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A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA) À LUZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

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Luis Henrique Marotti Toselli

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA) À LUZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

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Luis Henrique Marotti Toselli

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA) À LUZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM DIREITO TRIBUTÁRIO, sob a orientação da Professora Doutora Elizabeth Nazar Carrazza.

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BANCA EXAMINADORA:

________________________________________

________________________________________

(4)

À equipe fiscal do KLA (Koury Lopes Advogados), pelo longo convívio profissional em torno do Direito Tributário.

Ao amigo tributarista Charles William McNaughton, pelo apoio ao regresso ao mundo acadêmico.

Ao professor Roque Antonio Carrazza, pela motivação e excelência que sempre demonstrou nas aulas e conversas.

À professora e orientadora Elizabeth Nazar Carrazza, pelo carinho e dedicação passados sempre quando foi preciso.

(5)

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA) À LUZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

RESUMO

A contribuição patronal destinada ao financiamento do regime previdenciário no Brasil, de acordo com o artigo 195, I, “a”, da Constituição Federal de 1988, deve incidir sobre a totalidade das remunerações pagas pelas empresas por serviços prestados por pessoas físicas. Ocorre que o Governo criou uma contribuição substitutiva, obrigatória para os contribuintes listados na lei, que passou a incidir sobre a receita bruta das empresas. Nosso estudo consiste em verificar essa exação (denominada “CPRB”) à luz do sistema constitucional tributário.

Palavras chave

(6)

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA) À LUZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

ABSTRACT

The employer contribution to the cost of the social security system in Brazil, according to article 195, I, "a", of the Federal Constitution of 1988, must levied on the total remuneration arising from services rendered by individuals. However, the Government has created a replacement contribution, mandatory for taxpayers listed in the law, which is imposed on the gross revenue of the companies. The purpose study is to investigate this collection (called "CPRB") in light of the Brazilian constitutional tax system.

Keywords

(7)

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - TEORIA GERAL DO DIREITO ... 12

I.I. Conhecimento Científico ... 12

I.II. Linguagem ... 18

I.III. Conceito de Direito ... 23

I.IV. Norma Jurídica ... 32

I.V. A Interpretação no Direito (Produção, Aplicação e Incidência Normativa) ... 38

CAPÍTULO II - DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ... 48

II.I. Sistema Constitucional Tributário ... 48

II.II. Tributo e Espécies Tributárias ... 52

II.III. Princípios Constitucionais Tributários ... 60

II.IV. Princípio Republicano ... 62

II.V. Princípio Federativo ... 66

II.VI. Princípio da Legalidade ... 70

II.VI.I Normas Gerais em Matéria Tributária (Lei Complementar) ... 78

II.VI.II. Presunções no Direito Tributário ... 83

II.VII. Princípio da Isonomia (Igualdade) ... 85

II.VIII. Princípio da Capacidade Contributiva ... 87

II.IX. Princípio da Irretroatividade ... 91

X. Princípio da Anterioridade ... 93

II.XI. Princípio da Segurança Jurídica ... 95

II.XII. Imunidades Tributárias ... 97

II.XIII. Competência Tributária ... 103

CAPÍTULO III - OS LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO TRIBUTÁRIO ... 113

III.I. Supremacia Constitucional... 113

III.II. A Rigidez da Constituição Federal ... 118

III.III. “Cláusulas Pétreas” Tributárias ... 122

CAPÍTULO IV - CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS ... 135

IV.I. A Terminologia “Contribuições Especiais” ... 135

IV.II. A Natureza Tributária das Contribuições Especiais ... 137

(8)

CAPÍTULO V - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DAS EMPRESAS ... 164

V.I. Princípio da Solidariedade ... 164

V.II. As Contribuições das Empresas para a Seguridade Social ... 168

V.III. A Contribuição Previdenciária Patronal Prevista Originariamente na Constituição Federal ... 179

V.IV. A Reforma Constitucional da Contribuição Previdenciária Patronal pela Emenda Constitucional nº 20/1998 ... 186

V.V. A Contribuição Previdenciária Patronal na Lei nº 8.212/1991 ... 189

V.VI. SAT/RAT ... 199

CAPÍTULO VI - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA (“CPRB”) ... 205

VI.I. Histórico da Tributação Previdenciária sobre a Receita ... 205

VI.II. O Parágrafo Treze do Artigo 195 da Constituição Federal ... 214

VI.III. A Instituição da CPRB pela União ... 217

VI.IV. Análise da (In)constitucionalidade da compulsoriedade da CPRB ... 221

VI.V. Definição de Receita Bruta para fins de apuração da CPRB ... 234

VI.VI.I. Receitas de Exportação ... 236

VI.VI.II. Da Não Inclusão do ICMS ou ISS na Base de Cálculo da CPRB ... 237

VI.VII. As Diferentes Alíquotas da CPRB em face do Princípio da Isonomia ... 238

VI.VIII. Retenção Previdenciária e Compensação ... 241

SÍNTESE CONCLUSIVA ... 246

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 262

(9)

INTRODUÇÃO

Sob o pretexto de desonerar a folha de pagamentos e, consequentemente, fomentar as relações de trabalho, o Governo editou a Medida Provisória nº 540/2011, convertida na Lei nº 12.546/2011, que, ao instituir o Plano Brasil Maior, determinou a substituição da contribuição previdenciária incidente sobre as remunerações provenientes do trabalho prestado por pessoas físicas por uma contribuição previdenciária sobre a receita bruta (“CPRB”).

Ou seja, a contribuição previdenciária patronal, de 20% sobre a folha de pagamentos, passou a ser substituída, obrigatoriamente, por uma contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta, nos percentuais variáveis de 1% a 2,5%.

Essa regra foi instituída inicialmente apenas para algumas empresas e teria sua vigência limitada a 31/12/2012, mas o Governo incluiu diversos outros contribuintes no regime de desoneração da folha e prorrogou o prazo de vigência deste novo modelo para 31/12/2014.

Ato contínuo, foi editada a Medida Provisória nº 651/2014, convertida na Lei nº 13.043/2014, tornando a CPRB definitiva para o rol de contribuintes incluídos na legislação.

Essa substituição compulsória quanto ao regime de tributação previdenciária de determinadas empresas (da folha para a receita bruta) nos despertou interesse para uma investigação acerca desse assunto. Diante disso, o presente estudo tem por tema a análise da CPRB à luz do sistema constitucional tributário.

Por se tratar de um trabalho com pretensões analíticas, discorremos, no Capítulo I, sobre questões preliminares colocadas na forma de uma Teoria Geral do Direito. Nesse tópico, nossa busca é construir uma base filosófica para o estudo proposto, fixando premissas acerca do conhecimento científico; linguagem; conceito de Direito; norma jurídica e sua estrutura; e interpretação.

O Capítulo II, denominado de direito constitucional tributário, enfatiza os contornos do sistema constitucional tributário, englobando um estudo sobre o conceito de tributo e suas espécies; princípios constitucionais tributários; normas gerais em matéria tributária; presunções; imunidades tributárias; e competência tributária.

(10)

Emendas Constitucionais no âmbito do direito tributário, ou seja, as cláusulas pétreas tributárias.

Dedicamos o Capítulo IV à análise das contribuições especiais, com especial atenção àquelas que são de competência da União, levando em conta a natureza, regime jurídico e princípios informadores desta espécie tributária.

Abordaremos no capítulo V as contribuições para a seguridade social, moldadas em torno do princípio da solidariedade. Após percorrer a matriz constitucional das contribuições previdenciárias (artigo 195, I, “a”, com a redação anterior e posterior à Emenda Constitucional nº 20/1998), o enfoque passará para a contribuição patronal de 20% sobre a folha (Lei nº 8.212/1991), assim como o SAT/RAT1.

