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O interesse da União federal: possibilidade de usucapião em terrenos marginais de rio estadual

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ROBERTO BONELLI BITENCOURT FILHO

O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL:

POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL

Tubarão 2013

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ROBERTO BONELLI BITENCOURT FILHO

O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL:

POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL

Monografia apresentada ao Curso Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientadora: Profª Maria Nilta RickenTenfen, Msc.

Tubarão 2013

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AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente a Deus, por me dar forças para continuar lutando ao longo de minha graduação.

A toda minha família, pelo esforço em minha formação.

À Professora Maria Nilta Ricken Tenfen, minha orientadora, por seu espírito generoso, o qual de forma paciente e atenciosa me auxiliou com empenho e conhecimento para elaboração desta monografia.

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RESUMO

O presente trabalho propõe analisar o interesse da União Federal nas ações de usucapião de terrenos marginais de rio estadual e a aplicação de referido instituto, já que muitos destes terrenos são considerados terrenos de marinha, ou seja, são bens dominicais, logo, não passíveis de usucapião. Para a construção desta monografia, foi utilizado o método de abordagem dedutivo. O método de procedimento empregado para a coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica, pois analisou-se a doutrina pátria e jurisprudência selecionada.Os terrenos marginais de rio estadual, segundo jurisprudência majoritária, são considerados terrenos de marinha, por conta de estes sofrerem a influência das marés. Tal entendimento encontra respaldo no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, mais precisamente em seu artigo 2º (segundo), alínea “a”. Porém, o referido decreto não foi recepcionado pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, bem como pelas subsequentes, eis que nenhuma delas atribui a influência das marés como fator determinante do domínio. As disposições previstas na Constituição não podem ser ampliadas ou restringidas por legislação infraconstitucional, salvo se a própria carta assim ressalve ou remeta à legislação ordinária. Não se pode atribuir o domínio dos terrenos marginais à União pelo simples fato de os mesmos sofrerem a influência das marés ou por desaguarem no oceano. Os rios que têm nascente e foz dentro do Estado, que não banham mais de um Estado, que não se estendem a outro território e não fazem divisas com outros países, a este o pertencem, por força da Constituição da República Federativa do Brasil. Caso preenchidos os requisitos mencionados acima, a União não tem interesse jurídico no feito, sendo a competência para o julgamento das ações da Justiça Estadual.

Palavras-chave: Usucapião. Bens públicos. Terrenos de marinha. Declinação de competência.

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ABSTRACT

This study aims to analyze the interest of the Federal Union in the actions of adverse possession of land marginal river state and the application of that office, because many of these lands are considered tide lands, in other words, so not subject to adverse possession. For the construction of this monograph, it was used the method of deductive approach. The method of procedure used for data collection was the literature, because it was analyzed the doctrine and jurisprudence selected. The marginal lands of river state, as the court majority, are considered tide lands, on account of their suffering tidal influence. This understanding is supported by the Decree-Law nº 9,760, of 1946, more precisely in its Article 2 (second), paragraph "a ". However, the decree hasn’t been approved by the United States Constitution of Brazil, 1946, and by subsequent behold neither assigns tidal influence as a determinant of the domain. The provisions of the Constitution cannot be enlarged or restricted by constitutional legislation, unless the card itself so he notes or refer to ordinary legislation. It don’t can assign the domain of marginal lands to the Union simply because they suffer tidal influence or emptying into the ocean. Rivers that have source and mouth within the state, not bathe more than one state, which do not extend to another country and not do with other foreign countries, belong to this, because of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. If completed the requirements mentioned above, the Union has no legal interest in done, and the power to judge the actions is of State Courts.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... .8

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 8

1.2 JUSTIFICATIVA ... 9

1.3 OBJETIVOS ... 10

1.3.1 Geral ... 10

1.3.2 Específicos ... 10

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 10

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ... 10

2USUCAPIÃO ... 12

2.1 CONCEITO ... 12

2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 13

2.2.1 Período Arcaico... 13

2.2.2Período Clássico ... 14

2.2.3 Período Pós Clássico ... 15

2.3 FUNDAMENTOS DA USUCAPIÃO ... 16

2.4ESPÉCIES DE USUCAPIÃO NO DIREITO BRASILEIRO ... 18

2.4.1 Usucapião ordinária ... 18 2.4.2 Usucapião extraordinária ... 19 2.4.3 Usucapião urbana ... 20 2.4.4 Usucapião rural ... 23 2.4.5 Efeitos da sentença ... 25 3BENS PÚBLICOS ... 27 3.1 CONCEITO ... 27

3.2CLASSIFICAÇÃODOS BENS PÚBLICOS ... 27

3.2.1Regime jurídico dos bens públicos ... 27

3.2.2Bens de uso comum do povo ... 28

3.2.3Bens de uso especial ... 29

3.2.4Bens dominicais ... 29

3.2.5Terrenos de marinha e seus acrescidos ... 32

3.2.6Terrenos marginais ... 35

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4.1 O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL E DA POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM

TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL ... 37

4.2DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA ... 50

4.3POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS DE MARINHA ... 53

5 CONCLUSÃO ... 56

REFERÊNCIAS ... 58

ANEXOS ... 64

ANEXO A – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.011234-6/SC ... 65

ANEXO B – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS ... 71

ANEXO C – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS ... 79

ANEXO D – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.041958-3/RS ... 91

ANEXO E – APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.55312-7/RS ... 95

ANEXO F – RECURSO ESPECIAL Nº 982.039 - RS (2007/0202825-0) ... 99

ANEXO G – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2012.029284-4 ... 105

ANEXO H – CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 27.558 - SP (1999/0087627-0) ... 108

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico tem por objetivo efetuar uma abordagem a respeito da possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, bem como o interesse jurídico da União das respectivas ações.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Segundo Moraes (2006, p.668), a União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-Membros e Municípios, constituindo pessoa jurídica de direito público interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado Brasileiro.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, expressa, no artigo 20 e seus incisos, que os bens pertencem à União Federal. (BRASIL, 1988).

O inciso segundo, do artigo mencionado supra, aponta como bens da União dos lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, além de servirem de limites com outros países ou se estenderem a outro território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. (BRASIL, 1988).

O Decreto-Lei nº 7.760, de 1946, conceituou como terrenos de marinha, e que pertencem à União, aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. (BRASIL, 1946).

Porém, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, em seu artigo 35, discriminava de forma expressa e cristalina que os rios se incluiriam entre os bens do Estado, ou seja, os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nascente e foz no território estadual. (BRASIL, 1946).

A Constituição Federal de 1967, pela emenda nº 16/80, dispôs, no seu art. 5º, incluir-se entre os bens dos Estados e Territórios “os lagos em terrenos de seu domínio, bem como os rios que neles tem nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas”. (RIBEIRO, 2008, p. 617).

Neste diapasão, no ano de 1946, os direitos dos Estados em relação aos lagos e rios passaram a ser previstos de forma expressa, tendo em vista que outrora somente eram identificados por exclusão.

