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Dores no corpo e dores na alma

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Academic year: 2021

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DORES NO CORPO E DORES NA ALMA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas

Ciências da Universidade Regional do Noroeste do

Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como

requisito para a obtenção do título de Mestre em

Educação nas Ciências. Linha de Pesquisa: Educação

em movimentos e organizações sociais.

Orientadora: Profª Drª Maria Simone Vione Schwengber.

Ijuí 2015

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Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências – Mestrado e Doutorado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação

DORES NO CORPO E DORES NA ALMA

Elaborada por

ROGÉRIA FATIMA MADALOZ

Como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências

_________________________________________________ Prof. Dra. Orientadora Maria Simone Vione Schwengber, Unijuí, Doutora em Educação UFRGS – Porto Alegre, Brasil

_________________________________________________ Prof. Dra. Eva Teresinha de Oliveira Boff, Unijuí, Doutora Em Educação nas Ciências UFRGS – Porto Alegre, Brasil

_________________________________________________ Prof. Dra. Fabiana Lasta Beck Pires, IF Farroupilha, Doutora em Educação UFPEL, Pelotas, Brasil

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trabalho não seria possível, que ele sirva de incentivo a tantas outras mulheres que vivenciam a violência doméstica. Obrigada pela confiança! À minha mãe, que para mim é motivo de orgulho por ter conseguido romper e superar os seus 25 anos de violência sofridos.

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Aos professores e amigos que tornaram este momento possível;

À Professora Simone, que me mostrou extrema dedicação, compreensão e palavras de carinho nos momentos difíceis, obrigada pela excelente professora que és, e obrigada por acreditar que essa temática era possível;

Aos funcionários do CREAS, em especial na pessoa da Patrícia Nogueira: o meu muito obrigada;

Às mulheres que aceitaram participar desta pesquisa, que se doaram e abriram seus corações;

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A violência doméstica contra a mulher é um fenômeno mundial, que não se restringe a uma determinada classe social, raça, idade, não importando a religião ou escolaridade. As agressões são divididas em variados tipos, como psicológica, sexual, moral e patrimonial, porém, no relacionamento violento, elas acontecem de formas sobrepostas. Este estudo insere-se no eixo temático Educação popular em movimentos e organizações sociais, e tem como objetivo investigar a história de vida de mulheres que vivenciaram situação de violência doméstica e conseguiram romper com o ciclo, investigando as suas percepções, o que contribuiu para a sua permanência em uma relação violenta e qual foi o momento estanque e a rede de proteção necessária para que a ruptura fosse possível. A pesquisa foi realizada no CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Panambi/RS, com três mulheres, que conseguiram romper com o ciclo da violência doméstica e foram encaminhadas para atendimento psicológico. A investigação foi orientada pela abordagem qualitativa, foram realizadas entrevistas com questionário semiestruturado, aplicado individualmente, com permissão para serem gravadas e transcritas na íntegra. Os temas investigados nas entrevistas versaram sobre a família de origem, sua família atual (companheiro e filhos), o início da violência, os tipos de violência sofrida, a rede de proteção primária e secundária, o momento de ruptura e as expectativas e planos para o futuro. A partir da análise dos resultados foi possível verificar que os primeiros episódios de violência ocorrem já no início da relação (no namoro), e com o passar do tempo as agressões vão se intensificando, o que acarreta baixo autoestima e autoconfiança, fazendo com que se sintam desamparadas e a cada episódio de violência vem a reconciliação, em que a mulher passa novamente a acreditar na possível mudança de comportamento do companheiro, o que faz com que elas permaneçam na relação. Podemos concluir que as lutas contra a violência doméstica passam pela mudança sócio-histórico-cultural do patriarcalismo cultivado ao longo das décadas, e essa transformação só é possível por meio da articulação da temática na educação minimizando a realidade da violência doméstica e trabalhando desde cedo os papéis masculino e feminino em sala de aula, de forma a oportunizar a desconstrução dos estereótipos dos papéis do “ser homem e ser mulher”.

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ABSTRACT

The domestic violence against woman is a global phenomenon that is not restricted to determined social class, ethnicity, age, irrespective of religion or educational level. The aggressions are divided in many types, like physiological, sexual, moral and patriarchal, however, in a violent relationship, they happen in overlapped way. This study is inserted in the thematic area Popular Education and in social organizations, and aims to investigate the women's life story that lived situations of domestic violence and managed to break with the cycle, investigating their perceptions, what contributed for their endurance in a violent relationship and what was the moment and the network of protections needed for the possibility of this rupture. The research was held at CREAS (SRCSA)- Specialized Reference Center of Social Assistance of Panambi/RS, with three women, who managed to break with cycle of domestic violence and were referred to psychological care. The investigation was directed by the quantitative approach, interviews were held using semi-structured questionnaire, applied individually, with the permission of being recorded and transcribed in their totality. The themes investigated in the interviews approached the family of origin, their current family (partner and children), the beginning of violence, the types of violence suffered, the primary and secondary network of protection, the rupture's moment and the expectations and plans for the future. From the results' analysis it was possible to verify that the first episodes of violence occurred in the beginning of the relationship (the flirt), and over time the aggressions were intensified, what result in low self esteem and self-reliance, making them feel helpless and each episode of violence comes the reconciliation, and the woman believes in the possible change in the behavior of her partner, what makes her to endure in the relationship. It was concluded that the struggle against domestic violence goes through social-historic-cultural of patriarchy cultivated over the decades, and that transformation is possible only through the joint of this theme in education, minimizing the reality of domestic violence and working early the role of masculine and feminine in the classroom, proving opportunity of stereotypes' deconstruction of “being man or being woman”.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Desenho 1: Autoria Jéssica Petry

Figura 2 - Desenho 2: Autoria Mailson Padilha, baseado na campanha de redução da

violência doméstica... 31

Figura 3 - Desenho 3: Autoria Mailson Padilha... 42

Figura 4 - Fluxograma da Rede de Atendimento... 63

Figura 5 - Desenho 4: Autoria Jéssica Petri... 67

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Tipo de Violência Relatada... 44

Gráfico 2 - Quem ligou relatando... 45

Gráfico 3 - Relação entre vítima e agressor(a)...45

Gráfico 4 - Tempo de Relacionamento entre agressor (a) e Vítima... 46

Gráfico 5 - Frequência da agressão... 46

Gráfico 6 - Início da violência na relação... 47

Gráfico 7 - Risco percebido nos relatos de violência...47

Gráfico 8 - Relação de filhos e filhas com a violência...48

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Característica da entrevistada Ana... 71 Quadro 2 - Característica da entrevistada Beatriz... 71 Quadro 3 - Característica da entrevistada Catarina... 71

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LISTA DE ABREVIATURAS

CRAS - Centro de Referência de Assistência Social

CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social DEAM’s - Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher OEA - Organização dos Estados Americanos

OMS - Organização Mundial de saúde ONU - Organização das Nações Unidas

PNAS - Política Nacional de Assistência Social PNPM - Plano Nacional de Políticas para as Mulheres SPM - Secretaria de Políticas para as Mulheres

SPM/PR - Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República SUAS - Sistema Único de Assistência Social

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...20

A escolha do tema: situando uma trajetória pessoal...20

1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA E AS CONQUISTAS FEMININAS...…...25

