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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS GUARULHOS SP

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

GUARULHOS – SP

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2 SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 4

2 O QUE É LITERATURA? ... 5

2.1 Função da Literatura ... 6

2.2 Gêneros Literários ... 6

2.3 Texto literário X texto não literário ... 7

3 A LINGUAGEM LITERÁRIA ... 10

3.1 Literariedade ... 11

3.2 Linguagem literária — poesia e prosa ... 18

3.3 Prosa de ficção ... 20

3.4 Ficção e discurso ... 22

4 NATUREZA E FUNÇÕES DA LITERATURA ... 25

4.1 Arte e literatura ... 25

4.2 Prazer e utilidade ... 27

4.3 Literatura e escrita ... 28

5 LEITURA E LITERATURA ... 32

5.1 A importância das diferentes formas de leitura no cotidiano escolar ... 32

5.2 O que diferencia a leitura da literatura da leitura de outros tipos de texto? ... 36

5.3 Métodos de leitura: diferentes possibilidades para serem aplicadas em sala de aula 40 6 GÊNEROS DISCURSIVOS LITERÁRIOS ... 45

6.1 Linguagem literária ... 45

7 RECURSOS LINGUÍSTICOS DO TEXTO LITERÁRIO ... 53

8 NARRATIVA LITERÁRIA ... 56

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3

8.1 Autor, narrador e narratário ... 56

8.2 Autor & narrador ... 59

8.3 Leitor & narratário ... 61

8.4 Níveis do discurso ... 64

8.5 Níveis do discurso específicos da narrativa ... 68

8.6 Recursos técnico-discursivos utilizados nas narrativas literárias ... 69

9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ... 72

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4 1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.

Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.

A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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5 2 O QUE É LITERATURA?

A literatura (do latim littera, que significa “letra”) é uma das manifestações artísticas do ser humano, ao lado da música, dança, teatro, escultura, arquitetura, dentre outras. Ela representa comunicação, linguagem e criatividade, sendo considerada a arte das palavras.

Trata-se, portanto, de uma manifestação artística, em prosa ou verso, muito antiga que utiliza das palavras para criar arte, ou seja, a matéria prima da literatura são as palavras, tal qual as tintas é a matéria prima do pintor.

De tal maneira, o conceito de literatura também pode compreender o conjunto de histórias fictícias inventadas por escritores em determinadas épocas e lugares, sejam poemas, romances, contos, crônicas, novelas.

Os textos literários possuem uma função muito importante para o ser humano, de forma que provocam sensações e produzem efeitos estéticos os quais nos fazem entender melhor nós mesmos, nossas ações bem como a sociedade em que vivemos.

Segundo o crítico literário Afrânio Coutinho:

"A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana."

Nesse sentido, devemos lembrar que o conceito de literatura foi se alterando ao longo do tempo, e seu significado tal qual conhecemos hoje, é diferente da visão clássica de antanho.

Para o filósofo Grego Aristóteles, um dos primeiros a focar nos estudos sobre essa arte: “A Arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra”.

Com efeito, o conceito de literatura foi se ampliando e abrangendo assim, diversos textos que englobam os gêneros literários que hoje conhecemos: literatura infantil, literatura de cordel, literatura marginal, literatura erótica, dentre outros.

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6 2.1 Função da Literatura

A arte literária representa recriações da realidade produzidas de maneira artística, ou seja, que possui um valor estético, de onde o autor utiliza das palavras em seu sentido conotativo (figurado) para oferecer maior expressividade, subjetividade e sentimentos ao texto.

Dessa forma, a literatura possui um importante papel social e cultural envolvido no contexto em que fora criada, posto que abarca diversos aspectos de determinada sociedade, dos homens e de suas ações e, portanto, que provoca sensações e reflexões do leitor. Para o filósofo francês Louis-Gabriel-Ambroise, Visconde de Bonald: “A literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem. ”

2.2 Gêneros Literários

Os gêneros literários são categorias da literatura que englobam os diversos tipos de textos literários segundo sua forma e conteúdo.

Tanto o conceito de literatura se modificou ao passar do tempo como o de gênero literário, uma vez que os gêneros literários, abordado por Aristóteles, eram classificados de três maneiras, semelhante ao que conhecemos hoje, embora possua diferenças.

De acordo com o esquema proposto por Aristóteles, os gêneros literários eram divididos em: Lírico (“palavra cantada”), Épico (“palavra narrada”) e Dramático (“palavra representada”). (MUNIZ,2019)

Atualmente, o gênero épico, que envolvia as narrativas históricas baseado nas lendas e na mitologia, foi substituído pelo gênero narrativo. Sendo assim, os gêneros literários são classificados em:

Gênero Lírico: possui um caráter sentimental com presença do eu- lírico, por exemplo, as poesias, odes e sonetos.

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7

Gênero Narrativo: possui um caráter narrativo, ou seja, envolve narrador, personagens, tempo e espaço, por exemplo, os romances, contos e novelas.

Gênero Dramático: possui um caráter teatral, ou seja, são textos para serem encenados, por exemplo, tragédia, comédia e farsa.

(MUNIZ,2019)

Fonte: www.gestaoeducacional.com.br

2.3 Texto literário X texto não literário

A literatura é definida como uma expressão artística realizada por meio da palavra, no entanto, é preciso tomar um cuidado: nem todo texto é considerado literário.

Basta se lembrar que a finalidade da literatura / de obras literárias é entreter o leitor. Se determinado texto não tiver como fim o entretenimento, ele não será considerado literário.

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8 De modo geral, um texto não literário se caracteriza por ter as seguintes características de maneira marcante e facilmente identificáveis:

Função utilitária, com a finalidade de fornecer alguma informação ao leitor;

Uso de linguagem denotativa, o que torna o texto objetivo;

Preservação da impessoalidade e imparcialidade, sem expressar opiniões;

Ausência de recursos estilísticos, como as figuras de linguagem, reforçando a objetividade do conteúdo.

Tais características são encontradas em textos jornalísticos, bulas de medicamentos, entrevistas, artigos científicos, dicionários, guias técnicos de equipamentos e eletrônicos, entre outros. (CORTES,2019)

Para elucidar essa questão, separamos exemplos de criações que são consideradas textos literários e não literários. Confira, a seguir, quais são eles:

Texto literário

“QUADRILHA

João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili, que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”.

Poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, em Alguns Poemas.

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9 Texto não literário

INFORMAÇÕES AO PACIENTE

1. PARA QUE ESTE MEDICAMENTO É INDICADO?

Este medicamento é indicado como analgésico (medicamento para dor) e antitérmico (medicamento para febre).

2. COMO ESTE MEDICAMENTO FUNCIONA?

Dipirona é um medicamento à base de dipirona, utilizado no tratamento das manifestações dolorosas e de febre. Os efeitos analgésico e antitérmico podem ser esperados em 30 a 60 minutos após a administração e, geralmente, persistem por, aproximadamente, 4 horas. (Trecho da bula do medicamento Dipirona, disponibilizada pela Anvisa.)

Fonte: www.textoinstructivosextobasico.com.br

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10 3 A LINGUAGEM LITERÁRIA

Existe uma infinidade de formas e estilos literários surgidos desde a origem da escrita. Entre os teóricos da literatura, há certa afinidade no sentido de reconhecer o que é e o que não é literário. Porém, nota-se uma divergência muito grande para identificar, pontualmente, quais aspectos são, de fato, essenciais à constituição do texto literário.