Esses institutos são de grande relevância ao se analisar a possibilidade da Usucapião em terrenos marginais de Rio Estadual, pois, de acordo com o Decreto-Lei

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mencionado infra, os terrenos com margens a beira dos rios que sofrem influência de maré, por serem terrenos de marinha, não podem ser usucapidos. Ao revés, levando em consideração que tal decreto não foi recepcionado pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, bem como pelas subsequentes, seria possível a aplicação do instituto, eis que tais bens pertenceriam ao Estado.

Na lição de Pacheco (2008), o instituto da usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, ou de outros direitos reais suscetíveis de apropriação material, através da posse continuada, durante certo espaço de tempo, com a observação dos requisitos em lei estabelecidos.

Para ser reconhecida a benesse da usucapião, é necessário preencher requisitos, estes que estão Previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 183, bem como no artigo 1.240, do Código Civil de 2002. (BRASIL, 1988). (BRASIL, 2002).

Os rios, que serão objeto de estudo no presente trabalho, são aqueles que têm nascente e foz dentro de um determinado Estado, pois, da análise legislativa, tem-se, por dedução, que o Decreto-Lei nº 7.760, de 1946, não foi recepcionado nem mesmo pela Constituição Federal daquele mesmo ano, bem como pelas subsequentes.

Nessa linha de raciocínio, a União não teria interesse nas ações de Usucapião em terrenos marginais de rio estadual que tenha nascente e foz dentro de um determinado Estado, tendo em vista que tais bens pertencem a este.

Assim, a partir do que fora comentado anteriormente, tem-se a seguinte problemática: A União Federal tem interesse nas ações de Usucapião em terrenos marginais de Rio Estadual?

1.2 JUSTIFICATIVA

A relevância da análise da possibilidade de aplicação do instituto da Usucapião em terrenos marginais de Rio Estadual reside no fato de que muitos cidadãos possuem a posse destes imóveis, que, por força do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, são considerados terras de marinha e, portanto, não são passíveis de usucapião.

Da análise histórica das Constituições em relação às matérias que dizem respeito ao presente estudo, percebe-se que é possível usucapir terrenos marginais de rio estadual, mostrando-se de grande utilidade, principalmente em benefício das pessoas que residem em regiões ribeirinhas.

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1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Geral

Demonstrar que a União Federal não possui interesse nas ações de usucapião de terrenos marginais de rio estadual que tenham nascentes e foz dentro do mesmo Estado.

1.3.2 Específicos

Verificar, com base na lei, doutrina e jurisprudência, a possibilidade da aplicação do instituto da Usucapião em terrenos marginais de rio estadual.

Descrever as características da usucapião, seus requisitos e modalidades, tais como: o ânimo de senhor, posse, justo título e boa-fé.

Demonstrar a possibilidade da aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual.

Identificar se a aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual fere a Constituição Federal.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa deste trabalho monográfico será realizada utilizando-se o método de abordagem dedutivo, em que parte-se de um argumento geral ou universal, para, então, atingir a uma conclusão específica, determinada. Quanto ao procedimento, foi utilizada, para coleta de dados, a pesquisa bibliográfica.

Ademais, como técnica para coleta e registro das informações, utilizou-se de leituras, documentação bibliográfica e jurisprudencial.

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

O presente trabalho está estruturado em três principais capítulos, os quais foram desenvolvidos a partir da leitura de legislação, doutrinas e jurisprudências de alguns tribunais pátrios, em especial o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, buscando-se esclarecer o objeto de pesquisa.

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A proposta do primeiro capítulo é discorrer sobre os aspectos históricos da usucapião, bem como suas principais modalidades, quais sejam, a usucapião ordinária, extraordinária, urbana, rural, além dos efeitos da sentença deste instituto.

No segundo capítulo, busca-se conceituar os bens públicos, sua classificação e regime jurídico, e também suas respectivas modalidades: bens de uso comum, bens de uso especial e bens de uso dominicais. Com isso, almeja-se o esclarecimento dos referidos bens dando ênfase à alienabilidade dos bens públicos dominicais, esclarecendo-se, inclusive, ao que tange os terrenos de marinha e seus acrescidos e, ainda, os terrenos marginais de rio estadual, para posterior enfrentamento do tema proposto no trabalho monográfico.

Ainda neste norte, o terceiro capítulo discorre sobre a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, tendo em vista que esses terrenos podem ser considerados terrenos de marinha.

Os terrenos de marinha pertencem a União, logo, não são passíveis de usucapião, por força da Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, será demonstrado que os terrenos marginais, que muitas vezes são considerados de marinha, pertencem ao Estado e não à União.

Por fim, tem-se a declinação de competência das ações de usucapião, bem como a possibilidade de aplicação do referido instituto em terrenos de marinha.

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2 USUCAPIÃO

2.1 CONCEITO

Usucapião é o modo originário da aquisição do domínio através da posse mansa e pacífica, por certo espaço de tempo e fixado em lei. (RODRIGUES, 2003). É um dos modos de aquisição da propriedade e de outros direitos reais.

Lafayette (apud RIBEIRO, 2008) expressa que o modo de adquirir é originário, quando o domínio adquirido começa a existir com o ato, que diretamente resulta, sem relação de causalidade com o estado jurídico de coisa anterior.

Um dos requisitos primordiais para a constituição da usucapião é a posse. Esta consiste numa relação de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando mera relação de fato. (RODRIGUES, 2003). Significa dizer que proporciona ao possuidor o exercício, pleno ou não, de alguns poderes inerentes à propriedade, sendo que tais poderes referem-se a usar, gozar e reaver um bem de quem injustamente o possua.

Muitas teorias surgiram a fim de esclarecer o instituto da posse. Dentre estas, merecem realce a teoria subjetiva, de Savigny, e a objetiva, de Ihering.

Para Savigny (apud RIBEIRO, 2008), tem-se a posse de uma coisa quando existe a possibilidade não somente de dispor dela fisicamente, mas ainda de defendê-la contra toda ação surpreendente.

Encontram-se, assim, na posse, dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e um elemento intelectual, o animus, ou seja, o escopo de ter a coisa como sua, isto é, o animus sibirem habendi. (RODRIGUES, 2003).

Tais elementos são essenciais para caracterização da posse, porque na ausência de corpus inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, na falta de animus, não existe posse, mas mera detenção.

Para Ihering, a materialidade dos atos de exploração e a utilização da res são os fatores que determinam a existência da posse, e não a pretensão do possuidor. (ARAÚJO, 2005).

Rodrigues (2003) explica que, para esta teoria, posse não significa apenas a detenção da coisa, ela se revela na maneira como o proprietário age em defesa da coisa, tendo em vista sua função econômica, pois o animus nada mais é que o propósito de servir-se da coisa como proprietário.

