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LILIAN CREPALDI DE OLIVEIRA AYALA

Babel nas terras alagadiças:

revista

Raízes

, migrações e memórias em São Caetano do

Sul

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

(2)

LILIAN CREPALDI DE OLIVEIRA AYALA

Babel nas terras alagadiças:

revista

Raízes

, migrações e memórias em São Caetano do

Sul

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção de Doutor em Comunicação e Semiótica, Área de Concentração “Signo e Significação das Mídias”, Linha de Pesquisa “Cultura e Ambientes Midiáticos”, sob a orientação da Profª. Drª. Jerusa Pires Ferreira.

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

(3)

Banca examinadora

___________________________________

___________________________________ ___________________________________

___________________________________

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À minha mãe, por me mostrar as belezas do mundo e da humanidade. Por fazer sempre o bem.

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À Profª Drª Jerusa Pires Ferreira, por abrir as portas de sua casa e de seu coração. O quarto do Fausto e 60 anos de pesquisa e ensino me marcaram indelevelmente.

A CAPES, pelo apoio financeiro durante o Programa de Doutoramento.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/SP (COS), pelas preciosas lições e referências.

À Cida Bueno, da Secretaria do COS, pelos esclarecimentos e disponibilidade constante.

Aos meus amigos, colegas e ex-colegas da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM) e da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), pelos anos de companheirismo, amizade e compreensão: Leslye Revely, Carla Almeida, Adriano Miranda, Vanderlei Dias, Wagner Belmonte, Fernanda Iarossi, Joana Puntel e Marina Jugue.

Aos professores doutores Herom Vargas e Priscila Perazzo, pelas essenciais contribuições teóricas, práticas e metodológicas na Banca de Qualificação. Procurei, ao máximo, incorporar as sugestões para melhorar a pesquisa e o texto.

Aos entrevistados da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul e às outras fontes de pesquisa essenciais para a produção da cultura e a construção da memória na região do ABC: Prof.Dr. Aleksandar Jovanovic, Prof.Oscar Garbelotto, Sônia Maria Franco Xavier, Paula Fiorotti, Cristina de Toledo Carvalho, Priscila Gorzoni, Domingo Glenir Santarnecchi, Clovis Antônio Esteves, Mário Porfírio Rodrigues, Humberto Domingos Pastore, Reginaldo Canhoni e Jocimara Sperate.

Às equipes do Museu Histórico Municipal de São Caetano do Sul e do Museu da Imigração do Estado de São Paulo.

À amiga Verônica Kollar Marques Bovo, pelos anos de companheirismo, pelo Ricardo e pelo Arthur.

À minha família, em especial a Andrea e Matheus Momesso, que me acompanharam em momentos cruciais da pesquisa. Ao meu avô Luiz Crepaldi, in memoriam, que dedicou sua vida a ajudar o outro.

À minha mãe Lideli Crepaldi, pela devoção incondicional, o colo quente, o doce na hora certa e as palavras sempre exatas. Não há vida suficiente para lhe agradecer.

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Lembranças de coisas do passado não são necessariamente lembranças de como elas eram.

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processos migratórios nas páginas da revista Raízes, produzida pela Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul (SP). O objeto de estudo constitui-se nos diferentes tipos de textos da revista (reportagens, artigos acadêmicos, perfis, narrativas de moradores e trabalhadores, crônicas e poesias). O corpus de análise e interpretação foram as 49 edições da publicação, e o período de análise foi de 1989, data do primeiro exemplar, a julho de 2014. Como objetivos específicos, buscou-se: 1) Descrever como ocorrem as diferentes formas de tradução cultural nas páginas da revista; 2) Apontar em quais contextos institucionais e sociais ocorrem essas traduções; e 3) Mostrar de que forma a revista Raízes apresenta as migrações e os migrantes e seus descendentes. As estratégicas metodológicas foram: quanto aos dados de pesquisa, o estudo foi qualitativo; em relação aos objetivos, exploratório; quanto às fontes para obtenção de dados, o estudo foi bibliográfico e empírico, com a análise crítica da publicação. A parte empírica foi dividida em: fase descritiva do objeto, entrevistas com gestores, editores, jornalistas e colaboradores e análise dos textos a partir dos conceitos dos Estudos Culturais e da Semiótica Russa da cultura. O problema de pesquisa levantado foi: Quais são as possibilidades de tradução cultural dos processos migratórios pela revista Raízes? Partiu-se das seguintes hipóteses: 1- A revista seleciona os papéis desempenhados pelo trabalhador de origem italiana em detrimento de representantes de outros grupos culturais, o que culmina numa construção de uma memória dominante e oficial; 2- O pensamento eurocêntrico prevalece na revista; 3 - A cultura organizacional e as especificidades do sistema público da cidade de São Caetano do Sul interferem, direta ou indiretamente, na definição de pautas, na angulação das reportagens e no processo de edição; 4- Os colaboradores mais assíduos da publicação têm seus textos escolhidos mais pela fama na cidade do que por méritos textuais ou editoriais; 5- A revista não apresenta uma linha editorial bem definida e o direcionamento de textos e pautas muda de acordo com a administração municipal, o que nem sempre segue critérios jornalísticos como valores-notícia. A fundamentação teórica esteve apoiada nos temas: cultura e semiosfera, mestiçagem cultural, interculturalidade, tradução cultural, memória, imaginário e relação entre migração, cidades e desenvolvimento. Concluiu-se que, após um quarto de século, a revista Raízes passou a valorizar mais as lembranças e as tradições de diferentes grupos culturais que construíram a cidade, e não apenas o grupo italiano. Mostrou-se também que a Fundação Pró-Memória, por meio de sua publicação oficial, contribui de forma significativa para a preservação da memória local e, ao mesmo tempo, constrói um mosaico coletivo e mestiço de saberes e histórias.

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processes on the pages of Raízes magazine, produced by Pro-Memory São Caetano do Sul Foundation (SP). The study’s object is the various types of texts in the magazine (reporting, academic papers, profiling, stories of locals and workers, essays and poetry). The corpus of analysis and interpretation were the 49 editions of the publication, and the period of analysis was from 1989, when the first issue was released, to the July 2014. Regarding the specific objectives, we attempted to: 1) To describe how occur the various forms of cultural translation in the pages of the magazine; 2) Pointing in which institutional and social environments take place these translations; and 3) Showing how the Raízes magazine features migration and migrants and their descendants. The methodological strategies were: as the survey data, the study was qualitative; regarding the objectives, was exploratory; the sources for data acquisition, the study was bibliographical and empirical, with the critical analysis of the publication. The empirical part was divided into: descriptive phase of the object, interviews with administrators, publishers, journalists and contributors and texts analysis based on the concepts of Cultural Studies and Semiotics of Russian culture. The the research problem raised was: What are the possibilities of cultural translation of migration processes by Raízes magazine? We started from the following hypotheses: 1 The magazine selects the roles played by the worker of Italian origin rather than the representatives of other cultural groups, which culminates in a the construction of a dominant and official memory; 2 Eurocentric thinking prevails in the magazine; 3 - Organizational culture and the public system characteristics of the city of São Caetano do Sul affect, directly or indirectly, in the definition of guidelines, the angles of the reporting and the editing process; 4 The most frequent collaborators have their texts chosen most by the reputation in the city than by textual or editorial merits; 5- The magazine does not have a clearly defined editorial line and the direction of texts and guidelines change according to the city administration, which does not always follow journalistic criteria as news values. The theoretical basis was supported in these themes: culture and semiosphere, half-breed code, interculturality, cultural translation, memory, imaginary and relationship between migration and development. We conclude that, after a quarter century, the Raízes magazine ended up valorizing more the memories and traditions of various cultural groups who have built the city, not just the Italian group. It was also shown that the Pro-Memory Foundation, through its official publication, contributes significantly to the preservation of local memory and, at the same time, builds a collective and half-breed mosaic of knowledges and stories.

