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Introdução da bubalinocultura na Baixada Maranhense e o histórico do conflito

1 INTRODUÇÃO

3.2 Baixada Maranhense

3.2.1 Introdução da bubalinocultura na Baixada Maranhense e o histórico do conflito

No final dos anos de 1950 e começo da década de 1960, no então Governo Newton Bello, teve início a experiência de utilização dos campos da Baixada Maranhense para a criação de búfalos, com a justificativa de tornar possível o desenvolvimento da região. Segundo parecer do engenheiro agrônomo Rufino Fernandes (2004) sobre a criação de búfalos na Baixada, técnicos do Ministério da Agricultura e do Instituto Agronômico do Norte, com sede em Belém-PA, realizaram visitas à Baixada no mencionado período e indicaram a região como propícia à bubalinocultura. Essa indicação se deu também, com uma visão simplista na época, em função da experiência obtida com a criação de búfalos na Ilha de Marajó, cujas características acreditavam ser as mesmas da Baixada Maranhense11.

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Há controvérsias sobre as características semelhantes entre a Ilha de Marajó e a Baixada Maranhense. A Ilha de Marajó, onde a criação bubalina, em sua maioria, também é extensiva, possui uma área maior (50.000 km2) se comparada com a Baixada Maranhense (17.750,35 km2). Segundo o GEPEC (MARANHÃO, 2004a), há diferenças históricas na introdução da bubalinocultura nesses dois ambientes. Na Ilha de Marajó a ocupação humana (com registro de povos caçadores e coletores) remonta desde período anterior ao descobrimento do Brasil, sendo os búfalos introduzidos em uma área com baixa incidência populacional no passado; enquanto que na Baixada Maranhense, havia um maior adensamento populacional, quando o búfalo foi introduzido na segunda metade do século XX.

Data dessa época a instalação da Fazenda Experimental de Bubalinos pertencente à Secretaria Estadual de Agricultura do município de Pinheiro, e da Fazenda Experimental de Pascoal, pertencente ao Ministério da Agricultura e situada no município de Peri-Mirim. A instalação da Fazenda Bubalina de Pinheiro se deu com a doação de cem animais pelo Instituto de Pesquisa e Experimentação Agronômica do Norte, Belém.

Em face do resultado dessas fazendas experimentais, foi definido, no Governo Sarney (1966), o Programa de Introdução de Bubalinos do Estado do Maranhão, com aquisição de quinhentos búfalos com recursos do próprio Estado, visando o financiamento a criadores.

No Governo Antônio Jorge Dino (1970), foram adquiridos bubalinos da Ilha de Marajó e completados com animais de descarte de sua própria fazenda, para financiamento de um total de cento e cinqüenta búfalos a criadores da Baixada. Assim, os vários proprietários rurais de mais posse compravam os exemplares trazidos de Marajó.

Em 1972, foi composta uma comissão de seleção e recebimento de bubalinos da Fazenda Maicuru, do Ministério da Agricultura, localizada no município de Monte Alegre, no Estado do Pará, que resultou na aquisição de oitocentos bubalinos, com recursos do Tesouro do Estado do Maranhão, que foram entregues ao Fundo de Revenda para financiamento aos criadores da Baixada.

No Governo Nunes Freire (1975) foram adquiridos do Estado de São Paulo sessenta reprodutores bubalinos da raça Murrah, que foram financiados aos criadores maranhenses com o objetivo de melhoria zootécnica do rebanho. Assim, no âmbito do Programa de Bubalinização da Baixada, houve financiamento de ternos e quadras de bubalinos aos criadores, além de distribuição de búfalos. Mediante incentivo dos Governos Federal e Estadual, o Programa foi adquirindo receptividade, incrementando-se, assim, a criação da raça Murrah nos municípios da Baixada.

Nesse contexto, passou a existir financiamento dos bancos oficiais aos criadores de bubalinos, com recursos incentivados, a exemplo do Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste do Brasil, Banco do Estado do Maranhão e o extinto Banco de Desenvolvimento do Maranhão.

