CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS DECORRENTES DA BUBALINOCULTURA EM TERRITÓRIOS PESQUEIROS ARTESANAIS:
O CASO OLINDA NOVA DO MARANHÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental.
Orientadora: Profª Dra. Sueli Corrêa de Faria
Dissertação defendida e aprovada como requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental, em 12 de dezembro de 2005, pela banca examinadora constituída por:
_______________________________________________ Profª Dra. Sueli Corrêa de Faria - UCB
Orientadora
_______________________________________________ Profª Dra. Eliane Dayse Furtado - UFC
Examinadora Externa
_______________________________________________ Prof. Dr. Laércio Leonel Leite - UCB
Examinador Interno
São muitos os agradecimentos que ofereço àqueles(as) que contribuíram para o desenvolvimento deste estudo e para o meu crescimento, tanto na dimensão intelectual quanto pessoal. Inicialmente, agradeço ao Governo do Estado do Maranhão, na pessoa da Dra. Conceição Andrade, Secretária de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAGRO) que, ao acreditar que é possível, por meio do desenvolvimento sustentável, promover um processo de mudança e construção social com elevação das oportunidades da sociedade, principalmente de comunidades menos favorecidas do Estado, indicou-me um direcionamento teórico para esta pesquisa.
No Maranhão, agradeço ainda ao amigo do IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura), Josemar Souza Lima, importante articulador institucional e de iniciativas de promoção do desenvolvimento do Estado, que acreditou na importância do tema, oferecendo esta oportunidade de aprendizagem única e prestando apoio, determinante e imprescindível, para a elaboração e conclusão do trabalho.
Durante a prática de campo, na coleta de informações e análise da realidade local para compreensão dos conflitos sócio-ambientais da Baixada Maranhense, mais especificamente de Olinda Nova do Maranhão, a Profª Dra. Eliane Dayse Furtado, consultora do IICA e docente da Universidade Federal do Ceará, contribuiu sobremaneira com aporte intelectual, discussões técnicas, sensibilidade ao tema e sua experiência prática com metodologias participativas em comunidades rurais, sendo de grande valia no aprofundamento teórico e abordagem sociológica adotados na dissertação.
Ainda na experiência de campo vivenciada, agradeço a presteza e disposição do monitor da capacitação IICA/SEAGRO para comunidades de pescadores artesanais, Mesquita, cujo conhecimento do território objeto deste trabalho facilitou o acesso aos atores sociais locais, contribuindo para a percepção da realidade e questões relacionadas ao conflito sócio-ambiental analisado.
técnico-científico para análise do tema abordado, com muita dedicação, carinho e entusiasmo, apoiando tanto o crescimento intelectual como a conclusão dessa importante etapa.
À Representação do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura no Brasil, tenho a agradecer, inicialmente, ao Representante Carlos Américo Basco, que, ao acreditar no desenvolvimento de capacidades humanas no âmbito do processo de cooperação técnica, prestou apoio durante a elaboração, continuidade e conclusão deste estudo.
Aos amigos do IICA, Carlos Miranda e Gertjan Beekman, meus agradecimentos pelo incentivo inicial ao mergulho nesta jornada de conhecimento do mestrado, dois anos atrás, e dividindo comigo, ao longo do curso, suas idéias e reflexões referentes à sustentabilidade sócio-ambiental, que permitiram um aperfeiçoamento técnico-especializado. Mais um amigo e membro da equipe IICA, àquele quem primeiro compartilhei a concepção e temática abordada neste estudo, Aureliano Matos, agradeço pelo estímulo e entusiasmo com que absorveu o projeto de pesquisa, contribuindo com discussões técnicas, noções da realidade do território a ser estudado e proposições das diretrizes de análise. Agradeço ainda aos demais amigos da Unidade de Gerenciamento de Projetos do IICA, Braulio Heinze, Heithel Silva e Rodrigo Marrouelli, que, com a amizade e multiplicidade pessoal, incentivaram a realização desta pesquisa.
Esta dissertação aborda os conflitos sócio-ambientais relacionados com a bubalinocultura e a pesca artesanal no território Campos e Lagos, no município de Olinda Nova do Maranhão, bem como suas implicações na atual ocupação do solo, fornecendo subsídios para a tomada de decisões e formulação de políticas públicas. Apresenta uma caracterização da criação de búfalos e da pesca artesanal; sua contextualização no território, reconhecido como fonte de identidade de indivíduos e grupos sociais; a base legal referente aos conflitos; e recomendações para superação dos mesmos. O procedimento metodológico utilizado foi o estudo de caso, que abrangeu dois tipos de pesquisa: uma documental e outra de campo, em que a principal fonte de informação foram entrevistas semi-estruturadas com pescadores artesanais, proprietários rurais e outros atores sociais atuantes no território. A análise dos conflitos foi feita com base na abordagem sociológica das Lógicas de Ação, a qual define que não é possível analisar o comportamento dos atores sócio-ambientais descontextualizado da situação que os envolve. O território estudado faz parte de um sítio Ramsar (sítio de importância internacional) e está inserido na Área de Proteção Ambiental (APA) da Baixada Maranhense, cenário onde se concentram cerca de 70-90% dos búfalos do Maranhão. Para a introdução da bubalinocultura na Baixada, no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, observou-se que não houve um planejamento estruturado, que permitisse prever os impactos sociais e ambientais que o animal exótico causaria em um ambiente ecologicamente sensível, com predominância, por identidade, da atividade pesqueira artesanal. A bubalinocultura acentuou os conflitos fundiários na região. Como não estão definidas oficialmente as áreas públicas e privadas na Baixada e não se faz respeitar a legislação ambiental, o avanço de cercas sobre os campos naturais, para a criação extensiva de búfalos, vem reduzindo as áreas utilizadas para cultivo de subsistência e dificultando o acesso de comunidades pesqueiras aos lagos. Por comprometer o futuro dessas comunidades e pelos impactos ambientais causados, é urgente que a criação bubalina seja submetida a um manejo adequado à capacidade de suporte da área. Concluiu-se que os conflitos sócio-ambientais estudados possuem relação direta com a falta de diretrizes de ordenamento territorial; elevada concentração fundiária presente no Estado do Maranhão; e ineficiência na aplicação e fiscalização da legislação. Por ser uma exigência legal e uma forma potencial de superação de conflitos, recomendou-se a elaboração urgente do Plano de Manejo da APA da Baixada Maranhense, que deve gerar um processo socialmente construído, a partir da mediação de conflitos e articulação de compromissos entre os diversos atores sociais que atuam na área.
PALAVRAS-CHAVE: meio ambiente; conflitos sócio-ambientais; bubalinocultura; pesca artesanal; Baixada Maranhense; Olinda Nova do Maranhão.
This dissertation approaches the socio-environmental conflicts related with the buffalo rearing and the artisan fishing in the territory Campos e Lagos, in the municipal district of Olinda Nova do Maranhão, as well as their implications in the current occupation of the soil, supplying subsidies for decision taking and formulation of public policies. It presents a characterization of buffalo rearing and of the artisan fishing; its contextualization in the territory, recognized as source of individual’s identity and social groups; the legal base regarding the conflicts; and recommendations to surpass them. The methodological proceeding used was the case study, which demanded two types of research: documental and field work, where the main sources of information were semi-structured interviews with artisan fishermen, rural proprietors and other active social actors in the territory. The analysis of the conflicts was made with base on the sociological approach of the Logics of Action, which defines that it is not possible to analyze the socio-environmental actors' behaviour out of context of the situation that involves them. The analysed territory is part of a Ramsar site (a site of international importance) and it is inserted in the Area of Environmental Protection (APA) of the Baixada Maranhense, a scenery where about 70-90% of the buffalos of Maranhão are concentrated. For the introduction of the buffalo rearing in the Baixada, in the late fifties and early sixties, it was observed that there was no structured planning, that allowed to foresee the social and environmental impacts that an exotic animal in an ecologically sensitive environment, with predominance, by identity, of the artisan fishing activity. The buffalo rearing accentuated the agrarian conflicts in the area. As the public and private areas in the Baixada are not defined officially and the environmental legislation is not respected, the progress of fences over the natural fields, for the extensive creation of buffalos, is reducing the areas used for subsistence cultivation and hindering the fishing communities' access to the lakes. For committing those communities' future and for the caused environmental impacts, it is urgent that the buffalo rearing be submitted to an appropriate handling for the support capacity of the area. It was concluded that the socio-environmental conflicts in analysis have direct relation with the lack of guidelines of territorial order; elevated land concentration present in the State of Maranhão; and inefficiency in the application and control of the legislation. For being a legal demand and a potential form of surpassing the conflict, it was recommended urgent to elaborate the Handling Plan of the APA of the Baixada Maranhense, that should generate a socially built process, starting from the mediation of conflicts and articulation of compromises among the several social actors that act in the area.