1.1Movimentos feministas e as conquistas das mulheres...27

1.2Lei Maria da Penha: instrumento de enfrentamento da violência contra a mulher?...30

1.3Uma construção desigual entre homens e mulheres...33

1.4Compreensão da problemática na perspectiva sócio histórica...34

2 VIOLÊNCIA PERPETRADA CONTRA A MULHER...…...39

2.1 Tipos de violência...40

2.1.1 Violência intrafamiliar...41

2.1.2 Violência doméstica...41

2.1.3 Violência de gênero...42

2.1.4 Violência conjugal ou violência entre parceiros íntimos...44

2.2 Formas de violência contra a mulher...45

2.2.1 Violência física...45

2.2.2 Violência sexual...45

2.2.3 Violência psicológica...46

2.2.4 Violência moral...47

2.2.5 Violência patrimonial / financeira...47

3 REALIDADE BRASILEIRA CONFORME REGISTROS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER...…...49

3.1 Perfil dos usuários do ligue 180...49

3.2 O Rio Grande do Sul nas estatísticas sobre a violência...57

3.3 Rede de proteção a mulher no estado do Rio Grande do Sul...58

3.4 Violência contra a mulher no município de Panambi/RS...60

3.5 A lei como mecânismo para a (de)construção da violência doméstica...61

3.6 Enfrentamento à violência contra a mulher e a rede de atendimento...66

4 HISTÓRIAS DE VIDA.………...74

4.1 Três mulheres, três vidas, três histórias: (re)construindo vidas...78

4.2 Possíveis explicações sobre a violência...81

4.3 Primeira violência...82

4.4 Percepção dos sentimentos dos filhos perante a violência...84

4.5 Reação perante a violência...86

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4.7 A procura por ajuda...88

4.8 Tentativa de rompimento...89

4.9Uso de substâncias psicoativas pelo agressor...92

4.10 Rede de Proteção………92

4.11 Rompendo com a violência………..…...94

4.12 (Re) construindo um futuro de sonhos………95

CONSIDERAÇÕES FINAIS...97

REFERÊNCIAS...99

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO...104

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA...106

APÊNDICE C – AUTORIZAÇÃO PARA PESQUISA...…...107

APÊNDICE D – TRANSCRIÇÃO NA INTEGRA DAS ENTREVISTA DAS MULHERES...……...109

APÊNDICE E – DADOS ESTATISTICOS SOBRE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER...……...112

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INTRODUÇÃO

A escolha do tema: situando uma trajetória pessoal

Das recordações que trago de minha infância, inevitavelmente, as mais marcantes que envolvem situações de violência contra a mulher, penso na minha mãe. Lembro-me da imagem da casa em que vivi meus primeiros anos de vida na cidade de Constantina/RS. Parece impossível não rememorar as pavorosas noites mal dormidas em uma cama de casal dividida com as irmãs, onde nos escondíamos em meio às cobertas, para ver se o barulho de tapas, socos, xingamentos e objetos arremessados diminuíam.

Talvez, tais noites não tenham trazido tamanho sofrimento quanto àquelas em que era preciso manter-se acordado, para vermos o desfecho de mais uma violência, muitas vezes nos metendo no meio da briga e apanhando junto, sempre pensando que o pior poderia acontecer, pois as ameaças de morte eram constantes. Mas, o que poderiam fazer crianças cujo discernimento, ainda tão limitado, impossibilita o entendimento dos fatos vivenciados? O que podem crianças franzinas diante da força física de um homem alcoolizado, muitas vezes armado, senão temer ao presenciar a dor de quem tanto amam? Essas noites se repetiram em minha vida por 15 anos, para a minha mãe foram 25 anos de sofrimento e de silêncio, vivenciando todas as diferentes possíveis formas de violência, até conseguir romper o ciclo e dar um basta. Os anos se passaram, e uma nova vida por nós foi iniciada.

Assim, ingressei no curso de Serviço Social1

motivada por um ideal de justiça social, esperando poder trabalhar e orientar mulheres com trajetória de vida semelhante a que vivi. Durante a minha graduação, algumas temáticas começaram a aguçar, nunca gostei de falar sobre o assunto vivenciado por 15 anos, até que tive disciplinas sobre violência doméstica e pude perceber que a violência está mais perto de nós do que imaginamos, aos poucos o pré-conceito que tinha foi se desmistificando. Mais tarde fui fazer estágio no Núcleo de Práticas Jurídicas - NPJ2

, onde pude presenciar outras mulheres vítimas de violência doméstica e, aos poucos, fui percebendo as suas semelhanças e diferenças.

1 Em 2006 ingressei no curso de serviço social do Centro Universitário Franciscano – Unifra – Santa Maria. 2 Núcleo de Prática Jurídica – NPJ localiza-se na Rua Silva Jardim nº 1175 no Campus II da UNIFRA, no

Bairro do Rosário. O NPJ é um local de aprendizado visando à preparação, o desenvolvimento dos futuros profissionais através de uma postura ética, crítica e reflexiva. De acordo com os arquivos do local o NPJ foi criado primeiramente para os alunos do curso de Direito aplicarem os conhecimentos teóricos obtidos durante o aprendizado acadêmico. Com o passar do tempo verificou-se a necessidade de outros cursos em função da demanda atendida. Dessa forma busca-se realizar um trabalho interdisciplinar entre os cursos de Direito, Serviço Social e Psicologia e também procura-se estimular o ensino, a pesquisa e a extensão.

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Posteriormente, a prática profissional durante um ano no Centro de Referência Especializada de Assistência Social3

- CREAS possibilitou uma maior aproximação das diversas situações vivenciadas pelas mulheres, entre elas violência física, psicológica, financeira, entre outras.

Em 2011 fui nomeada para trabalhar no Instituo Federal Farroupilha – Campus Panambi, como assistente social, no setor de assistência Estudantil, onde mais uma vez me deparei com a temática da violência doméstica e pude perceber que está presente em todas as classes sociais e envolve crianças, mulheres e idosos.

Por estar inserida no contexto escolar, é muito fácil verificar o quanto o machismo é vastamente reproduzido entre os nossos educandos, posturas que inferiorizam as mulheres estão por toda a parte, desde as “cantadas” até as letras de músicas desenvolvidas em momentos de brincadeira. Há todo um sistema especializado em separar o mundo entre homens e mulheres e atribuir valores melhores ou piores a ambos. Não se trata de uma força isolada, mas de um grande e complexo sistema que subjuga o feminino.

Por acreditar que a mudança desses padrões introjetados em nossa sociedade só podem ser modificados através da educação, ingressei em 2013 no mestrado em Educação nas Ciências da UNIJUÍ, com o objetivo de aprofundar os conhecimentos em torno da temática da violência doméstica.

O espaço escolar não é apenas um espaço de transmissão de conteúdos acadêmicos. A escola é um espaço onde interações de diversos tipos acontecem resultando, de modo geral, em reflexões, conhecimentos, comportamentos, tendências, construção de redes de amigos e relações sociais. É, portanto, o lugar privilegiado de informações sobre o desenvolvimento social, psicológico e cognitivo das crianças e dos jovens. Pode-se dizer, então, que a escola é um espaço de socialização e aprendizagem, e tematizar esse tipo de violência no espaço escolar é importantíssimo, sendo a escola um agente de transformação social, ao promover o debate e desenvolver ações preventivas e educativas voltadas à questão, ajuda a dar visibilidade no enfrentamento e superação do problema.

