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PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES NOS PRIMEIROS ANOS DO GABINETE DE LEITURA DE JUNDIAÍ (1908-1924)

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

PAULO HENRIQUE DE OLIVEIRA

PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES NOS PRIMEIROS ANOS DO GABINETE DE LEITURA DE JUNDIAÍ (1908-1924)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

PAULO HENRIQUE DE OLIVEIRA

PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES NOS PRIMEIROS ANOS DO GABINETE DE LEITURA DE JUNDIAÍ (1908-1924)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História Social, sob a orientação da professora. Dra. Estefania Knotz Canguçú Fraga.

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

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BANCA EXAMINADORA

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______________________________________________

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Mo ti dedicate

ẹni ti yoo fun mi ni agbara ẹni ti yoo fun mi ni ifaya ọkan ti o mu ki mi fò

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AGRADECIMENTOS

A caminhada da pesquisa é trajetória que não se percorre totalmente só. Durante o trajeto, se depara com aqueles que estão no mesmo caminho, abertos ao diálogo, a compartilhar experiências e a construir saberes. E mesmo quando se está só para escrever, as lembranças do que se viveu em conjunto tornam presentes as ausências de todos os caminhantes. Felizmente, no percurso desta pesquisa, deparei-me com pessoas e instituições que em muito contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho. Deixo aqui os meus agradecimentos.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduandos em História Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a todo o seu corpo docente.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de estudos, que me possibilitou dedicar tempo e esforços para a realização desta pesquisa.

À minha estimada orientadora professora Dra. Estefania Knotz Canguçú Fraga. Não imaginava poder receber tanta atenção e dedicação de uma mestra. Agradeço-lhe pelas inúmeras possibilidades que me concedeu de estar ao seu lado, aprendendo a construir um pensamento reflexivo sobre a história. Suas contribuições teórico-metodológicas são muito importantes e certamente sempre nortearão o meu fazer de historiador. Obrigado ainda pelo zelo para comigo e para com a pesquisa. Você sempre se colocou à disposição para esclarecer as dúvidas e afastar as incertezas. Pessoalmente, por telefone, por mensagens através do WhatsApp ou Facebook, pela manhã, à tarde, à noite ou na madrugada. Nunca mediu esforços para que a nossa comunicação se desse a qualquer hora e em quaisquer circunstâncias. Espero permanecer em constate diálogo com você.

Ao professor Dr. Fernando Torres Londoño, da PUC-SP, que me ensinou o caminho, não o das pedras, mas o da pesquisa. Foi o primeiro a sentar-se comigo e me ouvir dizer que desejava estudar algo sobre livros. Graças a sua colaboração, ingressei no Mestrado.

As professoras Dra. Yone de Carvalho, Dra. Olga Brites, Dra. Maria do Rosário Cunha Peixoto e Dra. Maria Antonieta Martines Antonaci, mulheres fortes, intelectuais e inspiradoras. Suas aulas e seminários são fontes para que todo sujeito social aprenda a ler sua realidade e passe a transformá-la.

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Aos profissionais do Centro de Memória de Jundiaí (CMJ), em particular a Juliana Silveira, por junto comigo vasculhar caixas e mais caixas em busca de “fontes”.

À Maria Célia de Barros Silva, revisora, que pacientemente tentou me ajudar a ser menos “rococó”, em minha forma de escrever, espero ter conseguido. Aprendi muito com você. Obrigado.

Aos colegas de Pós-Graduação Ana Lúcia Melo, Paula Rizzo, Cristina Cardoso, Cleyton Costa, Rodolfo Almeida, Amanda Alexandre e Karine Bernadino. Tê-los como companheiros de pesquisa contribuiu grandiosamente para que esses dois anos passassem em meio a risadas, conversas, alegrias e sutilezas.

À Cleonice Nascimento, companheira de pesquisa que se tornou amiga para toda a vida. É certo que sem a sua pessoa muito deste trabalho não teria se desenvolvido. Foi durante os cafés, nos rápidos lanches e almoços, nas conversas nos corredores e na biblioteca, nas idas e vindas pelo trânsito de São Paulo, que pude amadurecer ideias, abrir horizontes, trocar experiências e aprimorar a pesquisa. Tudo isso com você ao meu lado. Obrigado amiga. Sem dúvida, uma das melhores coisas desses dois anos de pesquisa foi conhecê-la.

À querida amiga Zibia Santana, que mesmo na correria do dia a dia, sem quase nos vermos, sei que torce e vibra por mim

Aos queridos colegas de profissão, que compartilham comigo suas práticas docentes e me ensinam a melhorar cada vez mais. Obrigado professores dos colégios Oliveira Telles e Luterano São Paulo.

À minha família, Ana Paula, Tiffany, Gabriel e Carlinhos. Vocês são o meu mundo, aqueles por quem todo dia luto para que tenhamos uma vida feliz.

À Suely Oliveira, minha mãe. Seu carinho, dedicação, cuidado e amor para comigo são fundamentaispara que eu possa viver.

À família Mendes Silva, por me receber em sua casa, permitir que eu passasse horas, dias e semanas, lendo e pesquisando.

Aos meus guias espirituais, que caminham comigo na jornada da vida, dando-me luz, intuição e direcionamento.

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É tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer. Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. As vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

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OLIVEIRA, Paulo Henrique de. Práticas e representações nos primeiros anos do Gabinete de Leitura de Jundiaí (1908-1924). 2015. 202f. Dissertação (Mestrado em História Social), Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2015.

RESUMO

A pesquisa tem por objetivo compreender o processo de surgimento do Gabinete de Leitura de Jundiaí. Fundado no ano de 1908, no município de Jundiaí, localizado na região oeste do Estado de São Paulo. A Instituição foi criada por um grupo de trabalhadores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Tinha por finalidade ser um espaço para a instrução, promovendo uma sociabilidade livresca, através de conferências e cerimoniais literários e uma escola de primeiras letras aos associados e frequentadores. Configurou-se como um espaço destinado aos livros, aos leitores e à prática da leitura, sendo a primeira biblioteca pública da cidade de Jundiaí. A partir das Atas de Reuniões, produzidas entre 1908-1924, analisam-se as práticas sociais dos membros da instituição, que se reuniam em Assembleias Gerais ou em reuniões de Diretoria. Investiga-se a representação da Instituição como um espaço para a prática da cultura letrada. Para tanto, utilizaram-se as noções formuladas por Roger Chartier, práticas e representações, na tentativa de compreender como uma realidade social estava sendo construída, pensada e dada a ler, pelos fundadores e sócios do Gabinete de Leitura, entendendo que as práticas constroem representações no mundo social. A pesquisa também analisa a biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí. Em 1957, o bibliotecário da instituição produziu um catálogo de obras contendo 9.027 livros descritos (entre obras nacionais e estrangeiras), listando-os apenas por título e autor. O catálogo abarca todas as obras que compunham o acervo da instituição desde a sua fundação. Desse modo, realizaram-se a classificação e a ordenação das obras, a partir da Classificação Decimal Dewey, com o objetivo de identificarem-se as preferências literárias, uma vez que os livros eram comprados de acordo com as escolhas dos leitores, podendo-se assim obter um panorama dos principais gêneros literários. Por fim, constata-se que o tempo e o espaço, que marcam o surgimento do Gabinete de Leitura de Jundiaí são reveladores de um período de transformação, em que novos arranjos sociais eram experenciados, na ordem da Primeira República.

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OLIVEIRA, Paulo Henrique de. Practices and representations in the early years of the Jundiaí Reading Room (1908-1924). 2015. 202f. Master Thesis in Social History.Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2015.

