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Representações sociais do sucesso acadêmico na perspectiva de estudantes bem-sucedidos

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Academic year: 2017

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JÚLIO JOSÉ CARDOSO EGREJA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO SUCESSO ACADÊMICO NA

PERSPECTIVA DE ESTUDANTES BEM-SUCEDIDOS

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, visando à obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

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Ficha elaborada pela Coordenação de Processamento do Acervo do SIBI – UCB.

E32r Egreja, Júlio José Cardoso.

Representações sociais do sucesso acadêmico na perspectiva de estudantes bem-sucedidos / Júlio José Cardoso Egreja. – 2007. 88f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2007. Orientação: Afonso Celso Tanus Galvão

1. Ensino médio. 2. Rendimento escolar. 2. Motivação na educação. I. Galvão, Afonso Celso Tanus, orient. II. Título

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Aos meus pais, pela aposta incondicional no meu sucesso e na minha felicidade, e por me fazerem acreditar nisso.

A Andrea, companheira de todas as ocasiões, que soube compreen-der meus momentos de ansiedade e de solidão.

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AGRADECIMENTOS

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RESUMO

Este trabalho objetivou investigar as representações sociais do sucesso acadêmico por meio de pesquisa qualitativa. Participaram da pesquisa 36 estudantes da terceira série do ensino médio de três escolas privadas de Brasília, que integram o universo dos 10% de maior desempenho acadêmico de sua série, em cada escola. Foram realizadas 12 entrevistas individuais semi-estruturadas e três entrevistas de grupo focal, com 8 jovens em cada um. A pesquisa buscou identificar as significações do sucesso acadêmico, assim como investigar informações, imagens e atitudes relacionadas a esse sucesso. Os resultados sugerem que as significações do sucesso acadêmico giram em torno de reconhecimento, poder e inserção social. Inicialmente, o reconhecimento pode ser interpretado como a materialização social do sucesso, ou seja, aquilo que o transforma em um construto socialmente aceito e valorizado. Portanto, há um elemento de constituição de identidade operando nesse processo. O discurso dos entrevistados revelou também o poder como fator significacional de construção da imagem no grupo, de tratamento diferenciado dos professores, de inserção social, de popularidade e aumento do círculo de amizades. Esse fato torna-se ainda mais relevante se considerarmos que a maioria se declarou introvertida. Em se tratando de estratégias motivacionais para o estudo, observou-se tanto o apelo a metas relacionadas à aprendizagem profunda, mantidas pelo prazer em aprender, quanto àquelas baseadas em aprendizagem superficial, com foco no alcance de boas notas. Os entrevistados demonstraram em geral forte necessidade de manutenção de expectativas daqueles que atuam como referências, freqüentemente os pais.

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ABSTRACT

This study aimed at investigating the social representations of academic success in the perspective successful students by using qualitative method. Participants were 36 students of the last year of the secondary school of three private schools of Brasilia. They were amongst their schools’ best 10% in academic performance. Participants took part in twelve individual semi-structured interviews and three focal groups interviews with 8 students each one. The research tried to identify the meanings of the academic high performance and to examine information, images and attitudes concerned to these matters. Results suggest the meanings of academic success carry out the idea of recognition, power and social insertion. Recognition can be interpreted as the social materialization of social success: something that makes it a construct socially accepted and valued. So this process stands for a strong factor of identity construction. From the group’s discourse emerged the notion of power. The image of power as meaning of academic success was also expressed in the privileged treatment by their teachers. The popularity derived from academic excellence makes it possible for these students to expand their friendship network. This becomes particularly important if we consider that most participants declared themselves introverts. Concerning motivational strategies to keep working, it was observed the use of both strategies intrinsically based on learning for pleasure and focused on aims related to deep learning, as well as those based on more superficial strategies associated to merely achieving good grades. In general interviewees showed a strong need for keeping themselves up to the expectations of those important to them, particularly parents.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 1. REVISÃO DA LITERATURA: sucesso acadêmico...

1.1.Sucesso acadêmico e inteligência... 1.1.1. Inteligência e testes psicométricos... 1.1.2. Natureza X ambiente... 1.2. Motivação ... 1.2.1. Motivação para a aprendizagem... 1.3. Expertise... 1.4.Fatores sociais do sucesso acadêmico... 1.4.1. O ambiente escolar... 1.4.2. O contexto familiar e o sucesso acadêmico... 1.4.3. Os colegas e o sucesso acadêmico...

2. NATUREZA DA PESQUISA E METODOLOGIA...

2.1.Problema... 2.2.Justificativa... 2.3.Objetivos... 2.3.1. Objetivo geral... 2.3.2. Objetivos específicos... 2.4.Método... 2.4.1. Instrumentos de coleta de dados... 2.4.2. Participantes e local... 2.4.3. Procedimentos... 2.4.4. Estratégia de análise... 2.4.5. A teoria das representações sociais e o ambiente escolar...

3. RESULTADOS...

3.1.Significações do sucesso acadêmico... 3.1.1. Reconhecimento... 3.1.2. Poder... 3.1.3. Inserção social... 3.2.Motivações para o sucesso acadêmico... 3.2.1. Atender a expectativas... 3.2.2. O papel dos professores... 3.2.3. Modelos... 3.2.4. Vestibulares e PAS... 3.2.5. Competição... 3.2.6. Aprendizagem x notas... 3.3.Imagens negativas relacionadas ao sucesso escolar... 3.3.1. Apelidos... 3.3.2. Pressão excessiva... 3.3.3. Insucessos... 3.4.Inteligência e sucesso acadêmico...

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES...

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INTRODUÇÃO

Sucesso acadêmico pode ser considerado resultado da aprendizagem dos conteúdos escolares e é caracterizado pela manutenção de alto desempenho escolar, expresso na forma de boas notas ao longo de anos. Há uma série de fatores e processos que contribuem para esse elevado rendimento, que podem ser próprios do indivíduo, enquanto outros podem ter origem no meio, como as expectativas e investimentos materiais e afetivos dos familiares. As causas do sucesso podem ser, portanto, de natureza individual ou de construção coletiva.

Dentre os fatores que influenciam o sucesso acadêmico destaca-se a motivação para a aprendizagem, caracterizada como força que move o indivíduo na direção da aquisição de novos conhecimentos. A motivação pode ter orientação intrínseca, centrada no processo de aprendizagem, ou extrínseca, com foco no desempenho, dependente de fatores externos tais como recompensas. Assim sendo, também na motivação, torna-se difícil, se não impossível, distinguir exatamente o que é fator puramente pessoal e o que é fruto de interação social (STREET, 2001).

A inteligência, um construto de definições tão diversas, apresenta grande relevância nesse contexto. Muitas vezes é definida como capacidade de aprender a partir da experiência, ou como conjunto de processos mobilizados na resolução de problemas (ROAZZI; SPINILLO; ALMEIDA, 1991). Há uma quantidade de testes que vêm sendo desenvolvidos desde o século XIX e que têm por função avaliar o desempenho cognitivo das pessoas. Os testes de inteligência, segundo Coll (1996a), continuam sendo preditivos de sucesso acadêmico.

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por outro lado oferece uma quantidade de atividades para ou extra-escolares que concorrem com a necessária dedicação.

Com a intenção de investigar as imagens e atitudes que compõem as representações sociais do sucesso acadêmico, o presente trabalho visou pesquisar também, por meio de entrevistas com estudantes bem-sucedidos, as conseqüências do sucesso na vida social, familiar e escolar desses jovens.

As significações do sucesso acadêmico que emergiram neste estudo vão muito além da manutenção de elevados escores nos boletins escolares. Os fatores motivacionais se mostraram bem diversos, tendo o modelo e a expectativa dos pais como elementos decisivos.

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1. REVISÃO DA LITERATURA: sucesso acadêmico

Do ponto de vista da gestão de sistemas de ensino, o sucesso escolar é geralmente avaliado por meio da análise de indicadores como o número de matrículas, a freqüência dos estudantes, as taxas de evasão escolar e o desempenho de escolas ou sistemas em avaliações de larga escala (INEP, 2002). Porém, considerando-se o aprendente, tal sucesso pode ser considerado a partir dos sinais exteriores de competência, baseados nos produtos e nas atitudes avaliadas pela escola como, por exemplo, o rendimento escolar acumulado (notas ou médias de final de período escolar).

