29.1, c, dentre outros –, mas sim a busca de um sempre necessário equilíbrio nas relações jurídicas públicas ou privadas.

A título de ilustração, entendemos que algumas razões do caso Smith – notadamente as referentes à validação constitucional das cautelas adotadas pela lei de Nova York visando a evitar a formação de vínculo afetivo entre a criança e os seus cuidadores – bem poderiam

225 Nesse sentido, conferir ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23.08.2011, Segunda

Turma, DJE de 15-9-2011; RE 464.143-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15.12.2009, Segunda Turma, DJE de 19-2-2010; RE 594.018-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.06.2009, Segunda Turma, DJE de 07.08.2009.

226 Mesmo em um famoso julgado recente do STJ onde foi propalada a autonomia dos pais na condução da

educação dos seus filhos (Recurso Especial 1558086, DJe de 15.04.2016), entendemos que a liberdade parental não foi de fato posta em questão. Não se tratava, em nosso sentir, de um hard case, pois o que se

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