Tendo em vista o contexto sócio-histórico-cultural da violência doméstica, e por saber que a educação pode transformar a cultura da violência em uma cultura da paz, há necessidade existe da articulação da temática na educação para minimizar a realidade da

3 O CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) configura-se como uma unidade pública e estatal, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos (violência física, psicológica, sexual, tráfico de pessoas, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, etc).

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violência doméstica, trabalhando desde cedo os papéis masculino e feminino em sala de aula, de forma a oportunizar a desconstrução dos estereótipos.

Desta forma o interesse de estudar a violência contra a mulher é decorrente da trajetória profissional, acadêmica e pessoal.

A violência doméstica4

contra a mulher recebe esta denominação por ocorrer dentro do lar, e o agressor ser, geralmente, alguém que já manteve, ou ainda mantém, uma relação íntima com a vítima. Pode-se caracterizar de diversos modos, desde marcas vivíveis no corpo, caracterizando a violência física, até formas mais sutis, porém não menos importante, como a violência psicológica, que traz danos significativos à estrutura emocional da mulher.

Para se ter uma dimensão da produção de comportamentos violentos baseados nas relações de gênero5

, o panorama dos dados oficiais disponibilizados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM, 2012)6

apontam que, no Brasil, a cada minuto, quatro mulheres são agredidas por um homem com quem mantêm ou mantiveram algum relacionamento afetivo, sendo que 70% desses crimes ocorrem no ambiente doméstico. A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 1807

–, é um serviço nacional e gratuito oferecido por esta Secretaria e que tem por escopo o recebimento de denúncias ou relatos de violência e reclamações sobre os serviços da rede de atendimento para mulheres em situação de violência.

Dos cinco tipos enquadrados na Lei Maria da Penha (física, sexual, psicológica, moral e patrimonial), a física é a mais frequente nas denúncias. Nela estão classificadas agressões que vão desde a lesão corporal leve ao assassinato. Ao longo do primeiro trimestre de 2012, foram efetuados 14.296 atendimentos, correspondentes a 58% dos registros. Sete mil (53%) se referem a riscos de morte das mulheres, seguido de espancamentos em 6.025 (45%) dos casos. Dentre as demais violências punidas pela Lei Maria da Penha, os atendimentos apontam: psicológica em 3.305 (13%) dos registros, moral em 2.973 (12%), sexual em 460 (2%) e patrimonial em 425 (2%). O agressor continua sendo companheiro e cônjuge da vítima, conforme percebido em 12.970 (69,7%) dos registros, seguido por ex-maridos com 2.451 (13,2%). Dentre os 24.775 relatos de violência – excluindo-se 11.245 casos não informados,

4 Em razão da variedade de nomeações relacionadas à violência doméstica contra a mulher, neste estudo será adotada a expressão “violência doméstica contra a mulher”, tomando como elemento que a caracterizem, as dimensões físicas, psicológicas e sexual perpetrada pelo parceiro íntimo, na forma de cônjuge e ex-cônjuge, dentro das relações de afeto, ocorrido no ambiente doméstico.

5 É necessário: “atentar para a diferença existente entre violência doméstica e a violência de gênero (art. 5º) por essência discriminatória, da qual a mulher é principal vítima.” (PRADO, 2008, p. 142).

6 Disponível em: <http://www.spm.salvador.ba.gov.br>. Acesso em 03 abril de 2013.

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em 8.915 (65,9%) dos casos, filhas e filhos presenciaram as agressões cometidas contra suas mães.

No Brasil, nos últimos anos, houve avanços em vários campos, que traduziram em mudanças na legislação, mas a tarefa de enfrentar esse desafio requer, necessariamente, uma ampla alocação de recursos orçamentários para os serviços e equipamentos necessários. É fundamental colocar em prática não apenas as ações repressivas, mas medidas capazes de contribuir para o empoderamento8 feminino, assegurando a todas as mulheres o acesso a seus direitos nas mais variadas dimensões da vida social.

A partir de uma revisão de literatura envolvendo a produção do conhecimento sobre a violência doméstica contra a mulher, foi possível perceber que a dimensão, que abrange a voz das mulheres sobre a violência que sofrem, suas representações e seus percursos de recuo e superação, é muito menos abordada do que a dimensão das políticas públicas e dos setores que participam das redes de proteção.

Evidenciando essa lacuna investigativa, que despertou a curiosidade desafiando-me a investigar a história de vida para compreendermos como as mulheres, em situação de violência doméstica9

, independentemente de renda, idade e da escolaridade, entendem a violência, bem como o que de fato contribui para que essas mulheres não distanciam-se da violência doméstica? Em que momento essa violência tem início? Que tipo de violência estão expostas? Que tipo de rede entram em cena para auxiliar na ruptura? Essas são perguntas difíceis de responder, porém a partir destas questões norteadoras, pretende-se nesta pesquisa, compreender a experiência de mulheres que vivenciaram situações de violência doméstica, com objetivo de identificar o tipo de violência que estavam expostas, como essas mulheres compreendem essa violência e como se percebem dentro dessa violência, qual o olhar que possuem sobre o agressor, as estratégias adotadas para o enfrentamento da violência a que estão submetidas e as ajudas e serviços aos quais recorrem.

Tais indagações se apresentam, assim, neste trabalho, como perguntas de partida instigadoras e norteadoras do processo de investigação.

8 Empoderamento é o mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir. (COSTA, p. 7, 2008).

9 Em razão da variedade de nomeações relacionadas a violência contra a mulher, neste estudo será adotada a expressão “violência doméstica contra a mulher” tomando como elemento que a caracterize, as dimensões: física, psicológica e sexual perpetrada pelo parceiro íntimo, na forma de cônjuge e ex-cônjuge, independente se ocorreu no espaço público ou ambiente doméstico. Heise (1995) considera que os resultados de estimativas de violência são, muitas vezes, de difícil comparação em função, principalmente, da variedade de nomeações atribuídas a violência contra a mulher.

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A metodologia adotada no recolhimento de dados para responder ao problema de pesquisa, estará melhor detalhada em capítulo específico. Foi a história de vida que indicou categorias analíticas que, à luz do referencial teórico eleito, oferece-nos a possibilidade de análise da temática dessa dissertação.

Este trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro, TRAJETÓRIA HISTÓRICA E AS CONQUISTAS FEMININAS, é analisado como ocorreu a construção sócio histórica do papel feminino na sociedade Brasileira, bem como as lutas desencadeadas ao longo das décadas para o avanço das políticas para as mulheres, a criação e articulação entre os diversos serviços, políticas e programas que atendem as mulheres em situação de violência doméstica.

No segundo capítulo, DORES NO CORPO E DORES NA ALMA: TIPOS DE VIOLÊNCIA PERPRETADA CONTRA A MULHER, são analisados as formas e os tipos de violência segundo a Lei nº 11.340 de 2006, é abordado a Lei do Feminicídio, e a compreensão da violência através do ciclo da violência.