Por conta disso, ao longo dos séculos, surgiram muitas descrições, hipóteses e prescrições em relação ao literário. Isso se deve ao fato de que a própria literatura muda ao longo do tempo. (Flach, 2018).

Mesmo assim, parece haver um consenso: a especificidade da literatura está na linguagem empregada. A literatura, para existir, se vale dos mesmos recursos linguísticos necessários à comunicação do cotidiano a saber, o domínio de uma língua (português, espanhol, russo, grego) e da linguagem em todos os seus níveis (vocabulário, organização textual, sentidos). A linguagem é um produto social, que só existe por meio da interação entre seus usuários. Daí que, ao fazer uso da linguagem, sempre se leva em consideração o destinatário da comunicação e os efeitos pretendidos. Contudo, há uma preocupação estética na linguagem literária que é inexistente ou secundária em textos não literários.

E é aí que as diferenças começam a se estabelecer. Um conceito mais ou menos abrangente de literatura é o que a define como uma arte verbal. De fato, na literatura há um esforço criativo em relação à linguagem cotidiana. Além disso, a definição de literatura também está relacionada à ideia de uma representação de mundo. Enquanto a linguagem em uso cotidiano corresponde à ideia de uma verdade, a uma informação, a linguagem literária corresponde a uma representação da realidade. Justamente por ser uma representação, não é a realidade. Nesse processo de representação está o olhar particular do artista, como revela Massaud Moisés (1995, p. 314):

Dado ser impossível captar a realidade por via direta, só resta conhecê- la por meio de um sinal que a represente, não como tal, visto ser impossível, mas como pode ser expressa, ou seja, enquanto se submete à expressão: assim, conhecemos a representação da realidade, não ela própria. Mas fazê-lo implica

“mentir”, “fingir” a realidade que se mostra, de modo que a realidade espelhada na representação não é a que se deseja conhecer, mas como aparece na mente

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do artista; ou seja, como se reflete na sua imaginação. Daí a concluir que Literatura é ficção, ou imaginação.

“Mentir” e “fingir” aqui não são empregados em sentido pejorativo, mas com o propósito de mostrar que a literatura não é a realidade, e sim uma representação (metafórica, multissignificativa, subjetiva) desta, que se vale das potencialidades da linguagem para produzir novos sentidos. Tal conceito está ancorado na ideia aristotélica de mimese, ou seja, a arte literária como imitação da realidade, com meios próprios (linguagem) e também como possibilidade, como imaginação daquilo que poderia acontecer. Nesse sentido, toda imitação é criação, não cópia.

Outro ponto que você deve considerar em relação à constituição da literatura é seu caráter de fruição, ou seja, seu componente lúdico, sua capacidade de seduzir o leitor, de dar-lhe prazer, de fazê-lo experimentar outras situações, esquecendo-se, muitas vezes, da realidade. Isso não significa, de modo algum, que a literatura aliena. Pelo contrário, é também por meio da experiência de leitura que o homem descobre a si mesmo, o mundo e a sua relação com ele. Nesse processo, o texto literário assume uma função essencial, de redimensionamento da realidade, de valores, de organizações sociais, levando o leitor, inclusive, a posicionar-se criticamente. (Flach, 2018).

3.1 Literariedade

Para compreender o que é um texto literário, ou seja, o que o distingue dos demais tipos de linguagem, é interessante retomar o conceito de literariedade. Como você já viu, diante de um objeto de estudo tão amplo e diversos quanto a literatura, não se pode atribuir a um aspecto único (pontual e concretamente expresso) o ser literário. Trata-se, portanto, de um conjunto de características, expressas com mais ou menos evidência na constituição do texto literário.

O termo literariedade é bastante amplo e parece dar conta da necessidade teórica de se estabelecer um objeto de estudo. Ele surgiu entre os formalistas russos, mais

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12 especificamente referido por Roman Jakobson, em 1919. O termo surge pela necessidade de se analisar a literatura por meio da identificação de seus traços poéticos.

Isso não significa que os traços definidores da literariedade sejam os mesmos para todos os textos, nem que não mudem ao longo do tempo. Pelo contrário, é justamente a ampla variabilidade inventiva e as várias formas de expressão que tornam possível pensar a literatura como um objeto de análise tão singular. Para compreender um pouco mais sobre os traços que podem constituir a literariedade e como a compreensão desse conceito variou ao longo da história, considere os dois textos reproduzidos a seguir.

Texto 1

Com os descobrimentos, a Nação vai tornar-se consumidora de bens produzidos fora dela, ou da riqueza que através desses bens consegue. Isso explica que o início do período das grandes navegações coincida com o termo do período das guerras civis. A expansão passa a constituir desde então uma espécie de grande projeto nacional, ao qual todos aderem porque todos esperam vir a ganhar com ele. E explica também que a política de expansão ultramarina tenha repercutido tão profundamente sobre tantos aspectos da vida portuguesa (SARAIVA, 1979, p. 132-133).

Texto 2

MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deram, Mas nele é que espelhou o céu (PESSOA, 2008, p. 82).

Em ambos os textos, você pode perceber aspectos comuns: o emprego da mesma língua (português) e a referência ao mesmo fato histórico (o impacto das expansões marítimas portuguesas na era dos descobrimentos). Como, então, distinguir os textos? É provável que você saiba quem é Fernando Pessoa, e isso já o leva a concluir que o que

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13 é escrito por ele pertence ao campo da literatura. O título das obras das quais os textos foram retirados também já dá pistas de quais são seus enquadramentos.

No entanto, do ponto de vista teórico, as distinções são mais complexas, envolvendo uma observação mais atenta. O Texto 1 possui uma linguagem referencial, ou seja, visa a apresentar um fato, descrever uma situação com a maior especificidade possível, sendo, portanto, um texto informativo, não ficcional. O Texto 2, busca representar as impressões e sensações decorrentes da percepção artística acerca do mesmo fato descrito pelo Texto 1. Pode-se afirmar que há, entre ambos, propósitos distintos e, portanto, ações diferentes entre seus autores.

No caso do texto de história, para que seja validado como tal, deve haver uma correspondência clara entre o que é dito e a realidade. Qualquer “invenção” ou “exagero”, nesse caso, tornaria autor e obra desacreditados, um grande problema para a história, o que não significa que um texto histórico não esteja sujeito a mais de uma interpretação ou a equívocos em relação a fatos e narrativas. O historiador, em seu compromisso com a verdade, busca evitar ao máximo esse tipo de ocorrência.

Fernando Pessoa (2008), por sua vez, na condição de poeta, ao compor o verso

“Por te cruzarmos, quantas mães choraram”, não precisa apresentar provas de que isso, de fato, aconteceu. No entanto, o leitor percebe a legitimidade disso, na medida em que aceita a ideia da separação como uma fonte de saudade. O mar, no poema, adquire múltiplas significações, sendo, ao mesmo tempo, motivo de dor (composto de lágrimas, abismo, perigo) e glória (“Mas nele é que espelhou o céu”). A partir da leitura, você pode notar certa contradição entre a grandeza do mar e do futuro de Portugal ao desbravá-lo, por um lado, e a dor da separação que essa audácia implica, por outro.