Finalmente, antes do Capítulo VII, destinado à síntese conclusiva, o Capítulo VI tem a intenção de, após traçar um histórico sobre a tributação previdenciária sobre a receita, verificar a natureza jurídica da CPRB, a constitucionalidade ou não quanto à sua obrigatoriedade e algumas questões pontuais sobre essa nova sistemática de recolhimento.

(11)

CAPÍTULO I - TEORIA GERAL DO DIREITO

I.I. Conhecimento Científico

Um estudo teórico objetiva conhecer cientificamente um determinado objeto. Ao refletir acerca de uma teoria, pensamos num conjunto de informações e dados que nos permitem compreender algum fenômeno e sua realidade. Nos dizeres de Ferraz Junior (2011: p. 40), “definamos (estipulação) uma teoria como uma explicação sobre fenômenos, a qual se manifesta como um sistema de proposições. Essas proposições podem ter função informativa, ou combinar informativo com diretivo. Ora, depende do enfoque adotado o uso que se fará da língua”.

Uma teoria acerca do Direito, então, nada mais busca do que conhecê-lo na forma de ciência2. Considerando, entretanto, a complexidade da realidade jurídica e sua usual classificação didática em ramos (Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Penal etc.)3, é possível fazer um corte epistemológico para compreender conceitos comuns e elementares de todos esses segmentos, dando ensejo a uma Teoria Geral do Direito4.

Numa acepção simplista, conhecer consiste em tornar um objeto presente para o sujeito, isto é, significa ter consciência sobre uma determinada coisa. O ato de conhecer, nas palavras de Carvalho, A. (2010: p. 7),

fundamenta-se na tentativa do espírito humano de estabelecer uma ordem para o mundo (exterior ou interior) para que este, como conteúdo de uma consciência, se torne inteligível, ou seja, possa ser articulado intelectualmente (constituindo aquilo que a filosofia chama de racionalidade).

2 Como leciona Diniz (1994: p. 17): “ciência” indica conhecimento, por razões etimológicas, já que deriva da palavra latina scientia, oriunda de scire, ou seja, saber. Mas, no sentido filosófico, só merece tal denominação aquele complexo de conhecimentos certos, ordenados e conexos entre si.

3 Como assinala Becker (2007: p. 33), “a autonomia de qualquer ramo do Direito Positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico.”

(12)

O homem é essencialmente um espírito cognoscente. Sua atitude frente aos objetos é uma atividade intelectual, uma atitude do pensamento numa constante ânsia de saber (HESSEN, 1979: p. 10). É o que a filosofia chama de intencionalidade, isto é, o atributo de que a consciência é sempre direcionada a algo.

De acordo com Carvalho, P. (2011: p. 9-10), a consciência envolve três distintas faces:

o ato de consciência, o resultado do ato (que é a forma), e o conteúdo do ato (que é seu objeto). Uma coisa é exercer o ato de pensar, que gera a forma “pensamento” e se dá num determinado instante; outra é o conteúdo desse pensamento (seu objeto), que pode ocupar-se de qualquer situação da vida, inclusive dele mesmo, “pensamento”. Uma coisa é lembrar-se (ato); outra, a lembrança (forma); outra, ainda, a situação lembrada (objeto).

(...) Cabe aduzir que o ser consciente não sente a sensação, não percebe a percepção, não pensa o pensamento, mas sim apreende o objeto dessas formas em que a consciência se manifesta.

De qualquer modo, é sempre útil assinalar que a consciência somente existe por aquilo que a transcende...

Mediante a intencionalidade, a consciência seria doadora de significado ao mundo.

O conhecimento, contudo, é fruto da apreensão intelectual de um objeto. Trata-se de um produto da consciência humana que se materializa num ato, dotado de forma e conteúdo.

Ao estudar o processo de conhecimento, Hegenberg (2001) identificou três etapas para atingir sua plenitude, que denominou de (i) saber de; (ii) saber como; e (iii) saber que. O saber de consistiria na compreensão rudimentar das coisas, adquirida pelas sensações (visão, audição, toque etc.), permitindo o reconhecimento da coisa na hipótese do sujeito reencontrá-la. O saber como corresponderia à atribuição de causa e efeito à coisa, constituindo seu significado. E, finalmente, o saber que, como resultado da experiência vivida, envolveria a capacidade de raciocinar e inferir sobre a coisa, alcançando o conhecimento propriamente dito.

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a percepção etc.), mas somente atinge sua plenitude (seu sentido estrito) quando se revela sob a forma de um juízo5.

Os juízos são processados em nossa consciência pelo pensamento e relacionados na forma de raciocínio6. Com eles atribuímos características aos objetos, definimos suas propriedades e conferimos sentidos às coisas.

Reportando-nos aos ensinamentos de Alves (2011: pp. 28, 236):

pensar é um ato que produz uma forma representativa bastante diferente da percepção e da imaginação. Aquele ato permite o acesso ao “sentido”, isto é, à significação das coisas e dos processos do mundo.

(...)

O raciocínio é uma relação entre juízos, e o juízo (segunda operação de espírito) é uma relação entre conceitos. O juízo é essencialmente a afirmação de uma relação de conveniência ou de desconveniência entre dois conceitos (ideias). Exemplos: “Paulo é aluno; “Paulo não é médico”; “a norma jurídica possui coercibilidade”; “o direito não elimina a liberdade, protege-a”. Quando pensamos, quando expressamos um pensamento, não apresentamos ideias soltas, conceitos isolados. Formulamos conexões entre ideias (mediante proposições, conjunções, verbos, etc.) e também relações entre juízos (inferências). O juízo, portanto, é o primeiro movimento de composição intelectual.

O conhecimento propriamente dito atinge sua plenitude por meio dos juízos (e raciocínios) que, uma vez articulados mentalmente, recebem o nome de proposição7. Isto significa dizer que o conhecimento, em sentido estrito, é proposicional, operando-se por meio da construção e relação entre juízos. É sob esta premissa que Tomé (2005: p. 2) considera que o objeto do conhecimento “não são as coisas-em-si, mas as proposições que as descrevem”.

Dizemos que o sujeito conhece algo quando ele está apto a construir proposições sobre este algo, relacionando-as coerentemente por meio de raciocínios. Mais se conhece um objeto quanto mais se consegue raciocinar sobre ele.

A palavra “objeto”, ressalte-se, designa qualquer coisa que seja merecedora de atenção. É algo que se coloca diante do sujeito, algo que se atira ou se lança contra

5 Momento no qual é possível sua subsunção aos critérios de confirmação ou infirmação.

6 Tal como constatou Borges (2007: p.133), “supremo privilégio na obra da criação: o pensamento humano. O homem é um animal racional, e esse atributo – a racionalidade – faz a diferença que o individualiza diante de outras criaturas vivas. Ninguém melhor que Pascal, com toque de gênio, o anteviu: o homem é um caniço, o mais frágil da natureza, mas é um caniço pensante”.

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(jectum, objectus). “Objeto é tudo aquilo que pode ser sujeito lógico de um juízo. É tudo aquilo a respeito do que se pode predicar algo. Predica-se pelo juízo, pelo ato do intelecto que afirma ou nega algo de algo” (CRETELA JÚNIOR, 2002: p. 55).

Ao falar “objeto”, devemos ter em mente qualquer item que possa ser abrangido pelo pensamento. “Objetos, em tal sentido amplo, nascem com o discurso, surgem com o exercício de atos de fala, ou seja, não o precedem, muito ao contrário do que comumente se pensa. Os objetos nascem quando deles se fala: o discurso, na sua amplitude, lhes dá as condições de sentido mediante as quais os recebemos e os processamos” (CARVALHO,P. 2011: p. 14).