ABSTRACT

The research aims to understand the process of emergence of Jundiaí Reading Room. Founded in 1908, in Jundiaí, located in the western region of São Paulo. The institution was created by a group of workers of Railroads of Companhia Paulista. It was intended to be a space for education, fostering a bookish sociability, through literary conferences and ceremonies and a school of first letters to members and patrons. It was configured as a space dedicated to books, readers and practice of reading, the first public library in the city of Jundiaí. From Meeting Minutes, produced between 1908-1924, analyzes the social practices of officials, who gathered in General Meetings or Board meetings. Investigates the representation of the institution as a space for the practice of literacy. Therefore, we used the ideas formulated by Roger Chartier, practices and representations in an attempt to understand how a social reality was being built, and thought given to read, by the founders and members of the Reading Room, understanding that practices build representations the social world. The survey also looks at the Library of Jundiaí Reading Room. In 1957, the librarian of the institution produced a catalog of works containing 9.027 books described (between domestic and foreign works), listing them only by title and author. The catalog covers all the works that made up the collection of the institution since its foundation. Thus, there were the classification and sorting of the articles from the Dewey Decimal Classification, in order to identify to the literary preferences, once the books were purchased according to the choices of the readers being able to so get an overview of the major literary genres. Finally, it appears that the time and the space, marking the emergence of Jundiaí Reading Room are revealing a period of transformation, in which new social arrangements were experienced in the First Republic order

.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Atas de reuniões do Gabinete de Leitura de Jundiaí e o exemplar do

Jornal O Gabinete... 19

Figura 2 – Localização do município de Jundiaí no Estado de São Paulo... 39

Figura 3 – Recorte do Catálogo de Obras... 48

Figura 4 – Rua do Rosário, centro da cidade de Jundiaí... 52

Figura 5 – Sede atual do Grêmio C.P... 67

Figura 6 – Programa de uma Soriée do Grêmio C.P... 68

Figura 7 – Centro Espírita Fraternidade e a Loja Maçônica Amor e Concórdia... 74

Figura 8 – Loteamentos e ruas abertas, em Jundiaí, até 1900... 77

Figura 9 – Igreja Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí... 78

Figura 10 – Estação da Companhia Paulista em Jundiaí em 1909... 79

Figura 11 – Arruamento da Avenida São João, em 1897... 80

Figura 12 – Rua Barão de Jundiaí, década de 1910... 81

Figura 13 – Território ocupado pelo Núcleo Colonial em Jundiaí... 82

Figura 14 – Padaria e Confeitaria Pauliceia, em 1906. ... 88

Figura 15 – Mapa da Cidade de Jundiaí 1900... 94

Figura 16 – Folhas das atas de reuniões da diretoria... 95

Figura 17 – Benedito Ferraz... 112

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Figura 19 – Tibúrcio Siqueira... 114

Figura 20 – Charge de Tibúrcio Siqueira... 115

Figura 21 – Waldomiro da Costa... 116

Figura 22 – Charge de Waldomiro da Costa... 116

Figura 23 – Conrado Offa e família... 117

Figura 24 – Inauguração da nova sede do Gabinete de Leitura de Jundiaí... 129

Figura 25 – Desenho da bandeira e do emblema criados para o Gabinete de Leitura de Jundiaí. ... 128

Figura 26 – Desenho do escudo criado para o Gabinete de Leitura de Jundiaí.... 128

Figura 27 – Páginas do Catálogo de Obras... 130

Figura 28 – Estantes da biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí 1926... 137

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Valores auferidos com as mensalidades em 1908 (mil-réis)... 60

Gráfico 2 – Valores auferidos com as mensalidades em 1909 (mil-réis)... 60

Gráfico 3 – Quantidade de sócios contribuintes (1908-1917)... 61

Gráfico 4 – Valores auferidos com as mensalidades em 1910 (mil-réis)... 63

Gráfico 5 – Valores auferidos com as mensalidades em 1911 (mil-réis)... 63

Gráfico 6 – Número de habitantes da cidade de Jundiaí (1872-1920)... 83

Gráfico 7 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por área do conhecimento... 143

Gráfico 8 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/000 - Generalidades)... 144

Gráfico 9 – Autores com maior número de obras (CDD/000-Generalidades)... 145

Gráfico 10 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/100-Filosofia) ... 146

Gráfico 11 – Autores com maior número de obras (CDD/100-Filosofia)... 147

Gráfico 12 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/200- Religião) ... 148

Gráfico 13 – Autores com maior número de obras (CDD/200- Religião)... 149

Gráfico 14 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/300- Ciências Sociais) ... 150

Gráfico 15 – Autores com maior número de obras (CDD/300- Ciências Sociais)... 151

Gráfico 16 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/400 Línguas)... 152

Gráfico 17 – Autores com maior número de obras (CDD/400- Línguas) ... 153

Gráfico 18 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/500- Ciências Puras) ... 154

Gráfico 19 – Autores com maior número de obras (CDD/500- Ciências Puras)... 155

Gráfico 20 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/600-Tecnologia)... 156

Gráfico 21 – Autores com maior número de obras (CDD/600- Tecnologia)... 157

Gráfico 22 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/700- Artes) ... 158

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Gráfico 24 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/800- Literatura e Retórica) ... 160 Gráfico 25 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal -810

Literatura Americana) ... 161 Gráfico 26 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 820

Literatura Inglesa) ... 162 Gráfico 27 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 830

Literatura Alemã) ... 163 Gráfico 28 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 840

Literatura Francesa) ... 164 Gráfico 29 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 850

Literatura Italiana) ... 167 Gráfico 30 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 860

Literatura Espanhola) ... 166 Gráfico 31 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 869

Literatura Portuguesa)... 167 Gráfico 32 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal -

869.9 Literatura Brasileira)... 168 Gráfico 33 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 870

Literatura Latina)... 169 Gráfico 34 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 880

Literatura Grega, Clássica e Moderna) ... 169 Gráfico 35 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 890

Outras Literaturas)... 170 Gráfico 36 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD–

900 História e Geografia)... 171 Gráfico 37 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 900

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Classificação Decimal Dewey... 45

Tabela 2 – Jornais locais de Jundiaí (1908–1926)... 87

Tabela 3 – Escolas existentes em Jundiaí (1908– 1926)... 89

Tabela 4 – Nacionalidades dos sócios contribuintes (1912–1917)... 106

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

CAPÍTULO I – O GABINETE DE LEITURA E SUAS REPRESENTAÇÕES NA CIDADE DE JUNDIAÍ ... 52

1.1 Na contadoria, o advento de uma ideia... 53

1.2 Um lugar de leitura se mantém com leitores ... 58

1.3 Sociabilidade ferroviária... 65

1.4 Para a cidade, um Gabinete de Leitura ... 75

CAPÍTULO II - A PRÁTICA REPRESENTA A LETRA ... 95

2.1 O projeto educacional: a escola de Primeiras Letras ... 96

2.2 O Grêmio Literário ... 104

2.3 Homens de letras ... 106

2.4 Entre o público e o privado... 118

CAPÍTULO III - DA ESTANTE A PÁGINA: A BIBLIOTECA DO GABINETE DE LEITURA DE JUNDIAÍ E SEU CATÁLOGO DE OBRAS ... 130

3.1 Compondo um acervo ... 131

3.2 Ordenando o desordenado ... 135

3.3 As preferências de leituras ... 143

3.4 Os livros de romances: mulheres leitoras? ... 176

CONSIDERAÇÕESFINAIS ... 180

FONTES E REFERÊNCIAS ... 186

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa propõe-se a analisar o surgimento do Gabinete de Leitura de Jundiaí, fundado no ano de 1908, no município de Jundiaí, localizado na região oeste do Estado de São Paulo. A menção a essa instituição encontra-se descrita na dissertação de mestrado da historiadora Ana Luiza Martins, Gabinetes de Leitura da Província de São Paulo: a pluralidade de um espaço esquecido 1847-1890, (1990), examinada durante o processo para a elaboração de uma monografia, apresentada ao curso de Pós-Graduação, lato sensu, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP): História, Sociedade e Cultura, no decurso do 2° semestre do ano de 2012, cujo objetivo era investigar os caminhos e lugares do livro e da leitura no Brasil.

