• Nenhum resultado encontrado

Entre tachos e textos: cultura e gastronomia no agendamento midiático 1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Entre tachos e textos: cultura e gastronomia no agendamento midiático 1"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

Entre tachos e textos: cultura e gastronomia no agendamento midiático1

Cássia Lobão ASSIS2

Emanuelly Shayene Morais NOGUEIRA3

Viviane Maria Alves dos SANTOS4

Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB

RESUMO

Este projeto fez parte do Programa de iniciação científica PIBIC/CNPq/UEPB, cota 2018/2019, e se dispôs ao estudo da gastronomia e sua configuração na mídia paraibana. Além da literatura que traz o pressuposto do gesto de cozinhar como significativo ao campo do jornalismo cultural, consideramos as teorias voltadas à perspectiva do jornalismo enquanto construção ​social da realidade. A pesquisa quantitativa teve por base um questionário acerca da recepção do público a esse tipo de programação; e a etapa qualitativa acompanhou rotinas de produção locais que abordam a temática. Como resultados, ressaltamos o valor-notícia dessa temática nas produções locais a partir da significativa aceitação do público; e o protagonismo de ingredientes regionais/sazonais na construção da ​mise-en-scène ​gastronômica.

PALAVRAS CHAVE​​: Jornalismo Cultural; Gastronomia; Mídia Regional. 1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa se dispôs ao estudo sistemático da gastronomia regional enquanto tema das pautas midiáticas. Partindo desse interesse, utilizamos resultados quantitativos e, para a análise qualitativa, consideramos o quadro fixo “Chef JPB”, veiculado semanalmente na primeira edição do JPB, telejornal da Rede Paraíba de Comunicação afiliada à Rede Globo; o “Degustando Conversas”, um programa gastronômico exibido semanalmente na TV Borborema, afiliada ao SBT; e o “Groló, cozinha de sobrevivência”, um canal disponível na plataforma YouTube, assinado pelo Coletivo Digital, uma produtora campinense de narrativas audiovisuais diversificadas, a exemplo de publicidade, documentários cinematográficos independentes etc. A partir do estudo sistemático de conceitos como jornalismo cultural, agendamento midiático e newsmaking; ​da pesquisa quantitativa em ambiente virtual, culminando com a investigação qualitativa, com matizes etnográficos, do ato de cozinhar na TV, vivenciamos como a mídia paraibana ​constrói ​as narrativas voltadas à gastronomia.

(2)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

de comunicação que estão em nosso entorno ressignificam o ato de cozinhar, levando em consideração tanto a capacidade de dizer às pessoas ​sobre ​o que pensar e legitimar enquanto informação jornalística (​agenda-setting​), quanto ao uso de estratégias para construção ​dessa realidade (​newsmaking​), ou seja, envolvendo essa atividade numa perspectiva glamurosa, ​gourmetizada​(OLIVEIRA, 2017), atraente do ponto de vista sensorial e persuasiva do ponto de vista midiático.

Assim, o acompanhamento do Degustando Conversas (TV Borborema/SBT) deve-se a dois motivos: o primeiro é o fato de o programa não apenas ensinar receitas gastronômicas, mas também construir uma mise-en-scène midiática durante a preparação do prato, algo que diz respeito particularmente ao nosso campo de estudo. O segundo motivo é a possibilidade de estudar a importância que o regional vem assumindo num mundo onde a tendência é a globalização, e, nesse contexto em particular, uma regionalização que considera a proposta vegana de alimentação, uma vez que acompanhamos a preparação de uma moqueca de caju.

Ato contínuo, acompanhamos a gravação do ​Chef JPB ​(Rede Paraíba) e percebemos a priori o agendamento de receitas sazonais, imprimindo a narrativa o elemento factual tão primaz ao exercício do jornalismo. Segundo a produtora/repórter responsável pelo quadro no dia em que acompanhamos a gravação, é bastante comum que sejam feitos programas temáticos, considerando datas comemorativas e ingredientes de época, de modo a não perder de vista a proximidade espaço-temporal como critério de agendamento.