É possível reduzir os objetos a quatro classes: (i) objetos naturais (ou físicos), que são oferecidos pela natureza, são reais (têm existência no tempo e no espaço), estão na experiência e são neutros de valor; (ii) objetos ideais, que são irreais, não estão na experiência e são neutros de valor; (iii) objetos culturais, “que são aqueles aos quais o homem acrescentou a marca de sua individualidade, objetos que passaram da natureza para a sociedade, numa trajetória do dado ao construído” (CRETELA JÚNIOR, 2002: p. 57). São reais, estão na experiência e são valiosos, positiva ou negativamente; e (iv) objetos metafísicos, que são reais, não estão na experiência e são passíveis de valoração.

O objeto não é uma coisa concreta, uma essência a ser descoberta, mas algo construído intelectualmente e que se apresenta sob alguma forma de consciência. Há, pois, uma dualidade entre sujeito e objeto, na linha do que ensina Diniz (1994: p.15):

o sujeito cognoscente é sujeito apenas enquanto há objeto a apreender e o objeto é somente objeto de conhecimento quando for apreendido pelo sujeito. Logo, todo conhecimento envolve três ingredientes: o “eu” que conhece; a atividade ou ato que se desprende desse “eu” e o objeto atingido pela atividade.

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A delimitação do objeto define os limites da experiência, permitindo a própria compreensão daquilo que se pretende conhecer. Neste caso concreto, realizado o necessário corte metodológico: a contribuição previdenciária sobre a receita bruta (“CPRB”) em face do direito constitucional tributário. Eis aqui nosso objeto de estudo.

Já o método, com base nos ensinamentos de Reale (2001: p. 10) “é o caminho que deve ser percorrido para a aquisição da verdade, ou, por outras palavras, de um resultado exato ou rigorosamente verificado. Sem método não há ciência”. Nesta conformidade, partiremos do método analítico, definido por Abbagnano (1982: p. 48) como aquele que “tem por base a descrição ou interpretação dos elementos mais simples pertencentes ao objeto, com a finalidade de resolver a problematização a partir do estudo dos elementos decompostos desse objeto

O modelo, portanto, adotado para o desenvolvimento do estudo ora proposto será o analítico, tendo como objeto as disposições normativas presentes no direito positivo, especialmente no que concerne ao sistema constitucional tributário e aquelas relacionadas à CPRB.

E quando dizemos disposições normativas, cabe esclarecer que também buscaremos colocar em evidência o posicionamento dos Tribunais, especialmente do STF (Supremo Tribunal Federal), a respeito das matérias que serão contempladas ao longo da exposição.

Nesse ponto, interessante destacar os ensinamentos de Meirelles (2010: p. 9), segundo o qual “não compreendemos o Direito divorciado da lei e da orientação dos tribunais”, bem como de Greco (2000: p. 14):

Objeto de estudo pelo jurista (mesmo aquele que assume uma visão positivista do Direito) é o direito posto, que não é formado apenas das leis e da Constituição mas, em igual medida, da jurisprudência editada pelos Tribunais.

Considerar a jurisprudência, num trabalho de doutrina, é tão relevante quanto considerar a Constituição ou as leis, seja porque ela tem uma função criadora do Direito, seja para permitir um exame conjugado do qual podem resultar observações que contribuam para o aperfeiçoamento tanto da legislação quando da própria jurisprudência.

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de fixar premissas e bases que permitirão nos guiar em prol de conclusões coerentes, estruturadas com a finalidade precípua de evitar contradições ou arrepio à lógica.

Com efeito, coube ao Neopositivismo Lógico (ou Positivismo Lógico) – nomes conferidos a uma corrente do pensamento humano que ganhou expressão na segunda década do século XX – a formação de uma Teoria Geral do Conhecimento Científico (Epistemologia).

De acordo com os ensinamentos de Warat (1995: p. 38),

a primeira ideia que devemos reter do Positivismo Lógico é sua obsessiva preocupação com a linguagem da ciência: a ciência se faz com a linguagem, mas, em última instância, é a própria linguagem. Desta forma, a compreensão coerente e sistemática do mundo é obtida através da linguagem.

Esse movimento atribui à linguagem o instrumento do conhecimento científico, razão pela qual se preocupa sobremaneira com a sua precisão. Segundo Carvalho, P. (2005: p. 21):

perceberam os neopositivistas lógicos que a linguagem natural, com os defeitos que lhe são imanentes, como por exemplo a ambiguidade, jamais traduziria adequadamente os anseios cognoscitivos do ser humano, donde a necessidade de partir-se para a elaboração de linguagens artificiais, em que os termos imprecisos fossem substituídos por vocábulos novos, criados estipulativamente, ou se submetessem àquilo que Rudolf Carnap chamou de “processo de elucidação”.

A precisão linguística constitui meio essencial para a clareza e transmissão de conhecimento. Na linha do que apontou Giappichelli (1955: p. 37):

as questões de nome são de grande importância, porque, elegendo um nome ao invés de outro, torna-se rigorosa e não suscetível de mal-entendido uma determinada linguagem. A purificação de linguagem é uma parte essencial da pesquisa científica, sem a qual nenhuma pesquisa poderá dizer-se científica.

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científico. Uma linguagem precisa (de forma a eliminar ambiguidades e vaguidades8), além da delimitação do objeto e método, é essencial para o sucesso do conhecimento e consistência de um trabalho científico.

I.II. Linguagem

Como bem observou Hegenberg (2002: p. 19),

ao nascer, somos “atirados” em um mundo. Diante de nós, uma circunstância cheia de coisas, a que, aos poucos, nos ajustamos. Para que o ajuste não seja apenas “físico”, mas também intelectual, contamos com as interpretações que dela fizeram aqueles que nos antecederam. A função das interpretações é emprestar inteligibilidade às coisas.

Esse ajuste intelectual ou interpretações tendentes a tornar algo inteligível são frutos do pensamento. O ato de pensar, reitera-se, dá origem ao próprio objeto e às proposições que buscam descrevê-lo.

Os pensamentos, as proposições, as interpretações, enfim, o próprio conhecimento, enquanto construções intelectuais, ocorrem através da linguagem. É a linguagem que permite a comunicação 9 e, consequentemente, a aquisição e transmissão de conhecimento. É justamente sob esta óptica que Wittgenstein (1994: p. 111) concluiu que “os limites de minha linguagem são os limites do meu mundo”.

Ludwing Wittgenstein foi um dos precursores da filosofia da linguagem, a qual deu origem ao movimento conhecido como giro linguístico. A concepção filosófica em questão rompeu com a concepção da linguagem como instrumento de conexão entre o sujeito e o objeto, passando a ser o próprio pressuposto do conhecimento e também seu instrumento de controle.

8 Utilizando-se das lições de Carvalho, P. (2005: p. 22), “existem fatores que distorcem, dificultam ou retardam o recebimento da mensagem, tecnicamente denominados “ruídos”. A ambiguidade e a vaguidade, por exemplo, são problemas semânticos presentes onde houver linguagem. Um termo é vago quando não existe regra que permita decidir os exatos limites para sua aplicação, havendo um campo de incerteza relativa ao enquadramento de um objeto na denotação correspondente ao signo. Já a ambiguidade é caso de incerteza designativa, em virtude da coexistência de dois ou mais significados.”