O terceiro capítulo, A REALIDADE BRASILEIRA, apresenta o panorama da violência em nível Nacional, Estadual e por fim traremos a realidade apresentada no município de Panambi, informando os índices de violência em cada esfera e a rede de apoio em cada uma.

E, finalmente, no quarto e último capítulo, PERCURSO METODOLÓGICO, ANALISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: Histórias de vida de mulheres que viveram a violência doméstica é explicitado todo o caminho que foi trilhado para o desenvolvimento da pesquisa. Posteriormente serão analisadas as histórias de vida de três mulheres que passaram por situação de violência doméstica ao longo de suas vidas. Será feito um relato comentado em paralelo entre as três entrevistadas, os pontos em comum e os não comuns, apresentando as conclusões que o estudo nos permitiu chegar.

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CAPÍTULO I

Hoje recebi Flores10 Maio Hoje recebi flores! Não é o meu aniversário

Ou nenhum outro dia especial;

Tivemos a nossa primeira discussão ontem à noite E ele me disse muitas coisas cruéis que me ofenderam de verdade. Mas sei que está arrependido e não as disse a sério, Porque ele me enviou flores hoje. E não é o nosso aniversário ou nenhum outro dia especial (Continuação no próximo capítulo)

Para entendermos como se constituíram as políticas públicas se faz necessário realizar uma breve retrospectiva sobre a conquista dos direitos das mulheres em âmbito nacional e internacional. Contribuindo com esse propósito, este capítulo apresenta fragmentos da trajetória histórica e das conquistas femininas, analisando como ocorreu a construção sócio histórica do papel feminino na sociedade Brasileira, bem como as lutas desencadeadas ao longo das décadas para o avanço das políticas para as mulheres que culminaram na implementação da Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha.

1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DAS MULHERES, SUAS CONQUISTAS E PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

A mulher por anos restringiu-se a desenvolver ações que a preparavam para ser uma boa esposa e mãe, consequentemente, deste modo, desfrutaria de um bom casamento. Segundo Priore (1988), no Brasil Colonial existiam três exemplos clássicos: a mulher ideal para casar, a "pública" e a concubina. A primeira servia apenas para ser a mãe de seus filhos e as demais para suprir necessidades sexuais masculinas, sendo até conveniente para as esposas que se recusavam a certas práticas. Todas elas não gozavam dos direitos como cidadãs e recebiam críticas inclusive da Igreja.

À mulher era imposta a condição de objeto de usufruto sexual e de servidão ao homem. Portanto, a mulher não tinha voz para reclamar ou opinar, sendo assim, subordinada a aceitar tudo que era imposto pelo homem. Por muitas vezes era explorada em diversos 10 A escrita é de um autor desconhecido, porém a pesquisadora teve contato com o poema durante as reuniões com as mulheres em situação de violência doméstica, onde era realizada a leitura e posterior reflexão. Assim, pode-se perceber que ele tocou profundamente a alma das mulheres, por esse motivo, considerou-se importante expô-lo no trabalho.

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sentidos, humilhada e traída por seu cônjuge, silenciada e inexistente para a sociedade. Segundo Priore, (2000, p.9):

O sistema patriarcal instalado no Brasil colonial sistema que encontrou grande reforço na Igreja Católica que via as mulheres como indivíduos submissos e inferiores, acabou por deixar-lhes, aparentemente, pouco espaço de ação explicita. Mas insisto: isso era apenas mera aparência, pois, tanto na sua vida familiar, quanto no mundo do trabalho, as mulheres souberam estabelecer formas de sociabilidade e de solidariedade que funcionavam, em diversas situações, como uma rede de conexão capazes de reforçar seu poder individual ou de grupo, pessoal ou comunitário.

Ao longo do tempo foram sendo construídos papéis diferenciados para homens e mulheres e atribuído o papel secundário a elas e a naturalização de que lugar de mulher é em casa, com a função de criar e educar filhos e filhas. Tais processos de aprendizados fizeram e fazem parte da cultura, que, também, não se pode negar que é majoritariamente reprodutora do machismo. A cultura vai sendo construída entre homens e mulheres, e esses papéis passam a ser construídos sobre o mito da superioridade masculina, criando assim uma estrutura que domina, reprime e subordina a mulher. Como bem exemplifica Saffioti, (2001, p.115),

No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que lhes apresenta como desvio. Ainda que não seja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência. Com efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência das vítimas potenciais aos ditames do patriarca, tendo a necessidade de fazer uso da violência.

Essa injusta e desigual relação entre homens e mulheres às denominadas relações sociais de gênero gera uma grande violência cotidiana, muitas vezes invisível e considerada “natural”, que gera os maus tratos, a agressão, a violação e até a morte, sendo a violência doméstica um processo muito mais amplo e complexo do que episódios de agressão física.

O código civil brasileiro de 1916, em seu artigo 233, atribuía: “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”, além de que cabia ao marido a representação legal da família e o direito de autorizar a profissão da mulher.

O modelo jurídico vigente colaborava com a ideia de mulher subordinada ao homem. Ao marido cabia a administração de todos os bens do casal, inclusive os de posse da esposa.

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Além do mais, por anos, as mulheres estiveram à mercê dos direitos e declaradas como inabilitadas para o exercício de determinados atos civis.

Corroborando com a ideia, Focault (1985, p. 149), afirma que:

[...] o casamento exigia um estilo particular de conduta, sobretudo na medida em que o homem casado era um chefe de família, um cidadão honrado ou um homem que

pretendia exercer, sobre os outros, um poder ao mesmo tempo político e moral; e

nessa arte de ser casado, era o necessário domínio de si que deveria dar sua forma particular ao comportamento de homem sábio, moderado e justo.

E para que a moral e a honra do homem estivessem acima de tudo, a violência contra mulher foi por séculos vivida de forma silenciosa e individualizada, garantida pelos princípios da inviolabilidade do espaço privado. Na história brasileira, a qual sofreu forte influência do Direito Romano, a família era organizada sob o princípio da autoridade marital, ou seja, a mulher casada era totalmente subordinada ao marido, este princípio era denominado de pater

familias. (GONÇALVES, 2010). Esta norma jurídico-cultural elegia um modelo de família

hierarquizado e patriarcal. A mulher casada, além de ser geralmente submissa ao marido, ainda ficava sob a autoridade total e exclusiva deste, sendo a violência uma das expressões de desigualdade entre homens e mulheres, como afirma Cunha (2010, p.94):

Nestas relações construídas de forma desiguais, o homem assume uma situação privilegiada de domínio sobre a mulher que passa a ser vista socialmente como subordinada a este. Assim, durante muito tempo as agressões contra a mulher no âmbito familiar não foram questionadas, uma vez que, o próprio Estado dispunha de legislações que asseguravam direito ao homem sobre suas esposas e filhas, dessa forma passaram-se séculos para que a violência intrafamiliar fosse reconhecida como crime na sociedade.

Pode-se perceber que o fenômeno “violência contra a mulher” é antigo e, embora fazendo parte de muitas famílias, foi ocultado e invisibilizado por muito tempo. Em diversos casos, a violência é silenciosa, em outros ela é invisível.

Para Saffioti (1994), a violência masculina praticada contra a mulher é o fenômeno mais “democrático” que existe, pois ela está em todos os lugares, alcançando todas as classes sociais e países e independe da cor, da população, língua falada e da cultura desenvolvida.