Para o estabelecimento desses sinais exteriores, o estudo individual deliberado representa uma importante dimensão a ser considerada. Em termos gerais, estudantes de sucesso dedicam quantidade considerável de tempo ao estudo individual superando dificuldades como a fadiga e o desejo de desenvolver tarefas que gerem mais prazer em curto prazo (GALVÃO, 2001).

Entretanto, para Perrenoud (1995), alguns casos de elevados resultados podem ser frutos de manipulação por parte do estudante, que passa a jogar com as regras que o jogo permite. Há um jogo tácito entre professor e aluno, no qual muitas vezes este tenta manipular a situação em seu favor percebendo suas lacunas. Em outras palavras, aprender a ter sucesso acadêmico é aprender também a preparar-se para as provas.

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análise de provas anteriores, por exemplo, e pautam seu estudo nessa preparação para a realização de exames.

Portanto, a concretização do sucesso acadêmico envolve estratégias previstas no currículo formal e outras pertinentes ao currículo oculto, que abrange o conjunto de processos e recursos não explicitados nos planos escolares, mas que exercem influência nas relações entre os membros da comunidade educativa, de forma tácita.

No que diz respeito ao sucesso acadêmico, duas dimensões são particularmente esclarecedoras. Envolvem aspectos psicológicos e sociológicos que parecem influenciar o desempenho escolar. Assim, o sucesso acadêmico será apresentado sob dois vieses: psicológico e sociológico. Na abordagem psicológica, será relacionado a construtos como inteligência e motivação. Sob o viés social, o sucesso acadêmico será tratado nos contextos escolar e extra-escolar.

1.1.Sucesso acadêmico e inteligência

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problemas. Roazzi, Spinillo e Almeida (1991) a definem como um conjunto de processos mobilizados na resolução de problemas.

A despeito do caráter subjetivo dos conceitos de inteligência, uma categoria que a acompanha desde o século XIX é sua aferição por meio de testes de inteligência.

1.1.1. Inteligência e testes psicométricos

A medição do nível de inteligência de um indivíduo foi objetivo seguido por muitos especialistas. Galton (1883) criou um teste de inteligência baseado em questões que avaliavam a capacidade motora e sensorial (de percepção de diferenças sutis como volume de som, peso de objetos, notas musicais), com o intuito de classificá-las. Para ele, deveria ser estimulada a reprodução daquelas pessoas consideradas mais inteligentes (aquelas capazes de detectar diferenças sutis por meio dos órgãos sensoriais), em detrimento das que obtinham menor desempenho em seus testes. Tal visão, além de enfatizar somente processos perceptivos sensoriais, é uma proposta eugênica, isto é, traz implícita a idéia de uma apuração da raça em direção a um modelo ideal. Algo que, embora soe absurdo, possui até hoje defensores no meio acadêmico, como por exemplo, Watson (2005), renomado geneticista e um dos descobridores da estrutura do DNA, que afirmou recentemente não enxergar problemas na utilização de recursos de manipulação genética para o aprimoramento da espécie humana. Para ele, não faz sentido permitir o nascimento de uma pessoa que apresente, sabidamente, capacidade cognitiva muito inferior à média da população.

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crítica (reflexão sobre seus próprios pensamentos e ações). O resultado obtido pela criança era comparado ao de outras com a mesma idade cronológica, obtendo-se o que foi denominado idade mental, tendo como objetivo principal a identificação de crianças medianamente retardadas ou com dificuldades de aprendizagem para que a elas fosse dada a oportunidade de uma educação adequada às suas necessidades.

A partir daí, Stern (1912) sugeriu a criação de um quociente de inteligência (QI), caracterizado pela razão entre a idade mental e a idade cronológica. Assim, QIs acima de 100 caracterizam idade mental superior à cronológica. No contexto de uma ciência positivista, os testes de QI mostravam-se adequados (COLL, 1996a; STERNBERG, 2000).

Posteriormente, vários modelos de testes de inteligência surgiram. Spearman (1923) propôs, por exemplo, o fator de inteligência geral, ou fator g, uma espécie de energia mental responsável inclusive pelo desempenho nos testes específicos. Muitos foram os pesquisadores que propuseram modelos multifatoriais (CARROLL, 1993; CATTELL, 1971; GUILFORD, 1967). Por meio de análises multifatoriais, fragmenta-se estatisticamente um construto, nesse caso a inteligência, para se interpretar cada fator ou habilidade a ele atribuída. Thurstone (1938, citado por STERNBERG, 2000), por exemplo, analisou a inteligência em sete fatores denominados capacidades mentais primárias: compreensão verbal, fluência verbal, raciocínio indutivo, visualização espacial, habilidade numérica, memória e rapidez perceptiva.

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Sternberg (1981) também criou testes que analisavam a inteligência, basicamente segundo o tempo de processamento em cada uma de duas etapas do processo cognitivo: o planejamento global (conhecimento do problema e elaboração de estratégias de resolução) e planejamento local (a implementação das estratégias de resolução e seus detalhes). Percebeu que, em geral, pessoas consideradas mais inteligentes (ou seja, de melhor desempenho nos testes de inteligência) levam mais tempo no planejamento global, porém menos tempo na execução da tarefa. Por analogia, segundo o autor, pesquisadores mais brilhantes levariam mais tempo no planejamento e pesquisa, porém seriam mais rápidos na redação do trabalho que os menos brilhantes. Sternberg (2000), ainda, considera a inteligência dependente de três capacidades, ou formas de pensamento: analítica (para problemas conhecidos), criativa (para problemas novos) e prática (para problemas de contextos cotidianos). Os conhecimentos oriundos dessa classificação ficaram conhecidos como a teoria triárquica da inteligência de Sternberg.

Gardner (1995), além de criticar os testes psicométricos de inteligência, contesta o sistema educacional no qual e para o qual esses testes foram desenvolvidos. Para o autor, a escola deveria ser centrada no indivíduo, de modo a atender os interesses e habilidades dos estudantes. Escola em que os educadores são especialistas em avaliação, sensíveis e preparados o suficiente para perceber e potencializar as capacidades e as diversas inteligências do aluno – lógico-matemática, lingüística, interpessoal, intrapessoal, musical, corporal-cinestésica e espacial. Portanto, Gardner (1994) defende a idéia do talento como característica inata, embora não possa determinar satisfatoriamente a estrutura mental sobre a qual esta noção se sustenta.

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ou muito abaixo da média pode gerar nas crianças dificuldades de várias ordens no campo relacional e afetar a aprendizagem (FONTANA, 1998).

Outra crítica em relação a essas avaliações psicométricas é que elas geralmente não levam em conta a diversidade regional e cultural dos avaliados. Os testes são padronizados, e, em geral, traduções de instrumentos elaborados por pesquisadores europeus ou norte-americanos. Sabemos que, mesmo entre aqueles que habitam a mesma região geográfica, há diferenças culturais que variam, por exemplo, de acordo com a origem étnica ou socioeconômica. Muitos pesquisadores (ex. JENKINGS, 1979; KEATING, 1984) construíram testes de inteligência que empregam habilidades e conhecimentos relacionados às experiências dos respondentes. A criação desses testes relevantes à cultura envolve mais do que somente a adaptação lingüística. Leva em consideração o contexto social em seus diversos matizes (especificidades de gênero, de ambiente físico e outras). Ceci e Bronfenbrenner (1985), por exemplo, perceberam que adolescentes apresentam desempenhos diferentes em uma mesma habilidade, a depender da forma como é exigida.

No campo educacional, os resultados dos estudos sobre a inteligência devem ser analisados a fim de se aprimorar os processos de ensino-aprendizagem buscando um trabalho inclusivo, visando o desenvolvimento de habilidades distintas nos estudantes, de acordo com seus interesses e possibilidades. Até os dias de hoje, os testes de inteligência continuam sendo preditivos de sucesso acadêmico, pelo menos até o nível do ensino médio. Nesse sentido, podem-se identificar com relativa margem de segurança alunos com potencial acadêmico, ainda no início de sua escolaridade (COLL, 1996a; 2000).

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inteligência, é presença constante o debate que estabelece a dualidade entre fatores ambientais e fatores biológicos como colaborativos para seu estabelecimento.