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Na doutrina de Scavino (1999: p. 12) “a linguagem deixa de ser um meio, algo que estaria entre o sujeito e a realidade, para se converter num léxico capaz de criar tanto o sujeito como a realidade.

Dito em outros modos: é por meio da linguagem que temos acesso às coisas, que construímos os objetos e controlamos seu conhecimento. É a linguagem que permite conhecer o real. Nesse sentido, esclarece Araujo (2011: p. 15) que “não é a realidade o que conhecemos, mas somente uma parte dela; apenas a parcela que sujeitamos à linguagem, às representações e aos conceitos.

Enunciar que a linguagem cria a realidade não significa afirmar que inexistem dados independentes dela. O que se quer dizer é que somente por meio da linguagem é possível conhecê-los, transformando-os numa realidade para nosso intelecto.

Sobre esse assunto, excelentes as colocações de Flusser (2007: pp. 46, 48, 53):

a matéria prima do intelecto, a realidade, portanto, consiste em palavras e de dados brutos a serem transformados em palavras para serem apreendidos e compreendidos. (...)

Apreender palavras é formar intelecto. As palavras apreendidas começam a formar uma superestrutura sobre os sentidos, começa a surgir um Eu no sentido estrito. As palavras apreendidas têm significado. Por sobre o caos dos dados brutos sem significado, dentro do qual vivem os sentidos, surge o cosmos simbólico das palavras, dentro do qual vive o intelecto. (...) (...) os dados brutos se realizam somente quando articulados em palavras. Não são realidade, mas potencialidade. A realidade será, em consequência, o conjunto das línguas.

De fato, não utilizamos a linguagem para reproduzir o mundo físico. Pelo contrário, é a linguagem que determina o que chamamos de realidade. Como faz crer Moussallem (2011: p. 9), “a importância da linguagem, para o homem, encontra-se plasmada em sua inevitabilidade. A linguagem é inevitável. Permeia toda a realidade sociocultural, que, por sua vez, condiciona a ação humana”.

A linguagem não possui somente função descritiva. Também é usada para diversas outras funções, identificadas dentro do universo do discurso em que estiver inserida (teoria dos jogos de linguagem10). É usual valer-se da linguagem na sua função

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de prescrever condutas ou fazer coisas, na sua função poética, na função interrogativa, funções estas que variam conforme o respectivo “ato de fala”.

Por ato de fala devemos compreender a ação que é executada através do dizer. Tal terminologia foi utilizada por Austin (1965), ao afirmar que o uso da linguagem assume diferentes sentidos num discurso, podendo significar “dizer algo” como “fazer algo”, de acordo com a intenção do locutor.

O ato de fala está intimamente relacionado à forma de falar do sujeito, ou seja, a maneira de utilizar uma dada língua. Segundo Warat (1995: p. 65):

Indagar sobre um uso linguístico ou modo de significar é realizar uma análise das alterações significativas que as palavras sofrem no processo de comunicação. (...) é impossível analisar o significado de um termo sem considerar o contexto no qual se insere, ou seja, seu significado contextual.

Desta forma, um termo possui dois níveis básicos de significação: o significado de base e o significado contextual. O primeiro é aquele que reconhecemos no plano teórico quando abstraímos a significação contextual e consideramos o sentido congelado, a partir dos elementos de significação unificados por seus vínculos denotativos. O segundo pode ser entendido como o efeito de sentido derivado dos processos efetivos da comunicação social.

Toda expressão possui um número considerável de implicações não manifestas. A mensagem nunca se esgota na significação de base das palavras empregadas. O sentido gira em torno do dito e do calado. (...) A análise funcional sustenta, assim, que o processo de significação não depende unicamente das relações internas dos signos, mas também de um sistema de evocações provenientes dos contextos de uso, que, por sua vez, são determinados pelos objetivos do emissor, pela materialidade ideológico-política da sociedade e pelos dados do contexto comunicacional.

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realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2º, o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações.”11

A língua é um produto social, adotada por uma determinada coletividade com a finalidade de promover a comunicação, via de acesso ao conhecimento. Trata-se de uma espécie de convenção ou código estipulado para fins comunicacionais (caso do idioma português, um código idiomático). A fala é subjetiva, constituindo-se pelo efetivo uso particular da língua pelas pessoas que habitam uma mesma comunidade linguística. Refletir sobre linguagem, língua e fala reporta-nos a outro termo, o signo. Num conceito amplo, o “signo” é a unidade de um sistema que permite a comunicação entre duas ou mais pessoas. É, conforme Pierce (2000: p. 45), “aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.”.

Na visão de Carvalho, P. (2011: pp. 33-34):

Como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação, para aplicarmos a terminologia husserliana. O suporte físico da linguagem idiomática é a palavra falada (ondas sonoras, que são matérias, provocadas pela movimentação de nossas cordas vocais no aparelho fonético) ou a palavra escrita (depósito de tinta no papel ou de giz na lousa). Esse dado, que integra a relação sígnica, como o próprio nome indica, tem natureza física, material. Refere-se a algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é seu significado; e suscita em nossa mente uma noção, ideia ou conceito, que chamamos de “significação.”

A Semiótica (ou Semiologia), como ciência que tem por objeto o estudo dos signos12 , distingue três planos de investigação dos sistemas sígnicos. São as dimensões que a linguagem apresenta: (i) o sintático, em que os signos são analisados entre si (signos com signos); (ii) o semântico, que examina a relação do signo com o que ele representa; e (iii) o pragmático, em que se estudam a relação do signo com os utentes da linguagem (emissor e destinatário).

11 Na verdade, a língua e a fala são indissociáveis, ou seja, não há língua sem fala e vice-versa. A língua, pois, é necessária para que a fala seja inteligível e produza efeitos; e a fala é necessária para que a língua se exteriorize.

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Cada língua, tomada como um sistema próprio de signos que se prestam à comunicação, possui aspectos próprios, promovendo ao sujeito nela inserido uma sensação própria de realidade. “Ao conjunto de categorias e modos de pensar incorporados pela vivência de uma ou várias línguas atribuímos o nome de cultura. E, neste sentido, dizemos que os horizontes culturais do intérprete condicionam seu conhecimento, ou seja, sua realidade.” (CARVALHO, A., 2010: p. 21).

Os objetos, enquanto construções linguísticas, estão condicionados à vivência do sujeito, vivência esta determinada pelas categorias de uma dada língua. É justamente este aspecto cultural que torna o mundo comum para aqueles que habitam uma mesma comunidade linguística.

A propósito, achamos interessante reproduzir o trecho abaixo, no qual Mandela (2012: p. 103) relatou a importância essencial do conhecimento das línguas do povo da África do Sul, na sua luta contra o regime do apartheid.

A rainha ficou especialmente interessada em mim e em um momento se dirigiu diretamente a mim, mas falou em Sesotho, uma língua da qual eu sabia apenas umas poucas palavras. Sesotho é a língua do povo Sotho assim como dos Tswana, uma boa porção dos quais mora o Transvaal e no Estado Livre de Orange. Ela olhou para mim com incredulidade, e então falou em inglês, “Que tipo de advogado e líder você será se não sabe falar a língua do seu próprio povo”? Eu não tive resposta. A pergunta me deixou embaraçado e sóbrio; ela me fez me dar conta de servir o meu povo. Eu havia inconscientemente sucumbido às divisões étnicas estimuladas pelo governo branco e não sabia como conversar com os meus próprios amigos e parentes. Sem a linguagem, não se pode conversar com as pessoas e compreendê-las; não se pode compartilhar suas esperanças e aspirações, ter noção de sua história, apreciar sua poesia, ou saborear suas canções. Uma vez mais me dei conta de que não éramos povos diferentes com linguagens separadas; éramos um só povo, com línguas diferentes.