Em sua pesquisa, Martins apresenta uma geografia cultural sobre a Província de São Paulo, em que os Gabinetes de Leitura, precedentes às bibliotecas públicas fomentadas pelo Estado, emergiram em maior número, nas regiões do oeste e litoral paulistas, em relação a outras Províncias do Brasil, acentuadamente no período entre 1860-1888.

Iguape (1847), Sorocaba (1867), Itu (1873), Rio Claro (1876), Ubatuba (1876), Itapeva (1878), Tatuí (1879), Jundiaí (1882)1, Avaré (1887), São Vicente (1888), dentre outras, são apenas alguns exemplos de cidades, que durante a segunda metade do século XIX, de acordo com as respectivas datas de surgimento, possuíam Gabinetes de Leitura. Martins localizou 20 deles, por meio dos poucos registros existentes. As regiões às quais esses Gabinetes de Leitura se inseriram apresentavam uma economia em crescimento, pois as cidades sediavam importantes empresas de estradas de ferro (Companhias: D. Pedro II, São Paulo Railway, Paulista, Sorocabana, Mogiana e Ituana), com estações e linhas férreas, responsáveis por promover o trânsito de produtos agrícolas, mercadorias e pessoas, demarcando as transformações urbanas, comerciais e socioculturais características da época.

Atualmente, no Estado de São Paulo, restam apenas 3 Gabinetes de Leitura, nas cidades de Rio Claro, Sorocaba e Jundiaí, espaços que, segundo Martins “foram esquecidos pela historiografia”2. Imbuída então desta acepção, interessou a esta pesquisa a investigação,

a priori, sobre a permanência dessas instituições, existindo e resistindo até os dias atuais, no Estado de São Paulo.

1 O Gabinete de Leitura surgido em Jundiaí em 1882, não corresponde ao Gabinete de Leitura, objeto desta pesquisa, fundado em 1908, também na cidade de Jundiaí. Trata-se de instituições distintas, questão que será abordada ao longo do trabalho.

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Martins tem como ponto central de sua análise os Gabinetes de Leitura de Sorocaba e Rio Claro, onde um acervo de múltiplas fontes (atas de reuniões, catálogos de obras e jornais locais das cidades) proporcionou um estudo pormenorizado dessas instituições. Em sua pesquisa, a autora menciona apenas o surgimento desses Gabinetes e faz um breve relato sobre a existência e a curta experiência dos demais 18 Gabinetes de Leitura da Província, certamente devido à escassez de fontes sobre essas instituições e que a historiadora conseguiu localizar durante seu trabalho metodológico.

Nesse panorama, buscando um contributo à historiografia cultural brasileira e por tratar-se de um objeto ainda não aprofundado, em termos de pesquisa acadêmica e por existir atualmente, optou-se por se enveredar pela investigação sobre o Gabinete de Leitura da cidade de Jundiaí. Desse modo, a pesquisa foi a campo.

Localizado no centro da cidade, o Gabinete de Leitura de Jundiaí forma – se se pensar por uma linha imaginária – um triângulo com patrimônio e monumento histórico. À sua direita, a poucos metros de distância, encontra-se o Solar do Barão, museu histórico e cultural da cidade de Jundiaí, tombado como patrimônio no ano de 1970. À esquerda está a Igreja Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí, criada originalmente como capela, em 1651, símbolo da fundação e do surgimento da cidade, que, ao redor da instituição católica, foi se desenvolvendo, durante o século XVII. Atualmente o monumento se expressa até mesmo em cartões postais.

O Gabinete de Leitura de Jundiaí foi também tombado como patrimônio histórico e cultural, no ano de 2010, durante um longo processo de inventariamento, realizado pela própria historiadora Martins, funcionária do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), unidade da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo3.

Nas dependências da instituição, no térreo, depara-se com um lugar de amplo espaço, salas formando diferentes ambientes, acomodando mesas, cadeiras, uma Secretaria e lanchonete para os funcionários e frequentadores; quadros de personalidades da cidade de Jundiaí, muitas janelas, trazendo luz ou somando luz aos livros enfileirados em estantes, da biblioteca.

Durante o contato com os funcionários do Gabinete de Leitura, procuraram-se encontrar informações e elementos que remetessem à história local: a mobília, os livros, a

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biblioteca e a materialidade do ambiente como um todo4. Com a autorização do diretor João Borin, obteve-se acesso às instalações da instituição. Ele inicialmente informou que o acervo não possuía “nenhuma facilidade tecnológica contemporânea”, ou seja, não havia nenhuma divisão, catalogação ou material digitalizado. Os antigos registros estavam guardados em uma sala, sem qualquer tipo de classificação ou ordenamento, pois, ainda segundo ele, “não há recursos financeiros para a contratação de profissionais que trabalhem com o manejo e a preservação dos arquivos, para assim constituírem um acervo de fácil consulta a pesquisadores”.

Mesmo após o tombamento, o Gabinete de Leitura de Jundiaí é mantido entre as esferas do público e do privado, e para o qual, por meio de sócios contribuintes, aufere-se uma renda, através das mensalidades, necessárias para a manutenção do local e para as despesas variáveis. A Prefeitura do município de Jundiaí, por sua vez, oferece subsídios, que são utilizados para o pagamento de custos fixos, como o ordenado de funcionários e as despesas administrativas; porém os valores não são tão expressivos, de acordo com as informações prestadas pelo diretor.

Como historiadores, a indagação sobre não haver possíveis fontes que possibilitassem uma pesquisa detalhada, com eixos de articulação e reflexões historiográficas sobre o Gabinete de Leitura em si e sobre a própria cidade de Jundiaí, tornou-se latente. Afinal, são 107 anos existência e de história. Possivelmente, caso houvesse tais fontes, estudos empíricos poderiam ter sido desenvolvidos, Martins em sua pesquisa, poderia tê-los abrangido. Entretanto, as indagações estavam equivocadas, a sala continha um armário com cadernos grandes de capas verdes e com brochuras, enfileirados, que constituíam um vasto arsenal de registros e que, a despeito do pronunciamento do diretor da instituição, estavam de certa forma, organizados.

Decorridas algumas horas de leitura, foi possível, de acordo com os títulos de cada caderno, classificá-los previamente da seguinte maneira: 3 cadernos de Atas de Assembleias, sendo 1 de Assembleia Geral (1908-1923) e 2 de Reuniões da Diretoria (1914-1964); 1 Livro de Visitantes (1913); 1 Livro de Registro dos Sócios (1908-1917); 1 Livro Caixa (1924-1929); 1 Catálogo de Obras, contendo 9.027 obras descritas, sendo 8.090 nacionais e 937 em língua, dentre elas, obras em francês, inglês, espanhol, italiano e alemão; e 1 exemplar do

4 Dentre outros exemplos possíveis, o historiador André Belo, sinaliza que a estrutura física das bibliotecas constitui uma bela ilustração de como se podem multiplicar as abordagens, para se estudar o espaço destinado à leitura: sua arquitetura e o mobiliário, a iluminação, a disposição física em que os leitores nelas se encontram, a forma como é organizado o acesso aos livros ou aos catálogos e a ordem de arrumação do local. BELO, André.

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jornal O Gabinete: orgam do Gabinete de Leitura Jundiahyense com data de 7 de Junho de 1908.

Exceto o jornal, todos os demais registros são manuscritos e somando-se apenas as atas de reuniões, chega-se a um total de 800 folhas.