Ou seja, o texto de Pessoa é um modo poético de expressar a ideia do historiador José Saraiva (1979) de que a conquista marítima “[...] tenha repercutido tão profundamente sobre tantos aspectos da vida portuguesa”. Sob outro enfoque, o Texto 1 refere-se a uma realidade estanque, concreta, a um período específico da história. Já o Texto 2, justamente por sua literariedade, não se encerra em si mesmo, nem se fixa em um ponto específico. Para confirmar isso, basta você lembrar-se de quantas vezes leu ou ouviu a expressão “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” aplicada a diversos contextos de comunicação. Inclusive, é possível ouvir esse trecho num contexto

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14 qualquer, sem qualquer referência ao seu autor ou ao contexto português no qual o poema se insere. Isso explicita outros dois aspectos da linguagem literária: sua atemporalidade e sua universalidade. Ao contrário da linguagem cotidiana, de emprego puramente comunicativo (como no caso de um texto de história), a linguagem literária possui significação aberta, adapta-se, recebe novos sentidos, estimula reações e usos até mesmo nem pensados por seu criador.

O poeta e crítico mexicano Octavio Paz (2012a, p. 46) afirma que “[...] a criação literária tem início como violência sobre a linguagem”, na medida em que há o “[...]

desarraigamento das palavras”. Ou seja, a palavra literária, por ser empregada em sentidos e formas diferentes daqueles convencionais, provoca, causa estranheza, desperta admiração, choca. Daí que essa “violência” esteja associada à ideia de “desvio”, de quebra de expectativas.

Quanto mais esses aspectos de ruptura chamam a atenção, mais perceptível é o trabalho de criação e o efeito estético da obra. Essa ideia inicia com os formalistas, para quem a literatura envolveria traços diferenciais entre um discurso e outro. Portanto, não seria uma característica perene ou inerente, como explica Terry Eagleton (2006).

A intenção dos formalistas, por essa razão, não era definir “literatura”, mas

“literaturidade” (ou “literariedade”), “os usos especiais da linguagem, que não apenas podiam ser encontrados em textos ‘literários’, mas também em muitas outras circunstâncias exteriores a ele” (EAGLETON, 2006, p. 20). O problema disso, para sustentar uma definição estável de literatura, é que essas características especiais (por exemplo, o uso de figuras de linguagem, como metáforas) também podem ser encontradas em outros textos não literários, como a fala cotidiana.

Mesmo assim, para os formalistas, a “essência” do literário era sua estranheza, ou seja, o impacto que causa no leitor. Mais uma vez, porém, outros tipos de escritas também poderiam ser considerados “estranhas”, e nem por isso seriam percebidas como literárias. Ainda assim, um dos elementos que permanece como característica do literário é o predomínio da linguagem conotativa em oposição à linguagem denotativa, que caracteriza a linguagem comunicativa. No caso desta última, há um vínculo maior entre o que está sendo dito/escrito e a realidade.

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15 Já na linguagem conotativa predomina a representação da realidade, implícita, figurativa, interferindo, de certa forma, no sentido denotativo. Como exemplo, considere a palavra “mar”. No poema de Fernando Pessoa indicado previamente, a palavra faz referência a um significado conhecido por todos (sentido denotativo): uma extensão de águas salgadas. No entanto, vai além dele. O “mar” de Pessoa é “humanizado”, o eu lírico dialoga com ele, faz perguntas, o que coloca essa palavra em um plano de significação para além do seu sentido geográfico. Assim, o mar passa a envolver o mistério, a grandiosidade, o abismo. O sentido conotativo do texto requer que o leitor recorra a conhecimentos que estão além do domínio da estrutura da língua.

Envolve questões culturais, míticas, filosóficas, entre outras. Assim, o texto literário torna-se atemporal na medida em que é sempre ressignificado no tempo (um mesmo leitor pode ler um texto em momentos diferentes de sua vida e construir sentidos diversos, assim como leitores diferentes em momentos diferentes). O texto literário também visa ao universal, já que os temas e a linguagem são comuns a várias culturas. Pense em como os temas amor, viagem e guerra são tratados na literatura mundial desde os tempos mais remotos.

São assuntos prontamente reconhecíveis, que impactam diretamente o leitor, em qualquer lugar ou época, ainda que constantemente recriados pela linguagem. Daí aquilo que Ezra Pound (2006, p. 33) infere: “Literatura é novidade que permanece novidade”.

Você deve, ainda, considerar a ficcionalidade e a verossimilhança. Na medida em que a literatura é representação, figuração, é produto de uma imaginação (ficção). Por mais que um romance, por exemplo, seja histórico, não se pode exigir dele “verdade”, fidelidade aos fatos, e sim uma equivalência da verdade, a verossimilhança. Por verossimilhança entende-se a impressão que o texto passa de poder ser verdade, pode acontecer, mesmo que a história seja fantástica ou sobrenatural.

O texto literário requer uma coerência interna. Ou seja, a pertinência e a consistência do texto seguem a lógica da imaginação proposta pelo autor. Assim é que, como leitor, você aceita que um homem seja transformado em inseto, como Gregor Samsa, em A metamorfose, de Kafka. Afinal, pela lógica interna do texto, você entende como isso se dá. Sobre essas questões, no entanto, também há questionamentos.

Mesmo os textos históricos partem também de pontos de vista, ainda que possam ser a

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16 reunião de muitos pontos de vista convergentes, e sua “verdade” pode ser contestada.

(Flach, 2018).

Além disso, há textos que não necessariamente nasceram como literatura, mas foram assim considerados posteriormente (como é o caso de “Os sertões”, de Euclides da Cunha, identificado também como jornalismo literário). Na literatura, de qualquer modo, exaltam-se a liberdade de expressão e a criatividade do autor em ressignificar e reestruturar a linguagem referencial, dando forma à linguagem literária. Por conta dessa liberdade e dessa criatividade, há certa dificuldade para se descrever o texto literário ou para se prescrever como fazê-lo, já que os limites de criação inexistem. Logo, as expressões literárias são incontáveis.

O poeta pode ou não se valer das convenções e buscar ressignificá-las, reordená- las. Na tentativa de classificar ou descrever esses muitos modos de literatura, pense em quantos estilos literários há, agrupados conforme o tema ou o público leitor (literatura infantil, gótica, de aventura), ou conforme a época (medieval, barroca, romântica). Mesmo se você considerar apenas uma dessas subcategorias, há diferentes usos da linguagem.

Considerando todas as características apontadas acima, é possível perceber que nem sempre todas estão presentes em todas as obras literárias. Há obras que nascem como literatura, e outras que apenas se tornam literatura depois de um tempo. Há obras que visam o belo e outras que são consideradas “marginais”. Há um uso especial da linguagem literária, mas outras linguagens podem por vezes utilizar os mesmos recursos.

Assim, a identificação de um texto como literatura depende também do modo como alguém o lê, e do valor que lhe é dado. Podemos concluir disto que a literariedade como conceito passou por transformações ao longo da história. Para Antônio Candido, por exemplo, na Formação da literatura brasileira, a literatura é um sistema, ou seja, a literariedade também não dependerá de fatores imanentes à obra, mas sim de sua relação com a sociedade, partindo de uma tradição e gerando um público leitor.