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O referido autor exemplifica a teoria de Ihering (objetiva), através dos seguintes exemplos:

Assim, o lavrador que deixa sua colheita no campo não a tem fisicamente; entretanto, a conserva em sua posse, pois que age, em relação ao produto colhido como o proprietário ordinariamente o faz. Mas, se deixa no mesmo local uma jóia, evidentemente não mais conserva a posse sobre ela, pois não é assim que o proprietário age em relação a um bem dessa natureza.

Não é mister um conhecimento mais profundo para saber se alguém é ou não possuidor. Tal ciência decorre do bom senso. O camponês que encontra animal capturado por armadilha sabe que ele pertence ao dono desta; desse modo, se o tirar dali, não ignora que pratica furto, já que o está subtraindo da posse de seu dono; o madeireiro que lança à correnteza os troncos cortados na montanha para que o rio os conduza à serraria não tem o poder físico sobre os madeiros, mas conserva a posse, pois assim é que age o proprietário; o transeunte que vê materiais de construção ao pé da obra sabe que eles pertencem ao dono desta, embora não se encontrem sob sua detenção física. (RODRIGUES, 2003, p. 18-19).

Conforme ensina Araújo (2005, p. 109), “o nosso Código adotou a teoria objetiva ao definir a exteriorização da posse como um dos atributos do domínio”.

No mesmo sentido, Monteiro (1994, p. 14) afirma que “a teoria de Ihering foi adotada pela lei civil pátria, que se tornou o primeiro código a consagrá-la”.

2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Procurando-se as raízes históricas da usucapião, não há duvida de que o Direito Romano consiste em sua fonte primitiva. (ARAÚJO, 2005).

A usucapião foi consagrada na Lei das XII Tábuas, datada do ano de 305, da era romana ou da fundação de Roma (urbe condita), correspondendo ao ano de 455 a.C. (RIBEIRO, 2008).

Para delinear-se a evolução histórica da usucapião, é necessário esclarecer alguns preceitos dos períodos, sendo eles o Arcaico, o Clássico e o Pós Clássico, conforme se verá a seguir.

2.2.1 Período Arcaico

Conforme mencionado anteriormente, a origem da usucapião remonta à própria Lei das XII Tábuas. A usucapião de bens imóveis ocorria no prazo de dois anos; a de móveis, no prazo de um ano. Nesse período, não existiam requisitos para utilizar-se de tal instituto, salvo a proibição da prescrição aquisitiva em relação a objetos provenientes de furto.

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Portanto, a posse deveria ser justa, ou seja, eram estritamente proibidos atos de violência, precariedade e clandestinidade.

Além da proibição de usucapir a res furtiva, ainda havia outras, principalmente no que diz respeito à legitimidade ativa, eis que o sujeito ativo não poderia ser estrangeiro (peregrinis). A usucapião tinha apenas como objeto a propriedade quiritária, a qual somente poderia pertencer ao cidadão romano.

É o que se extrai da obra de Araújo (2005, p. 34), o qual comenta que

[...] O usucapião de bens imóveis ocorria no prazo de dois anos; já, para os bens móveis, o prazo seria reduzido pela metade, ou seja, um ano. [...]. A exigibilidade dos prazos é atribuída, nessa fase, à própria dimensão territorial de Roma. Da mesma forma, não existiam outros requisitos necessários para consolidação do usucapião, com exceção da proibição de prescrição aquisitiva sobre objetos furtados.

O autor mencionado entende que a origem da usucapião remonta à fase anterior a própria Lei das XII Tábuas. Segundo Ribeiro (2008), alguns autores afirmam que a prescrição denominada aquisitiva originou-se na Grécia e que Platão mencionou em sua obra “A República”, porém, a maioria dos estudiosos comenta o instituto a partir do direto romano.

2.2.2 Período Clássico

Conforme argumentado, os estrangeiros não poderiam ser sujeito ativo para invocar o instituto da usucapião, tendo em vista que esta somente tinha como objeto a propriedade quiritária, ou seja, deveria pertencer ao cidadão romano.

Acontece que, com o desenvolvimento de Roma, a complexidade das relações sociais, o aumento do número de estrangeiros e dos terrenos provinciais (considerados res pública, ou seja, insuscetíveis de apropriação), exigia-se o aperfeiçoamento do instituto, oportunidade em que surgiu a longi temporis exceptio, sendo que o possuidor de boa-fé, com justo título e que estivesse sobre o imóvel por certo tempo, poderia opor referida benesse em juízo.

Assim, Araújo (2005, p. 36) afirma que

O aumento do número de estrangeiros e das possessões províncias proclamou uma nova forma de usucapião. Na verdade, como ensina Girard, com o passar do tempo as formas de aquisição solene pela mancipatio e in iurecessio prejudicaram os próprios cidadãos romanos. As fórmulas serviam apenas para a aquisição de terrenos itálicos e não para os provinciais. Os terrenos provinciais não eram suscetíveis de apropriação, pois eram considerados res publica. Os particulares que exerciam a posse sobre os fundos provinciais podiam usufruir, mas jamais tornar-se-iam

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proprietários. Como forma de proteção dessa posse, ou quase-propriedade, surgiu a

longi temporis praescriptio, também chamada de longi temporis exceptio.

A chamada praescriptio, assim denominada porque vinha no cabeçalho de uma fórmula, era modalidade de exceção, meio de defesa, surgindo posteriormente à usucapião. Essa defesa poderia ser empregada tanto por cidadãos romanos como pelos estrangeiros. (VENOSA, 2003).

Neste diapasão, a usucapião permaneceu no período clássico com as mesmas particularidades, convalescendo-se no que diz respeito à boa-fé e ao justo título, essenciais e indispensáveis para sua constituição.

2.2.3 Período Pós Clássico

Conforme o que foi visto, nesse período, surgem relevantes modificações no que diz respeito à usucapião e a praescriptio. Houve uma reforma por parte do Direito Bizantino, sendo terminada por Teórido (424d.C.) do qual o proprietário desidioso perdia o seu direito de vindicar, mas não a sua propriedade.

O prazo para perder o benefício de vindicar a propriedade, inicialmente, era de 40 (quarenta) anos, sendo posteriormente reduzidos para 30 (trinta) anos. Porém, foram introduzidas profundas modificações no século VI, com Justiniano.

Inicialmente, realizou-se a fusão da usucapião com a praescriptio longi temporis. Assim, Justiniano excluiu a diferenciação entre propriedade quiritária e pretoriana, bem como dos terrenos provinciais e itálicos.

Nesse período, surgem grandes modificações no que toca a usucapio e a praescriptio. O direito Bizantino provocou uma reforma iniciada pelo imperador Constantino e terminada por Teodósio (424 d.C.), na qual se extingui o direito de vindicar do proprietário negligente. Ele não perdia a propriedade, somente o direito de reivindicar, caso permanecesse silente por 40 (quarenta) anos, sendo posteriormente reduzido para 30 (trinta) anos. Com Justiniano foram introduzidas profundas alterações no séc. VI. Inicialmente realizou a fusão do usucapião com a praescriptio longi temporis. Com isso, o grande imperador eliminou a diferenciação entre propriedade quiritária e pretoriana, nem como os terrenos provinciais e itálicos. [...]. Ao fim, a própria praescriptio longissimi também se tornou modo de aquisição da propriedade, para o possuidor com 30 anos, sem justo título, mas com boa fé. Trata-se do surgimento do usucapião extraordinário.(ARAÚJO, 2005, p. 40-41).