Junto com o aspecto cultural, a compreensão de um dado objeto também está condicionada às coordenadas de tempo e espaço, formando aquilo que se denominou de “sistema de referência”, que nada mais é do que as condições que informam o conhecimento sobre um determinado objeto. “Sem sistema de referência, o conhecimento é desconhecimento” (TELLES JÚNIOR, 1985: p. 289)13.

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Nesse sentido caminhou Tomé (2005: p. 8):

não existe conhecimento sem sistema de referência: este é condição sem a qual aquele não subsiste. É exatamente por se colocarem em um tipo de sistema de referência que os objetos adquirem significado, pois algo só é inteligível à medida que é conhecida sua posição em relação a outros elementos.

O sistema de referência pode variar de sujeito para sujeito, fato este que impede de falar em verdades absolutas. Uma proposição tomada como verdadeira num modelo pode ser falsa se construída sob um sistema referencial e cultural diferente. Uma verdade de ontem não necessariamente corresponde a uma verdade de hoje.

Tal constatação, cumpre ressaltar, não significa dizer que não existem afirmações verdadeiras. Pelo contrário, o discurso descritivo é construído em nome da verdade. A verdade consiste justamente como um valor em nome do qual se fala.

É pela relação estabelecida entre uma proposição e a linguagem de um dado sistema que é possível aferir sua veracidade ou falsidade. Assim, é possível dizer que uma proposição é verdadeira quando ela está em conformidade com uma interpretação estabelecida, adotada dentro da referência em que o conhecimento é processado.

I.III. Conceito de Direito

Não temos a pretensão de realizar uma investigação aprofundada sobre as diferentes concepções da palavra “direito”, mas sim de definir o seu conceito, a fim de delimitar o objeto da Ciência do Direito.

Para tanto, é importante, inicialmente, traçar considerações sobre a própria definição do signo “conceito”. Segundo dispõe Grau (2002: p. 220):

O conceito na concepção aristotélica compreende, em sentido amplo, a simplex apprehensio rei, envolvendo também a representação sensitiva ou imagem do objeto conceituado. Em sentido estrito compreende a simplex apprehensio essentiae rei. Ao formulá-lo extraímos mentalmente do objeto sua aparência singular ou individual. Daí por que o conceito, em oposição à imagem ou representação concreta, ou gráfica, é sempre abstrato.

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Essas considerações colocam em evidência a distinção entre “termo” e “conceito”. Utilizando-se da explicação de Gama (2009: p. 233), “o termo é o suporte físico, o significante, a partir do qual se constrói uma significação acerca de um significado. Esta significação é o conceito, a ideia suscitada pelo contato com o termo”.

O “conceito” é seletor de propriedades. Ao conceituar, nada mais fazemos do que criar uma classe (ou critérios), nos quais é possível incluir ou excluir determinado(s) objeto(s). Observando isso, aduz Vilanova (1947: p. 17) que o conteúdo do conceito “é justamente a identidade que o pensamento destaca na multiplicidade do objeto, é a unidade e a permanência que coexistem no objeto, ao lado da pluralidade e variação”.

As pessoas, na verdade, possuem o conceito de uma palavra por vivenciarem uma língua. É o contexto cultural e o uso dos termos que aproxima e distancia os conceitos. Não existe, portanto, uma significação absoluta às palavras14. Há, na verdade, ideias dos signos que tendem a se aproximar em relação às pessoas que habitam uma mesma comunidade linguística e, em função disto, acabam associando significações próximas.

Os próprios signos utilizados na linguagem do Direito servem de exemplo para caracterizar a ambiguidade e vagueza das palavras e expressões de uma forma geral, afinal não raramente ensejam discussões sobre a exata conduta que pretendem regulamentar.

Sobre esse tema, julgamos oportuno transcrever a seguinte passagem do voto do Sr. Ministro do STF Cezar Peluso15:

A Constituição Federal não explicita o sentido nem o alcance da palavra faturamento, como tampouco o faz em relação a “tributo”, “propriedade”, “família”, “liberdade”, “vida”, “crime”, “cidadão”, “sufrágio”, etc.. Ou seja, não há, no texto constitucional, predefinição ou conceituação formal dos termos aí usados, nem seria conveniente que o houvesse em todos os casos, pois o texto deve adaptar-se às necessidades históricas da evolução socioeconômica, segundo sua vocação de abertura permanente. (...)

As palavras (signos), assim na linguagem natural, como na técnica, de ambas as quais se vale o direito positivo para a construção do tecido normativo, são potencialmente vagas, mas isso também significa que, por

14 “As palavras são signos arbitrários, os significados das palavras não são descobertos, mas sim assinalados convencionalmente”. (HOSPERS, 1978: p. 17)

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maiores que sejam tais imprecisões, há sempre um limite de resistência, um conteúdo semântico mínimo recognoscível a cada vocábulo, para além do qual, parafraseando ECO, o intérprete não está “autorizado a dizer que a mensagem pode significar qualquer coisa. Pode significar muitas coisas, mas há sentidos que seria despropositado sugerir”.

(...)

Na grande maioria dos casos, porém, os termos são tomados no significado vernacular corrente, segundo o que traduzem dentro do campo de uso onde são colhidos, seja na área do próprio ordenamento jurídico, seja no âmbito das demais ciências, como economia (juros), biologia (morte, vida, etc.), e, até, em outros estratos linguísticos, como o inglês (software, internet, franchising, leasing), sem necessidade de processo autônomo de elucidação.

(...)

Quando não haja conceito jurídico expresso, tem o intérprete de se socorrer, para a re-construção semântica, dos instrumentos disponíveis no próprio sistema do direito positivo, ou nos diferentes corpos de linguagem. (...)

Apesar de parecer expletivo, ante a própria inteligência do sistema, o qual já não permite alteração de competência tributária pelo ente federado que a recebe, dada a rigidez constitucional, é, a respeito, peremptório o art. 110 do Código Tributário:

“Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

É claro que o preceito não serve a interpretar a Constituição, mas tem eficácia enquanto predica sanção de invalidez às normas tributárias que a contrariem nos aspectos enunciados. E não deixa de confirmar que a Constituição da República usa, implicitamente, conceitos de direito privado para definir ou limitar competências tributárias.

Com efeito, as palavras e expressões, embora não raramente sejam ambíguas e imprecisas, possuem ao menos um significado mínimo determinável (significação de base). Inexistisse uma área de certeza sobre o cabimento de um conceito, “as palavras não passariam de ruídos sem qualquer conteúdo. Não seriam signos, é dizer, significantes, e a comunicação humana tornar-se-ia impossível” 16.

Esse mínimo semântico dos termos e palavras, identificados com base no seu uso dentro de um universo linguístico determinado, revela a pré-compreensão (dado cultural) necessária àquilo que se pretende conhecer. Todo conceito, como diz Carrazza, R. (2012: p. 94), “ainda que vago e impreciso, é, por definição, uma noção finita, graças a que possui, necessariamente, um núcleo central incontestável”.

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Sem dúvida, existem exemplos diante dos quais não se duvida que a palavra é aplicável. Há, porém, uma zona de obscuridade, sem limites precisos, onde os conceitos podem distanciar-se, afinal, a vivência cultural e o contexto do discurso podem variar.

Metaforicamente, como leciona Warat (1995: p. 77), a linguagem pode apresentar três zonas: a) de luminosidade positiva, composta pelos objetos onde não existem dúvidas em relação a sua inclusão na denotação; b) de luminosidade negativa, composta pelas situações que com certeza não entram na denotação; e c) de incerteza, onde existem dúvidas quanto ao fato do objeto ou situação entrar ou não na denotação.