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Imagem 1 - Monumento aos Imigrantes Italianos ...15

Imagem 2 – Sede da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul ...29

Imagem 3 – Placa indicativa da FPM e da Pinacoteca ...30

Imagem 4– Placa indicativa da FPM e da Pinacoteca ...30

Imagem 5 – Livros lançados pela FPM ...31

Imagem 6 – Livros lançados pela FPM ...31

Imagem 7 – Livros lançados pela FPM ...31

Imagem 8– Projeto Rendilhados da Memória ...32

Imagem 9 e 10– Museu Histórico Municipal ...34

Imagens 11 e 12 - Exposição Pharmacia de nossos avós, em 2014 ...35

Imagem 13 – Espaço expositivo no Espaço Verde Chico Mendes ...41

Imagem 14 – Mostra de cordéis e xilogravura Poéticas do Nordeste, 2014 ...41

Imagem 15 - Capa da primeira edição de Raízes, de julho de 1989 ...60

Imagem 16 – Palavra do Prefeito, em Raízes 24, de dezembro 2001 ...64

Imagem 17 – Prefeito José Auricchio Jr. no lançamento da revista Raízes, em julho de 2010 ...66

Imagem 18 – Capa de Raízes 49 ...67

Imagem 19– Sumário de Raízes 49...68

Imagem 20– Sumário de Raízes 49...68

Imagem 21– Capa de Raízes 42...68

Imagem 22 – Sumário de Raízes 42...68

Imagem 23 – Página interna de Raízes 38, inteiramente em preto e branco...69

Imagem 24– Página interna de Raízes 39, com borda e quadro colorido...69

Imagem 25 – Página interna de Raízes 39, com borda e quadro colorido...70

Imagem 26 – Página inicial do texto “O bairro de São Caetano no censo de 1765”, em Raízes 3 ...102

Imagem 27 – Mapa de São Caetano à época da Fazenda Beneditina...105

Imagem 28 – Placa em frente à Igreja Matriz Velha, no bairro Fundação, celebra as 28 famílias do Núcleo...111

(10)

Histórico...118

Imagem 31 – Chaminé da antiga IRFM, no bairro Fundação...123

Imagem 32 – Parte do terreno contaminado onde se localizava a IRFM, no bairro Fundação ...124

Imagem 33 – Capa da fundação do S.Caetano Jornal, 1928...129

Imagens 34 e 35 – “Movimento Autonomista”, em exposição permanente no Museu Histórico ...131

Imagem 36 - Carta de chamada em exposição no Museu da Imigração do Estado de SP...171

Imagem 37 - 22ª Festa Italiana de São Caetano do Sul...178

Imagem 38 – Capa de Raízes 37 ...202

Imagens 39 e 40 – Capa e Contra-capa de Raízes 3, com a Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana ...206

Imagens 41 e 42 – Capa e Contra-capa de Raízes 6, com grupos folclóricos da Sociedade Ucraniana Unificação ...207

Imagem 43 – Sede da Sociedade Ucraniano-Brasileira Unificação, no bairro Fundação...209

Imagem 45 – Fachada da Sinagoga de São Caetano...216

Imagem 46 – 2ª Festa da Cultura Nordestina ... 224

(11)

Quadro 1 – Principais textos sobre migrantes e migrações em Raízes, de 1989 a 2014...138

(12)

Introdução...14

1. A revista Raízes e a construção da memória local...25

1.1 A Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul ...27

1.1.1 Memória ...27

1.1.2 Projetos ...29

1.1.3 O Museu Histórico Municipal ...34

1.1.4 O Centro de Documentação Histórica ...38

1.1.5 A Pinacoteca ...40

1.2 Raízes: ingerências, produção e memória ...47

1.2.1 Ingerências políticas e institucionais ...50

1.2.2 O nome Raízes: identidades e universalidades ...52

1.2.3 Temas, editorias, layouts e editoriais ...58

1.2.4 Cultura, poder e construção da memória oficial ...71

1.2.5 Breve proposta de classificação: Jornalismo Memorialista... 81

2. Raízes de São Caetano, Raízes em São Caetano: a revista e a cidade ...99

2.1 Início da ocupação ...100

2.1.1 As especificidades da Fazenda Beneditina ...104

2.2 O Núcleo Colonial ...109

2.3 As primeiras indústrias ...114

2.3.1 A Cerâmica e o imaginário ...115

2.4 Consolidação da indústria: o trabalho como mediador ...118

2.5 Movimentação política... 128

3 A tradução cultural dos processos migratórios em Raízes ...134

3.1 Seleção do corpus ...134

3.2 Os números, os textos ...137

3.3 Processos migratórios, tradução e mestiçagem cultural ...144

3.4 Migração forçada na Fazenda São Caetano ...157

(13)

3.7 Um novo século para as migrações ...187

3.7.1 Espanhóis... 189

3.7.2 Portugueses ...196

3.7.3 Japoneses ...200

3.7.4 Leste da Europa: guerras e migrações ...203

3.8 Mais fábricas, mais trabalho, mais migrantes: nordestinos e mineiros.219 3.9 Aspectos das migrações na cidade...230

Considerações finais ...236

(14)

A história local não é nem pode ser uma história-reflexo, porque se o fosse negaria a mediação em que se constitui a particularidade dos processos locais e imediatos e que não se repetem, nem podem se repetir, nos processos mais amplos, que com mais facilidade poderíamos definir como propriamente históricos (...) A História do subúrbio é uma história circunstancial.1

Heroísmo. Coragem. Triunfo. A pequena cidade de São Caetano do Sul foi forjada

simbolicamente sobre esses valores. Muitos de seus habitantes, sobretudo os mais

antigos, creem profundamente nas marcas de um passado glorioso. Acreditam no herói

fundador, no imigrante italiano trabalhador que lá chegou, superou a origem simples,

venceu e fez história. Um passado construído, mítico, por certo, mas o mito também

compõe e altera a realidade, sobretudo discursiva.

Cotidianamente, os moradores da cidade revelam - nos gestos, olhares e palavras -

o poder do imaginário e da construção da memória, oficial ou não. Ou este será apenas o

meu olhar que, por vezes, tende a ver o mundo a partir de uma forma meramente binária,

como uma batalha entre certo e errado?

Não é possível saber por completo e, menos ainda, provar, se no imaginário da

população local estão introjetadas ideias como a prevalência do grupo cultural2 italiano no

fazer econômico, político, social e cultural da cidade. Não há respostas definitivas para

questionamentos como, se, em alguns moradores, de forma certamente preocupante,

ainda existe o velho pensamento de superioridade cultural, visão nefasta para as

possibilidades de encontro e mestiçagem. Ou mesmo se impera a opinião de que os

italianos foram os principais responsáveis pela fundação e o desenvolvimento econômico

de São Caetano.

Mas é possível, ao menos, observar que outros grupos culturais foram relegados e,

até mesmo, negados, na memória local. Basta cruzar a avenida Almirante Delamare, em

São Paulo, e adentrar a cidade por sua principal via, a avenida Goiás: é o “Monumento

aos Imigrantes Italianos” (1988), obra do escultor Miguel Locoselli, quem recebe o

visitante ou recepciona de volta os moradores. Com 3,20 m de altura, a escultura foi

esculpida em bronze e mostra um casal de camponeses com uma criança no colo. Na

placa explicativa, lê-se: “Homenagem aos fundadores da cidade de São Caetano do Sul,

aos italianos, que com seu trabalho e dedicação erigiram esta grande e moderna

(15)

Imagem 1 - Monumento aos Imigrantes Italianos

Fonte: Fundação Pró-Memória/Acervo/Projeto São Caetano em Postais, 2011.