Figura 1 – Atas de reuniões do Gabinete de Leitura de Jundiaí e o exemplar do Jornal O Gabinete. Fonte: Elaborado pelo autor

Esse conjunto de documentos são os indícios das experiências dos diretores e dos sócios do Gabinete de Leitura de Jundiaí. As atas de reuniões, tanto das Diretorias quanto das Assembleias Gerais, possuem maior quantidade e consistência de informações, começaram a ser escritas em 1908, estendendo-se até o ano de 1964. Marcam o cotidiano das ações desenvolvidas e as questões que permeavam o desenvolvimento e a manutenção da instituição.

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texto, são descritas todas as questões que foram abordadas, todos aqueles que proferiram alguma palavra são identificados e as decisões que foram tomadas eram sempre postas em votação. Ao final de cada ata, consta a assinatura de todos os participantes, de modo a registrarem a ciência das questões tratadas e o seu consentimento sobre elas. Em seu conjunto elas possibilitam uma visão das questões internas do Gabinete de Leitura.

Os Livros Caixa, de Sócios e de Visitantes, marcam a quantidade de sócios contribuintes, evidenciam as receitas auferidas com as mensalidades por eles pagas e as doações, materiais e financeiras recebidas, bem como as despesas com a administração do Gabinete de Leitura. Porém, esses documentos apresentam muitas lacunas, como folhas faltantes, descontinuidade dos dados e períodos diferentes de um livro para o outro, o que impossibilitou o cruzamento de informações. Em algumas folhas, mesmo sinalizadas por títulos (despesas mensais, saldo em caixa, gastos com assinaturas de jornais e revistas), não há a descrição das informações.

O Catálogo de Obras apresenta a descrição dos livros e autores que compõem a biblioteca da instituição. Foi produzido em 1957, porém, possui a descrição das obras existentes desde 1908, o que possibilita traçar um panorama dos títulos que compunham o acervo e a quantidade de obras por autor.

Mesmo com essas dificuldades, a leitura desses documentos como registros das experiências, das idealizações, e das realizações de um grupo social, dentro de uma temporalidade e espacialidade, possibilitou constituí-los como fontes históricas, na investigação sobre o Gabinete de Leitura de Jundiaí.

***

No campo da historiografia brasileira, os estudos sobre os Gabinetes de Leitura existem em diminuta quantidade5; o que não significa que esses poucos estudos e análises de

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suas existências não compreendam significativas contribuições, dada a abrangência de aspectos socioculturais que essas instituições apresenta como objeto de estudo, seja em uma análise direta ou até mesmo indireta.

Aqui faça-se referência aos pioneiros trabalhos dos historiadores estrangeiros Roger Chartier, Robert Darnton, François Parent-Lardeur e Reinhard Wittmann,que desenvolveram pesquisas notórias sobre a importância e a complexidade dos fenômeno cultural “Gabinetes de Leitura”. Os autores trabalham dentro de uma mesma temporalidade e conjuntura, as sociedades do Antigo Regime, na Europa, entre os séculos, XVI e XIX, essencialmente por ser esta a temporalidade e a espacialidade características do surgimento dessas instituições.

Roger Chartier, em sua obra Leituras e Leitores na França do Antigo Regime (2004), examina as práticas de leitura e os usos dos leitores, evidenciando a constante proliferação de Gabinetes de Leitura nas Províncias francesas – elemento este que o literato Honoré de Balzac já destacara em sua célebre obra, Ilusões Perdidas (1837).

Robert Darnton, em suas obras, Boemia Literária e Revolução: o submundo das letras

(1989), Edição e Sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII(1992) e O Beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução (2010) investiga a profusão de ideias iluministas, na França Pré-Revolucionária, ideias que, segundo o historiador, foram circunstanciadas pela difusão do livro, da leitura e pela ação dos “intermediários esquecidos da história”6, dentre eles, autores, editores, impressores, expedidores e livreiros, formando um circuito de comunicação da cultura impressa, que se encontra presente nesse campo os Gabinetes de Leitura.

François Parent-Lardeur, em seu estudo Les cabinets de lecture: La lecture publique à Paris sous la Restauration (1982), faz uma análise do alcance geográfico, no âmbito urbano, da abrangência sociocultural dos Gabinetes de Leitura espalhados por toda a Paris do século XIX. A pesquisadora demonstra a forma de ocupação regional e o estabelecimento dos Gabinetes, diretamente relacionados aos modos de consumo da cultura impressa (livros, jornais, folhetos, pasquins, etc.), o que não se interliga diretamente a posição socioeconômica dos leitores, mas aos modos de usos por estudantes, jornalistas, viajantes e demais profissionais liberais.

Reinhard Wittmann, por sua vez, em seu artigo ¿Hubo una revolución en la lectura a finales del siglo XVIII?(1997) traçou um estudo sobre a emergência da oferta da leitura em profundo e encoberto campo de apagamento de suas trajetórias, cujos escassos registros das existências apontam também para grandes lacunas.

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algumas cidades eurpeias, na virada para o século XIX, e observou como os Gabinetes de Leitura contribuíram para o crescente número de leitores, facilitando acessos e barateando custos em suas dependências.

Esses expoentes autores apresentam alguns elementos a serem considerados, elementos que se iniciam na própria especificidade dos Gabinetes de Leitura, seja por meio do registro de suas existências e práticas ou através das características de determinadas épocas e conjunturas socioculturais, nas quais se inserem, expressando delineações, demarcando sua origem europeia, seja com posteriores vertentes e desdobramentos também em territórios norte-americanos e latino-americanos.

Os estudos sobre os Gabinetes de Leitura se inserem ainda dentro do campo de estudos da história do livro e da história da leitura. Por serem espaços destinados a abrigar livros e um cenário compósito de uma sociabilidade livresca, estão intrinsecamente relacionados aos trabalhos que objetivam investigar os muitos caminhos e lugares do livro e as inúmeras formas de leitura (apropriações) nas mais distintas circunstâncias espaciais e temporais.

Apresentando-se como mecanismos de suporte para a prática da leitura, os Gabinetes de Leitura convergem, dentre muitas outras possibilidades, para o próprio campo de análise do objeto material e de consumo, que possui destaque em seu interior, o livro.

Restringindo-se o campo, percebe-se que, no Brasil, o livro e a leitura perfizeram um movimento de conjunturas históricas e socioculturais. Em exemplo, o controle e a censura, outorgados aos livreiros e impressores pela coroa portuguesa, no século XVIII, através da criação da Real Mesa Censória, no período da colonização brasileira e administração do Marques de Pombal, que proibia a produção, a publicação e a circulação de livros, mas, de certo modo, não coibia, ao todo, a existência do livro e da leitura, pois, ainda assim, muitos livros, como objetos materiais, podendo ser carregados, circularam por entre a clandestinidade7.

A partir de 1808, depois da vinda do Príncipe Regente d. João VI8 e da instalação e funcionamento da Imprensa Régia no Rio de Janeiro, instituições centrais da cultura letrada passaram a ter existência lícita e regular no Brasil. Em seu início, apenas com a função de

7 VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo Ilustrado, censura e práticas de leitura: usos do livro na América Portuguesa. São Paulo, 1999. 443 p. Tese (Doutorado em História) FFLCH-USP, 1999.

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publicar os atos e ofícios reais, porém, em pouco tempo, contemplavam os mais variados gêneros literários para publicação9.

Após a independência do Brasil, em 1822, o número de tipografias aumentara. Um século antes, essas instituições haviam exercido a tentativa de atuarem em diferentes regiões da então colônia, porém com inúmeros insucessos, dadas as proibições legais. Assim, em meio às transformações políticas e culturais, os prelos do nascente país, no século XIX, imprimiam, em maior quantidade, obras literárias, jornais, folhetos e outros impressos.

A história da leitura possibilita diálogos, delineia interpretações e entrecruzamentos. Maria Beatriz Nizza Silva (1999) discorre sobre os aspectos que diferenciam a história do livro e da história da história da leitura. Segundo a autora, a primeiro concentra-se no processo de estudo de sua produção, já a segundo, especifica-se no estudo detalhado dos usos dos livros pelos leitores. Não são campos separados de pesquisa, mas ao contrário, são dois campos que se complementam e devem ser analisados de forma conjunta10.