1.1.2. Natureza X ambiente

Anatomicamente, o cérebro humano é bem conhecido. Suas regiões estão relativamente bem descritas nos manuais de anatomia. Em termos fisiológicos, muitas áreas do encéfalo já foram mapeadas. Sabe-se, por exemplo, quais são as regiões responsáveis pela fala, visão, equilíbrio, coordenação motora, emoções. Porém, em relação aos processos cognitivos, as bases psicofisiológicas são ainda bastante inconsistentes. Vários estudiosos (ex. HAIER, 1992; VERNON; MORI, 1992) já tentaram correlacionar inteligência (avaliada em testes de inteligência) a fatores neurofisiológicos ou anatômicos, como à massa cerebral, à velocidade de condução do impulso nervoso e à taxa de consumo de glicose no cérebro. Entretanto os resultados dessas pesquisas se mostraram inconsistentes ou carentes de maiores investigações (STERNBERG, 2000).

Para muitos autores (ex. PLOMIN; PETRILL, 1997, citados por COLOM, 1998), a influência genética é um dos determinantes das diferenças intelectuais entre as pessoas, embora não seja a única, e suas bases não estejam esclarecidas.Pesquisas demonstraram que indivíduos geneticamente relacionados que foram criados em famílias distintas têm uma semelhança cognitiva significativa, verificada em testes de inteligência.

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genes. Segundo Plomim e Petrill (1997), independentemente da estimação precisa da hereditariabilidade, o fato é que a influência genética sobre o desempenho nos testes de inteligência não é somente estatisticamente significativa, como também é substancial.

Nem todos os autores comungam dessa tese. Smith (1998), por exemplo, defende a idéia de que o desenvolvimento humano é impulsionado menos pelos traços biológicos e mais pelas experiências culturais heterogêneas que o próprio aprendiz tornou significativas. Mesmo as diferenças transculturais têm sido correlacionadas a diferenças no desempenho em testes de inteligência: comunidades rurais versus urbanas; proporções baixas versus altas de adolescentes dentro das comunidades, nível socioeconômico baixo versus alto das comunida-des (STERNBERG, 2000).

Com base em todo este debate, talvez seja plausível pensar que o construto inteligência é tampouco influenciado por fatores exclusivamente biológicos, nem somente por aqueles atribuídos ao ambiente: trata-se de um construto multifatorial, para o qual a restrição a algum desses fatores nos parece uma posição reducionista, inclusive porque, até o presente momento, e com os recursos disponíveis, não é possível segregar os fatores biológicos dos culturais, já que eles se relacionam e se influenciam mutuamente.

1.2. Motivação

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Na visão dos comportamentalistas, motivação, recompensa e punição caminham muito próximas. A motivação corresponde a um impulso proveniente de um estímulo externo gerador de resposta, que é um comportamento observável (COUTINHO; MOREIRA, 1999). Quando se quer motivar o indivíduo em direção a um comportamento desejado, usa-se a recompensa. Quando não se quer tal comportamento, a punição atua como fator motivador da extinção desse comportamento observável. À medida que o estímulo é repetido, ocorre uma associação entre ele e a resposta, que passa a ser automatizada, transformando-se em hábito. Nessa visão, o ambiente é determinante da motivação e, portanto, controlador das aprendizagens. Portanto essa abordagem não prestigia as estruturas cognitivas (MIZUKAMI, 1996; STERNBERG, 2000).

Para a teoria psicanalítica, a motivação está relacionada à satisfação dos instintos e dos desejos, que por sua vez estão ligados à sobrevivência do indivíduo e ao prazer (fome, sede, sexo etc.). Esses impulsos motivadores, denominados pulsões, atuam em direção à satisfação de desejos inconscientes. Braghirolli (1990) ressalta que, para Freud, os fenômenos do inconsciente, tais como os sonhos, podem influenciar a motivação do indivíduo.

Autores de influência cognitivista (STERNBERG, 2000) acreditam que a motivação origina-se tanto de processos conscientes do indivíduo como dos acontecimentos do meio sobre os quais não tem controle. Por meio da percepção, valores, crenças, opiniões e expectativas, o indivíduo regulará sua conduta em direção à meta desejada. O discurso de psicólogos cognitivistas enfatiza o papel da criatividade como agente motivador de descobertas de padrões e significações.

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(MIZUKAMI, 1996). Para Maslow (1970), a motivação segue uma escala hierárquica das necessidades básicas (sede, fome, proteção ao perigo) passando pelas afetivas (amor, aceitação, auto-estima) até as intelectuais (cognitivas, estéticas, auto-realização). Para ele, o indivíduo só irá motivar-se intensamente por uma determinada necessidade se a anterior estiver atendida (FONTANA, 1998).

Para Freire (1980), em abordagem sociocultural, a motivação corresponde à energia libertadora da submissão do oprimido, tendo como meta a consciência crítica e a humanização das relações sociais.

1.2.1. Motivação para a aprendizagem

A aprendizagem é definida por Fontana (1998, p. 156) como “mudança relativamente persistente no comportamento potencial do indivíduo devido à experiência”. Para Hilgard (1973, p. 3) aprendizagem é o

[...] processo pelo qual uma atividade tem origem ou é modificada pela reação a uma situação encontrada, desde que as características da mudança não possam ser explicadas por tendências inatas de respostas, maturação ou estados temporários do organismo.

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A motivação para a aprendizagem tem característica dinâmica e desenvolve-se na relação entre o indivíduo e seu meio. Pode ser categorizada segundo três dimensões: origem, estabilidade e possibilidade de controle. Se a motivação é originada e sustentada a partir do desejo, necessidade ou satisfação do aprendiz, é denominada interna; se o motivo advém do ambiente, é classificada como externa. Nesse caso, o estudante mantém-se dependente de fator externo para continuar interessado na tarefa. Alunos com forte motivação extrínseca dependem de um ambiente competitivo que gere comparações entre as pessoas. Do ponto de vista da avaliação, as que apresentam função classificatória atuam como motivadoras extrínsecas (STREET, 2001). Segundo o mesmo autor, a motivação intrínseca é aquela alimentada pela curiosidade, necessidade de exploração, de descoberta. É caracterizada por gerar metas de longo prazo, centradas na aprendizagem. Portanto, o estudante foca mais o processo, a tarefa em si, do que o resultado que ela produzirá.

Se a motivação é dependente de um fator dificilmente alterável, como habilidade, é considerada estável; se depender de fatores volúveis como humor, é considerada instável. Quanto à controlabilidade, a motivação é considerada controlável ou incontrolável, dependendo da possibilidade de controle do sujeito sobre o fator motivacional. (TAPIA; GARCIA-CELAY, 1996; DRISCOLL, 1999).

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A motivação intrínseca é também decisiva para o alto desempenho criativo. Impulso para a realização, dedicação ao trabalho, desejo pelo novo (ALENCAR, 1991), amor à criação e curiosidade intelectual são fatores motivacionais à criatividade, e ao desenvolvimento de altas habilidades (MARTÍNEZ, 1995).

Csikszentmihalyi (1996) denominou de estado flow o ápice da motivação intrínseca, quando o indivíduo concentra-se tanto na atividade que acaba por perder a noção do tempo. Nesse caso, a satisfação pelo processo e o sentimento de controle são tão intensos que a atividade passa a ter um fim em si mesma, sendo denominada “autotélica”, superando-se resistências como o cansaço e a ansiedade (ALENCAR; GALVÃO, 2007; COLL, 1996a).

Níveis de ansiedade e de controle interno interferem na motivação. Em geral, existe uma faixa ótima de ansiedade geradora de incremento à motivação para a aprendizagem e para a performance. Portanto, a ansiedade nem sempre atua como fator de resistência à realização da tarefa. Se a pessoa encontra-se abaixo dessa faixa, tende à letargia. Se estiver acima, pode passar a sentir medo do fracasso, que pode gerar aprendizagem superficial (preenchimento de requisitos formais da tarefa para não fracassar) ou conduta estereotipada (ex. “eu já sei”, ou “essa tarefa é banal”), o que dificulta o avanço (COLL, 1996a; FONTANA, 1998).

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experiência anterior em tarefa semelhante, o conhecimento do desempenho de alguém na mesma tarefa, a persuasão verbal feita por outra pessoa e o estado fisiológico ou psicológico (emocional) do aprendiz. Estudantes com autoconceito e auto-estima elevados obtêm melhores resultados na escola (BANDURA, 1977; COLL, 1996a, 2000).

Para Weiner (1979), a motivação para ações futuras depende da maneira como atribuímos razões para o sucesso ou fracasso de ações passadas. As causas atribuídas podem ser classificadas em categorias. Quanto à origem, podem ser internas ou externas. Em relação ao controle, elas podem ser controláveis ou não-controláveis (pelo próprio indivíduo). Por exemplo, afirmação causal como “... não me saí bem porque eu estudei pouco, de fato” denota atribuição interna e controlável (na próxima vez, poderá se dedicar mais), enquanto “não fui bem porque o professor não explicou bem a tarefa” caracteriza atribuição causal externa, não-controlável. Segundo o autor, estudantes mais motivados são aqueles que atribuem a causa do sucesso ao próprio esforço (interna, controlável).