Memória é seleção e esquecimento3. Na opinião do sociólogo José de Souza

Martins, nascido e criado na cidade,

(...) ainda hoje, 120 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes vênetos, descendentes daquelas mesmas famílias, brasileiros de quatro ou cinco gerações, ainda falam português com entonações italianas indisfarçáveis. A palavra é portuguesa, mas a música da língua ainda é italiana.4

Numa cidade com apenas 15 km², aproximadamente 157 mil habitantes5, índice de

alfabetização de 99%6 e o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil (IDH de

0,862, considerado muito alto pela ONU)7, sempre inquietou-me, como pesquisadora e

moradora, o fato de as pessoas ainda perguntarem o sobrenome uma das outras ao se

3 Para discussões aprofundadas sobre o papel da memória na construção discursiva, ver: FERREIRA, Jerusa Pires. Armadilhas da Memória. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004; FERREIRA, Jerusa Pires. Cultura é memória. In: Revista USP, 24. São Paulo, dez. 1994/fev. 1995. p.114-120; CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982; LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1990.

4 MARTINS, José de Souza. O imaginário na imigração italiana. São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória, 2003.p.71.

5 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estimativas da população para 2014. Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/2337M Acesso: 09.set.2014.

6 Atlas Brasil 2013 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Educação. http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/sao-caetano-do-sul_sp#educacao Acesso: 09.set.2014.

(16)

sobrenome. Perdoem-me a falta de objetividade, mas é preciso retomar uma memória

individual para justificar parte da pesquisa, sobretudo no que tange à construção da

memória e do imaginário local.

Em meados dos anos 1990, meu avô Luiz Crepaldi foi candidato a vereador na

cidade. Eu convivia diariamente com ele e o admirava infinitamente. A família ajudou na

campanha com a distribuição de “santinhos”. Certo dia, ouço um eleitor, ao receber o

“santinho” de minhas mãos”, dizer: “Esse aí (em referência ao meu avô) vai roubar que

nem o Valter!” Primeiro: meu avô foi chamado de ladrão; eu não precisava ser adulta para

saber que ele não era. Segundo: quem era Valter? Minha mãe explicou: “Era meu primo.

As pessoas investiam dinheiro com ele. Com os tempos do Collor, muita gente não

conseguiu reaver o dinheiro e começaram a ameaçá-lo. Até mataram um touro campeão

que ele tinha. Ele não aguentou. Deu um tiro na cabeça em frente à Igreja.” Retruquei:

“Mas o que nós temos a ver com isso?” E a resposta da minha mãe foi: “O sobrenome,

filha. Um dia você vai entender.”

Na época, aos 10 anos, não sabia direito o que o Collor havia feito, mas sabia o

que era suicídio. Descobri que eu morava numa espécie de vila, onde todo mundo se

conhece. Parecia um lugar onde o tempo passava de forma diferente.

Hoje eu entendo. Meu avô teve 14 irmãos, tenho uma infinidade de primos e, um

dia, um primo “manchou” o sobrenome. Construiu-se, na cidade, uma memória de que os

“Crepaldi” não eram uma boa família. E isso demorou a desaparecer. Será que tudo o que

é vivido fica guardado para sempre na memória coletiva? Não. Memória é reconstrução,

recriação, negação.

Por outro lado, certos sobrenomes têm aura sacralizada, os dos “pais fundadores”.

Estão estampados nos documentos dos descendentes e, muitas vezes, nos cargos

políticos e no empresariado. Braido, Gallo, Garbelotto, Fiorotti, Tomé, Dalcin, De Nardi,

Bortolini, entre outros, são netos, bisnetos e tataranetos das primeiras famílias que se

instalaram no Núcleo Colonial de São Caetano do Sul, em 1877. Conheço muitos, sou

amiga pessoal de outros e o sobrenome, ainda hoje, é representativo de um ideal de

coragem e desbravamento. Da ideia do “vim, vivi e venci”. Pertencer a uma dessas

famílias permanece um símbolo de status. Há, conforme corrobora Martins, um “familismo

de aldeia, de que ainda há fortes traços na localidade.”8 Loduca complementa: “o cidadão

(17)

Será que esse tipo de preocupação com o sobrenome ou a origem do morador

ainda faz sentido na contemporaneidade? Será que esse familismo é, muitas vezes,

excludente do outro, impede o não descendente, o “forasteiro”, de pertencer plenamente

àquela comunidade, inclusive de forma material?

A historiografia mostra que o grupo cultural italiano não foi o primeiro a chegar à

cidade, mas sim o espanhol, ainda no final do século XVI. Mas foi o Brasil Império o

grande momento para a vinda dos imigrantes.

O desenvolvimento econômico e os processos migratórios têm fases bem

delineadas. Com a Fazenda dos Beneditinos nos séculos XVIII e XIX - amparada no

trabalho escravo de indígenas e africanos – e a vinda da primeira leva de imigrantes

italianos, em 1877, para a criação do Núcleo, predominava o trabalho agrícola e as

primeiras olarias, cultura cerâmica que projetou a cidade para além do Estado de São

Paulo. Madeira, água, fogo e vapor das locomotivas abasteciam sonhos e possibilidades

de uma vida melhor.

Já em fins do século XIX e início do século XX, com as primeiras fábricas, ainda

seguindo a vocação cerâmica, o porto de Santos e a Hospedaria dos Imigrantes no Brás

receberam outros grupos culturais que, posteriormente, foram conduzidos ao subúrbio de

São Paulo. Espanhóis, portugueses, alemães, japoneses, libaneses, ucranianos, búlgaros

lituanos, iugoslavos, entre outros, ajudaram na formação social, econômica e cultural de

São Caetano do Sul. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi uma das principais

responsáveis pela expulsão de grandes contingentes populacionais e muitos vieram para

a cidade. A mestiçagem cultural iniciada nos tempos coloniais recebeu novos grupos e se

reconfigurou.

A partir dos anos 1940 e 1950, com o surto desenvolvimentista no Brasil e a vinda

de migrantes, sobretudo do Nordeste e de Minas Gerais, São Caetano consolidou-se

como uma das cidades mais industrializadas do País. De General Motors a Casas Bahia,

a cidade - apesar da grande concentração de indústrias e estabelecimentos comerciais -

hoje se destaca também no setor de serviços. Novamente, com a vinda dos migrantes, a

mestiçagem recebeu nova configuração. Mas essa mestiçagem cultural é notada? Ou

existe ainda uma espécie de “purismo de vilarejo”?

Foi preciso encontrar um objeto que respondesse, ao menos parcialmente, a

9 Apesar da gentílico oficial ser sul-sancaetanense, muitos textos utilizam “sancaetanense” ou “sancaetaneano”. Manteve-se a grafia conforme proposto pelo autor de cada texto.

(18)

Pró-Memória (FPM), instituição subordinada à Secretaria de Cultura da Prefeitura da

cidade.

A FPM tem forte poder político na região e seu presidente se reporta diretamente

ao Prefeito. Seu principal produto de divulgação é a revista Raízes, publicada

semestralmente desde 1989. Mas quais “raízes”, de quais grupos culturais?

A confluência cultural pode ser vista nas festas populares da cidade, como a Festa

das Nações11. Algumas existem até hoje, como a Festa Italiana12, a Folia de Reis13 e a

Festa Nordestina14.