Como objeto de análise e pesquisa, a história da leitura é um frutífero meio de investigação para a produção do saber historiográfico, possibilita averiguações e análises sobre os múltiplos sentidos que a leitura pode proporcionar aos mais diversos leitores em suas experiências sociais11. Entretanto, é também uma dificultosa direção, na busca pela compreensão das variadas percepções que podem da leitura advir, dada a escassez de fontes, pois raramente o leitor deixará os registros do seu ato de ler.

Ainda no mesmo viés, há a presença (ou até mesmo a ausência)12 do leitor, que aflora entre o objeto livro e a prática da leitura, tornando-se mais um elemento de reflexão diante dessa temática. As relações que o leitor pode estabelecer com a materialidade do livro, observando-o enquanto um objeto, ou até mesmo por sua cognição, através da operação da leitura, possibilita observar outras variantes questões, dentre elas, o processo tecnológico e de produção, empregados na elaboração de uma obra impressa, sendo, seu formato físico, um

9 BRAGANÇA, Aníbal; ABREU, Márcia (Orgs.). Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

10 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. História da leitura luso-brasileira: balanços e perspectivas. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, História e História da Leitura. Campinas (SP): Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999, p. 147-164.

11 Cite-se o trabalho do historiador italiano Carlo Ginzburg que em sua obra O Queijo e os Vermes(1976),por meio da história do moleiro Domenico Scandella, perseguido pela inquisição no século XVI, traça um estudo sobre a interpretação que ele realiza através da leitura de alguns livros que sumariamente destoavam de seu universo sociocultural, constituindo a partir daí uma cosmogonia, incitando dogmas católicos. Ginzburg evidencia em seu estudo uma circularidade entre letramento e oralidade camponesa e as múltiplas variações de sentidos oriundos da leitura e expressas nos relatos do moleiro durante seu processo inquisitorial.

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componente que evidencia as condutas de normatização para a prática da leitura: seu tamanho, sua capa, as folhas, a horizontalidade ou verticalidade do texto, paginação e uma possível definição de sentidos extraído da leitura, que somente o pensamento, o repertório cultural e a subjetividade de cada leitor podem demarcar.

Existem, porém, alguns mecanismos de se aperceberem essas apreensões, seja por meio da circularidade de determinadas obras, no registro de solicitação para a compra de livros, na consulta à retirada de livros dos acervos de bibliotecas (quando houver esses registros), em catálogos de obras ou em inventários pós-morte. No Brasil, há uma profusão de estudos que visam a analisar, interpretar e investigar esses inúmeros caminhos elencados e outras possíveis relações entre o livro, a leitura e os leitores13.

As bibliografias sobre essa temática apresentam um significativo número de pesquisas, no campo da história do livro e da leitura. Demonstram ainda como, nas últimas décadas do século XX, houve um constante aumento do interesse por essa área e no seu aprofundamento acadêmico nas universidades europeias, estadunidenses e, mais recentemente, porém não menos significativo, em universidades da América Latina14.

Em suma, as possibilidades de análise dos Gabinetes de Leitura, além do diálogo com o livro e a leitura, podem também compreender suas formas de inserção e de atuação nas cidades em que se localizaram; as ações e trajetórias de seus fundadores; o alcance geográfico, urbano e social; a promoção de uma cultura livresca, os usos e as apropriações de seus frequentadores; as análises de acervos e catálogos de obras, revelando o universo das edições e circulações culturais de impressos. E essas possibilidades não se esgotam aqui, pois:

Le cabinet de lecture, en tant que fait de culture, se révèle donc um objet de recherche très riche. Il peut être envisagé comme une institution culturelle ou encore étudié dans ses contenus, si l’on choisit d`en évaluer les fonds litteráires; il participe d`un enjeu économique, dans le même temps qui`il est un moyen de transmission et de pouvoir culturels. Définir le cabinet de lecture nécessite donc des approches différentes selon que l’on privilégie l`analyse des structures institucionnelles ou celle des contenus idéologiques15.

13 Para uma análise pormenorizada da produção acadêmica sobre a história do livro, leitura, leitores e práticas de leitura no Brasil, consultar indicações bibliográficas. In: ABREU, Márcia. Leitura, História e História da Leitura. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1999, p. 625. Ver ainda BRAGANÇA, Aníbal; ABREU, Márcia.

Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

14 BELO, André. História e Livro e Leitura. Belo Horizonte: Autêntica, 2008; EL FAR, Alessandra. O livro e

a leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. Os autores apresentam um breve balanço sobre o crescimento de produções acadêmicas (artigos científicos, dissertações e teses) cujo campo de pesquisa e aprofundamento teórico e metodológico tenha como eixo central a história do livro e da leitura.

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Em análise sobre o Gabinete de Leitura de Jundiaí, privilegiou-se a perspectiva da história cultural, por ser este um objeto constituinte do campo da cultura16. Dialogou-se com as contribuições de Chartier, postuladas em suas obras, A História Cultural: Entre Práticas e Representações (1990) e O Mundo Como Representação (1991).

Chartier apresenta, dentro de uma discussão mais ampla no interior da historiografia francesa, como olhar para diferentes lugares e momentos; como uma realidade social pode ser construída, pensada e dada a ler, o que permiti adentrar nas práticas constituídas e constituintes da vida social, evidenciando, como os objetos, as formas e os sentidos são criados para representar as múltiplas configurações sociais em determinado tempo e espaço17.

Desse modo, trabalhou-se com as noções propostas pelo historiador, na possibilidade de se interpretarem os sentidos expressos na fundação do Gabinete de Leitura de Jundiaí, analisando-o através das práticas e representações.

Como prática, o historiador define todas as ações cotidianas de um ser humano, experenciadas de forma individual ou coletiva, como comer, andar, vestir-se, comportar-se, falar, relacionar-se, estudar, dentre outras ações. Ações que são usualmente praticadas e que acabam por se constituir em modos de fazer.

Esse modo de fazer, por sua vez, gera representações. Para o historiador, as ações praticadas produzem esquemas, cuja inteligência do ser humano cria e organiza, racional ou irracionalmente, o mundo social, através da produção de esquemas, como discursos, imagens, textos, signos, objetos, formas, códigos e símbolos. As criações e as organizações são então incorporadas à vida das pessoas, no próprio dia a dia, formando um campo simbólico repleto de sentidos e que se constituem num modo de ser e/ou representar.

O modo de ser é então dado a ler, nesse momento. A apropriação, é a forma pela qual se entra em contato com as representações geradas através das práticas e, assim, trona-se possível observá-las, interpretá-las, decodificá-las e lê-las. Essa leitura é realizada de maneiras diferentes pelas pessoas (no âmbito individual ou coletivo), que se apropriam das representações em seus modos de ver (ler) o mundo social.

Nessa perspectiva e a partir desse momento, a pesquisa desloca o olhar do que se conjecturou inicialmente, e volta-se para a observação das disposições socioculturais da abordagens diferentes, dependendo se se pretende privilegiar a análise das estruturas institucionais ou dos conteúdos ideológicos” (tradução do autor).

16 Sandra Jatahy Pesavento, em História & História Cultural (2014, p. 15), define que “pensarmos as questões que abarcam o campo cultural, compreende uma série de significados que são comumente partilhados e construídos pelos homens, para explicar o mundo e nos possibilitam o seu entendimento”.

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época, buscando compreendê-las e responder as seguintes questões: o que representava ter um espaço destinado aos livros, à leitura e a promoção de uma cultura letrada? Que sentidos um Gabinete de Leitura poderia conferir a cidade de Jundiaí? Quais os pressupostos elencados e praticados por seus idealizadores? A quem se destinava a instituição?