Nesse período, introduziu-se uma forma especial de usucapião, a longissimi temporis praescriptio, que os juristas hodiernos assimilaram como usucapião extraordinário. (VENOSA, 2003).

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Feitos alguns esclarecimentos, ainda que sucintos, sobre a origem e evolução histórica do instituto da usucapião, serão estudados os fundamentos do referido instituto.

2.3 FUNDAMENTOS DA USUCAPIÃO

O principal fundamento do instituto da usucapião é o bem comum, ou seja, dar à propriedade o uso mais adequado, cumprindo, assim, a sua função social, prevista nos artigos 170, III e 5º, XXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

III - função social da propriedade;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]. (BRASIL, 1988).

Corroborando a isto, extrai-se da obra de Rodrigues (2003, p. 108)que

A usucapião se fundamenta, como vimos, no propósito de consolidação da propriedade, pois, em seu intermédio, empresta-se base jurídica a meras situações de fato. Assim, de um lado, estimula o legislador a paz social, e, de outro, diminui para o proprietário o ônus da prova de seu domínio.

O referido instituto torna-se de relevante importância, porque sem ela “a propriedade seria provisória e reinaria uma incerteza permanente e universal, que teria como consequência uma perturbação geral. O fundamento básico realmente é o bem comum”. (BARRUFFINI, 1998, p.27).

Conforme define Ferreira Filho (2006), a propriedade é um direito constitucional que não está acima nem abaixo dos outros, porém, está sujeito a adaptações corriqueiras em prol do interesse público, não sendo, portanto, caracterizada como um bem intocável.

Ao proprietário, é assegurado o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e ainda de reavê-los do poder de quem injustamente os possua ou detenha, nos termos do art. 1.228, do Código Civil. (BRASIL, 2002).

O direito de usar consiste na faculdade de colocar a coisa a serviço do titular, sem alterar sua substância. O dono emprega no seu próprio benefício ou no de terceiro.

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(PEREIRA, 2012). O direito de gozar diz respeito ao direito de explorar economicamente a coisa e perceber seus frutos, sejam aqueles que ela produz naturalmente, sejam os frutos civis. (CHALHUB, 2003). Dispor é a faculdade que tem o proprietário de modificar a própria substância da coisa. É a escolha da destinação a ser dada ao bem, a mais ampla concessão da finalidade econômica ao objeto do direito real. “O direito de reaver corresponde ao estudo da ação reivindicatória. Esta é uma ação real, exercitável erga Omnes, que objetiva a retomada da coisa de quem injustamente a detenha”. (RIZZARDO, 2006, p. 213).

A constituição vigente garante o direito de propriedade, este que deverá atender a sua função social. (PINTO FERREIRA, 1999).

O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Carlos Adilson Silva1, citando Gabriel Dezen Júnior, explica de forma cristalina o conceito de função social da propriedade:

Função social da propriedade é um conceito que dá a esta um atributo coletivo, não apenas individual. Significa dizer que a propriedade não é um direito que se exerce apenas pelo dono de alguma coisa, mas também que esse dono exerce em relação a terceiros. Ou seja, a propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo contra essa, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao grupo social, um benefício pela manutenção e uso da propriedade. (DEZEN JÚNIOR, 2006. p. 51).

Neste diapasão, a função social da propriedade tem o escopo de tutelar o interesse coletivo em razão da utilidade do bem, facultando inclusive ao proprietário ou possuidor explorar as riquezas e potenciais do imóvel.

Diante do exposto, no que se refere ao instituto da função social da propriedade, é certo dizer que a usucapião beneficia o possuidor em face do proprietário inerte, perdendo este último o seu direito de propriedade. Significa que o proprietário desidioso perde o domínio da propriedade, transformando-se a posse em mera situação de fato em direito.

Nesse sentido, Rodrigues (2003, p. 109) afirma que,

Por outro lado, a usucapião dá prêmio a quem ocupa a terra, pondo-a a produzir. É certo que o verdadeiro proprietário perdeu seu domínio contra sua vontade. Mas não é injusta a solução legal, porque o prejudicado concorre com sua desídia para consumação de seu prejuízo. Em rigor, já vimos, o direito de propriedade é conferido ao homem para ser usado de acordo com o interesse social, e, evidentemente, não o usa dessa maneira quem deixa sua terra ao abandono por longos anos.

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Na doutrina, existem duas correntes a respeito dos fundamentos da usucapião: a subjetiva e a objetiva. A primeira fundamenta o instituto na presunção de que o proprietário inerte renuncia o seu direito de propriedade, pois não a exerce. A segunda, conforme explicado supra, se dá pelo interesse na utilidade social que proporciona a propriedade.

Gomes (2005, p. 153) ensina de forma irretocável o fundamento do instituto:

A usucapião favorece o possuidor contra o proprietário, sacrificando a este com a perda de um direito que não está obrigado a exercer. Tendo essa força, é preciso justifica-la. Os escritores não estão de acordo na determinação do seu fundamento. Dividem-se em duas correntes: a subjetiva e a objetiva. As teorias subjetivas procuram fundamentar o usucapião na presunção de que há o ânimo da renúncia ao direito por parte do proprietário que não há exerce. [...] As teorias objetivas fundamentam a usucapião em considerações de utilidade social. É socialmente conveniente dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio.

Insta mencionar que o Código Civil de 2002, no artigo 102, revelou-se incisivo quanto à impossibilidade de usucapião de bens públicos. (RIZZARDO, 2006). É que a matéria, até 1933, suscitava controvérsia, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Todavia, o problema foi sanado pelo Decreto nº 22.785, de 31/05/1933, o qual determinou não serem objeto de usucapião os bens públicos de qualquer natureza. (RODRIGUES, 2003).

Esse entendimento foi reforçado pela Súmula nº 340, do Superior Tribunal Federal, que dispõe que: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião”. (BRASIL, 1973).

Considerando os argumentos expostos, tem-se por conclusão que a propriedade não é mais vista como um direito absoluto, em que sua finalidade seria o interesse exclusivo do particular. Deve-se observar a função social da propriedade, ou seja, utilizá-la como instrumento de criação de bens necessários à subsistência da coletividade.

2.4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO

2.4.1 Usucapião ordinária

A usucapião ordinária é aquela em que o possuidor dispõe de justo título e boa-fé. O prazo para aquisição do bem imóvel é de 10 (dez) anos, podendo, inclusive, ser reduzido pela metade se aquele houver estabelecido no imóvel investimento de interesse social e/ou econômico.

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O Código Civil Brasileiro de 2002, mais precisamente em seu artigo 1.242, traz que “adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”. (BRASIL, 2002).

