R E L A C I O N A M E N T O T E R A P Ê U T I C O : C O N S I D E R A Ç Õ E S T E Ó R I C A S E
R E L A T O D E U M A E X P E R I Ê N C I A
Evalda Cangado Arantes *
Maguida Costa Stefanelli **
Yuri Mat suo ***
A R A N T E S , E. C ; S T E F A N E L L I , M . C ; M A T S U O , Y . R e l a c i o n a m e n t o terapêutico:
con-siderações teóricas e relato de u m a experiência.
Rev. Esc. Enf. USP,
S ã o Paulo.
7 5 ( 3 ) : 2 1 7 - 2 2 3 , 1 9 7 9 .
Os autores apresentam considerações sobre o ensino do relacionamento terapêutico a
alunos do Curso de Graduação em Enfermagem e sua aplicação na prática, com o relato
de uma experiência do relacionamento
estudante-paciente.
C O N S I D E R A Ç Õ E S T E Ó R I C A S
A teoria da r e l a ç ã o interpessoal de S U L L I V A N
1 1, a da c o m u n i c a ç ã o de
R U E S C H
1 0, os conceitos psicoterapêuticos de R O G E R S
9e o d e s e n v o l v i m e n t o do
r e l a c i o n a m e n t o t e r a p ê u t i c o e n f e r m e i r a - p a c i e n t e p o r T U D O R
1 4e P E P L A U
7tive-r a m u m a i n f l u ê n c i a decisiva n a a b o tive-r d a g e m do d o e n t e m e n t a l . Os t tive-r ê s p tive-r i m e i tive-r o s ptive-ro-
pro-v o c a r a m m u d a n ç a s n a á r e a da P s i q u i a t r i a e as duas ú l t i m a s , com seus t r a b a l h o s ,
p r o v o c a r a m m u d a n ç a r a d i c a l n a assistência d e e n f e r m a g e m p s i q u i á t r i c a . Esta
pas-sou a ser d e s e n v o l v i d a com base no r e l a c i o n a m e n t o t e r a p ê u t i c o e n f e r m e i r a - p a c i e n t e ,
m a r c o decisivo n a sua e v o l u ç ã o .
S e g u n d o R U E S C H
1 0o p r i n c i p a l é a u x i l i a r o paciente a comunicar-se
adequa-d a m e n t e , p a r a m e l h o r a r seu r e l a c i o n a m e n t o com as o u t r a s pessoas. T U D O R
1 4, em
c o n t r a p a r t i d a , d e c l a r a ser esperado q u e as e n f e r m e i r a s d e m o n s t r e m cada v e z m a i s
habilidades e m seus r e l a c i o n a m e n t o s interpessoais com o p a c i e n t e , tornando-os
te-r a p é u t i c a m e n t e úteis. P E P L A U
7d e f i n e a e n f e r m a g e m c o m o u m processo i n t e r
-pessoal, t e r a p ê u t i c o e n t r e d u a s pessoas ou m a i s . M E L L O W
6, M A T H E N E Y & T 0
-P A L I S
5e T R A I L
1 2são u n â n i m e s e m r e s s a l t a r o r e l a c i o n a m e n t o t e r a p ê u t i c o
enfer-m e i r a - p a c i e n t e c o enfer-m o a enfer-m e l h o r a r enfer-m a coenfer-m q u e conta a e n f e r enfer-m e i r a p a r a se t o r n a r
ú t i l ao p a c i e n t e , a j u d a n d o - o n a sua r e c u p e r a ç ã o .
E m T R A V E L B E E
1 3, H O F L I N G et a l i i
4, P E P L A U
8, H A Y S & L A R S O N
3e A R A N T E S
x, v a m o s e n c o n t r a r a base científica, os conceitos teóricos, os o b j e t i v o s ,
as dificuldades q u e p o d e m s u r g i r , os meios e técnicas de c o m u n i c a ç ã o t e r a p ê u t i c a
e n ã o t e r a p ê u t i c a p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o do processo de r e l a c i o n a m e n t o
tera-p ê u t i c o .