O​Groló: cozinha de sobrevivência ​(Coletivo Digital) foi escolhido tanto pela subversão ao paradigma instituído pela mídia televisiva comercial e convencional, como pela ampliação dessa tendência na ambiência da internet. Nesse sentido foi muito proveitoso para esta pesquisa o acompanhamento da gravação do programa que promove uma construção narrativa mais alternativa, tendo a comédia como suporte estético na abordagem deste segmento do jornalismo cultural, no caso, a gastronomia.

2. MODO DE FAZER

(3)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

fazem um traçado conceitual acerca do ato de cozinhar enquanto gesto cultural, e aqui nos reportamos principalmente a Cascudo (2004) e Certeau (2008); também refletimos acerca do conceito da gastronomia enquanto segmento da editoria designada jornalismo cultural (AMARAL, 2013); dando sequência ao embasamento teórico, reforçamos as leituras acerca jornalismo enquanto construção social da realidade, ressaltando que, sob o debate do que teoricamente designamos newsmaking​, as narrativas midiáticas resultam de paradigmas narrativos que vão muito além de meramente espelhar o real, algo enfaticamente explicado por autores como Traquina (2005) e Pena (2008).

No segundo momento, apresentamos uma configuração quantitativa acerca da relação do público com essa possibilidade narrativa, de modo que possamos compreender o interesse da mídia local pela gastronomia, tema exaustivamente presente em agendamentos midiáticos nacionais.

Por fim, houve o acompanhamento de um dia de gravação de cada um dos três programas configurativos do corpus de pesquisa, nos moldes do que Lago (2007, p. 48) designou como pesquisa etnográfica, algo muito recorrente em pesquisas que se reportam ao ​newsmaking​.

3. SUPORTE TEÓRICO E RESULTADOS

3.1. CULTURA E COZINHA: ENTRELAÇAMENTOS

As discussões que consideram o ato de cozinhar em sua condição de manifestação cultural, voltada à compreensão do ato de comer como algo que no ser humano não atende apenas a necessidade instintivo-biológica de saciar a fome, já estão tradicionalmente inscritas em vários estudos na esfera das ciências sociais. Assim, são recorrentes assertivas como a do historiador e folclorista potiguar Luiz da Câmara Cascudo, para quem “de todos os atos naturais, o alimentar-se foi o único que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em expressão de sociabilidade, ritual político, aparato de alta etiqueta” (CASCUDO, 2004, p. 36).

Por sua vez, Certeau (2008) evidencia o alto grau de ritualização e investimento afetivo imanente às atividades culinárias, ressaltando que, “os hábitos

(4)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

alimentares constituem um domínio em que a tradição e a inovação têm a mesma importância, em que o presente e o passado se entrelaçam para satisfazer a necessidade do momento, trazer a alegria de um instante e convir às circunstâncias” (CERTEAU, 2008, p. 212).

Assim, considerando esse aparato teórico, devemos ainda reconhecer que o ato de cozinhar ganha contornos cada vez mais significativos nos espaços midiáticos contemporâneos e tal evidência justifica pesquisas que possam explicar com maior precisão o exercício deste gesto cultural e toda ​mise en scène ​que lhe é inerente.

3.2. A GASTRONOMIA NA AGENDA DO JORNALISMO CULTURAL

O jornalismo cultural envolve a cobertura de diversos acontecimentos, relatando não apenas fatos relacionados a artes e espetáculos, porém, mais que isso, amplia a abordagem de manifestações do cotidiano capazes de sinalizar nossas peculiaridades enquanto seres humanos numa conjuntura social específica (LIMA SILVA e CONCEIÇÃO, 2007). O jornalista que deseja se especializar em cultura terá como função não apenas apresentar shows e artistas, mas, numa ampliação de perspectiva, avaliar o potencial jornalístico-midiático de produtos culturais num horizonte mais amplo, considerando demandas estéticas que lhes sejam imanentes e que justifiquem a alocação do material numa editoria de cultura.