Preliminarmente, é importante conceituar os requisitos acima mencionados, eis que são fundamentais para utilizar-se da benesse do instituto.

Chalub (2003) diz que o justo título é o ato jurídico, de natureza singular, capaz de habilitar alguém a adquirir a propriedade de determinado bem, tais como a compra, a venda, a permuta, a ação em pagamento, a arrematação, a adjudicação, entre outros. Vale ressaltar que vem a ser o ato translativo que não produziu efeito. O título é de aquisição ineficaz.

Gomes (2005) conceitua o possuidor de boa-fé (requisito indispensável da usucapião ordinária), como quem ignora o vício ou o obstáculo, que lhe impede a aquisição da coisa. Dessa ignorância resulta a convicção de que possui de forma legítima.

Esses requisitos possuem caráter complementar, possuem caráter essencial, comum a toda espécie de usucapião à posse e o lapso temporal.

Conforme salienta Ribeiro (2008), enquanto na usucapião extraordinária se exigem apenas os requisitos formais essenciais, na ordinária, tanto estes como os complementares são inarredáveis à sua configuração.

2.4.2 Usucapião extraordinária

Conforme menciona Chalub (2003, p.75), a usucapião extraordinária caracteriza-se pela duração mais prolongada da poscaracteriza-se, “bem como pela dispensa de justo título e boa fé, bastando que o possuidor exerça a posse, com animus domini, por certo tempo”.

O referido instituto está previsto no artigo 1.238, do Código Civil de 2002. Veja-se:

Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Basta que ocorra o fato da posse, não se investigando o título ou a boa fé. Basta a posse mansa, pacífica e ininterrupta. Ocorrendo posse nestes termos, “não podemos contestar o direito a prescrição aquisitiva”. (VENOSA, 2003, p. 240).

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Tais requisitos são fundamentais, cumprindo, assim, ao autor, que pretenda o reconhecimento da usucapião, demonstrar que sua posse sobre o imóvel, exercida animus domini, durante o prazo legal, nunca foi interrompida, nem sofreu oposição ou contestação. (MONTEIRO, 1994).

Ainda, caso o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o lapso de tempo se reduz para dez anos. (PEREIRA, 2012).

Da análise do artigo acima mencionado, tem-se como requisitos para aplicação do referido instituto: posse contínua, pacífica, decurso do prazo de 15 (quinze) anos para os bens imóveis, dispensa de justo título e boa-fé.

2.4.3 Usucapião urbana

A usucapião urbana compreende a posse de área urbana de até 250m² e a ocupação por cinco anos ininterruptos, com animus domini, além da utilização para moradia do ocupante ou da família, desde que não seja o usucapiente proprietário de outro imóvel no período aquisitivo. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). O referido instituto vem expresso no artigo 183, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta [sic] metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 1988).

Conforme leciona Gonçalves (2011, p. 264), a usucapião especial urbana constitui inovação trazida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

A usucapião especial urbana constitui inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, estando regulamentada em seu art. 183, verbis: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para a sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (grifo do autor).

Cumpre salientar que o Código Civil Brasileiro de 2002 prevê o referido instituto, em seu artigo 1.240, redação que é praticamente idêntica ao preceito constitucional:

Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta [sic] metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua

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moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Esta modalidade de usucapião tem por escopo assegurar o direito de propriedade daqueles que não têm moradia e nenhum outro imóvel, resguardando, assim, os princípios constitucionais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, bem como da função social da propriedade.

Nesse sentido, Ribeiro (2008, p. 934) destaca que,

Somente após a elevação em nível constitucional do princípio de que a propriedade subordina-se à sua função social (o que restou concretizado na Emenda n. 1, de 1969 (art. 160, III), repetido no artigo 5º, XXIII, da vigente CF), é que veio a atentar o legislador quanto à utilização de áreas urbanas deixada sem uso, para valorização e futura especulação, mormente em face da enorme leva de pessoas sem qualquer espaço para morar ou construir casa própria.

Portanto, da análise dos artigos anteriormente citados, tem-se por ilação que o possuidor deve ter a posse em terreno urbano, já que tem por escopo legitimar os loteamentos clandestinos dentro dos centros urbanos. (Ribeiro, 2005). Além disso, a área ocupada não pode exceder a 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, a posse deve justa, ou seja, sem oposição, com animus domini, deve haver a inexistência de quaisquer atos de violência, clandestinidade e precariedade, bem como o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel.

Conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

A aquisição da propriedade pela usucapião especial de imóvel urbano exige, além do exercício da posse sem oposição com animus domini por cinco anos ininterruptos, que o prescribente não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano e comprove que o terreno, não superior a 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), encontra-se localizado em área urbana e é utilizado para sua moradia ou de sua família. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.082994-4, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Fernando Carioni, 22-03-2011).

É importante ressaltar que “o interessado para utilizar-se desse instituto não pode ter-se beneficiado por usucapião dessa natureza anteriormente”. (Venosa, 2003, p. 250).

Para dar prosseguimento ao presente estudo, serão conceituados os requisitos do instituto da usucapião urbana, que são o limite da área ocupada e os atos de violência, assim como a clandestinidade e a precariedade. Os demais requisitos são comuns à usucapião extraordinária e ordinária, não sendo necessário conceituá-los novamente.

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Conforme salienta Araújo (2005, p. 248), “a área urbana não poderá ser usucapida em dimensões superiores ao permissivo constitucional; caso contrário, o possuidor estaria se beneficiando da própria torpeza”.

Nesse sentido, a área a ser usucapida deverá ser igual ou inferior à metragem estabelecida constitucionalmente. Caso a área urbana a ser usucapida seja superior, a petição inicial deverá ser indeferida, ante a impossibilidade jurídica do pedido.

Colhe-se do julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANO. ART. 183 CF/88. IMÓVEIS COM ÁREA SUPERIOR AO LIMITE DE 250 m2. VEDAÇÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DOS PEDIDOS. RETENÇÃO DE

BENFEITORIAS. O primeiro apelo não merece provimento uma vez que a área a ser usucapida é maior que o limite constitucional de 250 metros quadrados. Ademais, o requisito moradia, imprescindível para a espécie, restou descumprido pois os apelantes mudaram-se de cidade, deixando o local. O segundo apelo, da mesma forma, não merece provimento pela impossibilidade de usucapião, pelo artigo 183 CF, de área superior a 250 metros quadrados, não aproveitando a pretensão dos autores o fato de terem recortado a área pretendida. Contudo, reservado direito às benfeitorias construídas. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70022787394, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 06/03/2008).

Claro que a aplicação do texto deve primar pela equidade e senso de justiça, pois “não seria lícito privar uma pessoa humilde e sem posses, se a perícia comprovasse que a metragem da área requerida é de 255 (duzentos e cinquenta e cinco) metros quadrados”. (ARAÚJO, 2005, p. 248).

Posse justa, conforme estabelece o artigo 1.200, do Código Civil Brasileiro, é a “que não for violenta, clandestina ou precária”. (BRASIL, 2002).