A busca por essas respostas fundamentou-se no exame das fontes internas do Gabinete de Leitura e nas fontes externas e indiretas a ele.

Neste momento, cabe a compreensão das designações de um Gabinete de Leitura, sua abrangência e historicidade para, a partir de então, se entender como esses espaços de livros, leituras e leitores se configuram e podem expressar representações.

***

Surgidos na Europa, entre os séculos XVII e XVIII, tendo um crescimento e maior atuação, no século XIX. Os Gabinetes de Leitura vieram para corroborar um mercado livreiro que estava em ascendência. Possibilitavam a distribuição e a leitura de periódicos, folhetins e, especificamente do livro, item de elevado custo, até então, sem a necessidade de sua compra ou posse. Chartier ressalta que “dos anos 1660 aos 1780 multiplicaram-se, nos reinos, as instituições e as práticas que facilitaram a leitura de livros não possuídos pessoalmente. Para além das coleções particulares”18.

Os Gabinetes de Leitura atuavam como estabelecimentos comerciais, mas com um viés cultural, e operavam inicialmente na qualidade de extensão de livrarias. Essa estratégia fora adotada por livreiros, de modo a concorrerem com as bibliotecas oficiais, ligadas às ordens religiosas ou às laicas, como as fomentadas pelo Estado, presentes em academias literárias ou em universidades, que acabaram por se configurar como espaços destinados preponderantemente ao universo masculino, onde oficiais a serviço do rei, de altos ou baixos cargos como “nobres, advogados, procuradores, eruditos, médicos e homens de letras perfaziam e caracterizavam o círculo de frequentadores”19.

Desse modo, os Gabinetes de Leitura surgiram e expandiram-se na contramão dessas oficiais instituições (em sua maioria de caráter religioso). Estabeleceram-se como lugares intermediários da cultura letrada, pois mediavam às relações entre os diferentes atores que participam e constituíam o universo do livro e da leitura, dentre eles autores, editores,

18 CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora UNESP, 2004, p. 195.

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livreiros e leitores20. Além do mais, franqueavam o acesso de classes menos abastadas ao universo do impresso, aumentando contingente de público leitor, ampliando o mercado profissional da escrita e o espaço para formação e renome de novos autores, o que permitiu a circulação de um maior número de obras, dos mais variados gêneros literários, visto que a composição dos acervos e o espaço dos Gabinetes de Leitura eram de caráter laico, diferenciando-se das bibliotecas oficiais e religiosas.

Acrescenta-se ainda a esse aspecto, o aluguel das obras, podendo ser por hora, mensal ou anual e a lucratividade dos livreiros que as comercializavam, tornando esse mercado rentável, disposto de livros e jornais que não eram presentes nas tradicionais livrarias e bibliotecas, controladas pelo Estado e pela religião. Portanto, a informação através do livro passava a ter, em certa parte, um cunho igualitário, por meio do consumo de diferentes atores sociais.

Entretanto, faça-se uma ressalva ao termo “igualitário”, delineando assim, a característica peculiar dos Gabinetes de Leitura – casa de locação de livros – onde fazia-se necessário o pagamento de um pequeno numerário, o que pode demarcar uma possível abrangência e/ou nivelamento social, visto que dispor de um valor para informar-se, por meio da leitura, conota uma determinada condição socioeconômica não comum a todos.

Mesmo assim, os estudos sobre os Gabinetes de Leitura apontam para um significativo aumento no número de pessoas com permissão para “usufruir de novelas, relatos de viagens, ensaios de autores da época, panfletos políticos, folhetins, libelos, tratados filosóficos ou romances”21, este último sendo o gênero literário florescente no século XIX.

Contudo, a prática de locação de livros não é uma criação dos Gabinetes de Leitura, segundo Maria Angélica Lau Pereira Soares, “na Inglaterra, já no ano de 1661, o livreiro

20 É nesse ínterim que Robert Darnton conceitua o estudo do livro e da leitura como componentes de um sistema de comunicação, composto por diferentes sujeitos sociais, delineando etapas de um sistema que, em cada fase, relaciona-se e interfere, das mais diversas maneiras, nas condições de constituição de um livro até que se chegue ao leitor, em cujos Gabinetes de Leitura se inserem. Somam-se a essas condições “as influências intelectuais e publicidade; conjuntura econômica e social; sanções políticas e legais”. Compreendendo que dessas múltiplas relações, faz-se necessário ao ofício do historiador lançar mão da interdisciplinaridade, pois, se o livro, no momento de sua produção, distribuição e circulação, envolve uma trama de diferentes “intermediários”, das mais diversificadas instâncias sociais, é, portanto, imprescindível o diálogo com outras disciplinas (antropologia, sociologia, etc.) que podem contribuir para a construção do conhecimento histórico, que por sua vez, se enriquece na incorporação de novas possibilidades de abordagens e conceituações. DARNTON, Robert. Edição

e Sedição: O universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 126-128.

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Francis Kirkman, fazia menção ao aluguel de livros para os que não poderiam ou não desejassem comprá-los”22.

Um século após, em 1761, na França, a menção ocorre quando se começa a editar a

Nouvelle Heloise de Jean Jacques Rousseau, ação registrada posteriormente no Tableau de Paris, de Louis Sébastien Mercier, em 1781, que dedicou um capítulo inteiro de sua obra aos chamados “locatários de impresso”23.

Todavia, a prerrogativa da prática de locação de livros coube aos Gabinetes de Leitura. Denominados de “Circulation Lybrary” ou “Reading Room” na Inglaterra, “Free Circulating Library” nos Estados Unidos, “Leihbibliotheken” na Alemanha, “Cabinet de Lecture” na França e “Gabinete de Leitura” em Portugal e no Brasil, esses espaços abrigavam muito além de uma biblioteca, tornaram-se recinto da sociabilidade, local de encontros políticos, da prática folhetinesca, do lazer pautado e organizado em discussões literárias. Emergiram como elemento moderno, representativos de uma indústria livresca e de um processo de editoração em crescimento de acordo com as conjunturas socioeconômicas em cada país de origem.

Evidenciando uma “tipologia”, Martins compreende que os Gabinetes de Leitura surgem como “suportes para uma indústria do impresso e do livro”, destacando-se o aspecto de “estabelecimento comercial para um público consumidor”, de forma mais acentuada em países que “possuem um estágio cultural e de editoração mais avançado”, ou seja, na Europa. Já em países em que o processo de editoração e a indústria do livro são incipientes, como na América do Sul, os Gabinetes de Leitura emergem como “instituições de caráter social e filantrópico com regimentos internos”24, tendo outras funções além da simples locação de livros e do espaço destinado a abrigar bibliotecas. Em exemplo, Martins aponta os Gabinetes de Leitura surgidos no Brasil.

Foi na França que os Gabinetes de Leitura proliferaram, acentuadamente durante o século XIX e diversificados fatores contribuíram para isso, perante a conjuntura do Antigo Regime: o aumento do número de alfabetizados; as transformações no processo educacional, que ocasionaram um crescimento de público leitor; a disseminação de novas linguagens para o consumo do livro; os ideais do alto iluminismo; a profissionalização do escritor, com a queda do mecenato e; um detalhe que caracteriza certa relevância, para as práticas sociais de

22 SOARES, Maria Angélica Lau Pereira. Visão da Modernidade: a presença Britânica no gabinete de leitura (1837-1838). São Paulo, 2006. 197 p. Dissertação (Mestrado em Letras) FFLCH - USP, 2006, p. 13.

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utilização do espaço dos Gabinetes de Leitura, a diferenciação no horário de funcionamento em relação às bibliotecas públicas25.