Isso permite colocar em evidência um dos grandes problemas dos juristas, qual seja, o da busca por um conceito unívoco de direito. Como notou Hart (2001: p. 5),

poucas questões respeitantes à sociedade humana têm sido postas com tanta persistência e têm obtido respostas, por parte dos pensadores sérios, de formas tão numerosas, variadas, estranhas e até mesmo paradoxais como a questão: O que é Direito?

Carrió (1979: p. 136-137) assinala que a palavra direito é ambígua, pois pode ter distintos significados, segundo os diferentes contextos em que esteja inserida, ou distintos matizes de significado em função desses diversos contextos. Já vaga, porque o uso faz com que seja incerta ou duvidosa a inclusão de um fato ou de um objeto concreto, deixando-a em uma “zona de penumbra” que circunda a área de significado claro da palavra, como ocorre com as palavras “noite”, “jovem”, “velho”, “alto”, “baixo”.”

De fato, a palavra “direito” é ambígua, pois contém vários significados. É também vaga, porque os critérios de seu uso não são suficientemente precisos para definir o seu significado. E, ainda, o termo “direito” traz consigo forte carga valorativa, afinal não raramente as pessoas se utilizam dele para expressarem verdadeiros valores, tais como o de poder, de justiça, de aquilo que é correto etc.

Diante desses ruídos quanto ao conteúdo semântico da palavra “direito”, é mister defini-lo. Definir, de acordo com as lições de Haret (2010: p. 5):

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característica: o fato de serem sempre feitas mediante a enunciação de propriedades e características, capazes de diferenciar uma determinada coisa de outra(s). Portanto, é somente com a linguagem que a definição se mostra presente. (...) Para a lógica, definir é determinar com rigor a compreensão exata de um conceito com o fim de situá-lo em relação a outros conceitos, classificando-o e distinguindo-o.

“Definição”, portanto, é diferente de “conceito”. Reforça tal assertiva Becho (2011: p. 102): “tecnicamente tais palavras expressam realidades diferentes. Conceito é termo que expressa uma construção mental, uma ideia, uma noção. (...). Já definição quer exprimir, propriamente, um dado certo, escrito, delimitado de forma precisa e exata.”.

As definições podem ser percebidas de duas maneiras: na forma conotativa ou na forma denotativa. A conotação busca delimitar o uso da palavra, indicando as características do seu conceito, ou seja, os critérios que permitem chamar o objeto por um nome próprio. Já a denotação busca identificar os elementos que se ajustam ao termo. A título de exemplo, vejamos a palavra “fruta”. Enunciar banana, maça, melancia é definir denotativamente o termo, ao passo que dizer produto alimentício normalmente obtido pelas plantas ou na terra seria defini-lo conotativamente.

Voltando ao conceito de “Direito”, sua definição está intimamente ligada ao corte metodológico do sujeito cognoscente. No plano científico, coube a Hans Kelsen (2012) desenvolver uma “teoria pura do Direito”. Para tanto, esquivando-se dos ideais políticos, morais e de justiça, propôs a purificação metodológica do estudo do Direito, na tentativa de conferir autonomia à Ciência do Direito. Eis algumas palavras do mestre de Viena:

Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito.

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Adotando esse mesmo caminho epistemológico, definimos direito como o conjunto de normas jurídicas que têm por finalidade veicular comandos proibindo, permitindo ou obrigando determinados comportamentos na vida social, sob pena do Estado adotar providências coercitivas que o próprio sistema prevê para seu descumprimento.

Essa visão normativa do direito foi bem esclarecida por Ataliba (2002), para quem “o direito (em sentido objetivo) é um conjunto de normas que – por isso que integrando a ordem jurídica – se chamam normas jurídicas. Formam o direito positivo: o direito posto (e só pode ser retirado) por quem tem poder jurídico para tanto.” (p. 25)

Nessa concepção, e utilizando-se dos planos de investigação dos sistemas sígnicos, a análise do plano sintático da linguagem do direito positivo tem por foco a estrutura lógica das normas jurídicas. Já a do plano semântico envolve o estudo do conteúdo normativo, isto é, da relação entre a norma e a conduta por ela regulada. E, por fim, o plano pragmático permite a análise da forma de utilização da linguagem jurídica, o que envolve a jurisprudência, a aplicação das normas jurídicas, criação etc.

O direito positivo (ou direito posto) não deve ser confundido com a “Ciência do Direito”. Trata-se de realidades totalmente distintas. Em linhas gerais, consistindo no conjunto de normas jurídicas, o direito positivo objetiva regulamentar condutas. Manifesta-se por meio de linguagem prescritiva, sujeitando-se à lógica deôntica e às valências de validade ou invalidade. A Ciência do Direito toma o direito posto como objeto, razão pela qual descreve a realidade jurídica na tentativa de compreendê-la.

Como assevera Carvalho, P. (2010: p. 24), “o direito positivo se manifesta em linguagem, com função prescritiva, ao passo que a Ciência que o descreve também aparecerá como discurso linguístico, mas em função descritiva ou teorética. Linguagem-objeto ali; metalinguagem descritiva aqui.”.

Ao estudar de forma mais aprofundada as características de cada uma das linguagens, Carvalho, A. (2010: p. 117) sintetizou que:

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com os valores obrigatório (O), proibido (V) e permitido (P). Suas valências são validade e não validade, o que não impede a existência de contradições entre seus termos.

(ii) A Ciência do Direito é um corpo de linguagem com função descritiva, que tem como objeto o direito positivo, caracterizando-se como metalinguagem em relação a ele. É objetivada num discurso científico, onde os termos são precisamente colocados. Sintaticamente é operada pela Lógica Alética, o que significa dizer que suas proposições manifestam-se sob a forma “S é P”, onde o predicado “P” aparece modalizado com os valores necessários (N) e possível (M). Suas valências são verdade e falsidade e seu discurso não admite a existência de contradições entre os termos.

Tanto o direito positivo quanto a Ciência do Direito são verdadeiros sistemas, afinal, cada um deles é formado por um conjunto de elementos que, relacionados entre si, formam um todo unitário. Na lição de Vilanova (2010: 133-134), “o que chamamos ordenamento jurídico, sintaticamente é o sistema. Sob esse ângulo formal, cabe dizer, com Pontes de Miranda: o Direito é um sistema lógico de proposições. Mas tanto o Direito-ciência, como o Direito positivo.

O sistema jurídico é dotado de características próprias que lhe conferem autonomia, distinguindo-o dos demais sistemas. Um dos seus principais atributos repousa no fato de que as normas jurídicas vinculam seu descumprimento à aplicação de sanções coercitivas, inclusive mediante utilização do uso de força, mesmo contra a vontade do sujeito destinatário.

Com lastro em Kelsen (2012: p. 35 e 37),

como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento coação, isto é, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como consequência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência – mediante o emprego de força física, é o critério decisivo.

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Para Araujo (2011: pp. 21, 23, 27):

O Direito, na condição de objeto do conhecimento (objeto dinâmico), integra a classe dos objetos culturais, derivados e complexos por representarem uma integração entre o ser (Sein) e o dever-ser (Sollen), já que esta é a natureza da cultura. (...)

A cultura é local, é localizada, refere-se e pertence a um povo, é permeada e produzida pela intersubjetividade. (...)

Como sistema, o direito garante a sua própria imperatividade numa relação de imputação que é simultaneamente imposta e aceita pelos destinatários, na medida em que os jurisdicionados são tanto os receptores como a fonte do poder ou da autoridade do editor normativo.