Pereira (2012, p. 22) diz que “a posse violenta (adquirida vi) é a que se adquire por ato de força, seja ela natural ou física, seja moral ou resultante de ameaças que incutam na vítima sério receio”.

No entanto, o Código Civil Brasileiro de 2002, mais precisamente em seu artigo 1.208, determina não ser possível a aquisição da posse por atos violentos, senão depois de cessar a violência, não gerando, portanto, efeitos no âmbito patrimonial. (BRASIL, 2002)

Segundo Gomes (2003, p. 41), “posse clandestina é aquela que se adquire às ocultas. O possuidor a obtém, usando de artifícios para iludir o que tem a posse, ou agindo às escondidas. É o exemplo daquele que, à noite, muda a cerca divisória de seu terreno, apropriando-se do prédio vizinho”.

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Precária é a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la (como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário, etc.) a retém indevidamente, quando lhe é reclamada. (RODRIGUES, 2003).

Para Farias e Rosenvald (2012, p. 435), trata-se de mais uma maneira de promover o direito fundamental à moradia, “assegurando-se um patrimônio mínimo à entidade familiar, na linha de princípio da dignidade da pessoa humana”.

Após analisar-se o instituto da usucapião especial urbana, será estudada a usucapião rural, conhecida também como pro labore.

2.4.4 Usucapião rural

A usucapião rural foi criada pela Constituição Federal de 1934 e, a partir daí, jamais foi desprezada pelas leis posteriores, com exceção da omissão da Constituição Federal de 1967 e da emenda Constitucional nº 1, de 1969. (FARIAS; ROSENVALD, 2012).

Assim, extrai-se do artigo 125, da Constituição Federal de 1934, que

Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.

Conforme consta na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 191, “compreende a posse de área de terra em zona rural, não superior a 50 hectares, como ocupação por cinco anos ininterruptos, sendo o imóvel produtivo pelo trabalho e local de moradia da família, vedada a propriedade sobre outro imóvel no prazo legal”. (BRASIL, 1988).

Não obstante os requisitos mencionados acima, segundo consta no artigo 3º, da Lei n. 6.969/81, são vedados à usucapião rural em áreas indispensáveis à segurança nacional, terras habitadas por silvícolas e áreas declaradas pelo Poder Executivo como de interesse ecológico:

A usucapião especial não ocorrerá nas áreas indispensáveis à segurança nacional, nas terras habitadas por silvícolas, nem nas áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente. (BRASIL, 1981).

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Essa modalidade de usucapião é regulada pela Lei nº 6.969/81, com as alterações provenientes de dispositivos que não foram objeto de recepção pelo texto constitucional (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 457), tanto é que o artigo primeiro desta lei menciona que a área rural não poderia exceder a 25 (vinte e cinco) hectares:

Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25

(vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver

sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. (BRASIL, 1981, grifo nosso).

Esse dispositivo se torna ineficaz ao ser analisado em conformidade com a constituição vigente, que, em seu artigo 191, expressa que a área de terra a ser usucapida não pode ser superior a 50 (cinquenta) hectares. Veja-se:

Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta [sic] hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. (BRASIL, 1988).

Conforme ensina Venosa (2003),esse dispositivo constitucional foi recepcionado pelo artigo 1.239, do novo Código Civil, já que anova Carta dilatou a extensão de terra usucapienda fixada na lei anterior.

Outra questão a ser analisada, é que anteriormente à promulgação da República Federativa do Brasil, era possível a usucapião de terras devolutas. Estas são áreas que integram o patrimônio das pessoas federativas, mas não são utilizadas para quaisquer finalidades públicas específicas. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). É o que menciona o artigo 2º, da Lei n. 6.969/81: “A usucapião especial, a que se refere esta Lei, abrange as terras particulares e as terras devolutas, em geral, sem prejuízo de outros direitos conferidos ao posseiro, pelo Estatuto da Terra ou pelas leis que dispõem sobre processo discriminatório de terras devolutas”. (BRASIL, 1981).

Ainda segundo Bastos (apud FARIAS; ROSENVALD, 2012), as terras devolutas não se enquadrariam nos bens particulares ou públicos, pelo fato de o texto constitucional se referir separadamente às terras públicas e às terras devolutas.

O instituto da usucapião tem por finalidade que terras produtivas fiquem nas mãos de trabalhadores e não de proprietários desidiosos. Aqui, tem-se o cumprimento da função social da propriedade.

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Além disso, Farias e Rosenvald (2012, p. 457) ainda explicam de forma salutar a finalidade do instituto:

Aqui a função social da posse é mais intensa do que na modalidade da usucapião urbana. A simples pessoalidade da posse pela moradia não conduz a aquisição da propriedade, se não acompanhada pelo exercício de uma atividade econômica, seja ela rural, industrial, ou de mera existência da entidade familiar. O objetivo desta

usucapião é a consecução de uma política agrícola, promovendo-se a ocupação de vastas áreas subaproveitadas, tornando a terra útil por produtiva. (grifo

nosso).

Diante do exposto, a usucapião especial rural surgiu na Constituição Federal de 1934. Atualmente, é regulada pela Lei n. 9.969/81, salvo no que for contrário à Constituição vigente e tem por escopo fixar o homem no campo, tornando, assim, a propriedade produtiva.

Seus requisitos estão expressos no artigo 191, da Constituição da República Federativa do Brasil: o possuidor não pode ser proprietário de imóvel rural ou urbano, deve possuir como seu, pelo prazo de 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, em área de terra não superior a 50 (cinquenta) hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia.

Identificadas as principais espécies de usucapião, na sequência serão estudados os efeitos da sentença que declara a propriedade.

2.4.5 Efeitos da sentença

O efeito fundamental da usucapião é “transferir ao possuidor a propriedade da coisa” (Gomes, 2005, p. 172), sendo a sentença declaratória e que serve de título para registro da propriedade no respectivo Registro de imóveis, nos moldes do artigo 1.241, do Código Civil, in verbis: “Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel. Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”. (BRASIL, 2002).

A sentença é declaratória e produz efeito ex tunc, e vale dizer que a aquisição da propriedade se considera efetivada no momento em que se inicia a posse. (CHALUB, 2003). Porém, é de extrema relevância ressaltar que a doutrina majoritária entende que a sentença de usucapião possui caráter predominantemente declaratório, conforme a classificação quinaria de Pontes de Miranda. Tal entendimento se dá por conta de que a referida sentença constitui-se em título hábil para registro no cartório de registro de imóveis.

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Nesse sentido, extrai-se do julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Entretanto, a sentença da ação de usucapião possui, na classificação quinária de Pontes de Miranda (adotada majoritariamente pela doutrina e jurisprudência), caráter predominante declaratório, mas também relevante carga constitutiva, representada pelo efeito de a sentença constituir-se título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. (TJSC, Apelação Cível n. 2006.030224-9, da Capital, rel. Des. Denise Volpato, j. 30-11-2010).