Pode-se traçar um paralelo entre o sucesso acadêmico e o elevado nível de desempenho em tarefas específicas, ou seja, a expertise.

1.3. Expertise

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Sentir-se valorizado e capaz são importantes fatores para se atingir a excelência. A atribuição causal interna também é uma característica presente no desenvolvimento da expertise. Portanto, pessoas que atingem a expertise tomaram para si a responsabilidade de sua aprendizagem dedicando-se intensamente ao estudo individual deliberado ao longo de muitos anos, o que lhes passa a conferir amplo domínio na área de expertise. São geralmente determinadas a atingir alta qualidade de performance, ou seja, dedicam-se intensamente ao estudo e à atuação na tarefa em si.

Para Ericsson e Smith (1994), o desenvolvimento da expertise se dá por etapas, em que se observa uma progressiva mudança de fatores motivacionais: dos externos (pais, professores auxiliando na construção de uma rotina de estudo e organização) aos internos (auto-reguladores, ou seja, a pessoa desenvolve mecanismos próprios de estabelecimento e perseguição de metas e de rotinas de estudo individual).

Segundo Galvão (2001), entre outras características do especialista, destacam-se a excelente memória e o uso de diferentes estratégias para a resolução e representação de problemas, além da capacidade de concentração na atividade da expertise, muitas vezes solitária e monótona. Expertos constroem estratégias de adiamento de gratificações, ou seja, desenvolvem mecanismos de resistir às ofertas para atividades outras potencialmente mais prazerosas em curto prazo optando pela atividade em que se especializarão.

1.4.Fatores sociais do sucesso acadêmico

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de considerações sobre a relação entre o sucesso acadêmico e alguns fatores, tais como o nível socioeconômico e os ambientes escolar e familiar.

Pesquisas diversas avaliaram a relação entre o desempenho dos alunos em provas e diversos fatores ligados ao contexto sociocultural. Muitas dessas pesquisas foram desenvolvidas simultaneamente em vários países (GOMES, 2005). Cientes do risco do reducionismo e de relegarmos alguns aspectos relevantes, optamos por categorizar esta abordagem em três contextos: o ambiente escolar, o ambiente familiar e os colegas. Mesmo sabendo que integram o ambiente escolar, optamos por enfatizar a participação dos colegas na obtenção e manutenção do sucesso escolar.

1.4.1. O ambiente escolar

Há na literatura a visão de que escolas com maior autonomia na gestão e com diretores com visão estratégica, capacidade de liderança e de motivação do corpo docente, e que tratam bem os alunos e professores, apresentam índices maiores de rendimento escolar. Portanto, a capacidade de decisão acerca de compras, nomeações, demissões e outras atribuições do gestor têm implicação no aumento de desempenho dos estudantes (GOMES, 2005). Mais que controlar, gestores de escolas eficientes incentivam o desenvolvimento dos potenciais de seus educadores e alunos. Estimulam e encorajam o corpo docente a prosseguir estudos, tratam os estudantes cordialmente, possuem certo grau de autonomia, zelam por um ambiente democrático e por uma atmosfera de ordem.

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que as menos equipadas. Não há dúvidas de que as instalações e equipamentos influenciam no sucesso acadêmico, porém é difícil quantificar essa influência, já que escolas bem equipadas, em geral, apresentam também outros atributos e atraem estudantes de destaque acadêmico que representam um público auto-seletivo. Embora os recursos sejam prevalecentes, percebe-se que os processos, mais que os recursos, exercem maior influência no favorecimento de elevados desempenhos escolares (CASASSUS, 2002).

Em relação ao número de alunos por turma, pesquisa na América Latina demonstrou que turmas com 25 estudantes apresentam melhores desempenhos que outras significativamente menores ou maiores (CASASSUS, 2002). Gomes (2005) mostra que, em países de outros continentes, o número de alunos pode não ter influência direta no rendimento dos estudantes. Em outras palavras, mais importante que a quantidade de alunos por turma é o tipo de estratégia de ensino adotada e o clima da sala de aula.

Para alguns autores (CASSASSUS, 2002; GOMES, 2005), dos fatores ligados à escola, o clima emocional de sala de aula é o que mais influencia no desempenho dos estudantes. Casassus (2002) chega a afirmar que esse fator tem, quantitativamente, a mesma significância que todos os outros juntos. Várias características concorrem para o estabelecimento de saudáveis relacionamentos interpessoais na sala de aula que repercutem na elevação do desempenho dos alunos: ambiente cooperativo, cumprimento de normas estabelecidas em conjunto, confiança, cordialidade, liderança, clima de ordem, ausência ou baixos níveis de violências (GOMES, 2005; UNESCO, 2003). O que denominamos “clima de sala de aula”, portanto, é um conjunto segmentado de fatores que abrangem desde a formação e personalidade do professor até as condições físicas da sala.

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relação à sua prática e mais autônomos têm alunos com melhores desempenhos acadêmicos. O mesmo autor mostra que, em relação às atribuições causais, aqueles professores que atribuem a causa do sucesso ou do fracasso a fatores externos (geralmente familiares) apresentam estudantes com menores desempenhos. Alunos que obtêm maiores rendimentos têm professores que trazem para si a responsabilidade do sucesso ou fracasso escolar, isto é, professores que centram as atenções nas próprias habilidades e nas dos estudantes bem como nas estratégias de ensino.

Em relação a essa atribuição causal, podemos traçar um paralelo com a expertise: pessoas que atingem alto nível de desempenho em uma atividade também apresentam atribuição causal interna, ou seja, chamam para si a responsabilidade sobre o sucesso ou fracasso (GALVÃO, 2001). Em outras palavras, este parece ser um indiscutível ingrediente de sucesso, não só no contexto educacional.

Escolas cujos alunos apresentam alto desempenho acadêmico têm professores com elevado grau de satisfação (não apenas financeira), reflexivos sobre sua prática e com certo grau de autonomia para o planejamento e a ação pedagógica. Professores que dão importância à avaliação e seus registros e que avaliam a aprendizagem de seus alunos de forma sistemática e processual. Embora o conflito entre idéias e posicionamento de docentes seja previsível, é imperioso também haver certo grau de consenso entre os professores (CASASSUS, 2002; GOMES, 2005).

1.4.2. O contexto familiar e o sucesso acadêmico

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Saeb (INEP, 2002) –, constatam correlação positiva entre essa condição e o resultado em testes. Gomes (2005, p. 220) afirma que “quanto mais alto o status socioeconômico, maior é o estímulo para ir adiante na escala educacional, e vice-versa”. Dubet (2003, p. 36) reforça essa retroalimentação assegurando que “alunos mais favorecidos socialmente, que dispõem de maiores recursos para o sucesso, são também privilegiados por um conjunto de mecanismos sutis, próprios do funcionamento da escola, que beneficia os mais beneficiados”.

Em relação ao número de filhos, Castro (1984) mostra que famílias menos numerosas têm maiores proporções de estudantes de maior desempenho e com escolarização mais longa. A ordem de nascimento também pode ser fator de influência. Percebe-se que, numa mesma família, alguns filhos podem desenvolver uma carreira escolar mais bem sucedida que outros. O primogênito costuma levar vantagem em relação aos demais irmãos (CAMACHO, 2000; SOUZA E SILVA, 1999).

O interesse dos pais pela leitura (e pela leitura para os filhos), o tempo de permanência deles em casa e de diálogo com os filhos, o nível de escolaridade dos pais, a expectativa dos pais em relação ao sucesso dos filhos e o envolvimento dos pais nas atividades escolares, entre outros, são fatores que apresentam correlação positiva com o sucesso acadêmico (CASASSUS, 2002; GOMES, 2005). Dentre eles, destacamos a alimentação de elevadas expectativas em relação ao sucesso dos filhos e a participação em atividades escolares, inclusive nas decisões institucionais, por meio de conselhos de pais, por exemplo (MELLA et al., 2002).