A observação das manifestações de c o m p o r t a m e n t o do p a c i e n t e é o p r i m e i r o
passo p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o do r e l a c i o n a m e n t o e n f e r m e i r a - p a c i e n t e . E m nosso
curso de E n f e r m a g e m P s i q u i á t r i c a I , após a exposição teórica sobre observação de
* Professor Assistente Doutor da disciplina Enfermagem Psiquiátrica da EEUSP.
c o m p o r t a m e n t o de doente m e n t a l , a a l u n a recebe u m r o t e i r o ( A R A N T E S
2) q u e
c o n t é m estímulos p a r a f a c i l i t a r a observação e o r e l a t o descritivo das
manifesta-ções d e c o m p o r t a m e n t o observadas. A a l u n a dispõe de três dias p a r a fazer a
obser-vação do c o m p o r t a m e n t o de u m paciente r e c é m - a d m i t i d o . No p r i m e i r o dia a
ob-servação é n ã o p a r t i c i p a n t e e nos dois dias subseqüentes, p a r t i c i p a n t e . Esta
obser-vação é feita sem que a a l u n a t e n h a acesso às i n f o r m a ç õ e s existentes sobre o plp:
ciente, p a r a e v i t a r q u e as m e s m a s i n t e r f i r a m n o r e l a t o descritivo das manifestações
observadas. S o m e n t e após f a z e r este r e l a t o é q u e ela t e m acesso ao p r o n t u á r i o d o
paciente observado. A p ó s lê-lo a a l u n a decide se c o n t i n u a r á com o m e s m o
paciente p a r a desenvolver o r e l a c i o n a m e n t o t e r a p ê u t i c o . P a r a t o m a r esta decisão ela v a l e
-se das orientações recebidas e do c o n h e c i m e n t o a d q u i r i d o n a l e i t u r a de b i b l i o g r a f i a ,
nas a u l a s teóricas e n a discussão e m g r u p o sobre o r e l a c i o n a m e n t o t e r a p ê u t i c o q u e
são apresentados, c o n c o m i t a n t e m e n t e , n o p e r í o d o e m q u e é realizada a observação
de c o m p o r t a m e n t o . A a l u n a recebe u m modelo de d i á r i o ( A R A N T E S
1) onde i r á
r e g i s t r a r todos os eventos p e r t i n e n t e s ao r e l a c i o n a m e n t o q u e m a n t e r á com o
pacien-te, i n c l u s i v e os diálogos da i n t e r a ç ã o f o r m a l .
U m a vez decidida a escolha do paciente a a l u n a f i r m a r á com este o
compromisso de a j u d a , i n f o r m a n d o o da h o r a , d u r a ç ã o e local de cada e n t r e v i s t a , p r i v a
-cidade, c a r á t e r confidencial d o r e l a c i o n a m e n t o t e r a p ê u t i c o e o t e m p o q u e ela
per-m a n e c e r á n a u n i d a d e ; i n f o r per-m a r á , t a per-m b é per-m q u e o diálogo per-m a n t i d o d u r a n t e esta
in-teração f o r m a l será anotado e q u e , caso s u r j a a l g u m a i n t e r c o r r ê n c i a q u e m a i s
al-g u é m da e q u i p e t e r a p ê u t i c a precise saber, esta d e v e r á ser r e l a t a d a de p r e f e r ê n c i a
pelo p r ó p r i o paciente.
0 processo de r e l a c i o n a m e n t o terapêutico desenvolve-se d u r a n t e todo o t e m p o
e m q u e as pessoas e n v o l v i d a s p e r m a n e c e m e m i n t e r a ç ã o . C h a m a m o s i n t e r a ç ã o
for-m a l a q u e l a q u e é feita nos dias, h o r á r i o s e locais p r é - d e t e r for-m i n a d o s . E for-m g e r a l é
nesse m o m e n t o de i n t e r a ç ã o m a i s d i r e t a e n t r e e n f e r m e i r a e paciente, que este
relata seus sentimentos, pensamentos e os p r o b l e m a s q u e a u m e n t a m sua ansiedade.