KEYWORDS: environment; socio-environmental conflicts; buffalo rearing; artisan fishing; Baixada Maranhense;Olinda Nova do Maranhão.
RESUMO ... ABSTRACT ... LISTA DE TABELAS ... LISTA DE FIGURAS ... LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ...
1 INTRODUÇÃO ...
1.1 Objetivos da pesquisa ... 1.1.1 Objetivo geral ... 1.1.2 Objetivos específicos ...
1.2 Contextualização da pesquisa e a relação com o Curso de Planejamento do Desenvolvimento Local Sustentável para Comunidades de Pescadores Artesanais ..
1.3 Metodologia ...
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...
2.1 Desenvolvimento sustentável: histórico, conceito e abordagem ... 2.1.1 Dimensões da sustentabilidade ... 2.1.2 Desenvolvimento local sustentável ... 2.1.3 Participação social, cidadania e democracia ...
2.2 O território como base geográfica da existência social ... 2.2.1 Abordagem territorial do desenvolvimento rural sustentável ... 2.2.2 Capital humano e social, gestão social e institucionalidade ...
2.3 Planejamento e gestão ambiental ... 2.3.1 Abordagem holística, multidimensional, integrada e transdisciplinar ... 2.3.2 Ordenamento territorial: conceito espacial do desenvolvimento ... 2.3.3 Instrumentos de planejamento e gestão ambiental e a importância da integração
institucional ...
2.4 Conflitos sócio-ambientais ... 2.4.1 Gestão de conflitos ... 2.4.2 Problema agrário e fundiário no Brasil e os conflitos sociais ...
2.5 Bubalinocultura ... 2.5.1 Sistema de criação, economia atual e futura, carne e leite ... 2.5.2 Características das raças de búfalos ... 2.5.3 Novo modelo de criação de búfalos ...
2.6 Pesca artesanal ... 2.6.1 Territorialidade da pesca e manifestação de conflitos ...
3 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ...
3.1 Estado do Maranhão ...
3.2 Baixada Maranhense ... 3.2.1 Introdução da bubalinocultura na Baixada Maranhense e o histórico do conflito entre criadores de búfalos e pescadores artesanais ... 3.2.2 Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense ... 3.2.3 Atuação do Ministério Público na Baixada Maranhense: GEPEC/BM ...
3.3 Olinda Nova do Maranhão e o território Campos e Lagos ... 3.3.1 Localização do município de Olinda Nova do Maranhão ... 3.3.2 Caracterização: dados políticos, sociais, econômicos, ambientais e culturais ... 3.3.3 Problemas e soluções do território em estudo elaborada durante a capacitação
IICA/SEAGRO para pescadores artesanais ... 3.3.4 Lago do Coqueiro: histórico e aspectos da limnologia ... 3.3.5 Espécies de peixes predominantes na área de estudo e forma de comercialização.. 3.3.6 Efetivo do rebanho e modalidade de criação de búfalos ...
3.4 Contexto legal ... 3.4.1 Legislação federal ... 3.4.2 Legislação estadual ...
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...
4.1 Influência da bubalinocultura na vida e identidade dos pescadores artesanais ... 4.2 Evidências de mudança de comportamento em pescadores capacitados no curso
IICA/SEAGRO de planejamento do desenvolvimento local ... 4.3 Impacto da criação extensiva de búfalos na área de estudo ... 4.4 Abate e comercialização de búfalos ... 4.5 Nível de organização social de pescadores e proprietários rurais ... 4.6 Questão fundiária e relações de poder no território com a política do medo ... 4.7 Legislação aplicável ao conflito ... 4.8 Comparação do atual cenário ambiental e social da Baixada Maranhense com a
situação de cinqüenta anos atrás ... 4.9 Levantamento de soluções para o conflito apresentadas por atores sociais envolvidos
5 CONCLUSÕES ...
6 RECOMENDAÇÕES ...
APÊNDICES ... A Roteiro de entrevista semi-estruturada ... B Relação dos atores sociais que contribuíram com a pesquisa ...
ANEXOS ... A Decreto nº 11.900 (11/06/91), referente à criação da APA da Baixada Maranhense.. B Lei de criação do município de Olinda Nova do Maranhão, Lei nº 6.414 (06/09/95).. C Mapa do município de Olinda Nova do Maranhão na escala 1:100.000 ...
208 209 210
1 Estrutura fundiária rural do Brasil, 2003 ... 77
2 Representatividade dos rebanhos bovinos e bubalinos do Maranhão, no período
2000-2002 ... 94
3 Indicadores econômicos do Maranhão, no período 1997-2000 ... 95
4 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do Brasil e do Maranhão, no
período 1991 e 2000 ... 96
5 Representatividade dos rebanhos bovinos e bubalinos de Olinda Nova, 2002 ... 122
6 Produção de lavouras temporárias e extração vegetal de Olinda Nova, 2002 ... 123
7 Comparação do efetivo do rebanho bubalino (cabeças) no Brasil, Maranhão, Baixada
Maranhense e Olinda Nova do Maranhão - período de 1991-2003... 138
1 Entrevistas com atores sociais do território Campos e Lagos - povoados de Itaparica e
Coqueiro (dezembro 2004 e maio 2005) ... 33
2 Búfalo da raça Murrah ... 81
3 Búfalo da raça Mediterrâneo ... 82
4 Búfalo da raça Jafarabadi ... 82
5 Búfalo da raça Carabao ... 83
6 Mapa das meso e microrregiões do Maranhão ... 93
7 Babaçual na Baixada Maranhense (maio 2005) ... 100
8 Campos inundáveis na Baixada Maranhense (maio 2005) ... 100
9 Campos naturais da Baixada Maranhense, no período de estiagem, dezembro 2004... 101
10 Campos naturais da Baixada Maranhense, no período de chuvas, maio 2005 ... 101
11 Coco babaçu, extrativismo vegetal na Baixada Maranhense ... 102
12 Roça de mandioca (dezembro 2004) ... 104
13 Mapa de localização da APA da Baixada Maranhense ... 111
14 Criação extensiva de búfalos na APA da Baixada Maranhense e em área de preservação permanente (borda de lago) - dezembro 2004 ... 115
15 Cercas em campos inundáveis, no período da seca, dezembro 2004 (destaque para marcação do nível da água na cerca, em períodos chuvosos) ... 116
16 Mapa de localização do Município de Olinda Nova do Maranhão ... 118
17 Condições de conservação da rodovia estadual MA 014, no trecho entre Vitória do Mearim e Viana (maio 2005) ... 118
18 Búfalos na rodovia estadual MA 014, no trecho entre Vitória do Mearim e Viana (maio 2005) ... 118
19 Prédio da prefeitura de Olinda Nova do Maranhão ... 119
20 Lixo no centro de Olinda Nova do Maranhão, próximo ao hospital ... 120
21 Poço cacimbão utilizado em estabelecimentos rurais de Olinda Nova (dez. 2004) ... 121
22 Água servida a céu aberto no centro de Olinda Nova (dezembro 2004) ... 122
23 Exemplos de vegetação aquática típica da Baixada Maranhense: aninga, pajé, barba-de-bode e junco ... 124
24 Gado bubalino e cercas nos campos de Olinda Nova do Maranhão ... 125
25 Moradias na comunidade de Gameleira, município de Olinda Nova do Maranhão e território Campos e Lagos (dezembro 2004) ... 125
26 Casa rural e crianças da comunidade de Ilha Verde, município de Olinda Nova do Maranhão e território Campos e Lagos (dezembro 2004) ... 126
27 Pesca artesanal realizada no território Campos e Lagos (maio 2005) ... 127
28 Agricultura de subsistência, com produção de farinha de mandioca (dez. 2004) ... 127
29 Pesca artesanal no Lago do Coqueiro, território Campos e Lagos (dez. 2004) ... 131
30 Rancho típico de pescadores, não residentes em Olinda Nova, instalado nas proximidades do Lago do Coqueiro (dezembro 2004) ... 132
31 Búfalos afluindo ao Lago do Coqueiro, território Campos e Lagos (dez. 2004) ... 133