1.1 Movimentos feministas e as conquistas das mulheres

No Brasil foi somente a partir da década de 70 que surgiram os primeiros movimentos feministas organizados e politicamente engajados em defesa dos direitos da mulher. Esses

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movimentos lutaram por parcerias com o Estado para a implementação de políticas públicas, resultando, em 1984, na ratificação da convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher, comprometendo-se perante o sistema global, a coibir todas as formas de violência contra a mulher e adotar políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência de gênero. (SOUZA, 2009, p.103).

A primeira Delegacia da Mulher foi implantada na cidade de São Paulo, em 1985, e o atendimento especializado oferecido, “estimulou as vítimas a denunciar as agressões sofridas, pois o agressor ao ser chamado pela autoridade policial se sentia intimidado” (DIAS, 2007, p. 10). Em 1986, foi criada pela Secretaria de Segurança Pública a primeira Casa-Abrigo do país para mulheres em situação de risco de morte, no Estado de São Paulo. (SILVEIRA, 2006, p. 23).

De acordo com Moreira et al. (1992), a criação das delegacias especializadas de crimes contra a mulher foi fruto de um determinado contexto histórico, resultante de um processo de conquistas dos movimentos feministas, de redemocratização do país, no qual se procurou tratar a violência contra as mulheres como uma questão coletiva e pública. Pretendia-se, com esses espaços, proporcionar um atendimento não discriminatório às mulheres em situação de violência, a pronta abertura de inquéritos policiais e encaminhamento à justiça, e a punição dos agressores.

A criação das Delegacias da mulher beneficiou as mulheres socialmente excluídas, visto que a nova instituição teve como clientela privilegiada mulheres que, não sendo das camadas média-alta, careciam de acesso aos atendimentos jurídicos, médicos, psicológicos e outros serviços necessários para garantir sua integridade física e moral. (SUARÉS; BANDEIRA, 2002).

Na década de 1990, a violência contra a mulher passou a ser vista como um problema de saúde pública, devido às consequências que acarreta para a saúde física, mental, e reprodutiva das mulheres, além de implicar em faltas ao trabalho e de aumentar o uso abusivo de substâncias psicoativas. (MINAYO; SOUZA, 1998).

Na década dos anos noventa, continuou ocorrendo o processo de ampliação do conceito de Direitos Humanos com a participação política da sociedade civil. No que se refere às conquistas e afirmações de direitos das mulheres, em 1993 a violência contra as mulheres foi reconhecida mundialmente como um abuso contra os direitos humanos, e desde então convenções têm sido realizadas, como: A Declaração das Nações Unidas sobre a Violência Contra a Mulher (1993); a Conferência Internacional sobre a População e o Desenvolvimento (1994); e a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (1995). (PRATES, 2013).

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Nesse sentido, a partir das conferências da Organização das Nações Unidas (ONU), dados divulgados pelos países membros permitiram constatar que a maior causa da recorrência da violência era a impunidade, a morosidade da justiça e a fragmentação e descontinuidade dos serviços públicos destinados ao atendimento das mulheres. E, principalmente, a visão política e ideológica sobre a mulher e sobre a violência de gênero, que desconsidera os crimes domésticos e os tornam pouco importantes frente a outros tipos de violência. (TAUBE, 2002).

Assim, as bases de uma nova cultura no campo dos direitos, após a afirmação de que a violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos, foi promulgada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher denominada “Convenção de Belém do Pará” de 1994. Considera que o reconhecimento e o respeito irrestrito de todos os direitos da mulher, são condições indispensáveis para seu desenvolvimento individual e para a criação de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica. (BRASIL, 1994).

Em 1995, a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, de Beijing, apresentou os objetivos de adotar medidas de prevenção e eliminação da violência contra a mulher, assim como estudar as causas e consequências desse tipo de agravo e a eficácia das medidas preventivas adotadas, e encontrar ações que visem eliminar o tráfico de mulheres. (UNITED NATIONS, 2011).

Ainda em 1995, foi promulgada a Lei 9.099/95 que tinha como objetivo:

Ampliar o acesso da população a justiça mediante a ampliação de princípios como a celeridade, economia processual, a informalidade na justiça e a ampliação de penas alternativas de restrição de liberdade, para realizar esses objetivos, cabe aos juizados processar e julgar crimes com pena máxima de até um ano de detenção, denominados como “crimes de menor potencial ofensivo. (PASINATO, 2004, p. 15).

Segundo Pasinato, (2004) a Lei 9.099/95 abrangeu a maior parte das ocorrências registradas nas Delegacias das Mulheres, apesar desta não ser uma legislação específica para a violência contra as mulheres. A autora aponta que esta legislação:

Provocou a retomada de antigas questões a respeito do tratamento judicial aos casos de violência de gênero, provocando o movimento de mulheres a refletir a respeito da violência denunciada, dos anseios das mulheres diante da queixa e das respostas judiciais que foram sendo oferecidas. (PASINATO, 2004, p. 16).

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Esses debates, no decorrer dos anos posteriores a implementação da Lei 9.099/95, levou o movimento feminista e a sociedade civil a questionar sobre a necessidade de uma legislação específica sobre a violência doméstica contra as mulheres.

No ano de 2004, o Governo Federal promoveu a primeira Conferência Nacional de Políticas para as mulheres, a fim de se discutir o fenômeno da violência contra a mulher, que foi considerada um marco brasileiro na afirmação dos direitos da mulher. A conferência mobilizou aproximadamente 120 mil mulheres em todo o Brasil, que participaram diretamente dos debates, apresentando propostas para a elaboração do primeiro Plano Nacional de Política para as Mulheres. (BRASIL, 2005).

As ações do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres foram traçadas a partir de quatro áreas estratégicas de atuação: autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania, educação inclusiva não sexista, saúde da mulher, direitos sexuais e direitos reprodutivos, e enfrentamento à violência contra as mulheres. (BRASIL, 2005a). Cabe destacar algumas prioridades do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, tais como: o reconhecimento da violência de gênero, raça e etnia como violência estrutural e histórica; a criação, o fortalecimento e a ampliação de organismos específicos de defesa dos direitos e de políticas para as mulheres no primeiro escalão de governo, nas esferas federal, estaduais e municipais. A finalidade através desses objetivos é tratar a violência contra a mulher como questão de segurança, justiça e saúde pública, no intuito de enfrentar as desigualdades entre mulheres e homens no Brasil. (BRASIL, 2005).

Em 2005 foi criado o Ligue 108, destinado a auxiliar e orientar as mulheres vítimas de violência sobre os serviços disponíveis no país, para o enfrentamento da violência, e principalmente, para receber denúncias e acolher mulheres em situação de violência. (BRASIL 2005).

1.2 Lei Maria da Penha: instrumento de enfrentamento da violência contra a mulher?

A Lei 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha, promulgada em 7 de agosto de 2006 e que entrou em vigor em 22 de setembro de 2006, foi criada a partir da história da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que lutou por quase 20 anos para ver o seu agressor na cadeia.

Em 1983, seu marido tentou matá-la por duas vezes, na primeira por disparos de arma de fogo e, na segunda, por eletrocussão e afogamento. Por conta das agressões Maria da Penha ficou paraplégica.