S e g u i n d o o modelo recebido p a r a o d i á r i o , a a l u n a r e l a t a os eventos q u e p r e
-c e d e r a m a i n t e r a ç ã o f o r m a l e q u e de a l g u m a f o r m a p o d e m t e r i n f l u e n -c i a d o o -
com-p o r t a m e n t o do com-paciente; a seguir t r a n s c r e v e o diálogo com ele m a n t i d o ; acom-pós
ter-m i n a r esta transcrição ela faz u ter-m a análise do q u e o c o r r e u e tenta e v i d e n c i a r as
pos-síveis m u d a n ç a s de c o m p o r t a m e n t o , os p r o b l e m a s q u e o paciente possa estar
apre-sentando, os fenômenos q u e o c o r r e r a m , a fase do processo e m q u e se e n c o n t r a m
e os sintomas q u e f o r a m percebidos; f i n a l m e n t e , faz u m a a v a l i a ç ã o f i n a l , t r a ç a
objetivos p a r a a p r ó x i m a i n t e r a ç ã o e elabora o p l a n o p a r a atingi-los. A n t e s de
cada e n t r e v i s t a ela p r o c u r a inteirar-se do ocorrido com o paciente n a sua ausência e
verifica se h á o u não necessidade de r e f o r m u l a r os o b j e t i v o s traçados p a r a a q u e l e
d e t e r m i n a d o paciente.
R E L A T O D E U M A E X P E R I Ê N C I A
orien-tação i n d i v i d u a l i z a d a a suas a l u n a s , pois o r e l a c i o n m e n t o t e r a p ê u t i c o exige
super-visão constante feita p o r pessoa h a b i l i t a d a .
Na p r i m e i r a s e m a n a do curso a a l u n a fez a observação das manifestações do
c o m p o r t a m e n t o da paciente M . . 0 r e l a t o das manifestações observadas é
apresen-tado r e s u m i d a m e n t e , a seguir.
Relato da observação
M . a p r e s e n t a v a acne f a c i a l , dentes a p a r e n t e m e n t e e m b o m estado de
conser-v a ç ã o , p o r é m suas gengiconser-vas a p r e s e n t a conser-v a m s a n g r a m e n t o à mastigação. P e s a conser-v a
apro-x i m a d a m e n t e 4 5 quilos e m e d i a 1 , 5 1 m d e a l t u r a . A n d a v a pelos corredores c o m
passos r á p i d o s , c u r v a d a p a r a a f r e n t e e n ã o l e v a n t a v a a cabeça ao c o n v e r s a r c o m
as pessoas.
Não p e r m a n e c i a p a r a d a n o m e s m o local p o r m a i s de a l g u n s segundos; a n d a v a
apressadamente e p a r a v a r e p e n t i n a m e n t e ; às vezes sentava-se n o c h ã o ; o u t r a s vezes
e s m u r r a v a as paredes, p r o n u n c i a n d o p a l a v r a s de baixo calão.
Não t i n h a i n i c i a t i v a p a r a i r t o m a r b a n h o ; q u a n d o era colocada sob o c h u v e i r o
precisava q u e l h e fossem dizendo o q u e d e v i a fazer p a r a que tomasse seu b a n h o
completo; às vezes l a v a v a v á r i a s vezes a cabeça e n ã o l a v a v a o corpo. E n t r a v a com
as vestes sob o c h u v e i r o . S ó saía d a l i se a l g u é m l h e dissesse p a r a fazê-lo e dizia
s o r r i n d o : "Gosto de sentir a á g u a n o m e u c o r p o " . A n d a v a com cabelos e m
desa-l i n h o , descadesa-lça e r o u p a i n a d e q u a d a à t e m p e r a t u r a a m b i e n t e .