32 Processo de abertura de canais (igarapés) pelos búfalos, durante as cheias, resultando na formação de valas secas, no período de estiagem ... 133
33 Elevada concentração de búfalos para um volume reduzido de água (dez. 2004) ... 134
34 Crescimento excessivo de pajé na água (maio 2005) ... 135
35 Comercialização de peixe de água doce da Baixada Maranhense (maio 2005): mercado local, em Olinda Nova do Maranhão ... 136
36 Comercialização de peixe de água doce da Baixada Maranhense (maio 2005): centro urbano, na Feira do Anjo da Guarda, em São Luís ... 136
37 Evolução do efetivo de rebanho bubalino na Baixada Maranhense, no período de 1990 a
2003 ... 137
38 Criação extensiva de búfalos no território Campos e Lagos - povoado de Coqueiro
(dezembro 2004) ... 140
39 Pesca artesanal no território Campos e Lagos, Lago do Coqueiro, maio 2005 ... 161
40 Presença e ampliação abusiva de cercas dificultando o acesso de comunidades
pesqueiras aos lagos - povoado de Ilha Verde (dezembro 2004) ... 163
41 Búfalo alimentando-se de plantas aquáticas reguladoras de ecossistema (dez. 2004).. 167
42 Compactação do solo em função do superpastoreio de bubalinos (dez. 2004) ... 167
43 Incorporação de matéria orgânica (fezes de búfalos) aos corpos d´água (Lago do
Coqueiro), dezembro 2004 ... 168
44 Açougue localizado no centro de Olinda Nova, com destaque à esquerda para o rabo de
boi exposto ao lado da carne, como forma de comprovação de produto bovino e não
bubalino (dezembro 2004) ... 172
45 Matadouro clandestino em Olinda Nova do Maranhão (maio 2005) ... 174
46 Matadouro clandestino em São Luís que recebe búfalos da Baixada Maranhense ... 175
47 Pescador indicando o avanço das cercas nos campos naturais da Baixada Maranhense
(dezembro 2004) ... 180
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC Agência Brasileira de Cooperação, Ministério das Relações Exteriores
ADEPAQ Agência de Desenvolvimento da Pesca e da Aqüicultura, Maranhão
AGED/MA Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão
APA Área de Proteção Ambiental
APP Área de Preservação Permanente
BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, Banco Mundial
CEBRAN Central de Biotecnologia de Reprodução Animal, Pará
CMMAD Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Bruntland, 1987)
CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92)
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAEMA Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Maranhão
FETAEMA Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Maranhão
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
GEPEC/BM Grupo Especial de Proteção Ecológica da Baixada Maranhense
GRPU/MA Gerência Regional do Patrimônio da União, Maranhão
GTA Guia de Trânsito Animal
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IICA Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPA Intervenção Participativa dos Atores
ITERMA Instituto de Colonização e Terras do Maranhão
LI Licença de Instalação
LO Licença de Operação
LP Licença Prévia
NEPE Núcleo Estadual de Programas Especiais, Maranhão
PCPR Projeto de Combate à Pobreza Rural
PDLS Plano de Desenvolvimento Local Sustentável
PDOT Plano Diretor de Ordenamento Territorial
PIB Produto Interno Bruto
PRODIM Programa de Desenvolvimento Integrado do Maranhão (PCPR II)
SAF Sistemas Agroflorestais
SEAGRO/MA Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Maranhão
SEAP/PR Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República
SEMA/MA Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais, Maranhão
SEPLAN/MA Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão, Maranhão
SISEMA/MA Sistema Estadual do Meio Ambiente, Maranhão
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUDEPE Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (extinta)
UFMA Universidade Federal do Maranhão
UFPA Universidade Federal do Pará
ZAE Zoneamento Agro-Ecológico
ZEE Zoneamento Ecológico-Econômico
1 INTRODUÇÃO
A pobreza no Estado do Maranhão possui raízes históricas, com causas multidimensionais
e complexas. O quadro social de miséria e exclusão tornou-se um fator preocupante. Nesse
cenário, a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do
Maranhão (SEAGRO) e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA)
realizam iniciativas de planejamento territorial, com o objetivo de proporcionar uma reversão
desse quadro.
A pesquisa aborda um conflito sócio-ambiental real, ou seja, de competição entre uma
atividade produtiva comercial, a bubalinocultura (criação de búfalos), desenvolvida por
proprietários rurais, com outra de subsistência, a pesca artesanal, realizada por pequenos
grupos de pescadores, no território Campos e Lagos1, no município de Olinda Nova do
Maranhão. Esse conflito é reconhecido pelos atores sociais que atuam no território; todavia,
faltam análises que permitam elucidá-lo, colaborando para a sua solução.
O território Campos e Lagos é composto pelas comunidades de Gameleira, Estrela, Ilha
Verde, Itaparica, São Pedro, Museu, Pirandi e Enseada dos Silvérios, formadas por um total
aproximado de 443 famílias. Essas comunidades têm em comum o ambiente, a cultura de
subsistência e a pesca como principais fatores de identificação territorial, além da presença de
um número reduzido de grandes proprietários rurais detentores de mais de 85% de todas as
terras do território, que criam gado bubalino de forma extensiva, inclusive nos campos
naturais inundados. A criação de búfalos vem alterando, ao longo dos anos, a composição dos
1
campos, ocasionando a diminuição da quantidade e qualidade do pescado, bem como extinção
da vegetação nativa, pássaros e animais silvestres.
Os conflitos de uso dos recursos naturais comprometem oportunidades de crescimento
econômico, a conservação do meio ambiente local e a qualidade de vida de populações
tradicionais. Esses conflitos podem variar com a dinâmica natural, em função de períodos de
seca ou enchentes, e com a dinâmica social, acentuando-se com o crescimento econômico
competitivo.
Conflitos sócio-ambientais são definidos por Scotto (1997 apud FAT, 2004, p. 4) como:
[...] conflitos que têm elementos da natureza como objeto e que expressam relações de
tensão entre interesses coletivos e interesses privados [...]. Em geral, eles se dão pelo
uso ou apropriação de espaços e recursos coletivos por agentes econômicos
particulares, pondo em jogo interesses que disputam o controle dos recursos naturais e
o uso do meio ambiente comum, sejam esses conflitos implícitos ou explícitos.
Esse tipo de abordagem permite que sejam introduzidos temas como a necessidade de
negociação entre os diferentes grupos de interesse, em torno da utilização da base natural que
é comum a todos; formas de mediação desses interesses; busca de priorização e
compatibilização de usos para um mesmo recurso; critérios norteadores das tomadas de
decisão em relação aos usos; valores subjacentes aos critérios adotados; mecanismos
institucionais e instrumentos legais de participação na tomada de decisões que envolva
componentes relacionados à ética e à participação cidadã.