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1.4.3. Os colegas e o sucesso acadêmico

Alunos que se aproximam de colegas mais privilegiados e interagem com eles obtêm aspirações mais altas e melhores resultados no estudo, o oposto sendo verdadeiro (GOMES, 2005). Assim sendo, um misto de cooperação e competição entre colegas parece ser fator benéfico à melhora do desempenho. Por outro lado, os colegas podem exercer influência negativa, por meio de violências simbólicas e incivilidades, até porque essas atitudes hostis acabam por contaminar o grupo e geram novos atos hostis (ABRAMOVAY, 2002). Com isso, estudantes potencialmente bem-sucedidos podem não se desenvolver plenamente em relação às habilidades cognitivas. Ser destacadamente bem-sucedido é ser diferente, e isso geralmente é motivo de manifestações como segregações, exclusões e indiferenças por parte de colegas, sejam elas explícitas ou disfarçadas.

Essa crise de socialização, para Dubet e Martuccelli (1995), ocorre pelo fato de a escola não estar conseguindo desempenhar de forma satisfatória seus dois papéis, pedagógico e relacional, sendo permissiva – de forma velada ou declarada – a essas formas de violência. É necessário, portanto, que educadores e gestores assumam, em todos os níveis da educação, esse papel de socialização pertencente, embora não exclusivamente, à instituição escolar (CAMACHO, 2000). Essa ação conjunta atuará na diminuição do que Tedesco (2002) denomina déficit de socialização, que é a carência de referenciais de valores gerada pelo fato de família e escola terem diminuído sua ação no sentido da socialização de suas crianças e jovens, culpando-se mutuamente.

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2. NATUREZA DA PESQUISA E METODOLOGIA

2.1.Problema

O sucesso acadêmico é caracterizado nesta pesquisa como aquele resultante do alto desempenho no rendimento escolar, manifestado por elevadas notas durante um período relativamente longo (pelo menos um ano letivo). Portanto, partimos do princípio de que, no ambiente escolar, estudante que alcança resultados superiores é considerado bem-sucedido academicamente, independente das conseqüências que esse sucesso poderá trazer à sua vida. Logo, não se pretendeu com este estudo entrar no julgamento do valor do sucesso acadêmico como preditivo de sucesso pessoal ou profissional, assim como não foi intenção desta pesquisa avaliar ou discutir a qualidade educacional dos estabelecimentos de ensino dos grupos pesquisados. Pretendeu-se compreender, portanto, como estudantes bem-sucedidos representam o sucesso acadêmico, quais são suas significações, como estas se relacionam com a vida prática do aluno, com a sua vida afetiva, com a sua rede social, entre outras.

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Ao longo da história, o sentido do conhecimento tem passado por transformações. Na sociedade atual, conhecimento apresenta íntima relação com sucesso profissional, sendo inclusive considerado um tipo de capital (DEMO, 1997). Nesse contexto, a possibilidade de valorização do sucesso acadêmico é ainda maior, inclusive por ser considerado fator preditivo de êxito profissional. Este é, ainda, um dos argumentos de professores e pais para persuadir seus alunos e filhos no sentido da dedicação aos estudos.

Tomamos neste trabalho o rendimento escolar como referência de excelência observável. É razoável observar que o ser e o parecer ser excelente podem não se tratar da mesma coisa, ou seja, seria ingênuo imaginar que os processos avaliativos escolares identificam precisamente estudantes de excelência acadêmica. Ou seja, é importante destacar que há uma possibilidade de estudantes selecionados para a pesquisa terem chegado ao sucesso acadêmico por meio de manipulações que o sistema permite, como o da preparação para os exames com base na aprendizagem mecânica, na qual a memorização é a estratégia principal. Em outras palavras, embora tenhamos consciência das limitações da avaliação escolar, por outro lado deve-se reconhecer o seu impacto na rede social, afinal é amplamente difundido que bons alunos tiram boas notas.

Independentemente da forma com que alcançaram o sucesso e das suas possíveis conseqüências, o relevante é que, nos ambientes escolar e familiar, os participantes são vistos como bem-sucedidos e estão sujeitos a todas as decorrências dessa circunstância.

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2.2.Justificativa

A presente pesquisa pretendeu contribuir para os estudos sobre a motivação para a aprendizagem fornecendo conhecimentos que poderão auxiliar na orientação educacional de professores, estudantes e familiares, no sentido do fomento ao desenvolvimento acadêmico.

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2.3.Objetivos

2.3.1. Objetivo geral

Investigar as representações sociais do sucesso acadêmico na perspectiva de estudantes bem-sucedidos.

2.3.2. Objetivos específicos

ƒ Identificar as significações do sucesso acadêmico;

ƒ Investigar informações, imagens e atitudes relacionadas ao sucesso acadêmico;

ƒ Caracterizar os fatores motivacionais que levaram o estudante ao sucesso acadêmico;

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2.4.Método

A pesquisa teve caráter qualitativo e exploratório. Bauer e Gaskel (2002) caracterizam a pesquisa qualitativa como aquela que evita números e lida com interpretações das realidades sociais, ao passo que a quantitativa lida com números e usa modelos estatísticos para explicar os dados. Não se trata de modelos antagônicos, porém diversos, sendo cada um adequado a um determinado tipo de análise, ou seja, cada tipo se destina a um propósito. Podem ser complementares, inclusive (triangulação). Assim, pode-se utilizar, em uma mesma pesquisa, de métodos quantitativos para medir-se a extensão de um fenômeno, e qualitativos a fim de se avaliar a sua intensidade (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

Pelo seu caráter qualitativo e exploratório, a presente pesquisa visou trabalhar profundamente o tema do sucesso acadêmico em uma quantidade de participantes menor que a de um estudo quantitativo clássico, que tem como principal característica sua grande extensão. Ao invés dessa amplitude, o estudo qualitativo objetivou prioritariamente a intensidade da abordagem, permitindo-se assim a exploração do universo de cada participante ou grupo.

2.4.1. Instrumentos de coleta de dados

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também é uma vantagem desta técnica. As entrevistas coletivas (grupos focais) permitiram ao pesquisador explorar o tema a partir da interação entre os entrevistados, o que se torna interessante em uma pesquisa de representações sociais.

As entrevistas tiveram por meta a exploração da significação do sucesso acadêmico, os fatores motivacionais que cooperam para seu desenvolvimento e as suas conseqüências para a vida do estudante. Para isso, o roteiro conteve as seguintes questões:

ƒ Para você, o que representa ser bem-sucedido(a) academicamente? ƒ Como e onde você aprendeu que ser bem-sucedido é isso?

ƒ A que você atribui esse sucesso?

ƒ O que motivou ou motiva seus estudos?

ƒ Que conseqüências o sucesso acadêmico traz em termos de suas relações sociais? ƒ Há algo mais que você gostaria de falar sobre o assunto?

No transcorrer das entrevistas, outras perguntas surgiram a partir da fala dos participantes, algo natural em entrevistas semi-estruturadas, permitindo-se assim exploração mais profunda dos significados contidos nos discursos.

2.4.2. Participantes e local

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O cálculo do IDH é feito em três variáveis: renda, longevidade e educação. O índice máximo de 1,0 não foi atingido até agora em nenhum lugar do mundo. O campeão de IDH, entre os países, é a Noruega, com índice de 0.942, seguido da Suécia, com 0,941. O índice na Região Administrativa de Brasília, onde está instalado o chamado Plano Piloto, chega perto dos melhores do mundo, com a marca de 0,936 (IBGE, 2001). A opção por escolas privadas de elevado nível socioeconômico pode ser justificada pelo fato de perceber-se correlação positiva entre status sociocultural e rendimento escolar (CASASSUS, 2002). Outro motivo da escolha por participantes privilegiados economicamente é o fato de haver poucos estudos sobre a escolarização das elites. A sociologia da educação, tanto no Brasil como em outros países, tem se detido a estudar sistematicamente a escolarização dos menos aquinhoados financeiramente (NOGUEIRA, 2004).

Os participantes foram selecionados de acordo com o desempenho acadêmico. Foram convidados doze jovens por escola, que encerraram o ano letivo anterior no decil superior de sua série, de acordo com os registros disponíveis emitidos pela coordenação pedagógica ou pela secretaria escolar. Em outras palavras, participaram da pesquisa estudantes que pertenciam ao grupo dos 10% de maior rendimento em sua série. Dessa forma, a pesquisa teve como sujeitos estudantes que se destacam academicamente em um contexto de elevado índice de sucesso escolar.