Q u a n d o c o n v e r s a v a , sua expressão f a c i a l n ã o a p r e s e n t a v a n a d a de
caracterís-tico; q u a n d o f a l a v a sozinha sua expressão f a c i a l denotava zanga, cólera, m a s
pare-cia n ã o o l h a r p a r a n i n g u é m n e m p a r a n a d a d e f i n i d o ; x i n g a v a , dizia p a l a v r a s de
baixo calão, q u e p a r e c i a m ser dirigidas a a l g u é m ; q u a n d o i n t e r p e l a d a a respeito,
dizia estar referindo-se a seu p a i ; fazia p e r g u n t a s , comentários e ela m e s m a d a v a
as respostas; r i a , a p a r e n t e m e n t e sem m o t i v o , chegando até a g a r g a l h a r . Q u a n d o a
a l u n a a c h a m o u pelo n o m e e tocou com a m ã o em seu braço sua expressão f a c i a l
denotou ansiedade e ela p e r g u n t o u se estava f a l a n d o bobagem. Não p a r t i c i p a v a de
atividades d a u n i d a d e , n e m e s p o n t a n e a m e n t e , n e m q u a n d o solicitada o u
estimula-da p a r a t a l . Q u a n d o o u v i a m ú s i c a começava a d a n ç a r . Não p e r m a n e c i a n a f i l a
das refeições ou d o b a n h o .
F i c a v a a m a i o r p a r t e do t e m p o sozinha p a r e c e n d o n ã o perceber o q u e se
passava a sua v o l t a . Não fazia o q u e l h e e r a sugerido e às vezes respondia com u m
" n ã o " ao q u e l h e era proposto. A o o u v i r certas p a l a v r a s repetia-as v á r i a s vezes,
m u d a n d o a ú l t i m a l e t r a . P o r e x e m p l o : "cafá, cafô, cafi, c a f u " . O u t r a s vezes, ao
o u v i r u m a p a l a v r a q u e l e m b r a v a u m a m ú s i c a , começava a c a n t a r a l g u n s versos.
G e r a l m e n t e , q u a n d o r e f e r i a estar f a l a n d o com os f a m i l i a r e s , sua f a l a t i n h a
carac-terísticas de discussão ou r e p r e e n s ã o e, às vezes, a paciente chegava a executar
mo-v i m e n t o s como se fosse a g r e d i r a l g u é m .
Expressava idéias f o r a da r e a l i d a d e . Dizia estar g r á v i d a , c o n v e r s a r c o m seus
i r m ã o s e p a i dentro da clínica.
No refeitório n ã o p e r m a n e c i a à mesa p o r m a i s de dois m i n u t o s . S e a l g u é m
con-seguisse retê-la à mesa, apresentava-se a d e q u a d a m e n t e , ao
se
a l i m e n t a r . Não fazia
comentários sobre o seu t r a t a m e n t o . R e f e r i a d o r m i r b e m à noite.
Resumo dos dados contidos no prontuário
E r a a segunda i n t e r n a ç ã o de M . , n a época com dezenove anos. A p r i m e i r a
in-ternação f o r a a p r o x i m a d a m e n t e aos dezesseis anos, com o m e s m o diagnóstico e
c o m p o r t a m e n t o : esquizofrenia hebefrênica e a l h e a m e n t o d a r e a l i d a d e . D a p r i m e i
-r a esteve i n t e -r n a d a p o -r 1 3 0 dias, t e n d o tido alta m e l h o -r a d a , c o m seguimento
am-b u l a t o r i a l . Pouco antes da segunda i n t e r n a ç ã o começou a r e c u s a r a medicação q u e
estava t o m a n d o e h o u v e a v o l t a dos sintomas e c o m p o r t a m e n t o q u e m o t i v a r a m a
p r i m e i r a i n t e r n a ç ã o . C o m p a r e c e u ao a m b u l a t ó r i o e à consulta médica e foi
rein-t e r n a d a .