Essa diversidade cultural pode ser vista também na institucionalização da memória

e da arte local, com a criação (1960) e reestabelecimento do Museu Histórico Municipal

(1977), da Fundação Pró-Memória (1991), do Centro de Documentação Histórica (1993) e

da Pinacoteca (1992).

Mas a atribuição de valores a cada grupo cultural, conforme será mostrado ao

longo do trabalho, é muito distinta e, mesmo que os tempos e o contexto histórico sejam

outros, o imaginário15 possui outro andamento, muito mais lento e difícil de ser

compreendido.

Mas se a história, onipresente, põe em jogo o social em sua totalidade, é sempre a partir desse mesmo movimento do tempo que, sem cessar, arrasta a vida, mas subtrai a si mesma, apaga e reacende suas chamas. A história é uma dialética da duração; por ela, graças a ela, é estudo social, de todo o social, e portanto do passado, e portanto também do presente, um e outro inseparáveis.16

O imaginário e a construção da memória das migrações e seus personagens é

recorrente em São Caetano do Sul e nas publicações sobre a cidade17. Contudo, a

11 A Festa das Nações não faz mais parte do calendário oficial, mas é realizada dentro de muitas escolas municipais e particulares.

12 Atualmente, a Festa Italiana ocorre todos os finais de semana no mês de julho. Em 2014, foi realizada a 22ª edição do evento, que celebra a herança cultural das 28 famílias que chegaram ao Núcleo Colonial em 1877. Além de barracas gastronômicas com comidas de várias regiões da Itália, a festa conta com música, grupos folclóricos, exposições itinerantes e, até mesmo, contato para requerimento de dupla cidadania. A festa rememora os encontros festivos que reuniam os italianos do Núcleo no final do século XIX.

13 A jornalista Priscila Gorzoni desenvolveu um estudo sobre o fenômeno da Folia de Reis no século XX em São Caetano do Sul, inclusive relacionando às questões migratórias. Cf: GORZONI, Priscila. Abre as portas para os Santos Reis! A história da folia de reis em São Caetano do Sul. São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória, 2006.

14 Em 2014, no mês de setembro, foi realizada a 2ª Festa da Cultura Nordestina na cidade. Anteriormente, o evento levava o nome de Entoada Nordestina. Cf: 2ª FESTA DA CULTURA Nordestina. Disponível em: www.saocaetanodosul.sp.gov.br/agenda/36-2-festa-da-cultura-nordestina.html Acesso: 03.set.2014. 15 Para definições mais abrangentes sobre o termo, ver CASTORIADIS, Cornelius. A instituição

imaginária da sociedade. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1990.

16 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 2009.p.98.

(19)

25 anos tem grande repercussão na cidade. Fora informes comerciais, é, possivelmente,

a única revista feita inteiramente no município.

Outro motivo que leva à realização do trabalho é a oportunidade de pesquisar uma

publicação com conteúdo essencialmente histórico e memorialista, que contempla

reportagens, artigos acadêmicos, perfis, narrativas dos moradores e trabalhadores,

crônicas e poesias. Raízes tem estreita relação com a cidade, e os moradores podem

retirar gratuitamente a revista na sede da Fundação Pró-Memória ou nas festas de

lançamento.

A maioria dos textos é escrita por memorialistas, jornalistas ou pesquisadores

locais, sejam funcionários públicos concursados, empregados por contrato ou

colaboradores voluntários. Os moradores também atuam no envio de documentos e fotos

e sugestão de pautas, por meio de telefonemas, cartas, e-mails e, sobretudo, indo

pessoalmente à Fundação ou comparecendo aos eventos por ela organizados. O estudo

também se justifica pela importância do ABC paulista no cenário nacional, sobretudo no

que tange a questões como migração, cultura, trabalho, industrialização e cotidiano.

Todos estes temas estão presentes em Raízes.

Para os descendentes da primeira leva de imigrantes, há um problema que dificulta

a legitimação de seu poder simbólico junto à população: o outro, o migrante18, o não

italiano, que pouco aparece nos livros sobre as cidades e nos periódicos. Esse pequeno

espaço dedicado a outras origens intrigou-me por anos. Não há documentos? Não há

interesse político? Não há personagens que se disponham a falar? Essa tese não resolve

a problemática, mas busca explicá-la a partir da análise dos textos da revista Raízes.

Procedimentos metodológicos

José de Souza Martins possui diversos livros publicados sobre a história e o

cotidiano de São Caetano do Sul, e tornou-se a principal referência sobre a formação

histórico-social da cidade. Martins ressalta a importância do capital vivencial nos estudos

no campo das Ciências Sociais como matéria-prima valiosa nas pesquisas19. Ninguém é

São Paulo: São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. 2.ed. São Paulo: Hucitec; Unesp, 2002.

18 Parte-se da definição de migrante contida no Guia das Migrações Transnacionais e Diversidade

(20)

passa incólume à formação e às experiências do pesquisador.

Edgar Morin afirma que “todo conhecimento filosófico, científico ou poético emerge

da vida cultural comum.”20 É impossível desvincular qualquer pesquisa científica das

especificidades culturais, sociais, históricas e econômicas do mundo no qual a produção

do conhecimento está inserida. Assim, o pesquisador sempre traz seu próprio mundo no

ato de pesquisar, carregando consigo formações, conceitos e preconceitos. Carrega

também seu local de origem, vínculos, crenças, imaginários e memórias. Mesmo tentando

minimizar – ou, até mesmo, suprimir–, essas influências emergem, ao menos, na escolha

do objeto e das referências teóricas. “O trabalhador intelectual forma-se a si próprio, na

medida em que trabalha para o aperfeiçoamento de seu oficio, para realizar suas próprias

potencialidades.”21

Essa pesquisa, como não poderia deixar de ser, revela facetas da pesquisadora,

sobretudo as preocupações em relação às especificidades culturais de seu local de

origem. Nasci, cresci, estudei, trabalho e vivo em São Caetano do Sul. Assim, este capital

vivencial pode ser de grande valia para o estudo de uma publicação que lida diretamente

com história e memória da cidade. Buscou-se “reunir o que se está fazendo

intelectualmente e o que está experimentando como pessoa.”22

Contudo, é preciso estar vigilante para que este capital não interfira

demasiadamente na pesquisa, nem prejudique a interpretação dos resultados. Essa

tentativa está visível na linguagem. O Jornalismo e a História, minhas primeiras

graduações, ensinaram-me, de forma verticalizada, que o “eu” deve ficar oculto na maior

parte das vezes. Assim, por timidez, medo e ranço da formação acadêmica, o “eu”

torna-se terceira pessoa na maior parte do trabalho. Pura convenção, para que o estudo não torna-se

torne ensaístico demais, gênero textual que, infelizmente, não domino.

A partir das inquietações anteriormente levantadas, buscou-se uma pesquisa que

contribua de fato para a história da cidade, ou melhor, para a vigilância da história e da

memória que é construída sobre a cidade. É preciso mudar o olhar sobre São Caetano do

Sul. A pesquisa busca novas angulações para entender como a revista Raízes retrata a

cidade. Esse retrato, é necessário ressaltar, é fragmentário, como toda História o é.

Novamente Martins23 complementa que a “História é fragmentária, incompleta e se

autobiografia de um moleque de fábrica. São Paulo: Ateliê, 2011.

20 MORIN, Edgar. O método 4: as ideias: habitat, vida, costumes, organização. 5.ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.p.12.

21 MILLS, C. W. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p.22. 22 Idem.p.22.

(21)

representações dos migrantes numa publicação da cidade.