O direito positivo, pois, caracteriza-se como um verdadeiro objeto cultural, servindo como um instrumento de intervenção social. As normas jurídicas se voltam à linguagem social com a finalidade de regulá-la.

Todas essas ideias foram sintetizadas com propriedade por Carvalho P.17:

Trato o direito positivo adotando um sistema de referência, e esse sistema de referência é o seguinte: primeiro, um corte metodológico, eu diria de inspiração kelseniana – onde houver direito haverá normas jurídicas, necessariamente. Segundo corte – se onde houver direito há, necessariamente, normas jurídicas, nós poderemos dizer: onde houver normas jurídicas há, necessariamente, uma linguagem em que estas normas se manifestam. Terceiro corte – o direito é produzido pelo ser humano para disciplinar os comportamentos sociais; vamos tomá-lo como produto cultural, entendendo objeto cultural como todo aquele produzido pelo homem para obter um determinado fim.

Ressalte-se que o termo “positivo” (constante na expressão “direito positivo”) significa o direito que é posto, ou melhor, imposto pelo Estado na forma de textos produzidos por atos de fala das autoridades competentes.

O direito positivo, a Ciência do Direito e a realidade social são sistemas que constantemente interagem entre si, independentemente de suas “identidades linguísticas”. Sobre esta relação, novamente invocamos o magistério de Carvalho, P. (2010: p. 13):

sobre essa linguagem (a social) incide a linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora, como toda a linguagem é

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redutora do mundo sobre a qual incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no domínio do real social, o setor juridicizado do setor não juridicizado, vem desenhar, enfim, o território da facticidade jurídica.

Para ingressar no direito positivo (mundo normativo do dever ser) é preciso que um acontecimento social (mundo do ser) seja integrado à linguagem própria (jurídica, no caso). Caso o sistema normativo não qualifique juridicamente o acontecimento, não integrando o território da facticidade jurídica, ele não é relevante para o direito.

Isso não passou despercebido para Miranda, P. (2012: p. 65), ao registrar que “os fatos do mundo ou interessam ao direito, ou não interessam. Se interessam, entram no subconjunto do mundo a que se chama mundo jurídico e se tornam fatos jurídicos, pela incidência das regras jurídicas, que assim os assinalam”.

Não podemos perder de vista, nesse contexto, que a linguagem prescritiva do direito apresenta-se como um fenômeno comunicacional, manifestada dentro de um sistema de mensagens produzidas por pessoas competentes, que têm por objetivo regular condutas intersubjetivas.

A teoria comunicacional do direito é relativamente recente, tendo recebido enorme influência da filosofia da linguagem. Em linhas gerais, a aludida teoria toma as normas jurídicas como mensagens direcionadas às pessoas, que são articuladas por meio de signos dotados de conteúdo prescritivo de comportamento.

Grau (2013: p. 140) captou bem a ideia de direito como comunicação: “o direito é, fundamentalmente, comunicação, seja para ordenar situações de conflito, seja para instrumentalizar políticas. Daí a necessidade – inafastável – de penetrarmos o nível linguístico na prática das atividades próprias do profissional do direito.”.

Dentro da sistemática comunicacional do direito, temos apenas acesso aos textos produzidos nos moldes do sistema jurídico. De fato, o direito é posto por palavras, cabendo aos destinatários a tarefa de construir seus sentidos em busca da conduta regulada.

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É inconteste que o direito posto demanda manejo de textos. A Constituição Federal, as leis, sentenças, atos administrativos, portarias, códigos e demais espécies normativas são produzidos por meio de textos.

E quando se fala em “textos jurídicos”, não raramente há confusão no que diz respeito ao seu sentido semântico. Isso porque tal expressão pode ser utilizada como suporte físico e também como o próprio conteúdo (ou seja, como a significação atribuída pelo leitor ao texto). Tecnicamente, porém, definimos texto pelo seu sentido estrito, isto é, como o documento normativo, o suporte físico, verdadeira “porta de entrada” para a interpretação e construção da norma jurídica.

I.IV. Norma Jurídica

A expressão “norma jurídica” costuma ser empregada em sentido amplo, podendo representar, dependendo do contexto, o texto jurídico, os enunciados prescritivos neles constantes, os veículos introdutores de normas e/ou a própria conduta normatizada.

Na visão de Ivo (2006: p. XXII):

debaixo de um mesmo rótulo (= norma jurídica) se escondem elementos distintos. É comum o termo referir-se aos instrumentos introdutores de normas, aos documentos normativos, aos enunciados prescritivos e ao sentido que se atribui aos enunciados prescritivos. Assim, quando nos deparamos com um diário oficial encontramos leis publicadas. Essas leis publicadas contêm enunciados que veiculam normas. Não vemos as normas, porquanto o que se abre aos nossos olhos são os textos prescritivos por meio dos quais elas são transmitidas.

No seu sentido estrito, porém, a norma jurídica é reduzida ao sentido completo da mensagem prescritiva, vale dizer, à unidade mínima e irredutível do deôntico, construída intelectualmente a partir da interpretação dos textos produzidos no sistema jurídico, na linha do que predica Carrazza, R. (2010: p. 15):

a legislação não se confunde com o conjunto de normas jurídicas; estas somente surgem com a interpretação da legislação.

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construções intelectuais do intérprete, efetuadas a partir da análise da legislação lato sensu.

De acordo com o modelo proposto por Carvalho, P. (2010), a compreensão dos textos prescritivos do direito positivo opera-se por meio de um percurso gerador de sentido, que pode ser segregado em quatro planos.

O primeiro deles (S1) consiste no plano da expressão, da literalidade textual ou plano dos significantes. Neste plano estão depositados os documentos normativos, suporte físico dos enunciados prescritivos. Aqui ocorre o primeiro contato do intérprete com o texto, momento no qual a análise recai sobre os enunciados prescritivos. Neste momento o intérprete analisa as palavras, frases, períodos e parágrafos constantes dos documentos normativos.

Ato contínuo, o exegeta ingressa no plano do conteúdo (subsistema S2), imitindo-se na dimensão semântica e pragmática dos comandos legislados. É o momento em que são criados valores unitários aos vários signos dos enunciados, selecionando as significações (proposições) individuais dos enunciados.

No terceiro plano, o intérprete contextualiza as proposições criadas isoladamente, construindo uma significação normativa plena. Neste momento, o exegeta sistematiza as proposições, identificando uma unidade completa de sentido para as mensagens veiculadas nos textos jurídicos. É aqui que o raciocínio do jurista transforma os textos normativos em normas jurídicas em sentido estrito.

Em esclarecedora lição, Carvalho, P. (2010: p. 249-250) registra que

a norma jurídica não se encontra no plano de expressão, não faz parte do sistema morfológico e gramatical do direito, por este motivo nunca é explícita. Está em outro plano: dos conteúdos significativos deonticamente elaborados. Ela é um juízo construído pelo intérprete a partir dos enunciados prescritivos, por isso, sempre implícita.

O intérprete, no plano S3, cria a norma jurídica stricto sensu, compondo a regra de conduta regulada pelo direito positivo.

Finalmente, o processo exegético se esgota no subsistema S4, plano este no qual as normas jurídicas são sistematizadas e agrupadas nas suas relações de coordenação e subordinação, a fim de definir sua hierarquia dentro do sistema jurídico.

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estes subsistemas, quantas vezes julgar necessárias, mas sem deles sair. Com tais incursões, ratifica-se a unidade do sistema jurídico, esgotando-se seus componentes num modelo devidamente articulado do ponto de vista lógico: a norma jurídica enquanto um juízo implicacional.