No mesmo norte, Farias e Rosenvald (2012, p. 470) comentam que

Qualquer sentença possui várias eficácias, mas a sua classificação será sempre elaborada com vistas àquela que se afigura preponderante. Destarte, a sentença de usucapião é preponderantemente declaratória de domínio, mas também constitutiva de direito subjetivo de propriedade. antes do registro da sentença, as faculdades do domínio já se enfeixam nas mãos do usucapiente, mas a titularidade remanesce formalmente e residualmente com o proprietário, como se fosse a última chama de uma vela que já se apagou. Com o registro, domínio e propriedade voltam apenas a se concentrar em uma pessoa: o usucapiente, repelindo de uma vez por todas o proprietário. A partir do registro da sentença, o proprietário titularizará o direito subjetivo de exigir da coletividade um dever geral de abstenção, formando-se, pela publicidade inerente ao registro, a relação jurídica entre o novo titular e o sujeito passivo universal.

Para Gomes (2005, p. 172), a retroatividade da aquisição acarreta as seguintes consequências:

Todos os atos praticados pelo possuidor são válidos; mesmo que fosse do possuidor de má fé, não estará obrigado a restituir os frutos da coisa; os atos praticados pelo proprietário no decurso do prazo da usucapião decaem, se esta é consumada. Desse modo, se o possuidor constitui direitos reais sobre o bem, consideram-se válidos desde o momento da constituição, uma vez consumada a usucapião.

“Proferida sentença e declarando o domínio do autor, ela constituirá título hábil para transcrição, oponível erga omnes”. (MONTEIRO, 1994, p.134).

O procedimento a ser utilizado para obter a sentença declaratória, ou melhor, predominante declaratória de usucapião, vem expresso nos artigos 941 a 945, do Código de Processo Civil. A modalidade especial segue o rito sumaríssimo da já mencionada Lei nº 6.969/81 (imóveis rurais).

No presente capítulo, foram demonstradas as principais espécies de usucapião no ordenamento jurídico brasileiro, os fundamentos do referido instituto, bem como os efeitos da sentença.

O próximo capítulo diz respeito aos bens públicos, sua classificação, regime jurídico e suas principais características.

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3 BENS PÚBLICOS

3.1 CONCEITO

Na lição de Meirelles (2007, p. 520), bens públicos, em sentido amplo, “são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertencem, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais em empresas governamentais”.

Ainda, segundo o referido autor, no sistema administrativo, têm-se, no que diz respeito à classificação, os bens públicos federais, estaduais e municipais.

O Código Civil de 2002, mais precisamente em seu artigo 98, define os bens públicos, afirmando que: “São públicos os bens do domínio nacional pertencente às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencem”. (BRASIL, 2002).

3.2 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS

De acordo com o artigo 99, do mesmo diploma, os bens públicos estão enquadrados em três categorias: os bens de uso comum do povo, os bens de uso especial e os bens dominicais. (BRASIL, 2002).

3.2.1 Regime jurídico dos bens públicos

Os bens públicos são resguardados pelas cláusulas de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade e pela não oneração que lhes conforma, em termos substanciais, o regime jurídico. (GASPARINI, 2012).

A inalienabilidade, como tônica geral, depende dos casos que a lei estabelecer, ao passo que a alienabilidade, princípio relativo, depende de autorização legal nas hipóteses permitidas. (FRANCO SOBRINHO, 1979). Significa dizer, então, que os bens públicos não podem ser vendidos, permutados ou doados.

Porém, somente são inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja, destinação pública específica. (RIBEIRO, 2008).

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“Os bens públicos não podem ser penhorados e isto é uma consequência do artigo 100, da Constituição. Vale dizer, também, que tais bens não podem ser praceados para que o credor neles se sacie. Além disso, não podem ser gravados com direitos reais de garantia”. (MELLO, 2011, p. 293).

“A imprescritibilidade significa que a ausência de exercício das faculdades de usar e fruir dos bens públicos não acarreta a possibilidade de aquisição de seu domínio por via de usucapião em prol de terceiros”. (JUSTEN FILHO, 2009, p. 926).

Como decorrência da inalienabilidade e da impenhorabilidade, se apresenta o princípio da impossibilidade de oneração dos bens públicos, “pelo qual inexistem direitos reais de garantia sobre coisas públicas, tais como o penhor, a anticrese e a hipoteca”. (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 887).

Portanto, são características dos bens públicos a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração.

3.2.2 Bens de uso comum do povo

Marinella (2010, p. 750) menciona que “os bens de uso comum do povo, também denominados bens do domínio público, são os bens que todos podem usar; destinam-se a utilização geral pelos indivíduos, podendo ser federais, estaduais ou municipais”.

Por serem de uso coletivo, tais bens podem ser utilizados indistintamente e sem quaisquer discriminações, salvo em casos de interesse público. São exemplos de bens públicos, conforme o referido artigo, as ruas, as praças, rios, logradouros públicos, dentre outros.

Diniz (2010, p. 94) define bem o conceito de bens de uso comum do povo:

Os bens de uso comum do povo, embora pertencentes à pessoa jurídica de direito público interno, podem ser utilizados, sem restrição e gratuita ou onerosamente, por todos, sem necessidade de qualquer permissão especial desde que cumpridas às condições impostas por regulamentos administrativos (p. ex., praças, jardins, ruas, estradas, mares, praias – Lei n. 7. 661/88, art. 9º; rios, enseadas, baías, golfos – CC, art. 99, I etc.). Nada obsta que o poder público venha a suspender seu uso por razões de segurança nacional ou do próprio povo usuário. P. ex.: interdição do porto, barragem do rio, etc.

Portanto, bem de uso comum é “todo imóvel ou móvel, sobre qual o povo, o público, anonimamente, coletivamente exerce direitos de uso e gozo, como, por exemplo, o exercido sobre as estradas, os rios, as costas ao mar”. (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 819).

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3.2.3 Bens de uso especial

Os bens de uso especial são aqueles utilizados nos serviços prestados pela administração. Esses bens, em regra, não comportam o uso geral, pois os beneficiários diretos são os usuários do serviço e os servidores que trabalham nessa atividade. (MEDAUAR, 2012).

Sobrinho (1979, p. 253) ensina que os bens de uso especial “são aqueles bens de serventia, destinados à execução dos serviços públicos, indispensáveis aos serviços administrativos, caracterizados por uma finalidade pública permanente que os torna nos casos previstos em bens patrimoniais indisponíveis”.

No mesmo sentido, para Meirelles (2007, p. 522) esses bens “são aqueles que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados instrumentos desses serviços. São utilizados para atingir os fins do Estado. Exemplos de tais bens são os museus, aeroportos, escolas públicas, etc.”.

3.2.4 Bens dominicais

Os bens dominicais são aqueles que não têm uma destinação específica, ao contrário do que ocorre com os bens de uso comum e os de uso especial.

