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CAPÍTULO II DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

X. Princípio da Anterioridade

II.XII. Imunidades Tributárias

A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que permitiu às pessoas políticas instituírem tributos nas situações que previu, proibiu-lhes de tributar outras situações por meio das regras de imunidades.

Nos dizeres de Carrazza, E.79, a imunidade “é uma das limitações

constitucionais ao poder de tributar e, como tal, nada retira do âmbito da competência tributária, que já nasce desprovida do campo constitucionalmente imune”.

As imunidades tributárias, pois, constituem um fenômeno de natureza constitucional, que estabelece uma incompetência das entidades tributantes no que diz respeito à tributação de certas pessoas, seja em razão de sua natureza jurídica, seja em função de determinados fatos, bens ou situações.

De acordo com as lições de Derzi, M. (2010: pp. 374, 375):

a imunidade é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não competência das pessoas políticas para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário. A imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação de competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A redução que opera no âmbito de abrangência da norma concessiva de poder tributário é tão só lógica, mas não temporal.

O que é imunidade? É norma que estabelece a incompetência.

No entendimento de Carrazza, R. (2012: pp. 811, 813):

os preceitos imunizantes expressam a vontade do Constituinte originário de preservar da tributação valores de particular significado político, social, religioso, econômico etc.

(...) por efeito reflexo, as regras imunizantes conferem aos beneficiários direitos públicos subjetivos de não serem tributados. (...)

De fato, a Constituição não quer que certas pessoas venham a ser alvo de tributação, justamente para que não vejam perturbados seus direitos fundamentais. Por isso mesmo, estende sobre elas o manto da imunidade. E, ao fazê-lo, cria-lhes direitos subjetivos inafastáveis. (...)

Sempre que a Constituição estabelece uma imunidade, está, em última análise, indicando a incompetência das pessoas políticas para legislarem acerca daquele fato determinado. Impõe-lhes, de conseguinte, o dever de se absterem de tributar, sob pena de irremissível inconstitucionalidade.

Os preceitos imunizantes constituem normas de estrutura, afinal eles têm por objetivo delinear o campo impositivo dos entes tributantes, dispondo sobre a produção de outras regras. Não se trata de normas que se reportam diretamente à conduta humana (normas de conduta), mas sim na estrutura do sistema jurídico, pois direcionadas ao desenho da competência tributária.

De fato, as normas de imunidade consagram verdadeiros valores e postulados essenciais privilegiados pela Assembleia Nacional Constituinte, em nome do povo brasileiro, quando da elaboração do texto constitucional. Registramos, porém, que não é nossa intenção analisar pormenorizadamente as hipóteses de imunidades, para não nos desviar da rota preestabelecida no presente estudo.

Nesse contexto, convém notar que a imunidade tributária não se confunde com a isenção, muito menos com a não incidência.

Na linha do que leciona Machado (2012: pp. 268, 269):

É certo que, do ponto de vista do resultado prático, a imunidade, a isenção e a não incidência podem ser consideradas equivalentes, pois levam à situação na qual o tributo não é devido. Talvez por isto mesmo muitos não se interessem na delimitação desses conceitos. Entretanto, para quem estuda Direito seriamente essa delimitação é importante, porque em certas situações pode ser decisiva para a solução de questões eventualmente suscitadas.

A imunidade, como acima se viu, é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra de tributação. Resulta da superioridade da Constituição na hierarquia do sistema jurídico. A isenção nada tem a ver com a hierarquia das normas jurídicas. Resulta da lei, que está na mesma posição hierárquica da lei que cria o tributo e define sua hipótese de incidência. Já, a não incidência, que também não depende da hierarquia das normas jurídicas, identifica-se por exclusão, em face da hipótese de incidência da regra de tributação.

O instituto da isenção, na verdade, introduz modificações no âmbito da regra matriz de incidência tributária, subtraindo parcela do campo de abrangência do antecedente ou do consequente da norma jurídica.

Nas palavras de Carvalho, P. (2011a: p. 568),

as normas de isenção pertencem à classe das regras de estrutura, que intrometem modificações no âmbito da regra-matriz de incidência tributária, esta sim, norma de conduta. (...), a regra de isenção investe contra um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente.

A regra de isenção pode inibir a funcionalidade da regra matriz tributária, de oito maneiras diferentes: a) pela hipótese, atingindo-lhe: (i) o critério material, pela desqualificação do verbo; (ii) o critério material, pela subtração do complemento; (iii) o critério espacial e (iv) o critério temporal; e b) pelo consequente, atingindo-lhe: (v) o critério pessoal, pelo sujeito ativo; (vi) o critério pessoal, pelo sujeito passivo; (vii) o critério quantitativo, pela base de cálculo; e (viii) o critério quantitativo, pela alíquota.

Diferentemente da imunidade, que advém do próprio texto constitucional, a isenção depende de lei, estando sujeita ao princípio da legalidade. O Poder Legislativo, contudo, possui a faculdade de isentar determinadas pessoas ou situações do pagamento de tributo, sem desrespeitar os princípios constitucionais. É neste sentido que Borges afirma que “o poder de isentar é o próprio poder de tributar visto ao inverso” (2011: p. 31).

Já a não incidência consiste nas situações nas quais um determinado evento não é relevante para o Direito. No âmbito tributário, a não incidência quer dizer que um fato não é passível de tributação, impossibilitando a sua subsunção à previsão hipotética da lei fiscal.

A não incidência, portanto, elimina a legitimidade dos aplicadores do direito empregarem a linguagem competente sobre tais hipóteses.