A solução dos problemas ambientais não passa unicamente pelo nível da ação individual
e, sim, pela construção de uma visão a respeito da dimensão coletiva e pública das questões
ambientais, onde o cidadão deve ter uma participação ativa em sua realidade local ou
Nessa perspectiva, o desenvolvimento sustentável com enfoque territorial abrange
múltiplas dimensões, relacionadas com temas e aspectos sociais, econômicos, ambientais,
políticos e culturais. Assim, o território apresenta-se como um sistema complexo, composto
por uma diversidade de ecossistemas, fauna, flora, estruturas econômico-produtivas,
sócio-demográficas e político-institucionais, além da cultura, história e tradição de povos, nações e
comunidades. As formas de ocupação humana do território definem processos de impacto
social e ambiental diferenciados, com uma maior ou menor pressão sobre o capital natural e
social.
A abordagem territorial diz respeito à idéia de gestão coletiva de uma área, onde se
constrói a identidade de um grupo social (FURTADO DE SOUZA; FURTADO, 2004).
O território não é, portanto, apenas espaço físico; é uma construção social e condiciona,
reproduz e manifesta um sistema de valores e uma estrutura de poder. Território é o espaço do
poder instituído. É entendido também, conforme Bacelar (2004), como sendo o espaço das
identidades. Assim, uma comunidade de pescadores, que possui sua identidade socialmente
construída, pode ser considerada um território. O relacionamento do pescador com seu
ambiente direto de trabalho, o mar, implica uma identidade de vida. O território é onde a
população constrói e fortalece sua identidade e coesão social, construídas nos vínculos, na
história, nas relações, na vida social e na interdependência entre as pessoas.
Dessa forma, entende-se o território como sendo a base geográfica da existência social
(FURTADO DE SOUZA; FURTADO, 2004).
O território corresponde a espaços onde se localizam um ou mais agrupamentos humanos
articulados entre si. Dispõe de identidade natural e cultural (MIRANDA; MATOS, 2002).
Conforme Abramovay (2003), os territórios não são, simplesmente, um conjunto neutro de
fatores naturais e de dotações humanas capazes de determinar as opções de localização das
mercantis de interação construídas ao longo do tempo e que moldam uma certa personalidade
e são, portanto, uma das fontes da própria identidade dos indivíduos e dos grupos sociais.
Abramovay (2003) ressalta que o capital - natural, físico, financeiro, humano e social -
coexiste no território, combinado com atividades econômicas multi-setoriais. Essa complexa
combinação gera conflitos, impactos, tensões, movimentos, lutas de poder, ganhos e perdas
culturais e processos de degradação ambiental. Nessa perspectiva, o conflito é gerado não
apenas pela diversidade de interesses sociais no uso de recursos territoriais, mas também pela
falta de ordenamento de políticas internas e externas.
Para o mesmo autor, o conflito pode ser abordado a partir de várias correntes de
pensamento, incluindo a psicológica, sociológica, econômica, política, ou analisado do ponto
de vista multidimensional, em uma perspectiva de pensamento complexo. Um conflito ocorre
quando existem, pelo menos, dois atores, metas distintas e ações induzidas por
comportamentos que não visam objetivos comuns. Podem ocorrer também conflitos que não
se expressam socialmente e que, na busca de equilíbrio, definem mudanças estruturais
emergentes, não previsíveis pelo homem.
Todo o planejamento de desenvolvimento precisa levar em consideração as diversas
dimensões da sustentabilidade, ou seja, as dimensões social, cultural, ecológica, ambiental,
territorial, econômica e política (SACHS, 2000).
A partir de um enfoque sócio-ambiental, o meio ambiente passa a ser considerado um
amplo espaço onde a vida humana se desenvolve, onde são articulados processos sociais,
ecológicos, tecnológicos, culturais e políticos, visando à satisfação das necessidades básicas e
melhoria da qualidade de vida.
O manejo dos conflitos, envolvendo recursos ambientais, inclui a democratização das
oportunidades de crescimento econômico, a melhoria da qualidade de vida da população, a
tradicionais. Envolve, também, organização da população, tomada de consciência, construção
de redes de apoio, busca de alternativas e modos sustentáveis de uso dos recursos, tecnologias
ambientalmente saudáveis, institucionalidade, mecanismos de controle social, instâncias
locais e territoriais, no intercâmbio de informações e solução de conflitos.
Os conflitos sócio-ambientais são geralmente históricos, complexos e evolutivos, tratando
de interesses e bens representados, públicos e privados, ou não representados, como a de
gerações futuras, que transcendem os limites geográficos e políticos. Cabe ressaltar também a
deficiência na capacidade institucional local e técnica para resolução de conflitos, além do
baixo nível de organização social existente em alguns territórios e da dificuldade de aceso à
informação, por parte das comunidades locais.
Em função dessa característica de complexidade, os conflitos sócio-ambientais não
recebem a devida atenção e o manejo adequado, resultando em desgastes, frustrações,
aumento das desigualdades e impactos negativos nos processos econômicos, sociais e
ecológicos. Geralmente, as formas de intervenção em conflitos sócio-ambientais tende a
serem centralizadoras, hierárquicas, setoriais, com um forte viés de acumulação concentradora
e, raramente, buscam preservar os interesses coletivos das partes envolvidas. Porém, cabe
destacar que, durante o processo de confrontação entre interesses opostos, configuram-se os
conflitos sócio-ambientais e, da relação confronto-negociação entre atores sociais, resultam os
mecanismos de coordenação que permitem a regulação desses conflitos.
Nesse cenário, a presente pesquisa propõe-se a discutir e analisar os conflitos
sócio-ambientais gerados em decorrência das atividades de bubalinocultura e da pesca artesanal em
Olinda Nova, no Estado do Maranhão. O estudo aborda a influência da criação de búfalos no
território Campos e Lagos, predominantemente de pesca artesanal. A região está inserida na
A pesquisa pretende oferecer subsídios para a construção de alternativas de uma nova
estratégia de planejamento ambiental e apresenta sugestões para resolução dos conflitos
sócio-ambientais, em uma perspectiva de reestruturação territorial.
A hipótese orientadora da pesquisa é a de que o conflito sócio-ambiental instituído em
função da bubalinocultura, em território predominantemente de pesca artesanal, no município
de Olinda Nova do Maranhão, tem relação direta com a elevada concentração fundiária
presente no Estado do Maranhão; a ineficiência na aplicação e fiscalização da legislação
pertinente; e a falta de diretrizes de ordenamento territorial.
1.1 Objetivos da pesquisa
1.1.1 Objetivo geral
Analisar os conflitos sócio-ambientais relacionados com a bubalinocultura e a pesca
artesanal no território Campos e Lagos, no município de Olinda Nova do Maranhão, bem
como suas implicações na atual ocupação do solo, de modo a contribuir com a tomada de
decisões e formulação de políticas públicas.
1.1.2 Objetivos específicos
x Caracterizar as atividades de bubalinocultura e pesca artesanal no território em
análise, para compreender as relações conflituosas do ponto de vista
x Contextualizar a relação da bubalinocultura e da pesca artesanal no território,
reconhecido como fonte da identidade de indivíduos e grupos sociais;
x Analisar as legislações ambiental, hídrica, pesqueira e fundiária incidentes
sobre o território em estudo, para entender a base legal subjacente aos conflitos
sócio-ambientais;
x Analisar os conflitos sócio-ambientais gerados pela bubalinocultura em
território de pesca artesanal e elaborar recomendações para a superação dos
mesmos.