No mundo contemporâneo, no espaço geralmente destinado ao que chamamos jornalismo cultural​, ocorre a abordagem de assuntos ligados à culinária e gastronomia, ainda que o tema se faça presente tanto em narrativas de entretenimento não ficcional como em contextos jornalísticos propriamente ditos. Assim,

O jornalismo gastronômico é um dos temas do jornalismo cultural que mais vem crescendo no Brasil, juntamente com a importância da própria gastronomia/.../ em vez de frequentar apenas as seções de receitas das publicações femininas, como antigamente, a gastronomia agora figura como assunto recorrente em publicações de todos os tipos, voltadas para públicos variados. (AMARAL, 2013, p. 11).

(5)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

3.3. ABORDAGEM CONCEITUAL DO AGENDAMENTO MIDIÁTICO

Em sendo uma temática recorrente, na mídia nacional, necessário se faz compreender a gastronomia na agenda da mídia local, ou seja, quais as motivações de produtores em veículos locais para que tal assunto esteja nas conversas e/ou no imaginário do público espectador como algo que é relevante e socialmente aceitável nas narrativas midiáticas.

3.3.1.​ ​A TEORIA CONSTRUCIONISTA

A teoria construcionista surge em oposição à teoria do espelho, nessa perspectiva teórica, as notícias e reportagens não são vistas como reprodução sumária da realidade e sim como uma ​construção social​perpassada por elementos discursivos e estéticos que lhes garantem a aceitação por parte do público dentro de uma perspectiva persuasiva. Traquina (2005, p.168) explica que é impossível que as notícias reproduzam fielmente a realidade: “na verdade, essas notícias ​constroem ​a realidade, não de uma forma ficcional como em filmes, novelas ou seriados, mas a partir de outras convenções narrativas mais apropriadas ao gênero jornalístico”.

Por sua vez, Tuchman (2002, p. 78) defende que definir a notícia como ​estória não é rebaixar ou tratá-la como narrativa de ficção. A pesquisadora argumenta o quanto é necessário que conheçamos a dimensão narrativa do jornalismo em todos os seus meandros de rotinas de produção e critérios de noticiabilidade, para que ocorra o entendimento dessa atividade enquanto ​representação ​do real, perpassada por convenções de linguagem já repertoriadas socialmente.

Assim, por exemplo, para construir uma representação narrativa do ato de cozinhar, é necessário que os veículos midiáticos adotem procedimentos de produção e execução das atividades que viabilizem a compreensão das narrativas que as tornem presentes no agendamento social não necessariamente igual ao que fazemos diariamente em nossas casas para saciar a fome e nos garantir a sobrevivência.

Sob esta perspectiva teórica construcionista, surgiu o conceito de ​newsmaking que tem subjacente a possibilidade de compreensão da narrativa midiática a partir do

(6)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

acompanhamento de suas rotinas de produção (WOLF, 1994, p. 130). Cozinhar numa ambiência midiática tem peculiaridades de uma representação narrativa e a vivência com essa construção está subjacente ao trato com o ​newsmaking​, uma vez que, tal expressão pressupõe o jornalismo como resultado das circunstâncias de sua elaboração cotidiana, algo que aqui nos propomos vivenciar a partir do contexto particular do jornalismo cultural relacionado à gastronomia, planejado e executado em espaços midiáticos paraibanos.

3.4.​ ​RESULTADOS DA ABORDAGEM QUANTITATIVA

Após as leituras teóricas de suporte à pesquisa, foi criado um formulário online com o objetivo de colher os dados acerca da aceitação do público a produtos midiáticos voltados ao jornalismo gastronômico-cultural. A amostra teve um total de 170 participantes em 15 dias de disponibilização da consulta, em ambiente virtual. Os resultados desta investigação aparecem nos gráficos a seguir, com valores arredondados nos relatórios:

Gráfico 1​- Demonstrativo de gênero dos participantes da pesquisa

Os gráficos 1, 2 e 3 demonstram um perfil sumário dos participantes da pesquisa quantitativa, para que tenhamos uma noção do público que aprecia as narrativas midiáticas voltadas à gastronomia, conforme nos propomos a priori.

Assim, numa leitura do gráfico 1, percebemos que 118 dos participantes se declaram do sexo feminino o que representou 69% da amostra e 52 participantes se

(7)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

declaram do sexo masculino com um total de 31%, ou seja, dentro do grupo que se dispôs a responder ao questionário, há uma predominância de mulheres.