Ainda segundo o citado parecer, de modo geral, a justificativa para introdução do búfalo na Baixada Maranhense era transformar as pastagens naturais de baixa qualidade em produção de carne, trabalho e leite. Nas fazendas experimentais, os búfalos eram abatidos com dois ou três anos, enquanto que os bovinos criados naquela mesma região precisavam de cinco a dez anos e ainda assim com peso inferior ao dos búfalos.

Destaca-se ademais que os técnicos do Estado e da União, quando definiram a região da Baixada como adequada à bubalinocultura, mencionaram que a bovinocultura não se desenvolvia satisfatoriamente na região face às condições adversas, determinadas pela baixa qualidade das pastagens, em função da influência das águas salgadas das marés que adentravam nos campos, por meio de uma rede capilar de corpos d´água, resultando assim em redução de seu valor comercial. Segundo esses técnicos, os búfalos, ao contrário dos bovinos, conseguiam se alimentar satisfatoriamente com essas forrageiras nativas dos campos naturais, transformando-as em proteína.

Porém, conforme pesquisa documental e de campo, percebe-se que a introdução do búfalo na Baixada não ocorreu de forma planejada e estruturada, com base em estudos técnico- científicos e previsão dos impactos sociais e ambientais de longo prazo, o que acabou resultando em sérios conflitos na região. No passado, prevalecia a preocupação econômica, não ecológica, de aproveitamento das áreas da Baixada. O modelo criatório introduzido àquela época não foi positivo ao meio ambiente, aos moradores da região, ou mesmo aos búfalos. De modo geral, não houve também melhoramento da raça em função de casos de consangüinidade.

Outro aspecto que merece destaque é a relação de origem desses conflitos com a questão fundiária, em função da alta concentração da posse de terra no Estado do Maranhão.

Como a introdução da bubalinocultura foi realizada sem o planejamento de um adequado manejo, a criação desses animais na maioria dos municípios era feita sem controle, de forma extensiva, ou seja, soltos nos campos naturais e com livre acesso aos corpos d´água da região. Assim, com o início da criação de búfalos na Baixada apareceram conseqüentemente os conflitos sócio-ambientais. O relato de acontecimentos violentos envolvendo trabalhadores, pescadores, proprietários e seus búfalos era cada vez mais freqüente. Assim, o cenário na região se desenvolvia para os seguintes fatos envolvendo a relação bubalinocultura, pesca e meio ambiente: invasões de residências, com ataque a pessoas; pisoteios de plantações por búfalos, com destruição de roças; ameaças, mortes e violências de vaqueiros contra trabalhadores; prisões arbitrárias de trabalhadores; morte de búfalos, onde se cortavam as juntas e furavam seus olhos, por parte dos trabalhadores; arraste de redes de pesca nos lagos; destruição da vegetação natural, tanto dos campos quanto dos lagos e rios; contaminação das águas; queimadas provocadas por proprietários de búfalos sob o escopo de dar lugar às pastagens; diminuição de espécies da fauna e flora; compactação do solo e desequilíbrio do ecossistema; contaminação dos campos em função da exposição de carcaças de animais mortos; presença de animais nas estradas e rodovias públicas, causando acidentes; limitação de acesso dos pescadores aos lagos em função de cercamento dos campos em áreas maiores que as de direito pelos grandes criadores; entre outros.

Cabe mencionar, diante desse contexto conflituoso e tenso, a existência de três correntes de pensamento existentes na relação bubalinocultura, pesca e meio ambiente na região. A primeira diz respeito à posição contrária da permanência dos búfalos na Baixada, restando como solução apenas a sua retirada total dos campos naturais, defendida por diversos pescadores artesanais que vivem apenas dessa atividade pesqueira. A segunda é a corrente

favorável à criação extensiva da forma como era feita desde sua introdução, defendida ainda por vários criadores de búfalos, em função da redução dos custos nessa modalidade de criação. E já a terceira entende ser melhor a criação bubalina com um manejo adequado, com defensores de várias frentes para um maior disciplinamento de uso dos campos naturais, por uma questão de ordem de ocupação. Ao final deste trabalho, será apresentado o levantamento de soluções realizado com diversos atores sociais envolvidos na questão.