1.2 Contextualização da pesquisa e a relação com o Curso de Planejamento do Desenvolvimento Local Sustentável para Comunidades de Pescadores Artesanais
A iniciativa de desenvolvimento da presente pesquisa teve sua origem na identificação de
conflito sócio-ambiental decorrente do impacto da criação extensiva nos campos naturais de
búfalos em territórios pesqueiros artesanais, identificado durante a realização do IV Curso de
Planejamento do Desenvolvimento Local Sustentável para Comunidades de Pescadores
Artesanais do Maranhão, no período de 22 de setembro a 20 de dezembro de 2003.
O Curso foi promovido pelo governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Agricultura,
Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAGRO), e o Banco Mundial, com a cooperação técnica
do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), Agência de
Desenvolvimento da Pesca e da Aqüicultura (ADEPAQ) e a Universidade Estadual do
do Maranhão (pescadores e pescadoras, catadores e catadoras de mariscos e filhos destes), em
regime de alternância entre teoria e prática.
A SEAGRO, em parceria com o IICA, por meio do Projeto de Cooperação Técnica
SEAGRO/ABC/IICA, que tem por objetivo o fortalecimento institucional do sistema
SEAGRO, com ações vinculadas ao desenvolvimento de capacidades de pessoas e
organizações da sociedade civil envolvidas no desenvolvimento rural sustentável do Estado,
realizou diversas atividades de capacitação. Essas iniciativas, seguindo os conceitos,
princípios e marcos metodológicos congruentes com o paradigma do desenvolvimento
sustentável, numa visão multidimensional e intertemática, incluíram cursos e seminários
nacionais e internacionais, visando atender populações menos favorecidas, como
comunidades afro-descendentes, indígenas, trabalhadoras rurais e pescadores artesanais.
A formação de multiplicadores permite construir uma base crítica de capital humano para
formular, de forma participativa, propostas mais realistas e democráticas, levando a uma
mudança direcional de estratégias e políticas públicas em benefício das comunidades rurais
mais pobres do Estado.
O desenvolvimento local, com ênfase na abordagem territorial, está ligado essencialmente
no investimento de capital social, na construção de redes de apoio e no estabelecimento de
mediações para potenciais conflitos, permitindo definir projetos comuns, estratégias coletivas
e gestão compartilhada baseada na cooperação.
O Curso teve como objetivo formar multiplicadores para contribuírem com o processo de
planejamento e gestão de planos e projetos de desenvolvimento sustentável, no âmbito de
territórios predominantemente pesqueiros artesanais. Utilizou a abordagem e metodologia de
Intervenção Participativa dos Atores, INPA2, como base para o trabalho de planejamento do
desenvolvimento sustentável, levando os participantes a assumirem o compromisso de serem
2
facilitadores do processo de busca de inclusão social da categoria, por meio do fortalecimento
das organizações dos pescadores e do apoio à elaboração de planos e projetos. Cabe ressaltar
que se tratou de um curso com ênfase na construção coletiva do conhecimento e de caráter
educativo e formativo, não apenas informativo, gerando mudança de atitude por parte dos
participantes, por meio da formação de profissionais e comunitários reflexivos e interativos.
O referido Curso ocorreu em quatro regiões: Litoral Norte, Alto Turi, Munim e Região
dos Lagos, especificamente em cinco municípios: Cedral, Godofredo Viana, Humberto de
Campos, Monção e Olinda Nova do Maranhão, este último, objeto da presente pesquisa.
A microrregião estadual da Baixada Ocidental Maranhense, onde se situa Olinda Nova, há
muito tempo sofre com problemas relativos aos campos públicos inundáveis, tanto em função
da presença de búfalos e uso indiscriminado desses campos pelos proprietários rurais, quanto
do cercamento aleatório de área pública para uso individual, causando sério dano ao meio
ambiente e prejuízo a grande parte da população local.
A região do interior do Maranhão, mais especificamente o município de Olinda Nova,
caracteriza-se atualmente por abrigar conflitos em torno do uso, acesso e posse de terra,
manejo pesqueiro, problemas de contaminação e impactos da ação antrópica no meio
ambiente, com envolvimento de múltiplos atores.
A atividade de criação de búfalos, no referido município, realizada por grandes
proprietários de terra, está se expandindo com a redução da área dos pescadores artesanais do
território Campos e Lagos. A necessidade de construção e avanço de cercas para contenção
dos animais comprometem a atividade pesqueira artesanal. A criação de búfalos pode ameaçar
a pesca artesanal e a agricultura de subsistência na região de estudo em distintas formas, tais
como:
a) contaminação da água, pelo excesso de fezes e urina, ocasionando aumento de turbidez
qualidade do pescado, além da possibilidade de ocorrência de doenças de veiculação
hídrica;
b) obstrução de espaços, caminhos e acessos ao exercício da atividade pesqueira, em
função do cercamento de áreas públicas pelos criadores de búfalos;
c) redução das áreas para desenvolvimento de atividades agrícolas de subsistência, com
conseqüente conflito sócio-ambiental;
d) comprometimento da biodiversidade e outros danos ambientais, devido à possibilidade
de destruição de vegetação e de áreas de reprodução de espécies, por ser o búfalo um
animal que não possui hábitos alimentares específicos, cujo elevado peso pode também
gerar compactação do solo e assoreamento de lagos; e
e) aumento da concentração de terras e da pobreza, em decorrência da expansão do
modelo tradicional de exploração agropecuária, envolvendo questões mais políticas do
que técnicas na variável de posse de terra, com uma estrutura fundiária desigual como
origem de conflitos sociais e ambientais e conseqüente aumento das diferenças sociais.
Em função da atividade de criação de búfalos, o território Campos e Lagos, no município
de Olinda Nova do Maranhão, está ameaçado de desaparecer, apagando da história toda uma
cultura pesqueira de subsistência, que vem sendo repassada de geração a geração. A
predominância dessa atividade econômica extensiva compromete também a biodiversidade do
território, reduzindo possivelmente o número de espécies nativas de aves e peixes.
Na Baixada Ocidental Maranhense, no período das cheias, os búfalos buscam mais
espaço, invadindo áreas reservadas culturalmente para atividades de pesca. O tamanho dos
lotes onde estão abrigadas as famílias de pescadores é bem reduzido; sendo que algumas delas
nem possuem espaço para plantar e garantir outro tipo de alimento para subsistência, estando
fadadas à expulsão, com o desaparecimento da atividade pesqueira, caso nenhuma medida
com a alegação de que o cercamento de novas áreas seria uma forma de proteger a
comunidade próxima da atividade de bubalinocultura. Diante desse cenário, observam-se
sérias tensões na luta por espaço e poder, inclusive com ocorrência de casos de violência e
morte.
Segundo Jara (2004), que cita dados do IBGE, menos da metade da superfície do Estado
do Maranhão (15,5 milhões de hectares) encontra-se ocupada por 531.413 estabelecimentos
agropecuários. Desses estabelecimentos, apenas 19,4% encontram-se nas mãos de
proprietários; a maior parte é dirigida por arrendatários, parceiros e ocupantes. Existe uma
grande concentração de terras sob regime de posse. O Maranhão é um dos estados que
apresenta o maior percentual de não proprietários, o que expressa um complexo problema de
titulação. Além disso, o Estado revela dramáticas polaridades do complexo
latifúndio-minifúndio.
Olinda Nova do Maranhão, sob o âmbito da comarca de Matinha, apesar da ocorrência do
conflito sócio-ambiental identificado no mencionado Curso, não é o município que apresenta
nível de conflito dos mais acentuados, atualmente. Merece, todavia, atenção especial no
sentido de se evitar o agravamento da situação. A região próxima de Viana, com elevado
rebanho bubalino, é considerada uma das mais conflituosas na relação entre criadores de
búfalos e pescadores artesanais, com grande mobilização dos atores sociais envolvidos.
Porém, em ambas as regiões, percebe-se a inexistência de um ordenamento territorial e uma
visão de futuro.