Desenvolvimento do relacionamento terapêutico como processo
Na segunda s e m a n a , após a l e i t u r a do p r o n t u á r i o , a a l u n a decidiu q u e f i c a r i a
com a m e s m a paciente, d a q u a l fizera a observação de c o m p o r t a m e n t o p a r a
desen-v o l desen-v e r o r e l a c i o n a m e n t o terapêutico. P r o g r a m o u f i r m a r o compromisso de a j u d a
n a interação seguinte. H o u v e aceitação a p a r e n t e p o r p a r t e da paciente, que disse
estar disposta a fazer q u a l q u e r coisa p a r a m e l h o r a r .
Na m a n h ã do dia d e t e r m i n a d o p a r a f i r m a r o compromisso de a j u d a , e n t r e a
estudante e a paciente, h o u v e u m incidente e n t r e M . e u m a f u n c i o n á r i a . M .
cus-p i r a n o chão e f o r a obrigada, cus-p e l a f u n c i o n á r i a , a l i m cus-p á - l o . À h o r a d o café da
ma-n h ã o u t r a f u ma-n c i o ma-n á r i a ima-nsistiu p a r a q u e M . tomasse o café. Essa e ma-n c h e u a boca c o m
o m e s m o e cuspiu-o n a f u n c i o n á r i a q u e a obrigara a l i m p a r o chão.
A p ó s esse incidente a a l u n a c o n v i d o u M . p a r a a e n t r e v i s t a e como resposta'
recebeu u m " n ã o " categórico.
M . saiu pelo c o r r e d o r a passos r á p i d o s ; a a l u n a tentou a c o m p a n h á - l a ; M . foi
até o f i m do c o r r e d o r e v o l t o u dizendo: "Pensa q u e n ã o sou capaz, é ? P e n s a que
não d o u ? D o u sim." D e n o t a v a n ã o perceber n a d a a sua v o l t a ; de repente
voltou-se e d e u u m "ponta-pé" n a a l u n a , p o r t r á s ; esta assustou-voltou-se m a s convoltou-seguiu
contro-lar-se e m o c i o n a l m e n t e e disse-lhe que era sua e n f e r m e i r a , e n q u a n t o a segurava pelo
b r a ç o . M . saiu com a expressão f a c i a l denotando espanto. Logo após M . foi
medi-cada com neuroléptico i n j e t á v e l .
Q u a n d o a a l u n a conversou com a professora a i n d a estava sob f o r t e tensão
emo-cional, a c h a n d o q u e t a l v e z a agressão fosse, r e a l m e n t e , dirigida a sua pessoa.
Es-t a v a com receio da pacienEs-te.
P r o c u r o u a paciente p e r m a n e c e n d o ao seu l a d o , oferecendo-lhe apoio; M .
de-m o n s t r o u aceitar sua presença, r e l a t a n d o fatos ocorridos n a n o i t e a n t e r i o r .
A p ó s esse incidente e sua análise a a l u n a foi capaz de d e s e n v o l v e r o
relacio-n a m e relacio-n t o terapêutico com a pacierelacio-nte. Fez com ela doze erelacio-ntrevistas f o r m a i s e cirelacio-nco
i n f o r m a i s . A docente fez com a a l u n a três entrevistas f o r m a i s de supervisão, a l é m
das interações i n f o r m a i s q u e t i v e r a m l u g a r todas às vezes e m que a a l u n a solicitou
orientação ou q u e a docente percebeu necessidade de i n t e r f e r i r n a ação da a l u n a .
Nos diálogos a paciente referia-se m u i t o a "ele fez i s t o . . . n ã o t i v e relação
com e l e . . . ; acho q u e estou g r á v i d a " , nessas ocasiões d e n o t a v a m u i t a ansiedade e
dizia " . . . foi só sentimento, não h o u v e n a d a " . A a l u n a respondeu "Entendo. Não
tive contacto físico com ele."