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Decorridos quinze anos, o processo continuava sem decisão e, apoiada por um grupo feminista, Maria da Penha apresentou uma representação junto à OEA. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu informe nº 54, de 2001, responsabilizou o Estado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres.

Depois de dezenove anos, o marido da Maria da Penha foi preso em outubro de 2001, quase vinte anos após o crime, no entanto cumpriu medida em regime fechado por apenas dois anos.

A partir da sua tragédia pessoal, Maria da Penha iniciou sua luta em busca de justiça, e em sua homenagem, à luta dessa mulher e ao combate às agressões no âmbito familiar, foi criada a lei Maria da Penha, que:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do & 8° da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher altera o

Código de Processo Penal, O Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras

providências. (BRASIL, 2006, p.1).

A lei baseia-se nos termos do § 8º do Art. 226 da Constituição Federal que preconiza que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. A violência é um fenômeno sócio histórico que acompanha as transformações da humanidade e manifesta-se de diversas maneiras. Para conceituar violência doméstica e familiar, adotamos as definições explicitadas na Lei Maria da Penha: “A definição de violência na Lei Maria da Penha, diz que são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher entre outras: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e a violência moral”. (Lei 11.340).

Dentre as principais mudanças da Lei Maria da Penha, podemos destacar o fato de que ela passou a tipificar e definir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que anteriormente não existia lei específica a respeito. Entre os avanços podemos citar:

- Determinou-se que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual.

- Deliberou-se a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher, com competência cível e criminal.

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- Alterou-se o Código de Processo Penal, possibilitando a prisão preventiva nos crimes de violência doméstica.

- Aumentou-se a pena para o crime de lesão corporal.

- Permitiu-se ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

- Foram criadas medidas protetivas para a mulher, o que traz maior segurança para a realização da denúncia, entre elas: afastamento do agressor do lar, retirada da vítima do lar, sem prejuízo aos seus direitos sobre os bens e a guarda dos filhos, proibir a aproximação do agressor da vítima e de seus familiares e suspensão e posse ou restrição do porte de armas.

Outra inovação trazida pela lei foi a definição legal do conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, no artigo 5º: “[...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.”

A lei traz ainda a questão da violência doméstica, sob a ótica do gênero, afirmando que o sexo feminino, por razões históricas e culturais, possui uma relação de vulnerabilidade em relação ao sexo masculino.

Segundo a política de proteção, a rede de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica em todos os Estados brasileiros, deve contar com serviços especializados, como: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM’s), Centro de Referências, Casa Abrigo, Defensorias Públicas, dentre outros. No campo da Assistência Social houve a criação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e do seu mecanismo de gestão, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que consistem em definir ações voltadas para a prevenção de riscos sociais e pessoais e no combate em casos em que já existe a violação de direitos e vínculos familiares fragilizados ou rompidos.

Para o desenvolvimento da política, foram criados os níveis de proteção. A proteção social básica direcionada ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), com caráter preventivo e a proteção social especial direcionada ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que atua sob dois níveis: média complexidade, em que há violação de direitos, mas os laços familiares ainda não foram rompidos e alta complexidade, que se destina aos casos de violação de direitos, mas com a inexistência de vínculos familiares.

A importância da Lei Maria da Penha está relacionada com a legislação específica, em que a violência doméstica não será mais considerada delito de menor potencial ofensivo, retirando a pena leve de pagamento de cesta básica e/ou prestação de serviço comunitário. A

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lei tem relevância jurídica de âmbito maior, pois conceitua a violência, define suas formas e propõe a criação de juizados especiais específicos de violência doméstica e familiar contra a mulher (com competência civil e criminal). Além disso, estabelece medidas de prevenção, assistência e proteção às mulheres, incluindo políticas públicas integradas com a sociedade civil e o atendimento multidisciplinar e formas de conter o agressor.

A criação da Lei Maria da Penha no Brasil foi um reconhecido avanço na área da violência contra a mulher. Apesar disso, ainda são necessários maiores esforços da sociedade para reduzir as desigualdades sociais que geram e reproduzem as diferenças entre homens e mulheres e, por se tratar de uma norma jurídica, a previsão de criação dos serviços especializados é de responsabilidade dos governos, em especial, estaduais e municipais,

porém nem todos os municípios disponibilizam do aparato legal para a efetivação das leis. Para este estudo utilizaremos a abordagem de construção da violência através da teoria sócio histórica de Vygotsky.

1.3 Uma construção desigual entre homens e mulheres

Idealizamos a família como um lugar seguro, onde podemos obter afeto, proteção, compreensão e bem-estar. Porém, encontramos no seio da família episódios de violência no entanto, na família tradicional a violência intrafamiliar era socialmente aceita. Era encarada como uma forma de controle sobre os seus dependentes, deste modo, o homem podia agredir a mulher e os filhos como forma de repreensão e castigo, a violência era compreendida como uma forma de educação.

Apesar dos grandes avanços econômicos, sociais e políticos a violência continua sendo uma realidade no seio das famílias.

Com efeito, a detenção do poder e o modo de repartição das tarefas constituem dois domínios de grande tensão nas famílias modernas. O fato de a mulher continuar a encarar como a principal responsável pela produção do trabalho doméstico, que lhe é imposto em vez de lhe ser reconhecido como um crédito, para além de constituir uma das mais graves contradições da família moderna, impede os casais de conciliarem intimidade e reciprocidade. (DIAS, 2004, p.48).

Com a evolução dos tempos a família assumiu um caráter sentimental, o casamento que antes era imposto passou a ser de livre escolha, e ser uma realização pessoal e não mais uma obrigação. No entanto, mesmo existindo o amor, a dominação patriarcal não desapareceu, conforme Dias (2004, p. 49):

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Se, por um lado, esta assume a realização pessoal dos seus membros, a partilha de tarefas, a igualdade de oportunidades e elevados níveis de comunicação conjugal e intergeracional como dimensões essenciais a sua organização e funcionamento, por outro lado, ela não está desprovida de violência. Pelo contrário, as agressões infligidas as crianças, mulheres e idosos, encontram na família moderna um espaço privilegiado de realizações. Devido a regularidade com que acontece e a legitimidade cultural que lhe é atribuída, a violência doméstica tornou um componente quase normal da vida familiar da maior parte das sociedades.

De fato, podemos afirmar que hoje em dia muitas famílias possuem caráter paradoxal, coexistindo uma faceta de expressividade, de afetividade e outras de opressão e de violência. Porém a pergunta que se coloca é: o que torna a família violenta? Quais as teorias explicativas para a violência doméstica?

Com objetivo de tentar responder a estes questionamentos, utilizaremos a teoria sócio histórica de Vygotsky.

1.4 Compreensão da problemática na perspectiva sócio histórica

A violência contra a mulher, por parceiro íntimo, é reconhecida mundialmente como um sério problema social e de saúde, perpassando todas as classes sociais, idades, grupos éticos e culturais. É um tipo de violência que se situa no âmbito da vida privada, envolvida em silêncio e invisibilidade. Diferente de outros tipos de violência, a violência familiar se desenvolve na esfera mais íntima da relação de afeto. Esta singularidade eleva sobremaneira as complexidades que envolvem estas problemáticas, bem como a sua solução. Devido a sua frequente ocorrência cotidiana, muitas vezes esse fenômeno é tomado como tão familiar que, ao invés de se compreender como uma construção social, as pessoas acabam naturalizando-a.