Nesse sentido, o sistema literário seria constituído por autor, obra e público.

Qualquer desses aspectos que faltasse não geraria um sistema, mas sim apenas uma manifestação literária. Houve respostas a essa teoria, como a de Haroldo de Campos, em O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira, em que o autor argumenta contra a noção de história defendida por Candido e discute a importância do

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17 Barroco para a literatura brasileira, que teria sido excluído do cânone nacional a partir da teorização de Candido.

Recentemente, estudiosos como Terry Eagleton (2006) chamam atenção para o fato de que, na seleção de um conjunto de obras consideradas literárias, entra em jogo também juízos de valor e ideologias. Antoine Compagnon, em Literatura para quê? Por exemplo, assim define o conceito de literariedade: “qualidade da forma que estabelece a literatura como literatura mais que a função cognitiva, ética, pública da literatura” (2009, p. 24). Assim, reafirma que a forma é fundamental na composição do literário, mas também aponta que essa arte está além de outras funções, como a cognitiva ou a ética, talvez justamente por ser poética.

Ela não se limita, portanto, a uma só função ou definição, mas é uma combinação de fatores e escolhas. Tudo o que você viu até aqui converge para a conclusão de que a literatura reúne elementos diversos e não um grupo homogêneo de características definitivas. Porém, apesar desses traços serem variáveis, é importante descrevê-los e, mais ainda, discuti-los e questiona-los. A seguir, você vai ver que há diferenças em relação ao modo como os textos são organizados e aos seus efeitos. Em especial, notam- se caminhos específicos para a poesia e para a prosa.

Fonte: www.youtube.com.br

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18 3.2 Linguagem literária — poesia e prosa

Você viu previamente que a linguagem literária se diferencia da linguagem convencional (mera comunicação) por conta dos sentidos e efeitos da palavra, que é empregada em sentido conotativo e envolve criação e imaginação. No âmbito da literatura, de forma mais específica, há ainda um grande número de recursos linguísticos e estruturais capazes de definir e organizar os textos. Isso leva a uma variedade bem significativa. Nesta seção, você vai estudar a linguagem literária por meio da análise de textos escritos em verso e em prosa. (Flach, 2018).

As características da linguagem literária já apontadas estão presentes em todas as obras literárias. Porém, há especificidades da linguagem perceptíveis na poesia que estão menos evidentes nos textos em prosa, e vice-versa. O principal diferenciador é a presença do verso na poesia e a ausência deste na prosa. Cada vez mais, no entanto, na literatura moderna e contemporânea, os limites entre uma e outra têm se diluído, com a supressão de rimas e paralelismos e a substituição pelo verso livre na poesia e com o maior uso de imagens e ritmo na prosa. Isso não impede, no entanto, que possa haver uma sistematização quanto a aspectos próprios a cada forma.

Poesia

Ainda que não seja regra, na poesia, tem-se uma linguagem mais “aberta”, ou seja, mais sugestiva. A própria organização em versos leva a isso. Na prosa, por outro lado, inclusive pela extensão do texto, as ideias são construídas de modo mais detalhado. Na poesia, de modo geral, o aspecto estético e visual, o ritmo e os recursos sonoros são mais evidentes.

Já na prosa essa disposição das palavras e dos sons para fins de apreciação por si só pode ser secundária ou até dispensável, conforme o estilo. Como você já viu, em textos mais modernos, essas características específicas tendem a se mesclar. Em textos mais clássicos, as distinções entre prosa e poesia são mais evidentes. Nota-se, por exemplo, a organização do texto poético em estrofes, a preocupação intensa com o ritmo,

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19 com o tamanho do verso, com a rigidez formal. No poema a seguir, de Alberto de Oliveira, é clara a preocupação do poeta com a métrica, a rima e o emprego do soneto: forma clássica de composição poética.

Horas mortas

Breve momento após comprido dia De incômodos, de penas, de cansaço Inda o corpo a sentir quebrado e lasso Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardia Do luar em cheio a clarear no espaço, Vejo-te vir, ouço-te o leve passo

Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica

Mas é tão tarde! Rápido flutuas tornando Logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo apenas fica Sobre o papel — rastro das asas tuas,

Um verso, um pensamento, uma saudade (OLIVEIRA, 1967).

Além de ser possível, pela leitura, imaginar o espaço, a casa, percebe-se, ainda, o cansaço do eu lírico, a expectativa do repouso e da escrita. A Poesia (personificada, escrita em letra maiúscula) remete a uma ausência, a uma saudade, a alguém que o eu lírico não esquece. O próprio título apresenta uma simbologia interessante, tanto se referindo à noite (horas mortas), ao final do dia, quanto a um estado de espírito de desistência, de inutilidade, de desperdício. O poema constrói-se, então, a partir de vários

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20 sentidos. Retomando a ideia da circularidade, proposta por Octavio Paz, você pode perceber que o poema se volta para si mesmo, ou seja, centra-se na figura do “eu” e em sua percepção sobre a vida, no seu modo particular de sentir e representar.

O poema parte de uma descrição mais concreta (fim do dia, descanso, casa) e avança até um sentido mais aberto, remetendo a uma grande possibilidade de interpretações (“Um verso, um pensamento, uma saudade”). (OLIVEIRA, 1967).

3.3 Prosa de ficção

No caso da prosa, com seu caráter progressivo, que avança, como afirma Octavio Paz, outros aspectos são mobilizados. A prosa de ficção está relacionada à narrativa.

Romance, conto e novela são alguns exemplos da ficção em prosa, distintos entre si conforme a extensão e a ênfase dada a um ou mais episódios narrativos. Em comum, há o fato de que, diferentemente do que ocorre na poesia, focada nas percepções do eu lírico, tem-se, na prosa, a presença de um narrador. Esta é uma instância que organiza o discurso literário a partir de um ponto de vista, que pode ser mais ou menos pessoal, conforme o tipo de narrador (primeira pessoa, terceira pessoa). O texto narrativo parte de uma situação-problema.

Em torno dela se desenvolve a história, pela ação de personagens e pela progressão no tempo e no espaço. A ênfase do texto em prosa não é na sonoridade das frases ou mesmo na sugestão de ideias: é na apresentação de um caso por meio de narrativa e descrição. Nesse sentido, a verossimilhança adquire importância maior do que na poesia. É necessário ter maior atenção à coerência interna do texto. O conto a seguir, de Moacyr Scliar, exemplifica bem a linguagem do texto em prosa.

Mílton e o concorrente

Mílton ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços abaixo do custo. Mílton ainda está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem bonita é, nem simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão. A esposa fiel companheira de tantos anos está a seu lado, alerta também. Mílton ainda não fez o desjejum

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21 (desjejum? Um cigarro, um copo de vinho, isto é desjejum?) O concorrente já tomou suco de laranja, já comeu ovo, torrada, queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite.

Já está nutrido. Mílton ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente vestido. Mílton mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par das cotações da bolsa e das tendências do mercado. Mílton ainda não disse uma palavra, o concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o fiscal amigo, com os fornecedores.