Gráfico 2 ​– Demonstrativo de faixa etária

O gráfico 2 demonstra a faixa etária dos participantes, e, conforme é possível observar, a maioria das respostas vieram de pessoas com idade entre 18 e 25 anos (71%) um dado que atesta interesse de pessoas jovens por esta possibilidade de narrativa midiática.

Gráfico 3 ​– Demonstrativo da apreciação a programas com temática de gastronomia

Nesse gráfico 3, em que perguntamos “você costuma assistir a programas /reportagens relacionadas à temática de culinária ou gastronomia ?”. Salientamos que não foi especificado se o consumo dos produtos midiáticos, nessa perspectiva temática, era oriundo de ambiente online ou de TV aberta. Assim, obtivemos que 60% dos participantes se declararam consumidores de produtos midiáticos voltados

(8)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

ao preparo de alimentos e 40% responderam negativamente à questão.

Gráfico 4 ​– Demonstrativo da procura por narrativas de gastronomia pelo critério de sazonalidade

Na questão 4, perguntamos: você procura assistir a programas/reportagens relacionadas à culinária ou gastronomia em épocas festivas/comemorativas? A intenção é inferir uma variável do interesse público em torno desse tema e, conforme o resultado, 64% das respostas foram afirmativas.

Gráfico 5 ​– Demonstrativo mais específico acerca do critério sazonalidade

Em caso de resposta afirmativa à pergunta 4, perguntamos que data específica se considera significativa à procura de narrativas midiáticas voltadas à gastronomia. Assim, o gráfico especifica as datas festivas/comemorativas em que os respondentes procuram por receitas. Ficou demonstrado que a época natalina é muito significativa nesse particular (38%) seguida pela comemoração a aniversários (21%).

(9)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

3.5. RESULTADO DA INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA

3.5.1. ACOMPANHAMENTO DO PROGRAMA DEGUSTANDO CONVERSAS

Em sua quinta temporada, o Degustando Conversas é o primeiro programa genuinamente gastronômico da Paraíba, ou seja, aquele que apresenta apenas conteúdos ligados ao preparo e apresentação de alimentos. Exibido semanalmente na TV Borborema, afiliada do SBT em Campina Grande- PB, a produção vai ao ar aos sábados após o meio dia e se divide em quatro blocos.

A ideia dessa produção é apresentar receitas de pratos que configuram a expressão da cultura regional. O apresentador geralmente traz convidados com quem partilha a degustação do alimento, enquanto conversa sobre a preparação do prato e outros assuntos ligados ao prazer de cozinhar. O convidado em questão é sempre uma pessoa pública no entorno de Campina Grande, como salienta o idealizador do programa, Fábio Maia.

Degustando conversas é gravado num estúdio particular, embora exibido num canal aberto de televisão. Nesse estúdio, existe uma cozinha funcional moderna, organizada de forma típica a configurar a cozinha de residências brasileiras contemporâneas de classe média. O programa é sempre pré-gravado e vai ao ar ao meio dia dos sábados, suplantando a programação nacional do SBT, uma vez que a emissora permite a comercialização de alguns horários específicos de sua grade de programação por parte de suas afiliadas. Durante nossa entrevista com o produtor do programa, Fábio Maia, nos foi explicado que a compra do horário no sábado ocorreu porque ele considerou um dia estratégico para a abordagem dessa temática gastronômica dentro da grade de programação das tevês abertas, afinal, “é o horário em que a maioria das pessoas estão em casa ou chegando do trabalho para o final de semana de descanso e lazer”.

Acompanhamos no dia 26 de setembro de 2018 a gravação do Degustando Conversas que foi ao ar em 29 de setembro de 2018. Esse programa teve como convidado o chef de cozinha Jean Carlos, dono do restaurante vegetariano Nutrivida.

(10)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

convidado. Faz-se interessante salientar a escolha do chef pelo caju, uma fruta bastante apreciada na culinária regional, em tempo de colheita e com preço acessível ao telespectador.