(...) os dois grupos – de um lado os antigos moradores caipiras e ex-escravos e, de outro, os novos colonos italianos – não se reconheceram como protagonistas dessa única e mesma história. No plano imediato, cada grupo imaginou a sua própria história. A memória, aí, nega e contradiz a História. A memória é um documento às avessas.24

O mesmo ocorreu com os outros grupos culturais que formaram o local. Sempre

houve certa inadequação na vida no subúrbio, longe dos principais acontecimentos

políticos, mas tão perto fisicamente da “capital”. Muitos se sentiam, ao longo da história

de São Caetano do Sul, “um cidadão menor porque para ele a cidade foi menos real como

cidade.”25

Lopes26 reitera que os resultados de uma pesquisa dependem das diferentes

opções feitas ao longo da investigação. Ou seja: não há um procedimento metodológico

certo, mas sim o que melhor atende aos objetivos. Desta forma, a partir das referências

teóricas das disciplinas cursadas no Programa de Doutoramento, da leitura do objeto, das

considerações da banca de qualificação e da inserção contínua de novos autores e

conceitos, o projeto de pesquisa inicial foi reformulado, assim como o problema, as

hipóteses e os objetivos.

Conforme Gil, a pesquisa bibliográfica tem importância fundamental para a

formulação do problema e das hipóteses, pois permite “ao investigador a cobertura de

uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar

diretamente.”27 Também recorreu-se a fontes primárias, como documentos da própria

Fundação Pró-Memória, relatórios de acervos, fotografias e jornais.

Na pesquisa, buscou-se responder ao seguinte problema: Quais são as

possibilidades de tradução cultural dos processos migratórios pela revista Raízes?

As hipóteses foram motivadas pela pesquisa bibliográfica sobre tópicos como

tradução cultural, memória, imaginário, cidade e migrações, e também por minhas

percepções sobre a formação histórica de São Caetano do Sul. A primeira hipótese é a de

que a revista seleciona os papéis desempenhados pelo trabalhador de origem italiana em

detrimento de representantes de outros grupos culturais, o que culmina numa construção

de uma memória dominante e oficial.

Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. 2.ed. São Paulo: Hucitec; Unesp, 2002.p.22.

24 MARTINS, José de Souza. O imaginário na imigração italiana. São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória, 2003.p.70.

25 Subúrbio: vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Paulo: São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. 2.ed. São Paulo: Hucitec; Unesp, 2002.p.11.

26 LOPES, Maria I.V de. Pesquisa em Comunicação: formulação de um modelo metodológico. 6.ed São Paulo: Loyola, 2001.

(22)

a terceira diz que a cultura organizacional e as especificidades do sistema público da

cidade de São Caetano do Sul interferem, direta ou indiretamente, na definição de pautas,

na angulação das reportagens e no processo de edição. A quarta hipótese entende que os

colaboradores mais assíduos da publicação têm seus textos escolhidos mais pela fama

na cidade do que por méritos textuais ou editoriais.

A última hipótese parte do princípio de que a revista não apresenta uma linha

editorial bem definida e que o direcionamento de textos e pautas muda de acordo com a

administração municipal, o que nem sempre segue critérios jornalísticos como

valores-notícia.

A leitura de todas as edições da revista e a conseguinte relação com o referencial

teórico levou ao objetivo geral de explicar como ocorre a tradução cultural dos processos

migratórios nas páginas da revista Raízes. Como objetivos específicos: 1) Descrever

como ocorrem as diferentes formas de tradução cultural nas páginas da revista; 2)

Apontar em quais contextos institucionais e sociais ocorrem essas traduções; 3) Mostrar

de que forma a revista Raízes apresenta as migrações e os migrantes e seus

descendentes.

Para atender aos objetivos, a tese teve como principais paradigmas teóricos os

Estudos Culturais e a Semiótica Russa da Cultura, que serão relacionados ao objeto de

pesquisa ao longo dos capítulos. De caráter multidisciplinar, pertinente às pesquisas em

Comunicação Social, “o objetivo dos cultural studies é definir o estudo da cultura própria

da sociedade contemporânea como um campo de análise conceitualmente relevante,

pertinente e teoricamente fundamentado.”28

Já a Semiótica da Cultura, principalmente os conceitos de semiosfera e tradução

cultural de Lotman29, contribuiu no sentido de entender a cultura como um grande texto.

De acordo com Bakhtin, “as ciências humanas são ciências do homem em sua

especificidade, e não sobre uma coisa muda ou um fenômeno natural. O homem em sua

especificidade humana sempre exprime a si mesmo (fala), isto é, cria texto (ainda que

potencial).”30

Quanto aos dados, a pesquisa foi essencialmente qualitativa, tendo em vista que

buscamos “identificar relações, causas, efeitos, consequências, opiniões, significados,

categorias e outros aspectos considerados necessários à compreensão da realidade

28 WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 2.ed.Lisboa: Presença, 1992.p.94.

29 LOTMAN, Iuri. La semiosfera II: semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Trad. Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998.

(23)

“desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, com vistas à formulação de

problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”32. Desta

forma, o estudo foi desenvolvido a partir de ampla bibliografia, entrevistas e análises do

objeto.

Os temas da cultura, tradução cultural, memória e imaginário não são inéditos, mas

o objeto, sim. Por conseguinte, foi preciso realizar também uma pesquisa descritiva para

compreender as particularidades da revista e, em seguida, partir para uma análise mais

apurada.

As entrevistas abertas com gestores, editores, jornalistas, historiadores e

colaboradores da revista Raízes, de diversas instâncias hierárquicas, foram essenciais

para compreender o processo produtivo e, sobretudo, a escolha dos assuntos e textos.

Os entrevistados também abordaram os processos migratórios e a construção da

memória pela revista. Apesar da existência de um roteiro pré-definido, optou-se pela

entrevista dialogada.

A princípio, fez-se uma leitura de todas as edições da revista (49 publicações até

julho de 2014) para, em seguida, delimitar a amostra.33

O primeiro capítulo é dedicado à descrição da revista, dos processos produtivos –

da escolha das pautas às festas de lançamento e repercussão junto aos moradores – e à

Fundação Pró-Memória e demais instituições culturais da cidade que dialogam com a

revista. Neste momento, os referenciais sobre memória, imaginário e instituições culturais,

assim como as entrevistas, foram fundamentais para a compreensão do objeto. O capítulo

também discute o gênero e os formatos de texto da revista. A partir das características do

Jornalismo, propusemos um novo termo para publicações ao estilo de Raízes: Jornalismo

Memorialista.

O segundo capítulo aborda os principais temas históricos discutidos nas 49 edições

da revista. O objetivo foi verificar de que maneira Raízes representa os acontecimentos

históricos de São Caetano do Sul e, concomitantemente, colabora para a construção da

história do município e da região. Para facilitar a compreensão, dados históricos, sociais e

culturais da cidade foram intercalados com os textos da própria publicação.

31 VIANNA, Ilca Oliveira de Almeida. Metodologia do trabalho científico: um enfoque didático na produção científica. São Paulo: E.P.U., 2001.p.122.