Os Gabinetes de Leitura franceses possuíam horários menos restritos, o que possibilitava a entrada de um maior número de pessoas de diferentes segmentos sociais em diversos momentos, durante o decorrer do dia, como mulheres, trabalhadores de ofícios distintos, empregados domésticos, indo alugar ou devolver livros de seus senhores, jornalistas, estudantes, viajantes, entre outros. Havia salas para leitura, com confortáveis acomodações e iluminação, trazendo mais comodidade para a prática da cultura letrada. Permitia-se a participação de um público fora do círculo acadêmico, em que cerimoniais e formalidades, fossem de qualquer natureza, não impediam o livre acesso e a consulta aos livros e a outros impressos. As facilidades também se caracterizavam pela disposição dos livros em estantes, proporcionando um acessível manuseio, composto ainda por rodas de conversação, discussões de ideais advindas das leituras e um ambiente frutífero de uma sociabilidade livresca.

Dentre esses fatores, soma-se ainda a tentativa de atender à demanda pelo considerável aumento do consumo da leitura. O livro, nos oitocentos, possuía um elevado custo em seu processo de editoração, de distribuição e de comercialização. Assim sendo, os livreiros e comerciantes dos Gabinetes de Leitura encontraram uma conjuntura favorável para o seu processo de expansão.

Por apenas alguns centavos26, um público de passagem poderia consumir a informação trazida pelos impressos de diferentes naturezas, poderiam também adentrar ao recinto, sentarem-se, lerem ou até mesmo alugarem impressos para realizarem a leitura em lugar de sua conveniência.

Parent-Lardeur observa a distribuição geográfica dos Gabinetes de Leitura, na França, durante o período da Restauração, identificando um total de 463 instituições, acentuadamente entre 1815-1830, Paris foi a Província com o maior número deles.

Para a abertura de um Gabinete de Leitura, era necessário cumprir exigências jurídicas e financeiras, contudo o investimento era de baixo valor, o que facilita o entendimento sobre os diferentes grupos sociais que faziam as solicitações para abertura de instituições desse gênero. Viúvas, funcionários do baixo funcionalismo público, militares

25 CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, 2004.

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reformados, pequenos comerciantes, dentre outros, eram alguns dos diferentes sujeitos sociais que enviavam seus pedidos.

Tinham que apresentar atestado de antecedentes criminais e de boa conduta, expedidos pela polícia, certificado abonado por quatro livreiros, que confirmariam a capacidade do requerente e ainda o pagamento de uma taxa proporcional ao valor do local que seria alugado. Assemelhando-se à solicitação para abertura de uma loja, essas pessoas buscavam por uma renda própria, através de um pequeno comércio, com possibilidades rentáveis, configurando-se notadamente como uma “loja de leitura”27 de onde a sobrevivência poderia advir.

As instalações dos Gabinetes de Leitura parisienses eram de acordo com as posições sociais da clientela; adequavam-se, assim, ao poder aquisitivo do público aquisitivo de cada localidade. Esses estabelecimentos surgiram, na forma mais modesta, como quiosques e anexos de livrarias e tabacarias, ou, na forma mais suntuosa, com amplas salas de leitura mobiliadas, tendo jarras de água, papéis, penas e tinteiros à disposição de seus leitores.

Parent-Lardeur demonstra que o crescimento desses espaços possuía uma relação de geografia cultural, em sua disposição na Província de Paris. Não eram nos bairros mais populosos ou em regiões de maior concentração de rendas (entre a nobreza e a alta burguesia), que se estabeleciam os Gabinetes de Leitura, mas sim, de acordo com as próprias modalidades de consumo da cultura letrada, estando próximos a tipografias, escolas, redações de jornais, universidades, livrarias e bibliotecas, ou seja, em lugares onde o impresso era um artigo do cotidiano.

Esses locais eram também polos onde se caracterizavam o gabinete de leitura em sua própria definição: atividades ligadas ao mundo da edição e da imprensa, às escolas e à erudição, ao lazer e ao comércio tipicamente parisiense, assim, reflete-se a distribuição dos gabinetes de leitura a partir destes diferentes espaços culturais concretamente situados na geografia parisiense em relação aos grandes eixos de circulação28.

Entre 1815 e 1840, os Gabinetes de Leitura em Paris tiveram o seu auge. Outro importante elemento que contribuiu para esse cenário é o que Darnton, denomina de “livros sediciosos”, obras que eram proibidas pelo Estado e fiscalizadas pela polícia.

Deve-se entender sedição não como uma tomada de armas nem como uma violência esporádica contra as autoridades, e sim como um desvio que, mediante o texto e o no texto, se instaura com relação às ortodoxias do Ancien Régime – Isto é, com relação ao conjunto das crenças aceitas, das razões comuns, dos discursos de

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legitimação que, no correr dos séculos, haviam sido considerados os fundamentos da ordem monárquica29.

O mercado de livros sediciosos era inerente ao próprio comércio de livros. Editores, livreiros e tipografias, com muita dificuldade, conseguiam manter sua estabilidade financeira, com a vendagem de livros, sem incluir obras proibidas em seus catálogos.

Muitos livreiros atuavam também como caixeiros viajantes, ou seja, locatários ambulantes de livros, o que facilitava a prática da clandestinidade, e, em decorrência dos lucros auferidos, acabavam por abrirem Gabinetes de Leitura, porém mantinham a venda ambulante de livros, fosse atendendo encomendas em outras Províncias ou em busca de fornecedores que realizassem a impressão de livros sediciosos em regiões fronteiriças da França, estando assim, “longe do controle e dopoliciamento de algumas obras”30.

Esses livros corroboravam a consolidação financeira sobre a atividade comercial dos Gabinetes de Leitura, penetravam e circulavam em suas dependências, dispondo obras não presentes em tradicionais bibliotecas públicas e religiosas, mesmo acarretando enredamentos com a polícia. Assim, os Gabinetes de Leitura ganharam mais espaço e cresceram em número, possibilitando – além do anteriormente citado – informações e novidades aos leitores e um aumento considerável na lucratividade dos livreiros que exerciam a prática do aluguel de livros e outros impressos.

No final da segunda metade do século XIX e início do século XX, o número de Gabinetes de Leitura espalhados pelas Províncias francesas diminuiu expressivamente. Dentre os motivos destacam-se a regularidade diária na impressão de jornais, tendo um aumento significativo em seu número, impressão, distribuição e circularidade, facilitada ainda mais pelo crescimento extensivo de estradas de ferro.

Da mesma maneira, as novas formas de publicação de romances colaboraram para a decadência dos Gabinetes de Leitura. As obras passaram a ser impressas por meio de folhetins publicados em jornais, e cada edição trazia uma parte da obra, provocando a diminuição na frequência de leitores nas dependências dos Gabinetes de Leitura.

Há ainda o arremedo de livros oriundos da Bélgica, contrafações31 que possuíam um baixo custo em sua produção e posterior vendagem. Adentraram o território francês e se

29 DARNTON, Robert. Edição e Sedição, p. 11. 30 Ibidem, p. 157.

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espalharam entre os leitores, que, em decorrência de seu módico preço, poderiam passar à condição de compradores de livros.

A imprensa Belga começava a ganhar seu esplendor e a conhecer crescente prosperidade. Sendo a literatura francesa fecundíssima e procurada em toda a Europa, as editoras belgas não tinham mais de pilhar tudo o que se publicava em Paris para enriquecer, daí nascendo a expressão criada por Balzac “Il est plus tôt contrefait qu’ il n’ est fait” (mais rápido se contrafaz do que se faz).

Se os franceses, e não dos menores, Honoré de Balzac e Jules Janin, para ficar apenas nesses dois, viram nas edições belgas “contrafações” vulgares, e compararam os editores belgas a falsários, a coisa tinha caráter diferente para estes últimos, que se apegavam antes ao termo “reimpressões”. De fato, os editores belgas apregoavam abertamente seu furto, pois não buscavam em absoluto imitar o formato, o papel ou os tipos da edição original. Desde Logo falam em “reimpressão”. Além disso, pondo o livro ao alcance de todos os bolsos, a reimpressão favorecia a troca de ideias entre os povos32.