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A dedicação média dos entrevistados ao estudo individual era de 17 horas semanais. Esse estudo ocorre, para dois terços dos entrevistados, em casa. Um terço costuma estudar na escola. Todos eles tinham carga horária escolar concentrada principalmente no período matutino, e a maioria declarou dedicar-se ao estudo individual prioritariamente no turno vespertino.

2.4.3. Procedimentos

Foram realizadas doze entrevistas semi-estruturadas individuais (quatro em cada escola) e três entrevistas de grupo focal (uma por escola), com oito alunos por grupo. As entrevistas ocorreram no próprio ambiente escolar, durante o turno vespertino. Foram gravadas em áudio e transcritas pelo pesquisador. A duração média da entrevista individual foi de 53 minutos, e do grupo focal, uma hora e 26 minutos.

Para viabilizar a coleta de dados, foi encaminhada a cada escola carta de apresentação emitida pela Universidade Católica de Brasília. Além disso, cada estudante leu, assinou e ficou com uma via do termo de consentimento livre e esclarecido (presente em anexo).

2.4.4. Estratégia de análise

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possibilita posterior agrupamento de categorias análogas de diversos sujeitos. Isso permite o levantamento da freqüência com que cada idéia ocorre no conjunto dos sujeitos pesquisados. Esse processo o autor denominou análise freqüencial ou temática.

A análise de conteúdo, para o mesmo autor, também possibilita a interpretação do que está por trás do conteúdo, ou seja, as motivações, desejos e outras características e manifestações de cunho afetivo, como risos, pausas e perturbações, o que facilita a interpretação do conteúdo, seus significados e encadeamentos. Essa parte da análise do conteúdo Bardin (1977) chamou de análise da enunciação.

Nessa proposta, a análise dos dados seguiu os seguintes passos:

a. Transcrição de cada uma das entrevistas individuais semi-estruturadas e das entrevistas de grupo focal;

b. Leitura atenta dos textos das entrevistas;

c. Seleção de palavras ou termos geradores das categorias e subcategorias; d. Estabelecimento das categorias e subcategorias, cada uma delas nomeada; e. Organização hierárquica das categorias, de acordo com a freqüência, relevância

e pertinência ao tema da pesquisa;

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2.4.5. A teoria das representações sociais e o ambiente escolar

Esta pesquisa está ancorada na teoria das representações sociais, que possibilitou ao pesquisador a exploração do modo como o aluno bem-sucedido se percebe e como essa percepção influencia sua maneira de ser e agir. A teoria das representações sociais congrega aspectos localizados entre a psicologia cognitivista e a sociologia durkheimiana.

A visão cognitivista da psicologia da aprendizagem em muitos aspectos se confronta com o determinismo econômico-social proposto pela sociologia de Durkheim. Enquanto a primeira tende a ser excessivamente focada no indivíduo, a segunda dá importância exagerada ao contexto social (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1995).

Moscovici (1976) propõe uma perspectiva em que as representações geradas no ambiente social são reelaboradas pelo indivíduo e passam a interferir na maneira como ele pensa e interpreta o cotidiano, em relação dialética com o meio. O que a teoria das representações sociais traz é mais do que uma investigação do senso comum. São conhecimentos individuais que só ocorrem no momento em que a interação com o outro se dá.

Os objetos não são, portanto, captados isoladamente pelos indivíduos, mas em determinados contextos e relações. Representar um objeto significa criá-lo simbolicamente, passando assim a fazer parte de seu mundo (MOSCOVICI, 1976). Esse objeto simbólico age como campo de interação entre o processo ideológico e o representativo, podendo enfatizar diferenças individuais e cristalizar preconceitos (PATTO, 1997).

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muitos não-construtivos, de atitudes de grupos de jovens que se caracterizam pela falta de reflexão e de medida das conseqüências. Atitudes que não seriam tomadas individualmente, mas que no grupo passam a fazer sentido, negando princípios éticos e morais a que esses jovens foram submetidos durante sua formação (BRAGHIROLLI, 1990).

Em relação ao contexto escolar, Almeida (1991) ressalta que a prática educativa transcende os marcos escolares e envolve processos formais e não-formais de aprendizagem. Por ser atividade socialmente estabelecida, a prática pedagógica influencia e é influenciada por sistemas de significações construídos socialmente, sendo assim um palco privilegiado ao estudo das representações sociais.

Segundo Jodelet (2002), a formação da representação social se dá através dos processos de objetivação, síntese e ancoragem. A objetivação se caracteriza pela construção do conhecimento coletivizado. O indivíduo procura tornar um fato, objeto e/ou conhecimento novo em algo familiar forjando uma visão do objeto que seja coerente com sua visão de mundo. Em seguida, materializa os elementos de representação em sua realidade de senso comum naturalizando os esquemas conceituais, dotando-os de realidade própria.

No processo de síntese, o conhecimento elaborado na representação social é reestruturado a fim de que o indivíduo possa ser mais bem inserido ou aceito no grupo, negando muitas vezes o conflito cognitivo existente entre o conhecimento da representação e o anterior que ele possuía.

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3. RESULTADOS

A diversidade de conteúdos presentes na fala dos entrevistados permitiu o estabelecimento de uma série de categorias de análise. Optou-se por organizar as categorias mais freqüentes em quatro grandes blocos: significações, motivações, imagens negativas e inteligência.

3.1.Significações do sucesso acadêmico

Para os participantes da pesquisa, a noção de sucesso acadêmico estrutura-se dentro de uma cadeia discursiva que remeteu a um calidoscópio de expressões, as quais, por sua vez, remeteram a outras cadeias discursivas cujo ponto de repetição é algo, às vezes, difícil de encontrar. No entanto, três significações emergiram de um modo mais sistemático: sucesso acadêmico como reconhecimento, como poder e como inserção social.

3.1.1. Reconhecimento

O primeiro tema investigado em relação às representações sociais do sucesso acadêmico focalizou as significações que estudantes bem-sucedidos têm do tema. As falas sobre o que vem a ser sucesso acadêmico tiveram como núcleo significacional a noção de reconhecimento. Trata-se de um termo que apareceu no discurso da maioria dos participantes e foi devidamente aprofundado no contexto da entrevista.

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orgulho por terem sido selecionados para a pesquisa e fizeram uso da situação como exemplo de recompensa pelo esforço empreendido na construção do sucesso escolar, que significa primeiramente reconhecimento. Ser reconhecido é algo muito valorizado pelos entrevistados e oferece oportunidades de análise em diferentes dimensões.

[O que representa o sucesso acadêmico?]

Acho que é motivo de orgulho, né, porque você se esforça, estuda e acaba sendo recompensado por isso.

A., 17 anos

É uma espécie de retribuição que eu recebo. Ao longo da minha vida de estudante de ensino fundamental, eu sempre fui muito esforçada, muito mais dedicada do que os meus colegas em geral. Então, chegar hoje e você me chamar pra uma entrevista por eu ser destaque, é um esquema de reconhecimento seu, de reconhecimento das pessoas que vêem isso em mim. Eu acho que é isso que toca mais, como se eu estivesse colhendo...

D., 17 anos

Subjacente ao reconhecimento, além do orgulho, percebe-se a idéia de justiça. Estudantes bem-sucedidos em geral se esforçam mantendo rotinas disciplinadas de estudo individual deliberado, que requerem adiamento de gratificações em curto prazo. Em especial, na faixa etária pesquisada há grande oferta de atividades lúdicas, presenciais ou pela rede mundial de computadores. A maioria dos entrevistados considera justo o reconhecimento pelos resultados alcançados como fruto desse esforço.

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condição econômica, por exemplo. Ocupar posição de destaque pelo desempenho escolar gera satisfação diferente daquela proporcionada pela aquisição de um bem material.

[...] o sucesso acadêmico se baseia em uma coisa sólida, né? Você não tá hoje conversando aqui comigo porque eu tenho um carro caro ou porque eu tenho um par de olhos azuis. Não é nada disso. É uma construção longa, um processo que existe mesmo. Se eu tenho sucesso acadêmico, não é superficial.

D., 17 anos

É interessante perceber as conotações assumidas pelo sucesso acadêmico no depoimento anterior, em comparação a outros sucessos. A entrevistada estabelece dicotomias durante a definição do sucesso escolar. Embora materialmente concretos, carro e olhos são tratados como bens voláteis, superficiais, ao passo que o sucesso acadêmico, bem aparentemente abstrato, é considerado sólido, profundo, palpável, real.

Como a nota obtida nas avaliações escolares é o principal meio de explicitação dos resultados escolares, para os entrevistados parece ser o maior referencial do sucesso acadêmico. Em muitos momentos, é até mesmo confundida com ele. É citada do início ao fim das entrevistas como indicador de rendimento escolar.