Outro aspecto que merece ser comentado e analisado se refere à aquisição de búfalos pelos pequenos agricultores, ou por doação, compra ou sistema de sorte (pelo trabalho na fazenda, o vaqueiro/agricultor recebe um a cada três ou quatro búfalos que nascem). Atualmente parte do rebanho também está nas mãos de médios e pequenos criadores, sendo alguns produtores rurais e pescadores. Comenta-se que após o acirramento das questões ambientais e sociais, os defensores da criação de búfalos nos campos abertos adotaram a estratégia de doar algumas cabeças de búfalos aos pequenos produtores rurais para diminuir a resistência, vendendo a idéia de que o búfalo funcionaria como uma poupança ao pobre.

Segundo relato da Secretária de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Dra. Conceição Andrade, o conflito entre a bubalinocultura e a pesca artesanal é antigo. Na época da Constituinte Estadual, em 1988, havia todo um trabalho no sentido de evitar a criação de búfalos na Baixada, tanto que a Constituição Estadual de 1989 aborda o tema. Assim, esse conflito no começo foi uma discussão muito político-ideológica, não houve a preocupação, enquanto Estado, ONG ou qualquer tipo de instituição, de se realizar um estudo técnico-científico sobre o manejo adequado do búfalo nos campos da Baixada, um zoneamento pertinente para esse tipo de atividade. Era mais uma luta de classe, entre os pequenos e os grandes. A igreja, o partido de esquerda e aqueles que apoiavam os mais pobres eram contra a criação extensiva de búfalos na Baixada. Já os da direita e em favor dos grandes proprietários defendiam a criação. Como se percebe, depois da Constituinte, com uma

abordagem na Constituição Estadual sobre o tema, houve uma redução grande da atividade. Os prefeitos assumiram esse lema e resolveram eliminar os búfalos da Baixada, como exemplo o prefeito de Anajatuba. O próprio governador na época da Constituinte, Cafeteira, levantou essa bandeira política na campanha, contra os búfalos na Baixada.

Com a finalidade de definir quais terras eram públicas e privadas, o Estado discriminou alguns municípios da Baixada, concluiu o processo, porém o mesmo ficou paralisado posteriormente em função da entrada com liminar por parte de dois proprietários rurais contra a discriminatória.

Em seguida houve uma calmaria, sendo a discussão retomada a partir da mobilização do Ministério Público para proteção da Baixada Maranhense e da realização do curso promovido pela SEAGRO/IICA com pescadores artesanais, em 2003.

No âmbito do município de Olinda Nova do Maranhão percebe-se que se trata de um espaço territorial pequeno para a concentração de búfalos existentes e itinerantes, que apesar de não ser a região de maior concentração de animais e de conflitos mais acirrados, o potencial do conflito é presente e reconhecido pela comunidade local.

Apesar de todo essa bravata que houve em relação à negação do búfalo na Baixada, não foi realizado de forma participativa um zoneamento específico para a região, com base em um estudo sobre o manejo adequado daquele tipo de criação, e análise das possibilidades de uma convivência pacífica entre a bubalinocultura e a pesca artesanal.

Porém cabe ressaltar, ainda segundo um posicionamento da Secretária, que esse conflito está muito vinculado à questão fundiária na Baixada, devendo estar associado à reforma agrária, pois há uma grande concentração de terras na região. Na verdade, o problema nunca foi resolvido, foi apenas amenizado e silenciado. Sua resolução envolve um estudo técnico e um grande debate e mobilização social com a participação da comunidade local sobre a criação de búfalo, agricultura familiar e pesca artesanal.