Mílton ainda está no subúrbio; o concorrente, vencendo todos os problemas de trânsito, já chegou ao centro da cidade, já estar solidamente instalado no seu prédio próprio. Mílton ainda não sabe se o dia é chuvoso, ou de sol, o concorrente já está seguramente informado de que vão subir os preços dos artigos de couro. Mílton ainda não viu os filhos (sem falar da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou as filhas, já as formou em Direito e Química, já as casou, já tem netos. Milton ainda não começou a viver. O concorrente já está sentindo uma dor no peito, já está caindo sobre o balcão, já está estertorando, os olhos arregalados, já está morrendo, enfim (SCLIAR, 1979, p. 44-45).

O aspecto que mais se destaca nesse conto é o ritmo. Ao contrário da poesia mais tradicional (verso, rima, sonoridade), aqui o ritmo (rápido) se dá pelo encadeamento das ações, pelas frases curtas, pela síntese narrativa e pelo grande número de ações expresso em um curto espaço de tempo.

A comparação entre as ações de Mílton e do concorrente e a rapidez da narrativa (ritmo) estão a serviço do sentido do texto: levar a uma reflexão sobre modos de vida e escolhas, sobre a efemeridade do tempo. Observe a extensão dos dois primeiros parágrafos (ritmo acelerado) e a extensão dos dois últimos (desaceleração). Ainda que seja improvável, no mundo real, que alguém (como o narrador) possa saber exatamente o que duas pessoas fazem no mesmo momento (note a sincronia entre suas ações), no plano literário isso é verossímil. Ou seja, há uma coerência interna ao texto que possibilita aceitar o domínio que o narrador tem sobre as personagens. Além disso, o leitor aceita que aquilo que acontece a uma e outra personagem é crível, poderia acontecer no mundo real.

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22 3.4 Ficção e discurso

Um elemento que você ainda deve considerar acerca da linguagem literária é a constituição do discurso no texto ficcional. Como você já viu, a ficção é uma representação da realidade. Ela atua sobre os sentidos do real, mas não nega a realidade. Isso significa que o texto literário traz marcas de várias interações sociais pela linguagem. Na medida em que um autor organiza o texto literário, leva em consideração alguém a quem se dirige (destinatário, leitor), fazendo uma seleção de formas da língua.

Esse conjunto individual de escolhas e organizações textuais ditas ou escritas por um sujeito compõe um discurso. No texto literário, muitas vezes se percebe a confluência de vários discursos (de um ou mais narradores): das várias personagens, do próprio autor. Ou seja, o discurso implica uma dimensão social da língua, seus falantes, sua ideologia. Há, portanto, uma relação dialógica: entre um eu que fala e organiza o discurso (ou até mais de um, no caso da polifonia) e um tu a quem ele se dirige e que também é levado em consideração na composição discursiva. (OLIVEIRA, 1967).

O texto literário, em especial em prosa (por conter narrador e personagens), é capaz de reunir essas várias vozes. Os conceitos de dialogismo e polifonia têm sido muito importantes para a teoria literária. Eles são uma contribuição do estudioso russo Mikhail Bakhtin (1895–1975), que chamou a atenção para os vários discursos presentes em um mesmo texto. Duas de suas obras são fundamentais para você aprofundar o seu conhecimento nessa área: Marxismo e filosofia da linguagem (para entender melhor o conceito de dialogismo) e Problemas da poética de Dostoievski (que teoriza a polifonia).

Nessas obras, nota-se o quanto a composição de um texto literário é complexa e como a linguagem envolve camadas de sentido e vieses de interpretação. Para compreender melhor os conceitos de discurso, dialogismo e polifonia, leia o seguinte trecho do conto Chapeuzinho Vermelho, de Millôr Fernandes:

Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo.) Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de

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23 duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios.

Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntese para os nossos pequenos leitores:

o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).

Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo, que lhe disse: (Outro parêntese; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde". Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everyday Life", The Modern Library Inc. N.Y.).

Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a ideia do capitalismo devorando o proletariado e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó (FERNANDES, 1967, p. 31).

Para a compreensão do texto, o leitor recorre ao conhecimento prévio da história de Chapeuzinho Vermelho. O autor, por sua vez, reforça a trama conhecida a menina na floresta, a visita à avó, o encontro com o lobo. Porém, no caso da obra de Millôr, tem-se um desvio desses sentidos morais da fábula conhecida.

E o desvio se dá justamente pela presença de várias vozes além do discurso do narrador. Aliás, o próprio narrador reproduz a voz “tradicional” do narrador da fábula (“Era uma vez...”) em associação com um narrador intruso, que comenta o próprio processo de composição do texto, o que é perceptível por meio do discurso entre parênteses (“admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia

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24 da história”). Além disso, o narrador intruso projeta outros sentidos não diretamente inferidos (discurso científico, marxismo, teorias freudianas).

Você pode notar também a intertextualidade, aspecto que contribui para a expressão de múltiplas vozes do texto: fábula de Perrault sobre Chapeuzinho Vermelho, Freud, Marx. Essas múltiplas vozes também se expressam na percepção de leitores diferentes (criança, adulto, interessados na fábula, interessados na desconstrução do discurso fabular): Um parêntese para os nossos pequenos leitores”; “monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos”.

A referência ao discurso do provável autor (“indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a ideia do capitalismo devorando o proletariado”) também cria a percepção do outro (autor referencial, nesse caso, já que é o próprio criador). A descrição das personagens, a interação de Chapeuzinho com o lobo, o modo como as ações são interpretadas também contrastam com as falas do narrador. As interações entre as personagens ora se dão em discurso direto (uso do travessão), ora indireto, o que destaca o caráter “híbrido” do texto. O texto, assim, é formado por várias vozes. Note a constante referência ao outro (dialogismo), a presentificação do discurso do outro (intertextualidade, falas das personagens, manifestações do narrador), bem como a coexistência, sem sobreposição, desses vários discursos (polifonia). O trabalho do leitor é identificar essas camadas, perceber os desvios que essa construção propõe e apreciar a novidade dessa criação única. (Flach, 2018).

Fonte: www.enem.com.br

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25 4 NATUREZA E FUNÇÕES DA LITERATURA

4.1 Arte e literatura

Partindo da premissa de que a arte é uma linguagem, devemos observar os elementos que a constituem desde sua concepção geral até as mais particulares. Nesse sentido, precisamos ter como noção a importância da arte como reflexão e como expressão. Assim, enquanto a reflexão é tudo aquilo que podemos relacionar com sua produção, desde o momento de sua concepção/elaboração até a nossa leitura, a expressão é a tentativa sempre incompleta e inconclusa de dizer algo sobre o mundo e nós mesmos. (Flach, 2018).

A arte que se realiza como “obra-prima”: sim, porque podemos até mensurar a arte por meio de uma visão mais condescendente àquilo que julgamos bem elaborado e belo.

Segundo Robert Cumming, é caracterizada da seguinte forma:

A função e o objetivo de uma grande obra de arte, as expectativas nela depositadas e o papel do artista não são constantes, variam conforme a época e a sociedade. Contudo, algumas obras se destacam por terem a necessidade de falar de algo além de sua própria época e oferecerem uma inspiração e um significado que atravessam os tempos (1996, p. 08).