Podemos concluir, então, que a imunidade compõe constitucionalmente a competência tributária; a isenção situa-se no campo infraconstitucional, operando-se por meio de lei que mutila um ou mais critérios da regra matriz; e a não incidência diz respeito aos fatos que não se enquadram na norma jurídica tributária.

No âmbito das contribuições à Seguridade Social, categoria na qual as contribuições previdenciárias estão inseridas, o texto constitucional previu que “são

isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei” (art. 195, § 7º).

Nessa situação específica, e na linha do que expusemos acerca das diferenças conceituais entre imunidade e isenção, onde se lê na Carta Magna “são isentas”, deve-se entender “são imunes”, afinal a imunidade advém da própria Constituição Federal, ao contrário da isenção, que opera-se infraconstitucionalmente.

Essa é a posição, aliás, do Supremo Tribunal Federal, conforme atesta a ementa do julgado abaixo.

MANDADO DE SEGURANÇA - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - QUOTA PATRONAL - ENTIDADE DE FINS ASSISTENCIAIS, FILANTRÓPICOS E EDUCACIONAIS - IMUNIDADE (CF, ART. 195, § 7º) - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. - A Associação Paulista da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por qualificar-se como entidade beneficente de assistência social - e por também atender, de modo integral, as exigências estabelecidas em lei - tem direito irrecusável ao benefício extraordinário da imunidade subjetiva relativa às contribuições pertinentes à seguridade social. - A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política - não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguridade social - , contemplou as entidades beneficentes de assistência social, com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965. - Tratando-se de imunidade - que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7º, da Carta Política, para, em função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo.80

E de acordo com parte final do mencionado artigo 195, § 7º, a imunidade das contribuições para a Seguridade Social em relação às entidades beneficentes de assistência social está condicionada ao atendimento dos requisitos estabelecidos em lei. Como o referido dispositivo constitucional se refere apenas a requisitos estabelecidos em lei, há discussão sobre qual seria o veículo legislativo competente para definir os requisitos da imunidade tributária: se lei complementar ou lei ordinária.

Acreditamos que cabe unicamente à lei complementar definir os requisitos da imunidade. Isto porque o artigo 146, II da Constituição81 diz expressamente que cabe à lei complementar regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar. Desta forma, fundada na premissa de que as imunidades são limitações constitucionais ao poder de tributar, os requisitos para sua fruição devem ser objeto de lei complementar.

80 MS 22.192-9/DF (Dj 19/12/1996). 81 “Artigo 146 - Cabe à lei complementar: (...)

Registra-se que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou favoravelmente à corrente de que o veículo competente para definir os requisitos da imunidade é a lei complementar, como mostra a seguinte ementa:

II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II): "instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei": delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar.82

O artigo 14 do Código Tributário Nacional condicionou a fruição da imunidade à observância dos seguintes requisitos por parte das entidades beneficiadas: (i) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (ii) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e (iii) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Ora, os requisitos em questão dão eficácia e aplicabilidade à imunidade das entidades beneficentes de assistência social, razão pela qual eventuais outros requisitos para gozo da imunidade, não previstos em lei complementar, padecem de vício de inconstitucionalidade83.

Nesse ponto, são precisas as considerações de Carrazza, R. (2012: p. 964): “o art. 14 do Código Tributário Nacional dá plena eficácia e total aplicabilidade ao art.

195, § 7º, da CF. A entidade beneficente de assistência social que atender aos requisitos deste art. 14 tem o inafastável direito de não ser tributada por meio de contribuições sociais para a seguridade social”.

82 ADIN 1.802-3 (Dj 13/02/2004).

83 Além dos requisitos definidos pelo Código Tributário Nacional (que, reitere-se, possui natureza de lei complementar), a matéria também está atualmente regulamentada pela Lei (ordinária) nº 12.101/2009, lei esta que, dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social; regula os

procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social. Na verdade, tendo em vista que

referida lei ordinária estabeleceu requisitos adicionais para fins de fruição da imunidade em questão, a nosso ver ela é inconstitucional nesse ponto. Encontra-se em trâmite, inclusive, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 4.891/2012), a qual está pendente de julgamento pelo STF.

Apesar de não haver uma disposição expressa no texto constitucional acerca da definição de entidade beneficente de assistência social, é possível interpretar que elas seriam entidades sem fins lucrativos que têm por objetivo a prática de qualquer uma das finalidades previstas no artigo 203 da Constituição, in verbis:

Artigo 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Como podemos notar, a assistência social possui conteúdo semântico amplo, abrangendo diversos meios voltados à redução de desigualdades e carências entre as pessoas. Podemos, então, definir entidade beneficente de assistência social como a entidade que atende ao menos uma das necessidades apontadas nos incisos do referido artigo 203 da Constituição.

Essa, aliás, é a posição de Carrazza, R. (2012: p. 967):

É entidade beneficente de assistência social, para os fins do predito art. 195, § 7º, da CF, aquela que, sem “espírito de ganho” (isto é, “caritativamente”), auxilia o Estado no atingimento de pelo menos um dos objetivos apontados no art. 203 do mesmo Diploma Magno. Há, pois, uma noção constitucional de entidade beneficente de assistência social: é a que , sem animus lucrandi, atende a uma ou mais necessidades do ser humano (saúde, educação, reabilitação física etc.), arroladas especialmente – mas não de modo taxativo – no art. 203 da CF.

Feitas essas considerações, a nossa conclusão é a de que uma entidade que, cumprindo os requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, e desde que desempenhe alguma das atividades relacionadas no artigo 203 da Lei Maior, é imune às contribuições para a Seguridade Social.