A gravação do programa foi feita em blocos, o início do trabalho foi por volta das 16 horas. Dividindo a rotina de produção em um passo a passo, houve uma sequência de procedimentos: primeiro a preparação dos ingredientes, de modo que estivessem disponíveis ao manuseio na hora da gravação; em seguida foram gravadas imagens em ​plano fechado ​dos ingredientes a serem utilizados, tudo feito por uma filmadora digital do tipo ​GoPro ​fixada no depurador de ar; o terceiro passo foi a gravação de um texto ​off ​com a voz do ​chef ​mencionando, ingrediente a ingrediente, os elementos de composição do alimento; o quarto e último passo foi o preparo do prato propriamente dito, uma cena gravada em​plano aberto​, quase sem cortes, apenas alguns planos detalhe enfatizando a cocção do alimento. O material pré-gravado obedeceu a uma sequência quase linear, o que tornou fácil a edição ​a posteriori, ​a exemplo do intervalo real que foi dado para o efetivo cozimento da moqueca.

Nesse momento de intervalo para o cozimento, fomos apresentadas a alguns truques de produção de programas gastronômicos. Por exemplo, segundo o apresentador do programa, Túlio Maia, a receita deve ser feita em pequenas porções, o que torna o preparo e o cozimento mais rápidos e não ocasiona desperdício.

Ao voltarmos para o quinto momento de gravação, o convidado concluiu as instruções do prato. Em seguida foi feita uma nova pausa, agora para montagem do prato e preparação do estúdio para a degustação e entrevista que o convidado cedeu ao apresentador do programa. Esse momento é gravado simulando outra ambiência, de modo que se faz necessária esse ajuste no espaço de gravações.

No sexto momento, começou a entrevista, que foi feita sem roteiro prévio e sem cortes, tendo como base apenas uma conversa anterior à gravação. Depois de encerrada a conversa, o estúdio foi desmontado e o apresentador gravou o início e o encerramento do programa, finalizando então as gravações às 17h30. Quando perguntamos os critérios adotados para a pauta do programa, obtivemos a informação de que tudo ocorre levando em consideração tanto a sazonalidade dos ingredientes, quanto a sua condição de configurar a culinária regional. O programa foi veiculado

(11)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

com cerca de 27 minutos de duração e está disponível no

link: https://www.youtube.com/watch?v=v2zX4JOzZGY

3.5.2. CONHECENDO DE PERTO O CHEF JPB

O “Chef JPB” é um quadro fixo veiculado semanalmente, no “JPB 1”,que compreende a edição vespertina de telejornal da Rede Paraíba, afiliada local da Rede Globo. No contexto do telejornal, o quadro traz o passo a passo de receitas culinárias a partir de situações contextuais diversificadas.

Segundo nos foi explicado por Waléria Assunção, jornalista responsável pela produção e apresentação do quadro, o objetivo do Chef JPB é trazer a público receitas que possam ser reproduzidas facilmente, no espaço da cozinha dos telespectadores, a partir de ingredientes e temperos acessíveis no comércio local de alimentos.

No dia em que acompanhamos a gravação do quadro, enquanto Waléria Assunção atuava como repórter, observamos um conhecimento apriorístico do local onde seria feita a gravação. Waléria nos explica que o convidado em questão é geralmente uma pessoa que já trabalha rotineiramente com a preparação da receita. O programa é sempre pré-gravado e vai ao ar ao meio dia dos sábados.

Acompanhamos no dia 15 de março de 2019 a gravação do quadro Chef JPB que foi ao ar em 30 de março de 2019. Esse programa teve como convidadas a confeiteira Sandra Valéria e sua filha Iasmim Lira.

Uma receita sazonal foi preparada no dia em que acompanhamos a gravação, considerando a proximidade do período da páscoa. A receita foi de uma cenoura trufada de chocolate cremoso com bombom, também de chocolate. Faz-se interessante salientar a escolha da cenoura trufada como uma tentativa de trazer uma inovação de proposta, já que no período que antecede a páscoa a receita de ovo de chocolate é bastante comum nos programas gastronômicos.