Hannah Arendt comenta que o interesse que é dado ao artista não se limita ao seu individualismo subjetivo, mas principalmente ao fato de ser ele, afinal, “o autêntico produtor daqueles objetos que toda a civilização deixa atrás de si como a quintessência e o testemunho duradouro do espírito que a animou” (1988, p. 252). A relação entre arte e literatura passa pela leitura das diversas “imagens” que as compõem.

Segundo Octavio Paz, “La imagen es cifra de La condición humana” (1970, p. 98).

Essa noção apresentada por Octavio Paz nos deixa mais atentos para o que é, o que não é e o que deveria ser... A arte e a literatura entendida como tal têm esse papel: de desencontrar o homem para reencontrá-lo consigo mesmo. Imaginemos, com Octavio Paz, a seguinte frase: “Piedras son plumas” e embarquemos em uma leitura que poderá fazer com que pensemos de forma diferente sobre as definições que nos cercam.

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26 Quem não conhece aquela pergunta capciosa: “O que pesa mais: um quilo de pedra ou um quilo de penas? ”. A redução ao aspecto científico (quilo) que reduz duas coisas diferentes a uma mesma instância é algo difícil quando tentamos ver cada coisa com sua própria característica. Ao dizer que pedras são plumas de maneira mais direta, sem o atenuante científico, caminhamos na direção de entendermos a realidade de outra forma. Aqui reside não a utilidade de uma obra de arte, mas o seu valor. (OLIVEIRA, 1967).

Fonte: www.futuroeventos.com.br

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27 4.2 Prazer e utilidade

Como vimos anteriormente, a literatura não tem a ver com o prazer por si só nem com o viés utilitário, mas sim com o valor propiciado a partir de cada experiência reflexiva.

Ficamos muito atrelados ao condicionante imposto socialmente, ou melhor, definido por leituras que nos antecederam e que comprometem, não raras vezes, nossa própria possibilidade de ler de outra forma. O termo prazer deve ser lido com cuidado e atenção.

Todas as palavras possuem significados diversos e possibilidades igualmente diversas. Vamos refletir sobre o seguinte pensamento: “Muitas vezes procurei prazer na leitura, poucas vezes o encontrei”. Se nós entendermos que o prazer é sempre algo bom, podemos ser induzidos a pensar que existe alguma coisa errada com a leitura ou com o leitor. Que algo está errado com o texto ou até mesmo com o contexto. No entanto, se pensarmos que toda a palavra possui aspectos positivos e negativos e que, se encararmos o prazer como algo negativo, poderemos ter uma nova possibilidade de leitura. Assim, não há nada de errado com a leitura ou com o leitor ou com o texto... a leitura realizada não provocou o prazer como sinônimo de estagnação e limitação tal como os efeitos entorpecentes de uma droga, mas sim exerceu seu papel mais importante: ao contrário de estagnação, deu indignação, revolta, angústia, medo, motivação, não conformismo com aquilo que nos cerca. “Poucas vezes encontrei na leitura o conformismo e a estagnação que muitos procuram” talvez seja a resposta.

Muitos procuram o prazer pelo prazer, sem se aterem ao fato de que este pode ser o problema.

Antes de avançarmos, é importante apresentarmos algumas perspectivas advindas da psicanálise evidenciando sua relação com a arte ou, no mínimo, com as possibilidades interpretativas que se abrem aos nossos olhos. Na virada do século XX, a arte rompe, através da pintura, com a organização espacial tradicional, vigente desde o Renascimento. Com Freud, é o sujeito representado por este olho que perde sua estabilidade, sua posição central. Pois, após o conceito freudiano de inconsciente, o eu deixo de ser o senhor de sua própria casa e passa a estar irremediavelmente dividido.

O espelho quebrado, oferecido pela arte e pela psicanálise, reflete apenas um eu fragmentado (RIVERA, 2005). Essa fragmentação tem a ver com a noção de prazer, não

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28 aquele prazer limitador, mas a compreensão deste como elemento impulsionador que influencia e direciona o indivíduo. O prazer é a realização do desejo. E o desejo, segundo Freud, é a instância na qual todas as tensões se exprimem. Pelo próprio fato de ficar inconsciente e, portanto, mais ou menos recalcado, o desejo que não se pode satisfazer ao nível do real transforma-se em permanente.

Permanece eternamente insatisfeito e exigente como se fosse intemporal.

Continuará indefinidamente a manifestar-se simbolicamente através de um disfarce. O disfarce protege geralmente o indivíduo contra o perigo da angústia que se desencadearia se o desejo se manifestasse abertamente. O recalcamento (repressão), ou mesmo a repulsa, supõe que o desejo é condenado por uma parte do indivíduo e não pode exprimir-se livremente. O desejo não pode ser verbalizado no diálogo com o outro.

O que interessa mais decisivamente à literatura é a originalidade do desejo humano, dos interesses culturais que dele advêm e das consequências que podem produzir; o que a sensibilidade humana pede não é efetivamente a satisfação de uma necessidade, é uma relação com o outro: um diálogo e um intercâmbio. É a busca do desejo do companheiro que responda ao desejo do sujeito. A fome, que é uma necessidade, tem como objeto uma coisa, ao passo que o amor, que é um desejo, tem como objeto o desejo de um outro.

O amor pede um outro desejo que corresponda ao seu. A diferença entre o desejo e a necessidade é a tendência e a capacidade do desejo de ser dito a um outro, de ser recebido por outro, de se exprimir e de se verbalizar. É pelo desejo que o homem acede à palavra. (Flach, 2018).

4.3 Literatura e escrita

Vamos começar pensando sobre os efeitos que podemos exercer sobre os demais seres e dos efeitos de sentido que podemos lançar mão para dizermos o que ainda é silêncio. Na originalidade do desejo humano somos capazes de pensar que a literatura é o silêncio pleno de palavras. O homem se distingue do animal graças à capacidade de

“pensar que está pensando”. Isso o faz um ser sensível. A dor que ele sente é forte não

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29 porque sente dor, mas porque sabe que está sentindo dor. O prazer que ele sente é intenso não porque sente prazer, mas porque sabe que está tendo prazer.

O homem é, portanto, um ser inteligente, criativo e sensível graças à capacidade de “pensar que está pensando”. E o instrumental que lhe permite isso é a linguagem.

Uma das manifestações da linguagem é a língua escrita. Ao escrever, o ser humano se insere na matéria, imortalizando o seu pensar e o seu sentir. Escrever é, nesse sentido, um ato de imortalidade, dado que o indivíduo é hoje o que foi ontem, e será amanhã o que é hoje. Ao escrever o seu hoje, que amanhã será passado, ele continuará presente.

No entanto, a literatura, por mais difícil que seja aceitar, não se limita à escrita. As manifestações orais advindas da tradição também fazem parte desse “processo cultural”, dessa organicidade da qual a literatura é parte.

Mesmo assim, o privilégio da escrita da literatura entendida como essa manifestação da linguagem por meio do código escrito faz parte do conjunto de valores ideológicos que perpassam e integram nossa formação individual e coletiva. Nessa perspectiva, talvez o elemento mais comumente aplicado para se entender o conceito de literatura esteja calcado na noção de “literariedade”, ou seja, a literatura, segundo Terry Eagleton, não é a escrita “imaginativa” nem tampouco se limita à distinção entre “fato” e

“ficção”, mas talvez seja “porque emprega a linguagem de forma peculiar” (2006, p. 03).