A p ó s essa i n t e r a ç ã o , n a e n t r e v i s t a de s u p e r v i s ã o a a l u n a foi o r i e n t a d a a a j u d a r
a paciente a expressar c o m m a i o r clareza seus sentimentos, d e i x a r de c o n c l u i r as
frases p a r a M . , n ã o a l i m e n t a r as suas idéias e r r ô n e a s e estar atenta as tentativas de
teste p o r p a r t e da paciente.
A a l u n a p e r m a n e c i a ao lado da paciente d u r a n t e as atividades da m a n h ã
(pe-ríodo de p e r m a n ê n c i a da a l u n a no h o s p i t a l ) oferecendo-lhe apoio, e s t i m u l a n d o a
comunicação v e r b a l m a i s a d e q u a d a p a r a cada m o m e n t o . P a r a a i n t e r a ç ã o f o r m a l
foi o r i e n t a d a a desfazer a d ú v i d a da paciente q u a n t o à g r a v i d e z , u s a n d o a r g u m e n
-tos lógicos — o n í v e l de i n s t r u ç ã o da paciente p e r m i t i a isto.
A n t e s da terceira e n t r e v i s t a f o r m a l h o u v e u m incidente e n t r e a a l u n a e o
mé-dico da paciente. Este fez críticas ao t r a b a l h o da a l u n a , alertando-a sobre o p e r i g o
do e n v o l v i m e n t o emocional q u e estaria tendo com a paciente e o aspecto negativo
desse e n v o l v i m e n t o e sobre dados q u e estaria f o r n e c e n d o à p a c i e n t e . A a l u n a
con-testou as duas afirmações do m é d i c o . Dirigiu-se à entrevista com M . c o m u m g r a u
de ansiedade bastante intenso p o r n ã o h a v e r entendido o o b j e t i v o do médico ao f a l a r
com ela e n e m o p o r q u ê . M e s m o assim conseguiu r e a l i z a r a e n t r e v i s t a sem t r a n s
-m i t i r ansiedade à paciente.
A p ó s a e n t r e v i s t a p r o c u r o u a docente e, o r i e n t a d a a discutir a b e r t a m e n t e o
incidente c o m o m é d i c o p a r a n ã o p e r m i t i r que as idéias dele p r e j u d i c a s s e m sua
atuação n o r e l a c i o n a m e n t o c o m M . .
Da q u a r t a à sétima e n t r e v i s t a a paciente f r i s a v a s e m p r e , p a r a a a l u n a , q u e
estava m e l h o r , q u e j á n ã o sentia este ou aquele sintoma e p e r g u n t a v a se isto n ã o
era sinal de m e l h o r a . E n t r e t a n t o , apresentava-se cada vez m a i s ansiosa p a r a
encer-r a encer-r as e n t encer-r e v i s t a s , alegando q u e j á h a v i a contado t u d o , q u e não t i n h a m a i s n a d a
p a r a c o n t a r . P o r ocasião da sexta e n t r e v i s t a ( 2 8 . ° dia de i n t e r n a ç ã o ) j á n ã o f a l a v a
m a i s sozinha, a p r e s e n t a v a expressão facial adequada à situações e p a r t i c i p a v a
vo-l u n t a r i a m e n t e de atividades.
da a l u n a d e i x a r o hospital n a q u e l e d i a . No dia da sétima e n t r e v i s t a a a l u n a soube
q u e , n a v é s p e r a , a paciente h a v i a d i t o q u e sentia a cabeça n o a r . Na interação l e v o u
a paciente a f a l a r sobre sua licença e sobre o q u e h a v i a sentido n a t a r d e a n t e r i o r ;
pediu-lhe q u e descrevesse e x a t a m e n t e o q u e s e n t i r a n a q u e l a ocasião; a paciente
r e l a t o u : — "Eu estava n o refeitório e senti t u d o d i f e r e n t e , as pessoas, a c l í n i c a . . .
S e n t i q u e a l g u é m m e c h a m a v a d a l i . P a r e c i a t u d o n o a r , foi u m a sensação esquisita.