[Você tem um apelo forte e constante em relação a notas, a escores elevados...]

É, porque manter altas notas também é estar no auge. Mesmo que eu tire um 7 e

seja a maior nota de todas, não vai ser um 10 que vai estar no meu boletim, vai ser um 7.

G., 17 anos

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o papel de objetivo final do estudo. Os discursos da maioria dos entrevistados, portanto, revelam prioridade de foco no resultado (nota) em vez do processo (aprendizagem).

O valor do reconhecimento é explicitado em muitos momentos dos discursos, como no fato de, com freqüência, serem procurados por colegas para o esclarecimento de dúvidas acerca dos conteúdos escolares. Nas várias ocasiões em que esse auxílio surgiu nas falas, foi claro o sentido unidirecional da procura: são os colegas que buscam o auxílio, o que faz emergir outra significação evidente: o poder.

Se eu estou num lugar e alguma pessoa me pede alguma dúvida, eu não vou até ela, ela é que tem que vir até a mim pra tirar a dúvida.

[E você se sente confortável assim?]

Sim, me sinto. Se eu tivesse que tirar a dúvida, eu iria até a pessoa.

G., 17 anos

3.1.2. Poder

Ser referência, além de atuar como forte agente motivacional para a manutenção do sucesso, parece causar um misto de sensação de poder e cooperação, superioridade e solidariedade. É importante sentir-se detentor de conhecimentos e com possibilidades de socializá-los com os colegas, porém esse auxílio é seletivo. Na fala a seguir, “G” salienta este poder ao falar sobre dependência. Está bastante firme a idéia de que os dependentes se adaptam aos independentes, àqueles que oferecem ajuda. Mais ainda, há o poder da escolha de quem ajudar. Neste caso, os melhores amigos. Poder ajudar os amigos coloca alguém numa função de utilidade capaz de promover o estreitamento de laços de amizade e a própria consolidação do seu papel e importância no grupo.

[Sensação de poder?]

É, também, porque às vezes as pessoas estão dependendo de você. Se eu estivesse dependendo delas, eu teria de me adequar ao jeito delas. E se elas estão dependendo de mim, elas têm que se adaptar ao meu jeito.

[Você acha que a ordem natural é essa?]

Acho. Vou ajudar quem mais me interessa, meus melhores amigos.

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Alguns estudantes incomodam-se quando percebem que são procurados por jovens com quem não mantêm cotidianamente relação próxima. Sentem-se explorados quando a solicitação parte de algum colega distante, o que revela que o sucesso, ou o conhecimento construído, atua como ferramenta para colocá-los em posição hierarquicamente favorável no grupo social.

Por outro lado, perceber-se instrumento de auxílio aos colegas confere ao sucesso sua característica utilitária, assim como àquele que auxilia, o sentimento de solidariedade. Cooperar é, ao mesmo tempo, uma forma de reafirmar-se bem-sucedido, confirmar sua posição de destaque no grupo e auxiliar os colegas próximos que o procuram. Sendo assim, o sucesso significa também a possibilidade de inserção social.

Eu acho que eu tenho mais acesso à coordenação da escola do que quase todos os demais alunos da escola. Apesar de que soe arrogante, eu só estou sendo direta, curta e grossa. Eu acho que se... se... os alunos querem fazer alguma reivindicação, estão transtornados, chateados com a escola em algum aspecto, eu sou uma boa pessoa pra encaminhar isso pra coordenação. Talvez, uma das pessoas que mais teria esse acesso, que a coordenação ouviria com mais seriedade, digamos, que seria mais levada a sério.

D., 17 anos

A fala da entrevistada revela também a idéia de credibilidade aliada ao sucesso acadêmico. Mostra que outros estudantes creditam a ela a responsabilidade de atuar como ponte entre o corpo discente e a equipe gestora da escola. Sua voz seria, em sua perspectiva, mais ouvida e mais considerada. Em outras palavras, a direção da escola é a instância máxima da estrutura de poder numa escola. Ser considerado excelente é ter acesso a esse poder.

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[E do ponto de vista social, você acha que tem alguma posição de destaque?]

Em alguns casos sim. Com os professores, por exemplo, acho que eles consideram mais as minhas respostas em provas do que as de alunos que dormem em sala.

A., 17 anos

Para muitos sujeitos pesquisados, estar em posição de destaque também traz conseqüências sociais entre colegas, como ser motivo de comentários, curiosidades, o que facilita a inserção social.

3.1.3. Inserção social

Segundo muitos entrevistados, o fato de ocuparem posição de destaque gera, entre jovens não-próximos, motivo de comentários e curiosidade. Embora de forma tácita, é possível notar que, em muitos momentos, estar no centro de conversas gera ao estudante bem- sucedido a possibilidade de inserção social.

Isso fica ainda mais evidente considerando-se o fato de que a maioria dos jovens que participaram da entrevista se declarou introvertida. A própria introversão contribui para o sucesso acadêmico, na medida em que alunos introspectivos apresentam, em geral, maior facilidade em passar horas em estudo individual. Por outro lado, têm geralmente mais dificuldade em fazer amizades.

Por esse ponto de vista, a introversão acaba por ser aliviada pela popularidade, liderança e poder que o sucesso escolar gera. Dessa forma, o sucesso atua incrementando a possibilidade de aumento no círculo de amizades.

[De uma certa forma, usar seu conhecimento pra manter a amizade?]

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Esse testemunho expõe uma tendência marcante nas falas em geral, embora muitas vezes de forma velada: a necessidade de ser aceito e, também, de ser amado. Algumas falas demonstraram contínua busca em atender metas e expectativas de outras pessoas, freqüentemente os pais, cuja admiração é evidente em muitos momentos. Isso parece ser forte agente motivacional para o estudo, já que o sucesso escolar é valorizado pelos pais.

[Então você sempre teve também a preocupação da comparação com os demais?]

É, também. Se você está junto com os melhores, você, sei lá, você tem alguma...

[hesitação]

[Tente dizer isso...]

Sei lá, você é aceito, as pessoas gostam de você...

G., 17 anos

Por outro lado, percebeu-se incômodo na exposição social, principalmente em relação a dois aspectos: os preconceitos e os oportunismos. Em muitos discursos, fica evidente o incômodo gerado pelos rótulos criados por aqueles menos conhecidos, que tecem um perfil do aluno de sucesso sem conhecê-lo, muitas vezes atribuindo-lhe adjetivos indesejáveis. Portanto, o mesmo sucesso que auxilia a inserção social, em outros pode dificultá-la.

Ser tratado de forma diferente é bom porque eu levo o estudo como um hobbie, assim como se eu fosse um bom músico, um bom esportista, eu ia achar legal. É ruim porque... eu não diria nem dos meus amigos, mas amigos dos meus amigos, que não me conhecem, então eles ficam... não sei... meio que com receio de falar comigo, têm medo de mim, eles acham que eu sou mau, ‘...olha lá o Fulano. Nossa, eu tenho medo dele...’ E na verdade eu sou tímido, eu não falo com ninguém. Se a pessoa vier falar comigo, eu falo tranqüilamente com ela, mas eu não chego em ninguém pra conversar. Aí eles meio que se afastam de mim. Quem é meu amigo é porque um dia veio e se interessou em conversar comigo.

L., 17 anos

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[O que representa pra você ter um desempenho superior, se comparado com seus colegas?]

Representa que eu tirei nota, né, que eu consegui aprender, os professores estão falando e eu consegui assimilar, talvez porque eu tenha tido uma base melhor no passado, ou porque eu me dedico mais do que algumas pessoas.

G., 17 anos

Sucintamente, o entrevistado ressaltou a importância da nota como materialização do sucesso. Além disso, situou o valor da aprendizagem – por assimilação – de conteúdos apresentados pelos professores. Citou a relevância dos conhecimentos prévios como fundamentais à aprendizagem ao longo dos anos, ou seja, a visão processual da construção do sucesso. Por fim, localizou o próprio esforço como fator importante, e comparando-o ao esforço de colegas, o que denuncia visão competitiva. Portanto, o entrevistado agrega fatores motivacionais às significações do sucesso escolar.

3.2.Motivações para o sucesso acadêmico

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[Por que você tem que continuar fazendo melhor?]