Espera-se, com este estudo de um território conflitivo, oferecer possibilidades de análise
de conflitos sócio-ambientais, contribuindo, assim, para fortalecer as diretrizes e apoiar as
ações da SEAGRO, bem como para subsidiar a tomada de decisões e formulação de políticas
1.3 Metodologia
Os conflitos sócio-ambientais decorrentes da bubalinocultura em territórios pesqueiros
artesanais analisados tiveram como área foco de estudo o território Campos e Lagos, no
município de Olinda Nova, no Estado do Maranhão. O procedimento metodológico utilizado
no trabalho foi o estudo de caso, que exigiu dois tipos de pesquisa: uma documental e outra de
campo. O estudo de caso, que facilita o entendimento de fenômenos contemporâneos,
permitiu uma compreensão dinâmica das dimensões social, econômica, ambiental, política e
cultural do desenvolvimento, contextualizadas no histórico e origem dos conflitos locais entre
pescadores artesanais e criadores de búfalos.
A revisão de literatura, necessária para embasar o estudo de caso, contemplou: o conceito
de território como fonte de identidade; a perspectiva do desenvolvimento sustentável; o
planejamento ambiental como instrumento de ordenamento territorial e de gestão ambiental; e
os conflitos sócio-ambientais e sua gestão.
Na pesquisa documental foram envolvidas diversas instituições que de, alguma forma,
estão inseridas no contexto do conflito sócio-ambiental analisado.
Para o levantamento de dados secundários, visando enriquecer a análise documental,
pesquisada ou fornecida pelos entrevistados, foram realizadas também consultas aos arquivos
oficiais do Ministério Público do Maranhão - Promotoria de Justiça - Meio Ambiente, bem
como da Justiça Federal do Estado.
Com vistas a compreender a base legal dos conflitos gerados pela bubalinocultura no
território pesqueiro de Campos e Lagos, bem como seus possíveis desdobramentos, foram
então analisadas as legislações ambiental, hídrica, pesqueira e fundiária intervenientes na área
O reconhecimento da região, em campo, foi realizado na zona urbana e rural de Olinda
Nova, considerando nesta última as comunidades de Gameleira, Itaparica, Museu, Ilha Verde,
Pirandi, Estrela e Coqueiro, com análise também no Lago do Coqueiro.
A pesquisa de campo abrangeu as colônias de pescadores artesanais afetadas pela
atividade de bubalinocultura, os grandes proprietários de terras, bem como lideranças locais.
Os instrumentos usados para auxílio de coleta dos dados primários foram a entrevista
semi-estruturada; o registro da história oral, com gravação; e caminhadas exploratórias, com
arquivo fotográfico.
Foram levantados dados e informações referentes aos aspectos sociais, demográficos,
econômicos, políticos, fundiários, ambientais, culturais e geográficos do Estado do Maranhão,
da região da Baixada Maranhense, do município de Olinda Nova e do território Campos e
Lagos, para compor o contexto e embasar a análise dos conflitos. Esse diagnóstico incluiu
uma descrição detalhada das atividades de bubalinocultura e pesca artesanal, com suas
peculiaridades na região estudada.
A análise do conflito propriamente dito e de seu rebatimento no uso do solo teve início
com a realização de um diagnóstico da realidade local, quando da realização do trabalho de
campo, que compreendeu o período de 29/11/04 a 04/12/04 e de 01/05/05 a 06/05/05. Teve
como principal fonte de informação as entrevistas, de roteiro semi-estruturado, com
pescadores artesanais, proprietários rurais e outros atores sociais que se revelaram atuantes.
Complementarmente, foi realizado o registro da história oral dos conflitos, com gravação em
fita cassete de depoimentos de moradores, principalmente os mais antigos.
O roteiro da entrevista, que consta no APÊNDICE A deste documento, elenca perguntas
previamente elaboradas, que foram complementadas ou excluídas, dependendo do perfil do
entrevistado. Esse tipo de entrevista oferece a possibilidade de o informante agir com
base a valorização do conhecimento que as pessoas que vivem no local têm do seu próprio
meio e problemas e a convicção de que as mesmas têm a capacidade de refletir e contribuir
para o seu próprio processo de desenvolvimento.
Com o objetivo de retratar com maior clareza a realidade do conflito sócio-ambiental
estudado, diversos depoimentos coletados durante as entrevistas com os atores sociais locais
foram registrados e descritos neste documento, sendo que, com a preocupação de
preservá-los, alguns dos atores não são identificados.
Em duas visitas de campo, foram realizadas 44 entrevistas, sendo que cada uma teve a
duração média de uma hora e trinta minutos (FIGURA 1). Todas as entrevistas foram
gravadas e transcritas posteriormente. Os atores sociais3 contatados e entrevistados, em São
Luís e em Olinda Nova do Maranhão, que contribuíram com a pesquisa, durante o
levantamento de dados primários e secundários, estão descritos no APÊNDICE B deste
documento.
A análise do material coletado - tanto no diagnóstico inicial quanto nas entrevistas e
depoimentos de aprofundamento de informações - foi feita com base na abordagem
sociológica das Lógicas de Ação, de Amblard et al. (1996 apud ANDRADE et al., 2001).
Esta, ao propor a mobilização articulada de conceitos, noções e paradigmas pensados a priori
separadamente, sugere a investigação dos fenômenos intra e interorganizacionais a partir de
uma construção teórica híbrida e multipolar que incorpora, ao processo de formação de
estratégias, as noções de poder, conflito, atores estratégicos, cooperação, regras, convenções e
acordos. Segundo essa abordagem, não é possível analisar o comportamento do ator
estratégico descontextualizado da situação que o envolve. Assim, com vistas a compreender
os conflitos sócio-ambientais analisados neste trabalho, o estudo das atitudes e reações dos
3
atores locais do território levou em consideração o ambiente que os cerca e suas implicações.
Pressupõe-se justamente a simbiose: ator estratégico + situação-problema = lógica de ação.
Por fim, com base nos resultados da análise dos conflitos sócio-ambientais, são
apresentadas recomendações para um novo ordenamento territorial, bem como as
conseqüências prováveis desses conflitos, em função do atual uso e ocupação do solo.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Este item apresenta o referencial teórico-conceitual utilizado nesta pesquisa para a análise
dos conflitos sócio-ambientais. Aborda conceitos como desenvolvimento sustentável,
concebido como um processo multidimensional e intertemporal; o território como unidade de
planejamento e base geográfica da existência social; o planejamento e a gestão ambiental em
uma visão integrada e sistêmica; e a gestão de conflitos sócio-ambientais. Apresenta também,
de modo geral, características da bubalinocultura e da pesca artesanal.
2.1 Desenvolvimento sustentável: histórico, conceito e abordagem
O conceito de desenvolvimento sustentável é tomado como referencial para análise de
conflitos sócio-ambientais, no processo de planejamento e gestão ambiental, sendo a
participação social considerada fator essencial para garantir a sustentabilidade.
Segundo Buarque (1994), o desenvolvimento sustentável corresponde ao processo de
mudança social e elevação das oportunidades da sociedade, compatibilizando, no tempo e no
espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a conservação ambiental, a qualidade de
vida e a equidade social, partindo de um claro compromisso com o futuro e da solidariedade
entre gerações. Esse conceito contém três grandes elementos interligados e com
características e papéis diferentes no processo de desenvolvimento:
a) a elevação da qualidade de vida e a equidade social constituem objetivos centrais do
modelo de desenvolvimento, orientação e propósito final de todo esforço de
b) a eficiência e o crescimento econômicos constituem pré-requisitos fundamentais, sem
os quais não é possível elevar a qualidade de vida com equidade, de forma sustentável e
continuada, representando uma condição necessária, embora não suficiente, do
desenvolvimento sustentável.
c) a conservação ambiental é um condicionante decisivo da sustentabilidade do
desenvolvimento e da sua manutenção, no longo prazo, sem a qual não é possível
assegurar qualidade de vida para as gerações futuras e a equidade social de forma
sustentável e contínua, no tempo e no espaço.