Na linguagem do direito posto, as normas jurídicas seguem o princípio da imputação18. Segundo o magistério de Borges (1999: p. 20):

as normas jurídicas atuam, na sociedade, segundo o princípio da imputação: dado um certo antecedente normativamente previsto, um descritor normativo (Voraussetzung), deve-se seguir um certo consequente, um prescritor normativo (Folgerung). Quer dizer: ao comportamento normativamente regulado imputa-se uma consequência juridicamente relevante.

A norma jurídica estrita apresenta-se na forma de um juízo hipotético condicional, estrutura típica da linguagem prescritiva e que pode ser reduzida à seguinte fórmula: “se se dá um fato F qualquer, então o sujeito Sa deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito Sp – assim deve ser” (VILANOVA, 2010: p 57).

Essa estrutura é inerente a todas as normas jurídicas em seu sentido estrito, que se diferenciam apenas quanto ao seu conteúdo. Isto significa dizer que o direito positivo é um sistema fechado sintaticamente (homogeneidade sintática), mas aberto nos seus aspectos semânticos e pragmáticos (heterogeneidade semântica)19.

Observando a estrutura normativa, identificamos duas proposições: (i) a hipótese (antecedente ou pressuposto), que descreve um acontecimento de possível ocorrência, o qual serve de fundamento para atribuição de (ii) uma consequência (tese ou prescritor), cuja função é criar um vínculo relacional entre dois sujeitos.

Como explica Santi (2005: p. 9):

18 “Imputação”, segundo leciona Kelsen (2012: p. 101), “designa uma relação normativa. É esta relação – e não qualquer outra – que é expressa na palavra ‘dever-ser’, sempre que esta é usada numa lei moral ou jurídica.”

(34)

A hipótese implica a tese. Descritor de possível situação fáctica do mundo natural ou social, o primeiro; prescritor da relação em que um sujeito Sa fica em face de outro sujeito Sp, o segundo.

Retomando a fórmula D [h → R(Sa, Sp)] temos: “D” functor-de-functor

indicador da operação deôntica incidente sobre a relação de implicação interproposicional, é o functor “D” (deve ser o vínculo implicacional) que constitui o nexo jurídico das proposições jurídicas intranormativas (hipótese e tese); “h”, hipótese; “→”, conectivo implicacional; e “R(Sa, Sp)”,

tese. Nesta, “R” é variável relacional que no universo deôntico triparte-se nos modais obrigatório (O), permitido (P) e proibido (V); “Sa” e “Sp” são os termos, relato e referente, desta relação.

O antecedente normativo é descritor de uma situação que pode ocorrer no mundo fenomênico. Tem por função estabelecer as notas que um fato social tem para tornar fato jurídico, implicando uma determinada consequência no ordenamento jurídico. A hipótese, ensina Vilanova (2010: pp. 49, 52), é a

parte ou membro da norma que tem a função de descrever possível ocorrência no mundo, possível modificação do estado de coisas que entretêm a instável circunstância humana. É a hipótese da norma (seu antecedente, pressuposto, prótase, como se denomine).

(...)

No campo do direito, especialmente, a hipótese apesar de sua descritividade, é qualificadora normativa do fáctico. O fato se torna fato jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a hipótese. E o que determina quais propriedades entram, quais não entram, é o ato-de-valoração que preside à feitura da hipótese da norma.

A hipótese normativa pode ensejar a qualificação da norma jurídica em abstrata ou concreta. Uma norma é abstrata quando contém critérios de identificação de um evento futuro e incerto, mas de possível ocorrência; e concreta quando descrever um acontecimento passado, definido no tempo e espaço.

Utilizando-se dessa classificação, convém observar, com apoio nas lições de Moussallem (2006: p. 135), que

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Pois bem. O antecedente normativo é conectado ao consequente por meio do “dever-ser” (deve ser que H implique C: “D (H C)”), de acordo com o ato de vontade da autoridade competente.

O consequente da norma (tese) tem por função determinar uma conduta que deve ser prestada por um sujeito em relação a outro. Nele estão previstos os efeitos imputados ao acontecimento relevante no mundo jurídico. Nas palavras de Carvalho, P. (2011: p. 133):

se a proposição-hipótese é descritora de fato de possível ocorrência no contexto social, a proposição-tese funciona como prescritora de condutas intersubjetivas. A consequência normativa apresenta-se, invariavelmente, como uma proposição relacional, enlaçando dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória.

O prescritor normativo, pois, constitui o meio por excelência da concretização do direito. Os efeitos atribuídos aos fatos jurídicos são justamente a forma de garantir a realização do comportamento, sob pena de o Estado aplicar uma sanção no caso de seu descumprimento.

As notas informativas do consequente devem guardar fiel relação com a situação prevista no antecedente, uma vez que esta é causa daquele. O prescritor é sempre uma proposição relacional criadora de um vínculo entre dois ou mais sujeitos em torno de uma determinada conduta, que deve ser prestada por um e pode ser exigida por outro.

A relação jurídica prevista no mandamento da norma é expressa por intermédio do conectivo dever-ser modalizado em permitido, obrigatório, ou proibido, com o que se exaure a possibilidade do comportamento. Qualquer conduta caberá sempre em um destes três modais deônticos, não havendo lugar para uma quarta alternativa (lei do quarto excluído).

O consequente da norma pode ser classificado como individual ou geral.

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Feitas todas essas considerações, forçoso concluir que é possível construir (i) normas gerais e abstratas; (ii) normas gerais e concretas; (iii) normas individuais e concretas e (iv) normas individuais e abstratas.

As normas individuais e concretas são sempre subordinadas às gerais e abstratas. Para Carvalho, P. (2010: p. 56): “há uma forte tendência de que as normas gerais e abstratas se concentrem nos escalões mais altos, surgindo as gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas à medida que o direito vai se positivando”.

De fato, as normas gerais e abstratas são produzidas para serem aplicadas. Já as normas individuais e concretas são resultados da incidência daquelas sobre fatos determinados. O que uma prescreve abstratamente, criando uma classe que compreende inúmeros elementos (mais precisamente, tantas quantas forem as situações passíveis de enquadramento), a outra define tais elementos, situando-se no próprio campo material das condutas normatizadas.

Ressalte-se que a diferença entre elas repousa no fato de que a norma abstrata enuncia a conotação do fato, ao passo que a norma concreta demarca um conceito denotativo. E para que seja possível essa denotação (que equivale à própria constituição do fato jurídico), a norma geral e abstrata deve conter critérios mínimos que permitam a sua aplicação.

Tais critérios formam o que a doutrina denomina de regra matriz de incidência20, expressão que designa a norma jurídica que contém, no seu antecedente: (i) um critério material (uma ação ou comportamento), (ii) um critério temporal (o tempo da ação) e (iii) um critério espacial (o espaço da ação); e no seu consequente: (iv) um critério pessoal (identificador dos sujeitos da relação jurídica) e (v) um critério mensurador da prestação (o objeto da conduta).

Somente a partir do momento no qual são satisfeitos todos esses requisitos na ordem social, e desde que haja o devido relato linguístico na forma prescrita pelo direito, é que um “evento” passa a ser “fato jurídico”21.

20 Tal terminologia foi bem explicada por Carvalho, A. (2010: p. 376): “Na expressão “regra-matriz de incidência” emprega-se o termo “regra” como sinônimo de norma jurídica, porque trata-se de uma construção do intérprete, alcançada a partir do contato com os textos legislados. O termo “matriz” é utilizado para significar que tal construção serve como modelo padrão sintático-semântico na produção da linguagem jurídica concreta. E “de incidência”, porque se refere a normas produzidas para serem aplicadas”.

Referências

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