A violência doméstica contra mulher não deve ser compreendida simplesmente pela análise da interação entre sujeitos singulares, já que toda relação está inscrita dentro de um universo estrutural, composto de aspectos objetivos e simbólicos. A apropriação da realidade pelos diferentes sujeitos configura-se como uma forma de subjetivação que, por sua vez, se reflete nas relações e interações entre os sujeitos, como práticas sociais. Tais relações também se refletem, na cultura, de forma dialética, tornando-se infrutífero analisar a violência doméstica contra mulher, somente como um fenômeno relacional entre os parceiros, sem analisar o contexto em que está inserida, e que lhe dá sentido.

Considerando a complexidade da violência doméstica contra a mulher e as importantes consequências, não somente na vida dessas mulheres, mas de seus familiares, filhos, da

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comunidade e sociedade em geral. Podemos afirmar, então, que a violência doméstica contra a mulher é uma construção sócio histórica. Os valores socioculturais interferem na formação ou no novo desenho da categoria família e em sua relação com a violência doméstica, criando novas sociabilidades e transmitindo aos seus descendentes o fator violência?

Partindo destes questionamentos, a partir da obra de Vygotsky (2013), “A formação social da mente” e “Pensamento e Linguagem” pretende-se desenvolver os sentidos da construção sócio histórica sobre a violência doméstica. Para isso, devemos partir do pressuposto que o ser humano é histórico e em constantes transformações mediadas. Nessa concepção o homem e a mulher são constituídos, ao longo do tempo, pelas relações que estabelece com o mundo social e natural. A Teoria sócio histórico conceitua a relação indivíduo–sociedade como um processo em que um constitui o outro, ao mesmo tempo em que se constitui. Por conseguinte, compreender a significação e os sentidos da violência doméstica é compreender o processo de socialização vivenciado, perpassado que é pela própria história da humanidade e da sociedade em que se está inserido.

A linguagem permeia todo esse processo, de objetivação e apropriação, e estabelece a mediação, que é uma determinação, é a condição inicial de constituição. É através da linguagem que o ser humano interage com outras gerações produzindo sentidos e significados de experiência acumuladas no decorrer da história da humanidade. Aliás, Vygotsky (2013) ressalta que é por meio de uma relação estabelecida entre o pensamento e a linguagem que se forma a consciência, o psiquismo e que, a linguagem, através da comunicação, que seria sua função basilar, ocorre à troca de “conhecimentos” necessários ao ser humano, os quais, segundo Vygotsky (2013), são extraídos da realidade social.

Para compreensão das significações construídas sobre violência, parte-se da concepção de que as ações, bem como suas significações foram construídas socialmente, ou seja, mediadas pelas relações sociais. Neste estudo, a violência é entendida como um produto de construção social, histórica e cultural, constituído com base nas relações humanas entre si e na atuação do humano sobre a realidade. Desta forma, a violência não é característica da natureza humana ou do biológico. Tem, ao contrário, uma constituição sócio histórica: o humano, ao agir de forma violenta, o faz em relação dialética com a sociedade em que está inserido.

A violência contra as mulheres faz parte de um sistema sócio histórico que condicionou as mulheres a uma posição hierarquicamente inferior na escala de perfeição metafísica, produzindo um campo de força de relações assimétricas entre homens e mulheres em nossa sociedade.

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Sendo assim, é possível inferir que uma falha nesta relação cultural poderá prejudicar o desenvolvimento social, psicológico, bem como interferir diretamente no processo de aprendizagem dessas vítimas. Uma relação familiar adequada, portanto, é aquela que proporciona o desenvolvimento de seus membros através de atenção, carinho, diálogo, segurança, confiança, estímulos suficientes para o desenvolvimento de uma personalidade criativa, de uma pessoa autônoma e capaz de produzir conhecimento.

A relação familiar é a referência das relações futuras dos seres humanos, é onde as pessoas experienciam seu primeiro contato com o mundo. No processo de educação, Dessen e Braz (2005) afirmaram que a família é considerada como um dos primeiros e principais contextos de socialização dos indivíduos, contribuindo para o processo de desenvolvimento humano.

Portanto, para Vygotsky (2013) o humano é constituído através das palavras, da linguagem e do pensamento. Neste sentido, a responsabilidade por cometer violência é do sujeito, mas deve-se abarcar a compreensão de que ele é fruto de suas condições sócio históricas vivenciadas na família, comunidade, escola. Vygotsky (2013) argumenta que as relações sociais e a cultura em que o indivíduo está inseridos, definem o curso do desenvolvimento da pessoa humana.

Isso equivale dizer que as funções complexas do comportamento humano são elaboradas conforme são utilizados, a depender do conteúdo adjetivo sobre o qual incidem e das interações a partir das quais se constroem. Este aspecto nos leva também, à reflexão da transmissão transgeracional da violência como forma de aprendizado. Se a criança sofre em seu seio familiar diversas agressões, provavelmente as suas atitudes serão reproduzidas em outro momento e contexto.

O desenvolvimento, para Vygotsky, é um processo em que estão presentes a maturação do organismo, o contato do sujeito com a cultura produzida pela humanidade e as relações que permitem a aprendizagem. A criança, na interação com sua família, adquire valores e conteúdos culturais. Vygotsky (2013) explicitou com bastante clareza o papel da imaginação e da imitação para o desenvolvimento infantil e constituição da subjetividade: ao repetir as ações e as falas de seus pais e outras pessoas significativas em suas brincadeiras a criança internaliza valores e papéis que farão parte de suas próprias idiossincrasias.

Esta teoria permite dissolver o mito da criança naturalmente má, pois, para Vygotsky, não existe uma natureza humana, mas uma condição humana que se concretiza primeiramente nas relações da criança com sua família. Segundo Dantas-Berger e Giffin (2005) o sistema patriarcal construído culturalmente definiu um padrão de violência contra a mulher, um papel

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de passividade. Ao atentar para as diferentes formas de socialização pelas quais passam homens e mulheres é possível perceber como as injustiças seguem mascaradas nas relações.

Como exemplos é possível citar as brincadeiras infantis, nas quais os papéis sociais são visivelmente marcados, servindo de treino para as funções sociais que cada um desempenhará no futuro. Segundo Vygotsky, enquanto a menina é estimulada a brincar com bonecas e loucinhas e encorajada a expressar seus sentimentos de uma forma “delicada” e emotiva, meninos brincam com carrinhos, bolas e são encorajados a expressar sua agressividade com brincadeiras de luta e caça aos bandidos.

A constituição cultural do homem e da mulher ocorrem de formas diferentes e complementares, cada uma delas servindo como poderoso mecanismo invisibilizador do mal-estar e indignação que as relações permeadas pela opressão e humilhação podem gerar, própria socialização masculina cega os homens abusadores para o sofrimento das mulheres, o que permite que desconte sua raiva até que esta se esgote. Suas próprias necessidades são as bases da realidade que constrói, sem que registre vergonha ou qualquer outra forma de mal-estar.

Compreender os principais aportes teóricos até aqui tratados, nos permite adentrar em um novo capítulo, no qual serão trabalhadas as principais violências perpetradas contra as mulheres, bem como os conceitos e tipos de violência.