Para Justen Filho (2009), trata-se de bens móveis ou imóveis que se encontram na titularidade estatal, mas que não se constituem em efetivo instrumento de satisfação de necessidades coletivas.

“Os bens dominicais são aqueles em que o poder público é titular da mesma maneira que a pessoa de direito privado é titular de seu patrimônio”. (RODRIGUES, 2003, p. 146). Entre os bens dominicais, têm-se, como exemplo, “os terrenos de marinha, as terras devolutas, os imóveis não utilizados pela administração, os bens móveis inservíveis, as ilhas oceânicas e o dinheiro e os títulos de crédito pertencentes à Fazenda Pública”. (MUKAI, 1999, p. 184).

Meirelles explica que a lei civil quis dizer que os bens de uso comum e os de uso especial não podem ser alienados, por conta de sua destinação pública específica, ou seja, enquanto perdurar a denominada afetação pública, que nada mais é do que a destinação pública específica.

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Os bens públicos, quaisquer que sejam, podem ser alienados, desde que a Administração satisfaça certas condições prévias para sua transferência ao domínio privado ou a outra entidade pública. O que a lei civil quis dizer é que os bens públicos são “inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins

administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja, destinação pública específica”. (MEIRELLES apud MUKAI, 1999, p. 184).

Conforme salientado acima, os bens públicos podem ser alienados, desde que não tenham destinação específica. A alienação de bens imóveis da Administração Pública depende de autorização legislativa específica prévia, bem como de avaliação prévia e de procedimento licitatório, na forma da lei. Em regra, a lei que autoriza a alienação do bem promove a sua desafetação. (MUKAI, 1999, p. 190).

No dizer de Marinella, a desafetação é um fato administrativo, que retira a destinação pública outrora conferida a um bem da Administração Pública, ou seja, quando este não mais atender os interesses da coletividade. Sendo assim, deixa de ser de uso comum do povo ou de uso especial para se transformar em bem dominical, que não tem finalidade pública:

É um fato administrativo que retira o destino público, deixando de servir a uma finalidade pública. Assim, caso o bem esteja sendo utilizado para atender uma necessidade pública, por exemplo, usado como praça, como escola pública, mas por alguma razão, deixe de atender a esse interesse, desvinculando de uma destinação pública, diz-se que esse bem foi desafetado. Deixa de ser de uso comum do povo ou de uso especial para se transformar em bem dominical, aquele que não tem finalidade pública. (MARINELLA, 2010, p. 752).

Portanto, os bens dominicais são aqueles que não têm uma destinação específica, ou seja, não tem finalidade pública, e, por conta desta característica, podem ser alienados pela Administração Pública.

Os bens públicos de uso comum e os de uso especial não podem ser alienados, ao revés dos bens dominicais, conforme explicado anteriormente. Aqueles não podem ser alienados por conta de sua finalidade pública, salvo, conforme argumentado, quando forem desafetados.

Da análise do presente estudo, no que diz respeito aos bens públicos, tem-se por ilação que estes são bens do domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno e são classificados como bens de uso comum do povo, uso especial e dominicais. Além disso, têm como características a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração.

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Os bens de uso comum são destinados a toda coletividade, ou seja, pessoas não individualizadas. Os de uso especial são aqueles com destinação específica, mais precisamente à execução dos serviços públicos, sendo restrito aos beneficiários e aos servidores que prestam esse serviço, sendo de uso específico. Os bens dominicais não têm uma finalidade pública, logo, podem ser alienados ou explorados economicamente por parte da Administração Pública.

A alienação de bens da Administração Pública se dá por licitação (Lei 8.666/93), que é um processo administrativo que visa a assegurar igualdade de condições a todos que queiram realizar um contrato com o poder público, sendo indispensável a comprovação do interesse público.

Medauar explica de forma cristalina o procedimento de alienação de bens imóveis da Administração Pública, que, segundo o artigo 17, caput, da Lei 9.866/93, se dá com a prévia avaliação do bem, autorização do legislativo correspondente e de procedimento licitatório:

A alienação de bens imóveis dependerá de autorização do legislativo correspondente, para a Administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, dependerá de avaliação prévia e de concorrência (art. 17, I). Por força do artigo 23 da Lei 9.636, de 15.05.1998, a alienação de bens imóveis da União depende de autorização, emitida pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, por delegação do Presidente da República (Decreto 3.125/99) e deverá ser precedida de parecer da Secretaria do Patrimônio da União quanto a sua conveniência e oportunidade. A alienação ocorrerá se não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio nacional. A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro da Fazenda, permitida a subdelegação. (MEDAUAR, 2012, p. 285).

Do exposto supra, tem-se, ainda, o procedimento em relação à alienação de bens imóveis da União, que dependerá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU (Secretaria do Patrimônio da União), quanto a sua oportunidade e eficiência. (BRASIL, 1988).

“A União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-Membros e Municípios, constituindo pessoa jurídica de direito público interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado Brasileiro”. (MORAES, 2006, p. 668).

Neste diapasão, os bens da União podem ser alienados quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o respectivo imóvel em seu domínio, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional.

Cumpre salientar que tais alienações devem ser motivadas, ou seja, deve ser respeitado o princípio da motivação, que, segundo Mello (2011), impõe à administração

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Pública o dever de expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou a providência adotada.

A Lei 9.784/99, em seu artigo 50, menciona que a motivação é imprescindível para todo e qualquer ato administrativo, pois a ausência de motivação ou indicação de motivos inverídicos ou incongruentes torna o ato nulo. (BRASIL, 1999).

Nesse sentido,

a motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, pois a falta de motivação ou indicação de motivos falsos ou incoerentes torna o ato nulo devido a Lei n.º 9.784/99, em seu art. 50, prevê a necessidade de motivação dos atos administrativos sem fazer distinção entre atos vinculados e os discricionários, embora mencione nos vários incisos desse dispositivo quando a motivação é exigida.(GASPARINI, 2005. p. 23).

Não obstante, existem outros instrumentos judiciais para questionar os atos eivados de vícios praticados por parte da Administração Pública, como a ação popular e a ação civil pública.

A ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a este equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal. (MEIRELLES; WALD; MENDES, 2012).

Segundo consta na obra citada dos autores acima, “a ação civil pública é disciplinada pela lei nº 7. 347, de 24.7.1985, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, dentre outros”. (MEIRELLES; WALD; MENDES, 2012, p. 170).

Como se sabe, o objetivo do presente trabalho é demonstrar a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, ante a impossibilidade de aplicação deste por conta desses terrenos serem considerados de marinha, logo, não passíveis de usucapião.

Ora, se é possível a sua alienação, por que não é possível usucapir tais imóveis? Entende-se que tal situação fere os princípios constitucionais da função social da posse e da proporcionalidade, mas tal raciocínio será esclarecido no terceiro capítulo do presente estudo.

Para melhor entendimento do presente trabalho, no que diz respeito à possibilidade da aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais, é necessário conceituar os chamados terrenos de marinha e seus acrescidos.

Referências

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