Editores franceses tentaram baratear os custos na produção de seus livros, para concorrerem com os livros belgas, porém os Gabinetes de Leitura franceses não resistiram estratégica e financeiramente a todas essas alterações e incrementos no comércio de impressos, dificultadas ainda mais pelas transformações decorridas no desenvolvimento e no acesso às bibliotecas públicas, que, aos poucos, iam perdendo seu caráter circunscrito.

No Brasil, sobremaneira, os Gabinetes de Leitura tiveram como marco cronológico de seu surgimento o século XIX, essencialmente durante a segunda metade, no governo imperial, chegando às décadas iniciais da Primeira República, no começo do século XX.

Em alguns aspectos, assemelharam-se aos Gabinetes de Leitura europeus, exclusivamente no que tange a atuação comercial, através de uma subscrição para a leitura de livros, na prática da sociabilidade livresca, constituindo-se como lugar de encontros e na disseminação e na popularização da cultura letrada, por meio da circulação e do consumo do livro a um maior número de leitores.

O próprio termo gabinete oriundo do francês antigo cabinet, era comumente utilizado para referenciar cômodos particulares de casas opulentas do século XIX. Pequenas ou amplas salas reservadas de usos diversos, compreendendo diferentes modalidades: “Gabinete de Estudo”, “Gabinete de Física”, “Gabinete do Rei”, “Laboratório”, “Aposento” ou “Gabinete de Leitura”. Por fim, um espaço ou móvel, destinado ao momento da intelectualidade, do recolhimento e suntuosidade burguesa. Um ambiente de uma casa, onde se realizavam reuniões familiares, “o público ganhava espaço dentro do privado, pois encontros, aspirações

obras estrangeiras, especificamente as francesas, de baixo custo e baixa qualidade do material, portanto, mais barata e acessível a um maior número de leitores.

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políticas e negócios eram tratados nesse compartimento residencial, sendo, portanto, um espaço da sociabilidade privativa do homem”33.

Na literatura oitocentista, encontra-se menção a expressão gabinete, demonstrando um caráter civilizador e de progresso, denominando-os como espaços intimistas, da recreação ou de reclusão pessoal para o deleite da leitura moderna. O escritor português Eça de Queiroz (1845-1900), o cunhou da seguinte forma “o que, porém, mais completamente imprimia àquele gabinete um caráter de civilização eram os aparelhos facilitadores de pensamento”34. Camilo Castelo Branco (1825-1890), referindo-se aos seus romances, recordava como seus livros eram concorridos “para os gabinetes de senhoras cuidadosas em possuírem novidades da literatura recreativa”35. Ainda como espacialidade de casas abastadas, o próprio mobiliário e utensílios dispostos nos gabinetes expressavam um ambiente intimista, com quadros, estantes de livros encadernados ou em brochuras, tinteiros, mesas e cadeiras para uma leitura individualizada, fossem para correspondências ou para outros impressos, “um recinto aristocrático” como define Schapochink (1999).

Cabe ressaltar que o espaço do Gabinete não representava diretamente o uso e a leitura dos livros e o conhecimento por eles propiciado, como ressalva Sergio Buarque de Holanda, em sua obra, Raízes do Brasil, ao observar o apego bizantino da sociedade brasileira oitocentista aos livros o autor evidencia que, antes “visam primeiramente ao enaltecimento e à dignificação daqueles que os cultivam”36.

Têm se também a utilização do termo “repartição política”, servindo os Gabinetes de espaço para o exercício de autoridades como monarcas ou demais dirigentes governamentais. No Diccionário da Língua Portugueza, do lexicólogo brasileiro Antonio de Moraes Silva (1755–1824), identifica-se essa acepção de forma concisa “GABINETE. s.m. Camarim. Aposento do Príncipe, ou casa de Conselho d´Estado ou Privado. O Conselho Privado ou de Estado sobre coisas pacificas”37. Reduzindo os léxicos do termo e assim diminuindo os sentidos a ele atribuídos, interessa aqui, os Gabinetes de Leitura como instituições culturais.

Espaços do saber moderno, mercantilizadores do livro e da leitura, do lazer ordenado, da locação de artefatos textuais, franqueando a instrução e muitas outras variáveis. Instituições integrantes de uma sociedade composta por redes de bibliotecas, clubes e

33 SCHAPOCHINK, Nelson. Os Jardins das Delícias: Gabinetes literários, Bibliotecas e Figurações da Leitura na Corte Imperial. São Paulo, 1999. 269 p. Tese (Doutorado em História) FFLCH-USP, 1999, p. 39.

34 QUEIROZ, Eça de apud MARTINS, Ana Luiza. Op. cit., p. 23. 35 BRANCO, Camilo Castelo apud MARTINS, Ana Luiza. Op. cit., p. 23

36 HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26° ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 164-165.

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associações e agremiações livrescas, possibilitando novas experiências e práticas sociais ordenadas pela cultura do impresso.

Na experiência brasileira os Gabinetes de Leitura se diferenciam de uma possível relação com os Gabinetes europeus. No Brasil, possuíram maior atuação, do ponto de vista social, tendo estatutos e regimentos internos de normatização de suas atividades, conjuntamente com projetos de educação e de promoção de uma formação literária, certamente em consonância com as incipientes condições editoriais brasileiras, como bem salientou Martins e que facilmente pode-se estender, buscando uma melhor compreensão, à esfera da educação, já que a população brasileira possuía baixos índices de alfabetização.

Os primeiros registros dessas instituições no Brasil são da Gesselschaft Germânia (1821), British Subscription Library (1826), do Gabinete Português de Leitura (1837) e da Biblioteca Fluminense (1847), todos surgidos na corte imperial do Rio de Janeiro, coexistentes aos Gabinetes de Leitura parisienses; entretanto de figurações e atuação distintas. De acordo com Nelson Schapochnik, configuravam-se como “bibliotecas associativas, que, não raro, adotavam o nome de gabinetes de leitura, complementando-se com o nome da comunidade de origem dos associados ou com o nome da província e/ou cidade onde a instituição fora estabelecida”38.

Para Schapochnik, os modos de leitura dessas regionalmente denominadas associações, se constituíam em uma alternativa diante do alto preço dos livros e das restrições que este fato impunha à formação de acervos privados. Mesmo com a oferta de impressos, grande parte da população carioca, não dispunha de um ordenado que permitisse a compra constante de livros. Esses espaços, intrinsecamente reforçavam ainda mais os laços de identidade entre sócios e frequentadores, por intermédio de uma literatura pátria, visto que eram instituições cujo quadro societário era predominantemente composto por estrangeiros.

Destarte, em suas formas de atuação tencionavam criar um círculo para difusão, preservação e manutenção da cultura de seus países de origem. Ingleses, alemães e portugueses promoveram através da criação de bibliotecas associativas e Gabinetes de Leitura, no Brasil, uma concorrencial ilustração da abundância literária de suas nações. Toma-se, como exemplo, a trajetória do Gabinete Português de Leitura.

Fundado por homens de posição ideológica liberal, contrários ao movimento absolutista miguelista, saíram de Portugal, emigraram para o Brasil e instalaram uma biblioteca associativa, posterior Gabinete de Leitura, com o intento de contribuir para o

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Figura 1 – Atas de reuniões do Gabinete de Leitura de Jundiaí e o exemplar do Jornal O Gabinete
Figura 4 - Rua do Rosário, centro da cidade de Jundiaí. Data não localizada.
Gráfico 4 - Valores auferidos com as mensalidades em 1910 (mil-réis)  Fonte: Elaborado pelo autor baseado no Livro de Registro de Sócios Contribuintes
Figura 5 - Sede atual do Grêmio C.P., localizado na Rua Rangel Pestana, no centro de Jundiaí
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Referências

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