Essa definição de literário foi apresentada pelos formalistas russos, conforme esclarece Eagleton:

Os formalistas surgiram na Rússia antes da revolução bolchevista de 1917; suas ideias floresceram durante a década de 1920, até serem eficientemente silenciadas pelo stalinismo. Sendo um grupo de críticos militantes, polêmicos, eles rejeitaram as doutrinas simbolistas quase místicas que haviam influenciado a crítica literária até então e, imbuídos de um espírito prático e científico, transferiram a atenção para a realidade material do texto literário em si. (...) Em sua essência, o formalismo foi a aplicação da linguística ao estudo da literatura;

e como a linguística em questão era do tipo formal, preocupada com as estruturas da linguagem e não com o que ela de fato poderia dizer, os formalistas passaram ao largo da análise do “conteúdo” literário e dedicaram-se ao estudo da forma literária (2006, p. 03-04).

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30 É dessa noção que tiramos a maior parte do nosso referencial de “entrada” no texto literário. Personagem, narrador, espaço, tempo, temática são alguns dos conceitos científicos empregados até hoje. No entanto, essa se traduz como uma posição limitada ao campo da análise da materialidade linguística presente no texto. Há várias outras possibilidades sempre complementares e a partir dessa materialidade linguística que colaboram tanto com o entendimento acerca do emprego de determinada forma de escrita quanto com a compreensão do conteúdo presente nessa obra. Contextos históricos de produção e de recepção necessitam ser percebidos como continuidade dessa análise, fundindo-se a ela em uma busca interpretativa. Eagleton encerra a sua introdução com a seguinte reflexão:

Se não é possível ver a literatura como uma categoria “objetiva”, descritiva, também não é possível dizer que a literatura é apenas aquilo que, caprichosamente, queremos chamar de literatura. Isso porque não há nada de caprichoso nesses tipos de juízos de valor: eles têm suas raízes em estruturas mais profundas de crenças, tão evidentes e inabaláveis quanto o edifício do Empire State. Portanto, o que descobrimos até agora não é apenas que a literatura não existe da mesma maneira que os insetos, e que os juízos de valor que a constituem são historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Eles se referem, em última análise, não apenas ao gosto particular, mas aos pressupostos pelos quais certos grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre outros (2006, p. 24).

Mikhail Bakhtin (1993) se preocupou com essa indissociabilidade entre forma e conteúdo, entre a materialidade linguística e o conteúdo, entre a forma realizada e o processo de criação, de seus constituintes históricos, enfatizando que essa não é uma tarefa meramente “instintiva”, ou seja, não é um espaço para a mera intuição.

Essa sistematização visa compreender significativamente a singularidade da estética, sua relação com os campos da ética e da cognição, seu espaço na cultura humana e os seus limites enquanto objeto de análise. Isso leva em consideração que nenhum “valor cultural, nenhum ponto de vista criador pode e deve permanecer ao nível da simples manifestação, do fato puro de ordem psicológica e histórica; somente uma definição sistemática na unidade da cultura superará o caráter fatual do valor cultural. ” (1993, p. 16).

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31 A crítica, todavia, na busca por elaborar um juízo científico sobre a arte, aproxima- se da orientação positivista, caracterizada como uma “base mais estável para a discussão científica” (1993, p. 17) o que pode levar para a compreensão de que a forma artística se configura como um dado material demonstrável em alguns casos pela matemática, criando uma “premissa de caráter estético geral” (1993, p. 18). A presença implícita e explícita desse pressuposto de caráter estético-geral serve de embasamento a trabalhos e escolas na afirmação de uma concepção particular da estética geral sem nenhum senso crítico, chamada por ele de estética material.

Pode-se dizer que a estética material, como hipótese de trabalho, é inócua e, numa conscientização clara e metódica dos limites do seu emprego, pode até tornar-se fecunda, se for estudada apenas a técnica da obra de arte, mas tornar- se-á evidentemente prejudicial e inaceitável quando, baseado nela, se tentar compreender e estudar a obra de arte como um todo, na sua singularidade e significação estéticas. (1993, p.19)

Fonte: www.oficiodescribir.com.br

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32 5 LEITURA E LITERATURA

5.1 A importância das diferentes formas de leitura no cotidiano escolar

Saber ler e produzir textos de diferentes formatos, com diferentes objetivos e registros da língua é um ato de cidadania. Saber transitar entre as variações linguísticas é um dos passos necessários para viver em sociedade: se você precisa encaminhar um e-mail para seu chefe, mandar um recado de condolências, conversar com um amigo em um ambiente descontraído ou analisar um edital de um concurso, todas essas diferentes modalidades exigem uma adaptação do discurso. Às vezes, é requerido que utilizemos uma variante mais formal da língua; às vezes, uma mais informal. (Flach, 2018).

Portanto, ensinar aos nossos alunos os diferentes registros de uma mesma língua e como ou quando utilizá-los faz parte de um trabalho maior de formação de um cidadão consciente e capaz de atuar com propriedade em sociedade. Esse trabalho inclui proporcionar aos estudantes a possibilidade de tomar contato e de ler diferentes textos em sala de aula. Depois de ler e de estudar o gênero, os estudantes podem ser convidados a produzir os seus próprios textos. Se esse trabalho puder ser construído da forma mais significativa possível, melhor ainda. Por exemplo, quando os alunos estiverem aprendendo como se escreve cartas ou e-mails, por que não os enviar, de fato? Ou, se o gênero for notícia de jornal, por que não construir um jornal da turma com as informações sobre o cotidiano deles e sobre a escola? Tudo para que os estudantes consigam enxergar como esses diferentes gêneros funcionam na prática. Sobre a importância da leitura em sala de aula, encontramos a seguinte informação nos Parâmetros Curriculares Nacionais:

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33

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem, etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas (BRASIL, 1988, p. 69–70).

Você pode perceber, portanto, a riqueza que é o trabalho com a leitura, que mobiliza muito mais competências e conhecimentos do que simplesmente os de decodificar letras, formando palavras. Fica evidente, dessa forma, a importância de se trabalhar rotineiramente com a leitura em sala de aula.

A leitura pode ocorrer de diferentes formas e modalidades: a leitura realizada pelo professor para os alunos; a leitura realizada pelos alunos de forma silenciosa ou em voz alta; a leitura compartilhada; a leitura realizada para apresentar para os colegas. Cada vez mais, a leitura tem ocupado um local privilegiado nos planejamentos dos professores e nas aulas, servindo como base para inúmeros tipos de atividades.

Isso porque a leitura pode oferecer inúmeras possibilidades: a leitura para que o próprio aluno reflita e critique, atribuindo um sentido a ela; para que debata um assunto junto com os colegas e com o professor; para que releia e compare as conclusões da primeira leitura com a segunda leitura; ler para ouvir o que os outros têm a dizer sobre o texto; ler para comparar essa leitura com a leitura de outros textos; ler para apreciar.

(Flach, 2018).

Nesse sentido, é importante que o conceito de fluência leitora esteja claro, visto que essa é uma das grandes reclamações dos professores: os alunos não leem ou raramente leem; os alunos não leem com atenção; os alunos não compreendem o que leem. Para definirmos a fluência leitora, devemos, ainda, discutir a questão do letramento.