O planejamento do desenvolvimento, como parte de um processo político de tomada de
decisões sobre o futuro e proposição de ações, constitui um espaço privilegiado de negociação
entre atores sociais, confrontando e articulando interesses e alternativas para a sociedade. No
decorrer desse processo, quando se negociam as escolhas e as prioridades, os atores sociais
podem se organizar e constituir alianças e acordos políticos. Tal abordagem parte do princípio
de que o futuro é incerto e resulta da construção social levada a efeito por atores sociais
organizados, que implementam medidas e se movem na criação das novas condições de
estruturação da realidade. Planejar é também produzir e redefinir hegemonias que se
manifestam em estratégias, prioridades e instrumentos de ação, especificamente em torno do
objetivo do planejamento e das decisões (MIRANDA et al., 1997).
Segundo os mesmos autores, a participação social no planejamento do desenvolvimento
sustentável, como fator essencial para garantir sua sustentabilidade, é considerada como um
processo mediante o qual as diversas camadas da sociedade tomam parte no planejamento e
na gestão de planos, programas e projetos que se destinam à criação de riqueza, oferta de
futuro desejável. Assim, a participação social é, portanto, um processo educativo e promotor
do desenvolvimento.
O termo desenvolvimento sustentável foi consagrado pela Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD, 1987), conhecida como Comissão Brundtland, em
relatório “Nosso Futuro Comum” (Relatório Brundtland), que define também os seus
princípios e fundamentos. O desenvolvimento sustentável é tido ali como um processo de
transformação, no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação
do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as
necessidades atuais e futuras. Define desenvolvimento sustentável como sendo um processo
que busca satisfazer as necessidades e aspirações do presente, sem comprometer a
possibilidade das gerações futuras para atender a suas próprias necessidades.
Para Jara (1998), o desenvolvimento sustentável faz parte de uma mudança fundamental
nos pensamentos, atitudes e valores. Trata-se de uma reorientação ética, que reavalia os
relacionamentos da sociedade com a natureza e do Estado com a sociedade civil, à luz de
postulados, interdependentes de equidade social, equilíbrio ambiental, bem-estar econômico e
auto-determinação política.
Segundo Sachs (2003), percorreu-se um longo caminho desde a memorável reunião de
Founex, convocada como parte do processo preparatório para a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente Humano, de 1972, e projetada para explorar a relação entre
meio ambiente e desenvolvimento. Rejeitando as abordagens reducionistas representadas pelo
ecologismo intransigente e pelo economicismo de visão estreita, o Relatório Founex
estabeleceu um caminho intermediário entre o pessimismo da advertência dos malthusianos4 a
4
respeito do esgotamento dos recursos e o otimismo da fé dos cornucopianos5 a respeito dos
remédios da tecnologia. Embora reconhecendo a complexidade e gravidade tanto dos desafios
sociais como dos ambientais com os quais a humanidade se depara, tanto o Relatório Founex
como a Declaração de Estocolmo de 1972 e a Declaração de Cocoyoc de 1974 transmitiram
uma mensagem de esperança sobre a necessidade e a possibilidade de se projetar e
implementar estratégias ambientalmente adequadas, para promover um desenvolvimento
sócio-econômico eqüitativo, ou ecodesenvolvimento, uma expressão que foi mais tarde
rebatizada pelos pesquisadores anglo-saxões como desenvolvimento sustentável. Seminários
subseqüentes sobre estilos alternativos de desenvolvimento seguiram essa linha de raciocínio,
que encontrou eco no Relatório Bruntland e que no final levou à convocação da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) ou Eco-92, cujo
próprio título reconhece que o meio ambiente e o desenvolvimento são duas faces de uma
mesma moeda.
Destaca-se, ainda, segundo Sachs (2000), a ecologização do pensamento de Edgar Morin,
que acaba por submeter o homem à expansão do horizonte de tempo. Enquanto os
economistas estão habituados a raciocinar em termos de anos, no máximo em décadas, a
escala de tempo da ecologia amplia-se para séculos e milênios. Simultaneamente, é necessário
observar como as ações humanas afetam locais distantes de onde acontecem, em muitos casos
afetando ou trazendo implicações para todo o planeta. De acordo com a abordagem de Morin
(1975), os sistemas complexos sócio-ambientais correspondem a sistemas de reorganização
permanente, baseado numa lógica da complexidade. A concepção do desenvolvimento
sustentável baseia-se no enfoque de complexidade e considera as restrições estruturais da
5
organização do sistema sócio-ambiental e os limites de auto-organização e reprodução da
natureza.
Conforme comentam Furtado e Furtado (2003), apesar do discurso sobre o tema do
desenvolvimento sustentável, a partir do relatório da Comissão Bruntland, vê-se hoje que essa
concepção não tem se viabilizado na prática, devido ao seu atrelamento ao contexto onde o
desenvolvimento capitalista é predominante. O que se observa é que, sob a égide do
desenvolvimento sustentável, ainda se mantém o predomínio da racionalidade econômica nas
políticas de desenvolvimento, que considera a economia um setor independente do social, em
detrimento de outros bens e valores, tais como: os sociais, os políticos, a igualdade, a
participação democrática, a cultura, as diferentes etnias, e os naturais, o ambiente -
contrariando os próprios fundamentos do desenvolvimento sustentável.
Porém, os mesmos autores ressaltam que há a possibilidade de modos de produção e
intercâmbio não capitalista, mostrando que é possível pôr em prática as outras dimensões do
desenvolvimento sustentável, ou sejam, a social, a ambiental, a político-institucional e a
tecnológica, mesmo no contexto capitalista. Mencionam, como exemplo, a experiência do
IICA e do governo do Maranhão em comunidades quilombolas, indígenas, de trabalhadoras
rurais e de pescadores artesanais; esta última comentada em mais detalhes ao longo deste
trabalho.
Ao partir de uma visão holística, o uso do conceito de desenvolvimento sustentável requer
uma abordagem sistêmica da realidade (vista como uma totalidade). A proposta dessa
abordagem parte de uma base ética e demanda, portanto, solidariedade social e necessidade de
subordinação da dinâmica econômica aos interesses mais amplos da sociedade e às condições
do meio ambiente (MIRANDA et al., 1997).
Portanto, a verdadeira escolha não é entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre
2.1.1 Dimensões da sustentabilidade
O desenvolvimento sustentável deve ser concebido como um processo multidimensional e
intertemporal, no qual a competitividade, eqüidade e sustentabilidade estão apoiadas em
princípios éticos, culturais, institucionais e políticos, sócio-econômicos, ecológicos e
tecnológico-produtivos.
Conforme Miranda e Matos (2002), na prática, a aplicação do conceito de sustentabilidade
do desenvolvimento desdobra-se nas dimensões ambiental, econômica, tecnológica, social,
cultural e político-institucional, devendo ser operacionalizadas de forma holística, sistêmica e
integrada. Para que isso ocorra, é necessário que o enfoque dado a uma intervenção tenha uma
perspectiva de totalidade, ou seja, não deve ser segmentada ou setorializada, daí porque o
território, definido por sua identidade natural e cultural, passa a ser a unidade de planejamento
e de execução das ações de desenvolvimento local sustentável.
Ainda segundo os mesmos autores, as dimensões da sustentabilidade a serem levadas em
consideração, simultaneamente e de forma integrada, no planejamento do desenvolvimento
sustentável, são detalhadas a seguir:
1) Ambiental
Considera os ecossistemas particulares; a disponibilidade dos recursos naturais renováveis
e não-renováveis; a disponibilidade e a tendência de esgotamento dos recursos hídricos, dos
recursos florestais e da fauna, além de aspectos relacionados ao solo, relevo e clima.