E u estava m u i t o ansiosa e a g i t a d a . H o j e , a i n d a estou ansiosa, m a s n ã o t i v e n a d a
m a i s como o n t e m . " P a r o u d e f a l a r e o l h o u p a r a as m ã o s q u e e s t a v a m t r ê m u l a s .
A e n t r e v i s t a f o r m a l foi e n c e r r a d a , m a s a a l u n a c o n t i n u o u com M . e m u m a
sala de atividades dos doentes. A paciente, e n q u a n t o b o r d a v a , v e r b a l i z o u o receio
de c o n t a r ao m é d i c o o q u e s e n t i r a , c o m m e d o deste suspender sua licença; estava
tão ansiosa q u e p r o c u r o u a docente e r e l a t o u seu t e m o r . A a l u n a e a docente, j u n t a s ,
a n a l i s a r a m com
sí
paciente q u a l seria a m e l h o r c o n d u t a p a r a ela. F o r a m l h e f o r n e
-cidos elementos p a r a a n a l i s a r os prós e os c o n t r a s de r e l a t a r ou n ã o ao m é d i c o o
o c o r r i d o . E l a t e r i a u m a r e u n i ã o com os médicos m a i s t a r d e . Mostrou-se ansiosa
antes desta e n t r e v i s t a ; d u r a n t e a m e s m a r e l a t o u o q u e h a v i a acontecido, após o
que p a r e c e u m e n o s ansiosa. S u a licença n ã o foi cancelada. A seguir, a a l u n a fez a
orientação da p a c i e n t e p a r a a licença. Na segunda-feira r e t o r n o u da licença e
as-sim que v i u a a l u n a queixou-se de indisposição e q u e n a h o r a da e n t r e v i s t a
conta-ria o q u e estava o c o r r e n d o . Na e n t r e v i s t a , i n i c i a l m e n t e , mostrou-se p r e o c u p a d a
com os sinais e sintomas de s í n d r o m e n e u r o l ó g i c o dos n e u r o l é p t i c o s . A a l u n a p e r
-cebeu pela expressão f a c i a l e m o v i m e n t a ç ã o das m ã o s e dos braços q u e M . estava
m u i t o ansiosa e disse: "Conte-me, desde o começo, c o m o f o i sua l i c e n ç a " . A
pa-ciente f r a n z i u o sobrecenho, s e m i c e r r o u os olhos, passou a m ã o pelo rosto e disse:
"Eu não passei b e m este f i m de s e m a n a . F i q u e i com m u i t o m e d o p o r q u e q u a n
-do as pessoas f a l a v a m eu sentia t u d o l o n g e e f i q u e i i n s e g u r a . A c h e i q u e n ã o ia m a i s
s a r a r " . A o ser i n d a g a d a como se sentia n o m o m e n t o , r e s p o n d e u : " A s e n h o r a eu
ouço b e m " . A a l u n a p e r m a n e c e u em silêncio a l g u n s m i n u t o s , o l h a n d o p a r a M . .
Esta disse: " A í , sabe o q u e é, t e n h o m e d o de e l e t r o c h o q u e , q u e m e l e m b r a
eletro-e n c eletro-e f a l o g r a m a , com todos aqueletro-eleletro-es fios, p a r eletro-e c eletro-e cadeletro-eira eletro-e l é t r i c a " . A a l u n a eletro-explicou
sobre o t r a t a m e n t o e disse q u e se ela fosse ser s u b m e t i d a a ele, seria avisada e p r e
-p a r a d a ; d i m i n u i u a ansiedade de M . q u e -passou a r e l a t a r fatos de sua v i d a , de
seus pais e de seus i r m ã o s . No f i m da e n t r e v i s t a p e r g u n t o u : " V o c ê está m e
achan-do d i f e r e n t e ? " . Essa p e r g u n t a deixou a a l u n a bastante ansiosa. R e s p o n d e u que o
que a c h a v a decorria d o q u e ela h a v i a contado. C h a m o u a paciente p a r a p a r t i c i p a r
de u m jogo de m e m ó r i a e a seguir p r o c u r o u o r i e n t a ç ã o . R e a v a l i o u o
comporta-m e n t o da paciente, seus objetivos e o que estava acontecendo n o r e l a c i o n a comporta-m e n t o
te-rapêutico como u m processo. C o n c l u i u q u e estava e m p l e n a f a s e de continuação,
com toda a g a m a de f e n ô m e n o s característicos da fase: aceitação, dependência
acei-ta, confiança, e m p a t i a , e n v o l v i m e n t o emocional e i n t e r d e p e n d ê n c i a — e a
carac-terística desta fase — a resolução, e m c o n j u n t o , dos p r o b l e m a s .