(24)

migratórios a partir da seleção de alguns textos. Como é o tema mais recorrente da

publicação, fez-se um histórico da presença de diferentes grupos culturais e de que

maneira eles aparecem em 25 de publicação. Nas considerações finais, os principais

(25)

CAPÍTULO I

O agente cultural, o ser cultural opera símbolos e valores na história possível e aberta, com o coração aberto e a razão crítica, trabalhando o novo com respeito, carinho e certa ousadia, a favor das pessoas e grupos da terra em que nos cabe viver, pensar, amar e mudar.34

A REVISTA

RAÍZES

E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA LOCAL

Não há Raízes sem Fundação Pró-Memória (FPM), instituição direcionadora

das rotinas produtivas, da linguagem, dos principais temas, das discussões sobre

memória e da relação com o público. Mais do que isto: a FPM é responsável pela

divulgação e formação dos imaginários e pela construção da memória local,

sobretudo por sua principal forma de comunicação, a revista. De acordo com Jesús

Martín-Barbero, a comunicação deve ser entendida

como espaço estratégico de criação e apropriação cultural, de ativação da competência e da experiência criativa das pessoas, e de reconhecimento das diferenças, ou seja, do que culturalmente são e fazem os outros, as outras classes, as outras etnias, os outros povos, as outras gerações. 35

Como principal agregadora da movimentação cultural do município, a FPM é

também um repositório de conhecimentos, não somente pela publicação da revista

Raízes, livros e outros documentos culturais, mas também por congregar o Centro de Documentação Histórica, o Museu Municipal e a Pinacoteca. Somando-se a isso,

reúne o capital intelectual da equipe de pesquisadores que a compõe e dos

colaboradores. Neste contexto, é preciso compreender, ao menos parcialmente, as

mediações que envolvem esse mosaico institucional de produtores da memória, uma

compreensão como uma espécie de

“mapa noturno”, que nos permita, ao mesmo tempo, assumir a pluralidade de que estão feitos esse usos e estabelecer articulações entre as operações – de retorno, de rejeição, de assimilação, de refuncionalização, de novo projeto – , as matrizes – de classe, de território, de etnia, de religião, de sexo, de idade – , os espaços – o habitat, a fábrica, o bairro, a prisão – e as mídias.36

A FPM tem participação política assídua na cidade e o presidente se reporta

diretamente ao prefeito, mesmo que a FPM esteja oficialmente subordinada à

34 ALVES, Luiz Roberto. Grande ABC: culturas que excedem o lugar culturalizado. Santo André:

Alpharrabio, 2009.p.20

35 MARTÍN-BARBERO, Jesus. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação

na cultura. São Paulo: Loyola, 2004. p.227.

(26)

Secretaria de Cultura. “Tanto em si mesmas, como por seu freqüente

entrelaçamento e integração com outras instituições produtivas, (as instituições culturais) são partes da organização social e econômica global de maneira bastante generalizada e difundida.” 37

Assim, mesmo que de forma mínima e, às vezes, até imperceptível, outras

instituições do aparelho público se fazem presentes no campo da cultura, positiva e

negativamente. Positiva, no sentido de que foi a Prefeitura que criou e fomenta a

estrutura da FPM e, por conseguinte, suas publicações; negativa, pois tem poder de

interferência em questões editoriais.

Antes de explicar a estrutura da revista, é preciso entender as principais

instituições de cultura de São Caetano do Sul, no intuito de compreender em que

medida o poder público tem ou não ingerência no direcionamento das produções.

Em seguida, são apresentados os processos produtivos de Raízes, passando por uma discussão do nome até uma análise mais factual das mudanças ao longo dos

25 anos de publicação.

Para tanto, realizou-se entrevistas com gestores, jornalistas, historiadores,

editores, colaboradores, gestores da publicação e presidentes da FPM, atual e

anteriores. Os próprios textos de Raízes, sobretudo editoriais e palavra do prefeito, servem como ponto de apoio para verificar as mudanças institucionais e da própria

revista. Como aporte teórico, conceitos como memória e imaginário foram

fundamentais para o entendimento das complexidades que envolvem a FPM e

Raízes.

O último percurso do capítulo tem o intuito de buscar uma categoria para a

revista dentro dos principais gêneros brasileiros de Comunicação Social. Como toda

classificação é, por natureza, limitadora e redutora, apresentamos algumas

características dos processos jornalísticos, sobretudo os do Jornalismo Cultural,

para propormos um gênero: o Jornalismo Memorialista.

(27)

1.1 A Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

1.1.1 Memória

A Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul (FPM) é uma autarquia

municipal criada em 12 de junho de 1991, cujos objetivos são o resgate, a

divulgação e a preservação do patrimônio cultural da cidade de São Caetano do Sul.

No primeiro documento que apresentava a criação de uma Fundação cultural na

cidade, publicado em 18 de abril de 1989, dizia-se:

As justificativas mais evidentes para a criação de uma Fundação Pró-Memória residem no fato de que uma entidade dessa natureza, sendo de Direito Público pode e deve ter recursos próprios, isto é, uma dotação orçamentária anual e, ao mesmo tempo, tem possibilidade de buscar recursos junto aos governos do Estado e da União. A Fundação tem condições objetivas de instrumentar-se para exercer um papel de relevo na pesquisa de cunho histórico, abrangendo diversas áreas multi e interdisciplinares de estudos (arquitetura, colonização, história social, história sindical, etc).38

A criação de um instrumento público de cultura remete-nos à necessidade

não somente de preservação, mas também de oficialização da memória, tendo em

conta que “a cultura em essência se dirige contra o esquecimento, é o oposto da

não-cultura, do estilhaçamento, quando o indivíduo perde os vínculos, e por esse ou

aquele motivo, esquece.” 39 A cultura envolve, simultaneamente, a memória e a

imaginação, a reprodução e a recriação. E quais são as especificidades da produção

da cultura, neste caso específico, da revista Raízes, quando esta é vinculada diretamente ao poder público?

O professor e advogado Oscar Garbelotto40 foi o primeiro presidente da

Fundação Pró-Memória, em 1991, e um dos principais idealizadores da instituição. É

bisneto de Antônio Garbelotto, um dos primeiros imigrantes da cidade, do Núcleo

Colonial de 1877. Além do escritório de advocacia, atuou na Prefeitura de São

Caetano do Sul como chefe de Seção de Educação e Cultura, chefe do Gabinete do

Prefeito, primeiro diretor do Departamento de Educação e Cultura, Procuradoria

Jurídica e assessor especial de Cultura no Gabinete do Prefeito. Em 1968, foi

38 Trecho do documento de criação disponível na crônica sobre a FPM em: MARIANI, João Tarcísio. Raízes da Pró-Memória. Revista Raízes, 44. São Caetano do Sul, dez.2011. p.103 e 104.

39 FERREIRA, Jerusa Pires. Da tradição oral à tecnologia da informática. IN: MIRANDA, Danilo

Santos de. Memória e Cultura: a importância da memória na formação cultural. São Paulo: Edições SESC SP, 2007.p.113.

(28)

professor fundador e diretor geral do IMES (Instituto Municipal de Ensino Superior),

atualmente Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), também uma

autarquia municipal.

Na USCS, hoje atua como coordenador do Centro de Documentação e

Memória da universidade. Em entrevista, Garbelotto abordou temas como a criação

da instituição, da revista, as interferências do poder público e a importância de uma

organização da memória da cidade.

Ele explica que, no município, já havia uma movimentação entre gestores de

cultura desde 1958, quando o sociólogo José de Souza Martins discutiu a criação de

um museu, não somente para coleta e exposição de objetos históricos, mas também

para recolhimento de depoimentos de moradores da cidade, utilizando a História

Oral como principal metodologia de trabalho. De acordo com Garbelotto, o local

disponível para a criação era inadequado. O museu foi inaugurado em 1960 e

desativado dois anos depois.41

Somente no final dos 1980, a ideia de uma instituição de memória foi

retomada. “O prefeito (Luiz Olinto Tortorello) me chamou ao local onde hoje é o Paço Municipal e disse que queria fazer um museu lá em cima”. O arquiteto Júlio

Abe Wakahara42 fez um projeto de museu circular que explicasse e reproduzisse

cronologicamente a história do município. Mais uma vez, o projeto foi abandonado.