Considera a influência presente e futura do homem na qualidade geral do meio ambiente
As linhas estratégicas eleitas para a dimensão geoambiental incluem o uso sustentável,
conservação e proteção dos recursos naturais; o ordenamento territorial; e o manejo adequado
dos resíduos, efluentes das substâncias tóxicas e resíduos radioativos (BRASIL, 2002b).
2) Econômica
Inclui a dinâmica geral da economia, considerando vários aspectos: relações
econômico-comerciais no contexto do território, estruturas produtivas, peso relativo dos setores
produtivos, condições e oferta de infra-estrutura, cadeias produtivas e complexos econômicos
relevantes, logística econômica, vantagens competitivas e potencialidades oferecidas pelo
mercado. Sachs (2003) afirma que a eficiência econômica deve ser avaliada em termos
macrossociais, e não apenas por meio do critério da rentabilidade empresarial de caráter
microeconômico.
3) Tecnológica
Diz respeito a uma visão do padrão tecnológico dominante no território e ao nível de
produtividade geral e diferenciado por setor ou segmento da economia. Considera
qualitativamente os pontos de estrangulamento, as carências e as demandas que afetam a
produtividade e comprometem a qualidade dos produtos, ao visar um aumento de produção
associado à sustentabilidade ambiental.
4) Social
Considera a evolução geral da população, sua estrutura e suas tendências, relações sociais,
emprego e estrutura de renda, cidadania, oferta e qualidade da infra-estrutura social, situação
geral da educação e da formação de recursos humanos, relações de trabalho, estrutura
Conforme ressalta Sepulveda (2005), essa dimensão tem a população como referencial
obrigatório.
De acordo com Sachs (2003), a meta da sustentabilidade social é construir uma civilização
com maior eqüidade na distribuição de renda e de bens, de modo a reduzir o abismo entre os
padrões de vida dos ricos e dos pobres.
5) Cultural
Considera uma análise antropológica dos grupos sociais dos territórios e suas diferentes
manifestações histórico-culturais, artísticas e artesanais. Compreende a identidade cultural
comum e a sua tradução nas diferentes formas de manifestação, os valores religiosos, éticos e
morais, as formas de relacionamento, as redes de solidariedade e cooperação existentes.
Para Sachs (2000), os critérios da sustentabilidade cultural relacionam-se com o equilíbrio
entre respeito à tradição e inovação; a capacidade de autonomia para elaboração de um
projeto nacional integrado e endógeno; e a autoconfiança combinada com abertura para o
mundo.
6) Político-institucional
Ainda conforme Miranda e Matos (2002), esta dimensão está relacionada com o exercício
do poder local e relações externas com distintas instâncias de poder. Leva em conta a análise
do sistema político e a estrutura de poder prevalecente, atores sociais e seus interesses,
organização do Estado e da sociedade, governabilidade, situação geral do setor público,
relações estado-sociedade, nível de organização e participação da sociedade.
As linhas estratégicas para esta dimensão incluem a integração entre desenvolvimento e
meio ambiente na tomada de decisões; a descentralização para o desenvolvimento sustentável;
sustentável; a cooperação, coordenação e fortalecimento da ação institucional; e os
instrumentos de regulação (BRASIL, 2002b).
Segundo Sepulveda (2005), nessa dimensão se definem os grupos e os papéis
hegemônicos dos atores que representam os diversos grupos de interesse e se explicitam os
diversos tipos de equilíbrio político, por meio de processos de negociação.
2.1.2 Desenvolvimento local sustentável
Ao enfocar o desenvolvimento local sustentável, surgem algumas questões que merecem
uma abordagem, embora primária, que facilitam a compreensão do contexto do
desenvolvimento com enfoque no território e ênfase na participação social.
É possível o desenvolvimento local dentro de um processo geral de globalização? Falar
em desenvolvimento local não seria um paradoxo diante da ampliação e consolidação do
processo de globalização? O desenvolvimento sustentável constitui-se em uma teoria,
abordagem, modelo ou estilo?
As respostas às inquietações acima começam a surgir a partir da compreensão da chamada
globalização. As profundas transformações por que vem passando a humanidade,
principalmente a partir desta década, trazem novos desafios para se pensar uma nova
realidade.
Conforme Furtado e Furtado (2000), a compreensão do espaço-tempo, em função do
encurtamento das distâncias espaciais e da rapidez da informação, mostra o resultado de
avanços tecnológicos que permitiram um novo tipo de “globalização” econômico-financeira,
implicando em uma reestruturação da organização social, no aparecimento de novas
dinâmicas sociais e na recomposição do espaço rural. Nesse cenário, o movimento de
surgir outras instituições. Em conseqüência, emerge a necessidade dos organismos locais
intervirem em seus ambientes, para a mobilização da sociedade e exploração de suas
potencialidades, como forma de se relacionarem com autonomia diante da internacionalização
da economia.
Ultimamente, no âmbito nacional, observa-se um processo de descentralização, onde a
Federação repassa responsabilidades para os Estados e municípios e dos Estados para os
municípios. Nessa perspectiva, a sociedade enfrenta o desafio de protagonizar processos.
O fortalecimento do poder local, concretizando-se, consolida os territórios atuais e
possibilita a construção de outros, melhorando a capacidade dos atores econômicos locais de
manejar e valorizar ativos específicos das regiões em que habitam (ABRAMOVAY, 2003).
Cabe ressaltar que o local não se opõe ao regional ou ao nacional, devendo haver
comunicação e interação na relação local-regional-nacional.
Desse contexto globalizante emerge, assim, a abordagem de Desenvolvimento Local
Sustentável, que enfatiza a dimensão territorial do desenvolvimento, considerando as pessoas
e as instituições como atores sociais. Considera que as comunidades devem explorar
características e potencialidades próprias, na busca de especialização de atividades que lhes
tragam vantagens comparativas de natureza econômica, social, política e tecnológica,
aumentando a renda e as formas de riqueza e respeitando a necessidade de preservação dos
recursos naturais renováveis. Envolve a relação entre as dimensões ambiental,
sócio-econômica, cultural, tecnológica e político-institucional (FURTADO; FURTADO, 2000).
De acordo com Sachs (2002, p. 41):
Todo desenvolvimento tem uma base eminentemente local. Embora os processos que
resultam em desenvolvimento, ou na falta dele, transcendam o plano local, é no lugar
que se manifesta sua presença ou ausência. É aí que se dá a participação e interação
entre os atores, que se explicitam e negociam conflitos, que se forjam compromissos e
Nesse sentido, o reforço do poder local permite, mesmo que não assegure, criar equilíbrios
mais democráticos frente ao poder centralizado.
Buscando entender o termo desenvolvimento local sustentável, vários autores tentaram
conceituá-lo, a exemplo de Buarque (1999, p. 9):
Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado em pequenas unidades
territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a
melhoria da qualidade de vida da população. Representa uma singular transformação
nas bases econômicas e na organização social em nível local, resultante da
mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades e
potencialidades específicas.
Este autor destaca ainda que a lógica do desenvolvimento local e da sustentabilidade com
suas diversas dimensões se contrapõe ao modelo tradicional de desenvolvimento, baseado em
políticas de crescimento econômico, homogêneas e desconectadas da realidade e anseios
locais. Porém, a questão central do desenvolvimento não está baseada apenas na estrutura e no
funcionamento da economia, mas na forma e na dinâmica social, onde a economia deixa de
ser ponto único de direcionamento e passa a ser uma das regulações emanadas da sociedade,
além das demais regulações sociais e políticas democráticas.
Para Jara (1998), o fomento do desenvolvimento local depende muito da interação e da
articulação dos diversos atores sociais e econômicos, institucionais, públicos e privados.
Ressalta que precisamos de um desenvolvimento local centrado no homem, porque a raiz de
todo desenvolvimento sempre é o homem.
Nesse sentido, Sachs (2002) conclui que o crescimento econômico, embora necessário,
não é condição suficiente para o desenvolvimento, dado que este implica progressos