Letramento, ao contrário da alfabetização, não pressupõe apenas um sujeito capaz de decodificar letras e de, consequentemente, desvendar as palavras que formam um texto;

pressupõe um sujeito capaz de decodificar um texto, mas também de interpretá-lo, de fazer inferências a partir dele e de perceber esse texto dentro do seu contexto.

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34 Todo texto é produzido por um autor em uma determinada circunstância, e entender e perceber como essas informações se relacionam com o conteúdo do texto é tarefa de um leitor competente. Além disso, o leitor deve ser capaz de saber quando utilizar determinados tipos ou gêneros de texto de acordo com as diferentes situações e modalidades da língua e deve saber quais são as suas funções. Um leitor fluente deve conseguir realizar todas essas etapas de leitura.

Agora, é importante que você perceba quais são os fatores que determinam a compreensão da leitura de um texto. Koch e Elias (2006) apontam dois elementos fundamentais para refletirmos sobre o sucesso ou não de uma leitura: o autor/leitor e o próprio texto. Primeiramente, o aspecto leitor/autor está relacionado ao “[...]

conhecimento dos elementos linguísticos (uso de determinadas expressões, léxico antigo etc.), esquemas cognitivos, bagagem cultural, circunstâncias em que o texto foi produzido [...]” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 24). Leia o texto a seguir para perceber como isso funciona na prática:

VIDE BULA

[...]. Muito se tem tentado com drogas tradicionais, ou novidades, porém até agora nenhum teve o tão almejado efeito de curar este pobre enfermo. Há bem pouco tempo foi tentada uma droga novíssima, quase não testada, mas que prometia sucesso total, a

“Collorcaína”, que, infelizmente, na prática de nada serviu, seus efeitos colaterais extremamente deletérios (como a liberação da “Pecelidona”) quase acaba com o doente.

Porém, para o ano que vem, novos medicamentos poderão ser usados. Enquanto isso não acontece, o doente consegue se manter com doses de “Itamarina” que é uma espécie de emplastro que, se não cura, também não mata [...] (KOCH; ELIAS, 2006, p. 25).

Para que o leitor compreenda o texto, ele precisa lançar mão de conhecimentos de mundo específicos, precisa conhecer a história recente do Brasil, principalmente no que diz respeito à política e às eleições presidenciais. O autor inventou palavras, como

“Collocaína” e “Itamarina”, a partir de nomes de presidentes ao brincar com outro gênero textual: a bula de remédio. O doente, no caso, é o Brasil, e os políticos são possíveis remédios receitados para a cura do paciente. Dessa forma, o leitor deve levar em

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35 consideração esses conhecimentos (sobre história e política no Brasil do século XX e sobre o gênero textual bula) para compreender, de fato, o texto. Assim, as autoras concluem:

[...] podemos dizer que os conhecimentos selecionados pelo autor na e para a constituição do texto ‘criam’ um leitor-modelo. Desse modo, o texto, pela forma como é produzido, pode exigir mais ou exigir menos conhecimento prévio de seus leitores [...] (KOCH; ELIAS, 2006, p. 28–29).

O segundo elemento que determina a leitura é o próprio texto e a sua legibilidade.

Podemos pensar em aspectos materiais, linguísticos e de conteúdo. Dentre os materiais, podemos citar: tamanho, fonte e clareza das letras, cor e textura do papel, comprimento das linhas, tamanho das frases e dos parágrafos, qualidade da tela, etc. Já os linguísticos abrangem um número extenso de aspectos, como o léxico, o excesso de orações subordinadas, ausência de nexos para marcar a relação entre orações e frases, ausência ou inadequação do uso de pontuação, etc. Por último, a questão do conteúdo, que pode ser mais técnico ou não, mais complexo ou mais simples.

Pensando em todas essas características do texto e da leitura de texto, o professor deve estar sempre atento para realizar um trabalho diversificado: trabalhar não apenas com diferentes tipos e gêneros textuais, mas também com atividades que privilegiem vários aspectos, capacidades, conhecimentos e habilidades que devem ser levados em

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36 consideração e mobilizados durante a leitura de um texto. Dessa forma, o aluno começará a realizar leituras cada vez mais conscientes e efetivas.

5.2 O que diferencia a leitura da literatura da leitura de outros tipos de texto?

Depois de estabelecermos a importância da leitura de variados tipos e gêneros textuais, é importante que deixemos claro quais são as diferenças entre um texto literário e um texto não literário, visto que, dentro da leitura de textos, a leitura de textos literários ocupa um espaço muito importante e que deve ser cada vez mais privilegiado e destacado. Em primeiro lugar, devemos apontar que, enquanto a conotação é característica do texto literário, a denotação é característica do texto não literário.

Conotação é a linguagem utilizada em seu sentido metafórico, ao passo que a denotação, em seu sentido literal.

Claro que, quando falamos dessas características, não queremos dizer que nunca aparecerá uma metáfora, por exemplo, e uma linguagem mais conotativa em um texto não literário. O mesmo ocorre com o texto literário e com a denotação: com certeza, em vários momentos, a linguagem utilizada em seu sentido objetivo, ou dicionarizado, aparecerá em um texto literário. Estamos tratando aqui de predominâncias, e não de exclusividades de características que são mais fortes ou marcantes em cada um dos tipos de texto. O Quadro 1, a seguir, apresenta uma relação entre texto literário e texto não literário. (Flach, 2018).

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37 Em seguida, é fundamental abordarmos a questão da subjetividade, uma das principais marcas da literatura. A subjetividade pode se referir a, pelo menos, dois fenômenos relacionados ao texto literário. O primeiro se refere ao fato de que, no texto literário, nós podemos aprender muito sobre o seu autor. Mesmo que ele não escreva sobre ele mesmo, mas sobre personagens fictícios, suas crenças e sua visão de mundo acabarão aparecendo, nem que seja um pouquinho, em seu texto. Isso tem relação com o fato de o texto literário ser um texto pessoal e não ter preocupação em ser isento, em apresentar as informações de forma mais objetiva possível. (Flach, 2018).

Além desse primeiro aspecto da subjetividade de um texto literário, há outro ainda:

é possível afirmar que o sentido do texto literário nunca está dado, nunca está pronto. É sempre o leitor quem definirá o que cada texto literário significará para si, o que tem como consequência o fato de leitores diferentes, em diferentes tempos e em diferentes lugares, lerem um mesmo texto de formas diferentes. Mais do que isso, um mesmo leitor, em momentos distintos de sua vida, pode ler um mesmo texto de modos distintos.

Entretanto, isso não significa que possamos interpretar qualquer coisa a partir de um texto. Apesar disso, as possibilidades de interpretação são várias. Uma outra marca que diferencia os textos literários dos textos não literários é a preocupação com a forma.

Se o texto não literário se preocupa em passar uma informação, o texto literário está muito mais preocupado com a forma como passará essas informações.

Podemos perceber isso a partir da leitura do trecho a seguir, fragmento do livro Iracema, de José de Alencar.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas (ALENCAR, 1865, documento on-line).

José de Alencar poderia ter afirmado, de uma forma muito mais simples e direta, que Iracema era uma moça alta e esguia, com os cabelos negros, com um sorriso bonito

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