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Figura 2 - Desenho 2: Autoria Mailson Padilha, baseado na campanha de redução da violência doméstica

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CAPÍTULO II

Junho Ontem ele atirou-me contra a parede e começou a asfixiar-me.

Parecia um pesadelo, mas dos pesadelos nós acordamos

E descobrimos que não é real.

Hoje acordei cheia de dores e com golpes em todos os lados.

Mas eu sei que está arrependido

Por que ele me enviou flores hoje.

E não é dia dos namorados ou nenhum dia especial.

(Continuação no próximo capítulo)

Neste capítulo abordaremos as definições de violência e suas diferentes classificações, considerando os tipos de violência que ocorrem entre parceiros íntimos, expondo e subsidiando a reflexão sobre as diferentes definições de violência, como física, sexual, psicológica.

2 VIOLÊNCIA PERPRETADA CONTRA A MULHER

A Organização Mundial de saúde (OMS) (2009) reconhece a violência contra a mulher como uma questão de saúde pública, que afeta negativamente a integridade física e emocional da vítima, seu senso de segurança, configurando por círculos viciosos de “idas e vinda” aos serviços de saúde e o consequente aumento com gastos nesse âmbito. (GROSSI, 1996).

Para Minayo e Souza (1998) a violência é compreendida como um problema de saúde pública, e pode ser definida como qualquer ação intencional, perpetrada por indivíduos,

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grupos, instituições, classes ou nações, dirigida a outrem, que cause prejuízos, danos físicos, sociais, psicológico e espiritual.

Já para Santos (1996) a violência configura-se como um dispositivo de controle aberto e contínuo, ou seja, a relação social caracterizada pelo uso real ou virtual da coerção, que impede o reconhecimento do outro, pessoa, classe, gênero ou raça, mediante o uso da força ou da coerção, provocando algum tipo de dano, configurando o oposto das possibilidades da sociedade democrática contemporânea.

A violência causa danos muitas vezes irreversíveis, a vítima não consegue encontrar dentro do seu próprio lar segurança e dignidade. Pesquisas revelam que a agressão baseada na violência doméstica e familiar traz consequências desastrosas, pois as vítimas são muitas vezes estigmatizadas como seres inferiores, submetidas aos abusos de seus agressores, tornando-as um ser submisso e sem direitos.

Os resultados da violência contra a mulher comprometem a saúde física e emocional das vítimas, o bem-estar de seus filhos, os demais parentes e de amigos mais próximos. Conforme dados da ONU (2011) as vítimas apresentam “lesões físicas, obesidade, síndrome de dor crônica, distúrbios gastrintestinais e ginecológicos, invalidez, aborto espontâneo e morte”.

A violência contra a mulher nem sempre é percebida pelas pessoas, pois alguns não deixam marcas visíveis aos olhos, apenas aprisionam a alma e os impactos emocionais deste tipo de violência conseguem ser ainda mais graves e perversos que os efeitos físicos, pois destroem a alma das mulheres:

A autoestima da mulher, expondo-a um risco mais elevado de sofrer de problemas psicológicos, como: vergonha, agressividade, insegurança, depressão, fobia, isolamento, apatia, insônia, dificuldades de aprendizagem, estresse pós-traumático, perda de libido, dificuldade de participação política e social e consumo abusivo de tabaco, álcool e outras drogas. (ONU, 2011).

Complementa este entendimento Zaidan (2007, p. 169), que traz a seguinte fala,

Atos violentos e abusos no ambiente doméstico se repetem e acabam refletindo na vida pessoal e social da mulher, trazendo como consequência problemas físicos e psicológicos, não só para a vítima da violência como também para os que participam indiretamente deste ambiente.

Passa-se a tratar no presente capítulo, as questões relacionadas a esta violência, com o objetivo de expor e subsidiar a reflexão sobre as diferentes definições de violência, como

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física, sexual, psicológica, financeira, observando como estas se apresentam, especialmente na violência doméstica.

2.1 TIPOS DE VIOLÊNCIA

A violência pode ser definida considerando a qual grupo ou pessoa ela é direcionada, Saffiotti (2004, p. 44) afirma que:

São empregadas algumas expressões para definir a violência contra a mulher. Quando se trata de violência familiar, a violência doméstica aparece como sendo sinônimo desta, o mesmo acontece com a violência de gênero, ou seja, emprega-se violência de gênero como sendo a doméstica, o que é um equívoco segundo a autora, pois a violência de gênero engloba homens e mulheres.

Diante das considerações de Saffiotti (2004) sobre as violências cometidas contra as mulheres faz-se necessário, apresentar alguns conceitos chave para um melhor entendimento desse fenômeno. Assim, traremos uma definição dos conceitos referentes à violência de gênero, violência doméstica e violência conjugal, e violência intrafamiliar, para que possamos ter clareza sobre as suas particularidades, conforme os tipos de violência.

2.1.1 Violência intrafamiliar

A violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora da casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir a função parental, em relação de poder à outra. O conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que se constrói e efetua. Estas agressões podem aparecer na forma de abuso físico, sexual, psicológico, negligência e abandono. Esse tipo de violência é cometido, dentro ou fora de casa, por algum membro da família, inclusive por pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e que apresentam relações de poder sobre a outra pessoa. (BRASIL, 2001).

2.1.2 Violência doméstica

A violência doméstica, durante muitos séculos esteve escondida entre quatro paredes, pois só dizia respeito a quem vivenciava e distingue-se da violência intrafamiliar por incluir

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outros membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico. Incluem-se aí empregados domésticas, pessoas que convivem esporadicamente, agregados. Acontece dentro de casa ou na unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a vítima. Essas agressões podem aparecer na forma de abuso físico, sexual, psicológico, negligência e abandono.

Segundo Saffiotti (2004, p. 74),

A violência doméstica é masculina, sendo exercida pela mulher por delegação do chefe do grupo familiar. Assim, o gênero, a família e o território domiciliar contêm hierarquias, nas quais os homens figuram como dominadores-exploradores, [...] a violência doméstica tem um gênero: o masculino, qualquer que seja o sexo físico dominante.

Teles e Melo (2003, p.19) expressam que a violência doméstica é:

A que ocorre dentro de casa, nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pais/mães e filhos entre jovens, idosos, porém, há os que preferem denominá-la de “violência intrafamiliar e, nesse caso, pode ocorrer fora do espaço doméstico, como resultado de relações violentas entre membros da própria família.

Pode-se entender que a violência doméstica não se restringe ao domicílio, ao lar, ela se amplia para outros espaços, porém existem vínculos afetivos, sendo que na grande maioria dos casos há o envolvimento com as relações familiares e o espaço do domicílio. Por esta razão se caracteriza como uma questão de espaço privado. Neste sentido considera-se violência doméstica:

Qualquer ato, conduta ou omissão que sirva para infligir sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou econômicos, de modo direto ou indireto a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico privado ou que, não habitando no mesmo agregado doméstico privado que o agente da violência seja cônjuge ou companheiro

marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital. (MACHADO; GONÇALVES,

2003, p. 26).

Outra definição sobre a violência contra a mulher, segundo a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, realizada em Belém do Pará e adotada pela OEA em 1994, é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. (OEA, 1994, p. 2).

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