A p a r t i r desta e n t r e v i s t a a paciente passou a r e l a t a r todos os seus p r o b l e m a s ,
temores e preocupações p a r a a a l u n a . J u n t a s p a s s a r a m a a n a l i s a r os p r o b l e m a s e a
v i s u a l i z a r a l t e r n a t i v a s de soluções p a r a estes; a a l u n a l e v a v a a paciente a e s t u d a r
os prós e os contras d a s a l t e r n a t i v a s de soluções e n c o n t r a d a s p a r a os p r o b l e m a s e a
paciente concluía o q u e e r a m e l h o r p a r a e l a .
env o l env i m e n t o e m o c i o n l existente se t o r n a s s e n ã o t e r a p ê u t i c o ; a q u e analisasse os p r ó -p r i o s s e n t i m e n t o s e m f a c e do r e l a c i o n a m e n t o c o m a -p a c i e n t e .
Os p r o b l e m a s q u e f o r a m i d e n t i f i c a d o s j á t i n h a m soluções p r o p o s t a s e c o m o a p a c i e n t e j á estivesse e m v i a s de r e c e b e r a l t a a a l u n a f o i o r i e n t a d a a e s t i m u l a r sua i n d e p e n d ê n c i a e a p r e p a r á - l a p a r a a a l t a . Este p r e p a r o f o i feito l e v a n d o a p a c i e n t e a v i v e n c i a r as situações q u e e n c o n t r a r i a ao s a i r do h o s p i t a l ; a sua i n d e p e n d ê n c i a f o i e s t i m u l a d a g r a d u a l m e n t e . O t e m p o d a s e n t r e v i s t a s f o i d i m i n u í d o e a p a c i e n t e foi o r i e n t a d a a p r o c u r a r t a m b é m o u t r o s p r o f i s s i o n a i s p a r a a j u d á - l a n o q u e precisasse e a p r o c u r a r a a l u n a s o m e n t e q u a n d o n ã o conseguisse e n c o n t r a r a solução p a r a a l g u m p r o b l e m a . A s e n t r e v i s t a s f o r m a i s f o r a m suspensas.
Q u a n d o a a l u n a c o m p l e t o u o p r o g r a m a d a d i s c i p l i n a a p a c i e n t e j á e s t a v a c o m a l t a p r o g r a m a d a .
Na a v a l i a ç ã o f i n a l do r e l a c i o n a m e n t o a e s t u d a n t e c o n s i d e r o u o m e s m o c o m p l e to e g r a t i f i c a n t e , t a n t o p a r a a p a c i e n t e c o m o p a r a ela p r ó p r i a . R e s s a l t o u a s u a v a -l i d a d e e a p -l i c a b i -l i d a d e a toda s i t u a ç ã o de v i d a , p r o f i s s i o n a -l o u n ã o , o n d e o c o r r a m r e l a c i o n a m e n t o s interpessoais.
A R A N T E S , E. C ; S T E F A N E L L I , M . C ; M A T S U O , Y . Nurse-patient r e l a t i o n s h i p :
theoric considerations a n d account of a n experience in teaching. Rev. Esc. Enf. USP
S ã o P a u l o , 13(3) : 2 1 7 - 2 2 3 , 1 9 7 9 .
The authors discuss the teaching of therapeutic relationship to undergraduated nursing students, including its praticai application. They exemplify it with the account of a case of student-patient relationship.
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