Já nesta época, havia um projeto editorial para a criação de uma revista que

ajudasse no resguardo e na recuperação da memória do município. Em 1989,

Garbelotto, Aleksandar Jovanovic e Sônia Maria Franco Xavier43 realizaram um

projeto editorial, que foi aprovado pelo prefeito. Surgia Raízes, antes mesmo de um local para abrigar uma produção cultural. Dois anos depois, em 1991, veio a

Fundação Pró-Memória.

Em crônica publicada em Raízes, o colaborador João Tarcísio Mariani destaca o papel institucional da FPM para a criação de uma política cultural efetiva

na cidade.

A criação da Fundação deu a São Caetano do Sul, finalmente, as bases institucionais de uma política cultural, assegurou espaço aos agentes de cultura, como assegurou continuidade aos programas culturais, permitiu a

41 Ainda neste capítulo, retoma-se a discussão sobre o Museu Histórico.

42 Júlio Abe Wakahara é arquiteto, urbanista, museólogo, artista, fotógrafo e preservacionista. Foi

professor na Faculdade de Arquitetura da USP. Também é especialista em Conservação e Restauro de Monumentos. Criou o conceito de "Museu de Rua".

43 As três fontes foram entrevistadas para a tese, com o intuito de compreender as origens da

(29)

existência de projetos de longo prazo e protegeu o que tinha que ser protegido. Abriu um espaço de criatividade e de oportunidade às novas gerações. Criou canis de difusão do conhecimento relativo ao município, tanto através da revista Raízes quanto através da publicação de livros. Hoje, pode-se dizer que, graças à Fundação já existe uma sãocaetaneana (sic), uma coleção de livros dedicados à história de São Caetano do Sul.44

Imagem 2 – Sede da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

Fonte: A autora, 2013.

1.1.2 Projetos

Sem fins lucrativos, a FPM é formada pelo Centro de Documentação Histórica,

pelo Museu Histórico Municipal e pela Pinacoteca Municipal, além de contar com

mostras itinerantes, mostras virtuais no site e dois espaços expositivos na cidade,

um Espaço Verde Chico Mendes, o maior parque do município, e outro na Casa de

Vidro, na Praça do Professor, localizada num Centro de Ensino.

A FPM também realiza projetos com outras instituições da cidade, da região

do ABC e do Estado, promoção de eventos culturais, seminários, congressos e

palestras. Um exemplo significativo recente é a parceria com a Organização Brahma

Kumaris para a realização da exposição “Da Índia para o Brasil: os 35 anos da

Brahma Kumaris”, realizada a partir de setembro de 2014, no Centro Cultural da

44 A crônica sobre a criação da Fundação Pró-Memória pode ser lida na íntegra em: MARIANI, João

(30)

Índia45.

Por estar localizada no mesmo complexo que a Biblioteca Paul Harris e a

Academia de Letras da Grande São Paulo, a FPM também promove eventos com

estas instituições.

Imagens 3 e 4– Placa indicativa da FPM e da Pinacoteca

Fonte: A autora, 2013.

Durante datas comemorativas de instituições públicas ou privadas do

município, a FPM também produz material e exposições especiais, como a

exposição itinerante “Rotary Club: 60 anos de história”, realizada em 201146.

Tendo início com a revista Raízes, o projeto editorial47 da Fundação também contempla a publicação de livros. O primeiro, “Diário de Fim de Século: Notas sobre

o Núcleo Colonial de São Caetano”, escrito por José de Souza Martins, foi lançado

em 1998. 48 O último, “Memórias de um Engenheiro da Cerâmica São Caetano”, de

45 TIVERON, Marília. Trajetória da Brahma Kumaris é tema de exposição da Fundação Pró-Memória.

Disponível em: http://www.fpm.org.br Acesso: 06.set.2014.

46 FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA homenageia os 60 anos do Rotary Club São Caetano do Sul.

Disponível em: http://www.fpm.org.br Acesso: 02. jun. 2014.

47PROJETO EDITORIAL. Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul. Disponível em:

http://www.fpm.org.br Acesso: 02. jun. 2014.

48 MARTINS, José de Souza. Diário de fim de século: notas sobre o núcleo colonial de São Caetano

(31)

Urames Pires dos Santos, foi lançado em 201349.

Ao todo, mais de 20 livros foram publicados pelo projeto. Todos são gratuitos,

foram escritos por moradores ou pesquisadores da cidade e englobam temas como

história da cidade e da região, patrimônio cultural, perfis de instituições, indústrias e

personagens e produção ficcional, incluindo poesias e contos. Além de folhetos e

guias culturais, todo ano a Fundação lança uma agenda histórica com imagens e

datas importantes para o município.

Imagens 5,6 e 7 – Livros lançados pela FPM

Fonte: Acervo/Fundação Pró-Memória

Dentre os principais projetos atualmente desenvolvidos pela FPM em parceria

com os moradores da cidade, está o Baú de Memórias: Guarde aqui suas lembranças50, em que as pessoas doam imagens, documentos, jornais, mapas,

livros e outras peças para o acervo do Centro de Documentação e do Museu.

Também em vigor pela FPM, o projeto Rendilhados da Memória promove encontro com mulheres da cidade com o objetivo de compartilhar histórias e

memórias, além de promover ofícios que estão desaparecendo, como crochê e tricô.

As peças produzidas são colocadas em uma árvore da praça onde se localiza o

prédio da FPM.

49 SANTOS, Urames Pires dos. Memórias de um Engenheiro da Cerâmica. São Caetano. São

Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, 2013.

(32)

Imagem 8– Projeto Rendilhados da Memória

Fonte: Acervo/Fundação Pró-Memória

Já o programa Lembranças da cidade: memórias e histórias da gente de São

Caetano do Sul51 é uma parceria com o Laboratório de Hipermídias/Memórias do ABC da Universidade Municipal de São Caetano (USCS). As histórias de vida de

moradores da cidade são registradas em vídeo para compor o acervo da instituição.

Os primeiros vídeos, de 2013, foram dedicados aos autonomistas da cidade, tema

que será discutido no capítulo 2.

No Revelando o Passado52, que ocorreu entre 2011 e 2012, a equipe da Fundação convidava os moradores que viviam há mais de 50 anos na cidade a irem

ao Centro de Documentação Histórica da instituição para auxiliar na identificação de

imagens históricas sem datação, identificação ou com informações incompletas.

Normalmente, eram retratos e cenas do cotidiano da cidade.

Na reunião mensal com os moradores, cerca de 50 imagens eram mostradas

a cada integrante e a troca de informações entre eles poderia gerar identificação

parcial ou completa da imagem. Conforme a identificação, as fotos entravam na

seção Memória Fotográfica, de Raízes. Os nomes responsáveis pela identificação eram creditados.

Outro projeto que contava com o auxílio da comunidade local era o Álbum de

51 LEMBRANÇAS DA CIDADE. Disponível em: http://www.fpm.org.br/pro_lembf.asp Acesso: 02. jun.

2014.

52 REVELANDO O PASSADO E ÁLBUM DE FAMÍLIA. Revista Raízes, 46. São Caetano do Sul,

(33)

Família53, em que os fotógrafos da FPM registram famílias moradoras da cidade. As imagens entram para o acerco do Centro de Documentação.

Esse projeto fez parte do programa o Bairro a Bairro, da Prefeitura Municipal, que prestava serviços gratuitos na área de saúde, lazer e reparos em infraestrutura.

Na ocasião, moradores, comerciantes, indústrias e profissionais mais antigos dos

bairros eram agraciados com o título de Cidadão da História e fotografados com

suas famílias. É essa imagem que integrava o projeto Álbum de Família.