De tudo um pouco: expectativa da família, dos professores, dos colegas, competição com os colegas, as bolsas... é, essa questão de ser a primeira da turma pra mim é importante, pra manter a bolsa. É engraçado que minha mãe nunca cobrou isso. Eu é que faço a questão de correr atrás. Se eu consegui, vou me manter em primeiro.

A., 16 anos

3.2.1. Atender a expectativas

As falas dos entrevistados sugerem forte relação entre sucesso acadêmico e necessidade de atender aos desejos daqueles que servem como referência ao aluno de sucesso. É nítida a preocupação em manter as elevadas expectativas de colegas e, principalmente, pais. Em muitas falas, as metas próprias confundem-se com aquelas traçadas por essas outras pessoas, ao longo de toda a escolaridade. Denotam pessoas aparentemente autônomas e seguras em relação ao estabelecimento de metas, mas que no íntimo buscam sempre atender a expectativas traçadas por aqueles que atuam como referenciais.

Reconhecer-se bem-sucedido gera compromisso em manter elevados desempe-nhos, a fim de continuar alimentando expectativas. É como se o papel representado o transformasse em um mito, que deve ser alimentado e mantido tão intensamente quanto mais duradouro for o sucesso. Percebe-se medo em ver desmoronado o castelo construído à custa de tanta dedicação. O depoimento abaixo ilustra a necessidade de manutenção de expectativas de colegas. Observa-se que a quebra do padrão de alto rendimento do entrevistado gerou certa frustração entre colegas, o que lhe ocasionou incômodo também. Percebe-se ainda, embora de modo sutil, necessidade de justificar ao entrevistador o baixo rendimento obtido, nesse caso em função da falta de afinidade pelo componente curricular.

[Você tem essa preocupação constantemente, de não decepcionar o outro?]

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não gosto muito de literatura, aí aconteceu de ficarem a semana inteira me enchendo o saco: ‘como que ele foi tão mal na prova de literatura, logo ele...’

L., 17 anos

Curiosamente, em um dos casos, ter atingido a meta gerou certo desânimo. Chegar ao objetivo traçado ocasionou a abertura de uma lacuna provisória. É como se não houvesse mais nada além. Nesse caso, o jovem teve que aprender a estabelecer novas metas.

No primeiro simulado da escola eu fiquei em primeiro lugar. Aí eu tinha uma meta: ficar em primeiro lugar. Eu atingi o primeiro lugar. Aí, como eu tinha alcançado todas as minhas metas, eu relaxei. A pressão externa de ficar entre os melhores eu atingi, aí não tinha mais pressão, porque eu atingi o topo.

R., 17 anos

Metas traçadas pelos pais são absorvidas intensamente pelos filhos, como nos recortes a seguir. “V” e “D” assumem como seus os compromissos estabelecidos por seus pais. Nesses casos, como em muitos outros, a expectativa gerada pelos pais, materializada em metas traduzidas em notas de provas, foi fator preponderante para gerar no estudante a necessidade de manutenção de elevados desempenhos.

Meus pais são bastante exigentes em relação ao desempenho. Pra eles, nota boa é no mínimo 8. Só querem nove, dez. Eu vejo amigos meus satisfeitos com seis. Se eu tiro oito numa prova, isso não é um grande feito pra mim.

V., 17 anos

Ah, eu não podia aparecer com um 8,5 no boletim, que meu pai diria que aquilo não condizia com o meu potencial, entendeu?

D., 17 anos

Metade dos entrevistados citou o investimento financeiro feito pelos pais para custear sua educação básica. Vale lembrar que o estudo foi realizado em escolas privadas, com mensalidades relativamente altas. Para eles, manter elevados desempenhos escolares é uma contrapartida, uma forma de retribuição de toda a provisão material despendida pelos responsáveis durante o processo de formação em família.

Minha mãe paga o colégio, faz o maior esforço pra pagar, tô tendo essa oportunidade, então eu tenho que fazer o melhor pra aproveitar essa oportunidade.

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A associação entre desempenho escolar e investimento material também apareceu de outras formas. Em dois casos, a expectativa da contrapartida financeira (desconto nas mensalidades) ou na forma de bem tangível (automóvel) parecem ter atuado como fortes agentes motivacionais para o estudo.

[E essa recompensa é de que forma?]

Vou te dar um exemplo bem palpável: quando eu estava na 8ª serie, eles ofereceram uma bolsa pra quem fosse os melhores da turma, e eu ganhei essa bolsa pro 1º ano, e se eu mantivesse o desempenho eles me manteriam com a bolsa, e eu consegui manter essa bolsa até hoje.

[Então a ultima vez que você pagou escola foi na 7ª serie?]

Foi. Então pra mim a recompensa é bem mais palpável, e me motiva a continuar estudando.

A., 16 anos

Meu pai me prometeu um carro se eu passar no vestibular da UnB.

E., 17 anos

A imagem expressa pelos entrevistados em relação a seus pais é de acompanhamento da vida escolar. Presença física na escola, perguntas sobre fatos ocorridos ou resultados de provas são eventos freqüentes nos discursos. Percebe-se que, de forma geral, essas questões são postas de forma dialógica (pelo menos na fase atual de escolaridade) porém firme, estabelecendo-se relação de cumplicidade e confiança, com responsabilidades bem definidas.

[E seus pais, que papel tiveram na construção do seu sucesso?]

Meu pai fala muito na UnB. Diz que se eu passar lá vai ser meu mérito, mas que se eu não quiser fazer lá, não vai ser nenhum demérito, que eu tenho que fazer o que eu achar que for o melhor pra mim.

[Eles acompanham?]

Minha mãe sim, meu pai nem tanto. Com o passar dos anos, eles adquiriram confiança, viram que eu não dou problema.

A., 16 anos

[Seus pais acompanham?]

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[E como incomodaria?]

Ele é dialogal. Ele conversa, você tem que estudar... Ele já foi mais rigoroso. Mas aí vai ficando mais leve, ganhando confiança. Minha mãe também, mas pra ela é mais inaceitável tirar nota abaixo da média. Mas ela não fala muito, porque ela sabe que eu vou recuperar.

V., 17 anos

Em outro caso, fica clara a busca pela recompensa da liberdade de escolhas. Para “L”, as notas altas serviram também como instrumento de barganha de liberdade para desfrutar de encontros sociais. Houve o estabelecimento de um jogo entre pai e filho. Este último avalia a proposta como adequada. Mais uma vez, como em muitas outras falas, fica clara a relação íntima estabelecida entre “ser bom aluno” e “ter boas notas”.

E meu pai foi importante porque ele sempre falou assim pra mim: ‘se você tiver notas boas na escola, se for um bom aluno, você faz o que você quiser com os seus amigos. Seja um bom aluno, que eu não vou pegar no seu pé’. Acho que isso foi bom.

L., 17 anos

3.2.2. O papel dos professores

Em geral, os indivíduos pesquisados demonstraram afinidade por professores que estabelecem o diálogo como principal instrumento de persuasão e que consideram a pessoa do aluno em sua totalidade, ou seja, não vêem os jovens somente como aprendizes, e sim como sujeitos únicos, com necessidades e desejos individuais.

[Esses professores que te marcaram positivamente. Que característi-cas eles têm/tinham para ficarem em um lugar bom na sua memória?]

Eles estavam preocupados com o indivíduo, sabe? Eu tive uma professora na 7ª e na 8ª série, de História, que se eu levantasse o dedo pra falar alguma coisa, ela dizia ‘dá sua opinião, o que você acha, como você enxerga? Você acha que o golpe de 64 foi um golpe ou uma revolução?’ Então se tinha a preocupação de fora da sala, a professora me perguntar como tinha sido o meu dia, me parar na porta e conversar comigo enquanto as pessoas entram... isso é importante demais. Na escola tem figuras que eu não me interesso nem um pouco pela matéria, mas... nem um pouco mesmo, por exemplo, Biologia não me interesso nada, no entanto passa o professor na porta e fala ‘salve!, bom dia, tudo bem? Você está melhor do que na semana passada? Tá tranqüila, algum problema em casa?’ Isso é essencial. Eu acho que o que eu sou hoje, o que eu vou ser daqui a dez anos, espero que seja também um profissional de sucesso, se deve muito aos professores que me levaram junto com eles, porque os professores que eu tenho melhor lembrança foram coincidentemente os professores de História, de Geografia, que é a área que eu tenho mais interesse. É claro que você tem uma propensão natural por uma área ou outra, segundo características pessoais, sociológicas, hereditárias, sei lá. Mas tem muita importância pra mim.

Referências

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