A chegada da equipe foi por volta das 15h. Dividindo a rotina de produção em um passo a passo, quando a repórter chegou, a mesa já estava arrumada e o cinegrafista fez imagens da mesa e da cozinha; em seguida houve a preparação dos ingredientes, de modo que estivessem disponíveis ao manuseio na hora da gravação;

(12)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

logo após foram gravadas imagens em plano fechado dos ingredientes a serem utilizados. Durante a captação das imagens, o cinegrafista falava em um texto off ingrediente a ingrediente, os elementos de composição do alimento, um demonstrativo dos encaminhamentos necessários à edição que viria a posteriori.

O início da gravação com a repórter foi por volta das 15h43min, uma

apresentação em plano aberto das convidadas e das receitas. Logo no início da gravação, a confeiteira explica como encontrar a forma de silicone que remete a uma cenoura, de modo a garantir a aparência estética coerente a receita; o chocolate utilizado para fazer a cenoura é levado ao micro-ondas, a confeiteira explica que ele deve ser esquentado por um minuto e todo esse gestual é feito considerando cortes, mudanças de planos e movimentos de câmera.

Em seguida é gravada a imagem em plano fechado do chocolate sendo espalhado no recipiente e é realizado outro corte na captação de imagens; logo após, a confeiteira explica que esse recipiente deve ir para o congelador por três minutos. Logo em seguida é gravada a retirada da cenoura da geladeira, é passada outra camada de chocolate, e tudo vai novamente ao congelador enquanto a confeiteira explica outra vez o tempo de congelamento; adiante é gravada a retirada do produto com a gravação da cena que sugere o encerramento do trabalho. O ponto do recheio é gravado em plano fechado, e logo em seguida uma nova cena: a confeiteira recheando a cenoura de chocolate, finalizando o acabamento e levando essa cenoura novamente para o congelador, quando é realizado mais um corte de cena.

Às 18h00 é gravado o teaser ou chamada do quadro, sendo necessárias três procedimentos, cuja versão final também fica ao encargo da edição. Logo após, é gravada a passagem de bloco, dessa vez sendo necessários quatro takes.

Já no fim da preparação, o chocolate em forma de ovo é retirado do recipiente de silicone e recheado em camadas com bolo de chocolate já preparado, o creme base e a calda de morango. Às 18h30 a repórter Waléria Assunção grava a cena em que degusta as receitas e logo em seguida agradece às convidadas.

Após quase quatro horas de gravação, o quadro foi veiculado com cerca de 7

minutos de duração e está disponível:

(13)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

er-delicias-de-chocolate-que-sao-a-cara-da-pascoa/7500073/

3.5.3. GROLÓ: COZINHA DA SOBREVIVÊNCIA

O Groló: Cozinha a Sobrevivência é um programa veiculado na internet, os vídeos estão disponíveis no canal do YouTube que conta com 2,8 mil inscritos. A criação do canal foi feita em junho de 2017. Neste caso, a proposta é de subversão aos modelos midiáticos já instituídos para a abordagem da gastronomia.

Diferente dos demais programas citados, o Groló não recebe chefs ou celebridades, a execução e apresentação dos pratos fica por conta do apresentador, Pablo Giorgio, que impõe um tom cômico à produção audiovisual. O objetivo dos vídeos é fazer pratos com aquilo que se tem disponível em cozinhas populares, bem avessa ao glamour das cozinhas dos canais abertos. Embora a plataforma virtual extrapole as fronteiras geográficas, como de fato é a tendência da comunicação na contemporaneidade, a ideia original é justamente expor de forma bem humorada essa condição alternativa de exercitar o preparo de comidas, com ingredientes de baixo custo e na qual está subjacente a compreensão destas narrativas enquanto construção social do real.

Tivemos a oportunidade de acompanhar as gravações de dois episódios da série especial junina do programa. Ao todo foram gravadas quatro receitas: arrumadinho presença, especial dia dos namorados; quentão e caju melado, especial de São João; milho enterrado na fogueira e cajapirinha (caipirinha de cajá); e o especial de São Pedro: tripa com xerém.