Um exemplo interessante foi o projeto de educação patrimonial Vamos contar Nossa História, realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Educação em

2011. Seis escolas da cidade trabalharam durante três meses ações utilizando o

patrimônio material e imaterial como instrumento pedagógico. Num primeiro

momento, crianças e jovens do Ensino Fundamental I visitaram exposições de

objetos históricos e fotografias no Museu Histórico Municipal e reconheciam, com o

acompanhamento de especialistas e professores, os significados de cada objeto. Em

seguida, os alunos buscaram fotos e objetos de família e produziram entrevistas,

exposições e material audiovisual para apresentarem em suas escolas. Os melhores

trabalhos integraram uma exposição no Museu Histórico Municipal.

Outra parceria com o sistema educacional da cidade foi o projeto Era uma vez...54, realizado entre 2006 e 2008, que resgatava a história das escolas infantis da

cidade. Já o programa Traços e trilhas: vestígios dos antigos Caminhos do Mar em São Caetano do Sul, entre 2003 e 2004, sinalizou as ruas da cidade com placas de azulejo, oferecendo informações sobre o local.

O projeto Caminhos da Memória55 também trabalhou com sinalização de

marcos históricos com placas de cerâmica que definem o local como “Bem Cultural

de Interesse Histórico”. Além disso, promovia caminhadas históricas para que a

população conhecesse os locais históricos da cidade.

53 REVELANDO O PASSADO E ÁLBUM DE FAMÍLIA. Revista Raízes, 46. São Caetano do Sul,

dez.2012. p.123.

54 FIOROTTI, Paula. Registro: Projetos: Era uma vez... Revista Raízes, 37. São Caetano do Sul, jul.

2008. p. 118.

55 FIOROTTI, Paula. Registro: Projetos: Caminhos da Memória, Revista Raízes, 32. São Caetano do

(34)

1.1.3 O Museu Histórico Municipal

O Museu Histórico Municipal é responsável pelo acervo de objetos históricos,

como móveis, ferramentas e maquinário, e atualmente possui 5 mil peças, incluindo

objetos pessoais de antigos moradores, fotos dos pioneiros da colonização, peças

sacras e objetos das olarias e cerâmicas da cidade.

Também realiza exposições bimestrais, além de exibição contínua do acervo.

Junto às escolas da cidade, há atividades direcionadas a jovens e crianças. Todo

mês, o museu destaca uma peça do acervo, que também pode ser vista no site da

FPM.

Imagens 9 e 10– Museu Histórico Municipal

Fonte: A autora, 2014.

Entre as exposições mais recentes do Museu, destaque para a mostra

Pharmacia de nossos avós, em exibição no segundo semestre de 2014, com itens de farmácias de São Caetano do Sul desativadas ou modernizadas. As peças foram

doadas ao museu e pertencem a meados do século XX56.

56 EXPOSIÇÕES - setembro de 2014. Disponível em:

(35)

Imagens 11 e 12 - Exposição Pharmacia de nossos avós, em 2014

Fonte: A autora, 2014.

Como um dos idealizados do Museu, Garbelotto acredita que ele precisa ser

dinamizado para atrair mais público. “O museu precisa se adequar aos novos

tempos, senão apenas as escolas continuarão frequentando”, acredita.

A instituição foi inaugurada em 1960, mas foi fechada no ano seguinte. Em

1977, foi reinaugurada durante o centenário da cidade, que relembrava a instalação

do Núcleo Colonial.

O Museu se instalou na atual sede, o Palácio De Nardi57, somente em 1988,

por meio de uma solicitação de desapropriação do local que Oscar Garbelotto fez ao

então prefeito Luiz Olinto Tortorello. O Palácio foi erigido em 1896 pela família De

Nardi e foi sede da primeira escola oficial da cidade – as Escolas Reunidas -, de

uma padaria nos anos 1930 e do América Futebol Clube58 na década de 1950.

O prédio passou a ser Patrimônio Municipal em 1985, após uma disputa

judicial com a Família Perrella, proprietária da casa desde a década de 1940, mas

que havia abandonado o local.

A edição 1 de Raízes, de 1989, apresentava em reportagem os planos do museu para o futuro. 59 Ainda com o nome de Museu Histórico da Imigração Italiana

Osvaldo Samuel Massei, o local era dirigido por Sonia Maria Franco Xavier, atual

57 Desde 2013, o Palacete de Nardi é tombado como patrimônio pelo Conprescs (Conselho Municipal

de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do Município de São Caetano). O primeiro patrimônio a ser tombado pela cidade foi o Hospital São Caetano. GALVEZ, Camila. Palacete De Nardi é patrimônio de São Caetano. Diário do Grande ABC. 3. ago. 2013. Disponível

em:

www.dgabc.com.br/Noticia/472988/palacete-de-nardi-e-patrimonio-de-s-caetano?referencia=buscas-lista Acesso: 14.set.2014

58 Idem.Ibidem.

59 MUSEU HISTÓRICO elabora amplo programa para 89. Revista Raízes, 1. São Caetano do Sul,

(36)

presidente da FPM.

À época, o texto informava a função do museu para a cidade: “registrar e

preservar documentos e objetos relacionados com o desenvolvimento da cidade

desde o tempo dos primeiros gentios, das olarias, dos imigrantes italianos e da

autonomia até os dias atuais.” 60 Como ainda não existia o Centro de

Documentação, era o museu que abrigava toda a reserva técnica, incluindo jornais,

fotografias e as atas da Câmara Municipal desde a autonomia da cidade.

Já em 1989, a população era convidada a contribuir para a memória da

cidade, conforme palavras da diretora: “Estamos solicitando à comunidade que

contribua com o museu com empréstimos de (sic) doações de objetos, fotografias,

jornais, roupas, filmes, vídeos etc. Todas as doações são registradas em livros

próprios com o nome de seus doadores.61

Na edição 25 de Raízes, de julho de 2002, o museu foi homenageado ao completar 43 anos62. De 2000 a 2005, o autor do artigo, Humberto Pastore, foi

diretor do Museu. No artigo, ele registra que “o então prefeito Raimundo da Cunha

Leite, atendendo ao clamor dos pesquisadores, abria novamente as portas do

museu da cidade, depois de quase duas décadas de completo esquecimento.” 63

O texto do então gestor da instituição mostra a preocupação em dar os

devidos créditos não somente aos responsáveis pela pesquisa histórica na cidade,

como também ao prefeito à época.

Ao longo do artigo, ele retoma notícias de diferentes épocas para mostrar as

origens do museu: fevereiro de 1958, quando o vereador Urames Pires dos Santos –

que teve um livro publicado em 2013 pela FPM – apresentou na Câmara a sugestão

de criar um museu municipal. A inauguração oficial ocorreu dois anos depois.

Pastore retoma notícia do jornal O Estado de S.Paulo de 1960: “Serão apresentadas cerca de 30 quadros dos mais destacados artistas nacionais, de todas as escolas e

tendências, incluindo-se Almeida Júnior, Portinari, etc.” 64

Outras notas da época enalteciam o fato, como a de 13 de novembro de 1960

do jornal News Seller, futuro Diário do Grande ABC. “Cresceu, no decorrer desta

60 MUSEU HISTÓRICO elabora amplo programa para 89. Revista Raízes, 1. São Caetano do Sul,

jul.1989. p.39

61 Idem. Ibidem.p.41.

62 PASTORE, Humberto. Museu Municipal, 43 anos de História. Revista Raízes, 25. São Caetano do

Sul, jul.2002.p.88-90.

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