Ao chegar ao local de gravação, a produção montou uma fogueira junina, imprescindível à composição cênica e elaboração das receitas. Durante a montagem da fogueira, Lívia Saraiva, a assessora de redes sociais do Groló, fazia inúmeros registros que iam para os stories do Instagram e posteriormente viraram chamadas para os próximos programas, um demonstrativo de que, apesar do caráter alternativo, há todo um gestual midiático perpassando o trabalho, ou seja, o Groló – que tem como idealizador o jornalista e produtor audiovisual Jaime Guimarães – considera toda a demanda de uma produção convencional: planejamento, execução e edição.

(14)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

A gravação das receitas não obedece a uma linearidade, a construção da narrativa fica ao encargo da edição, posteriormente. Para os dois dias de gravação, a produção estabeleceu uma ordem do dia, com tempo estabelecido para troca de cenários e figurinos, ajustes de iluminação e áudio, intervalo para descanso. Um planejamento de gravações de modo a otimizar os resultados dessa etapa, tal qual ocorre em qualquer produção profissional.

A propósito, o preparo do drink cajapirinha foi uma espécie de merchandising, uma vez que a equipe comemorava, na ocasião, o seu primeiro patrocínio, com uma fabricante local de aguardente. Os vídeos foram disponibilizados no YouTube nos dias 14 de junho e 21 de junho, e estão disponíveis no canal do Groló, no YouTube, mediante o link: https://www.youtube.com/channel/UC_vgpn9Z4eYdZAx5GlODghw

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo apresenta rotinas de gravação de três produções midiáticas que tem enquanto pauta a gastronomia regional: o quadro Chef JPB do JPB 1ª Edição da Rede Paraíba de Televisão; o programa Degustando Conversas, da TV Borborema; e o Groló: cozinha da sobrevivência, feito para a Internet por um grupo de produtores audiovisuais independentes.

Como resultado desta pesquisa, pudemos perceber alguns elementos significativos voltados à construção noticiosa da gastronomia no espaço midiático local, a exemplo do protagonismo de ingredientes regionais na construção da mise-en-scène ​gastronômica; a valorização de sujeitos e práticas culturais da Paraíba e da região nordeste nessa incursão por um dos aspectos do jornalismo cultural; e a evidência dessa temática nas produções locais a partir da aceitação do público, conforme foi possível entrever em nossa metodologia de investigação quantitativa.

Verificamos que essa tendência contemporânea segue as possibilidades paradigmáticas adotada na mídia nacional e, ainda que durante a apresentação do produto ocorra a subversão aos modelos instituídos, na etapa de produção, as narrativas procuram seguir as mesmas condições de elaboração daquilo que assistimos enquanto construção do real no campo da gastronomia.

(15)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual – 01 a 10/12/2020

5. REFERÊNCIAS

AMARAL, R.M. ​Gastronomia: ​prato do dia do jornalismo cultural. Recife: editora da UFPE, 2013. ANDRADE, M. ​REC​: uma iniciação à filmagem. João Pessoa: Ideia, 2013;

CASCUDO, L. C. ​História da Alimentação no Brasil​. 3.ed. São Paulo: Global, 2004;

CERTEAU, M. GIARD, e MAYOL, P. ​A invenção do cotidiano 2​: morar, cozinhar. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2008;

LAGO, C. “​Antropologia e jornalismo: uma questão de método​”. In: LAGO, C. e BENETTI, M. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 48-66;

LIMA SILVA, A. e CONCEIÇÃO, F.G. “ ​Jornalismo cultural: em busca de um conceito​” In: Anais do XXX Intercom: Santos-SP: 2007. Disponível em:

http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/r1253-2.pdf Acesso em: 07/11/2018;

OLIVEIRA, C. “​Das ​variações ​dos ​programas ​de ​receita ​culinária ​na ​televisão​: redefinições das formas de apresentação do ato de cozinhar em função do fenômeno gourmetização”. Anais do XL Intercom: Curitiba, 2017. Disponível em:

http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-1280- ​1.pdf Acesso: 07/11/2018;

PENA, F. ​Teoria do Jornalismo​. São Paulo: Contexto, 2008.

TRAQUINA, N. ​Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são​. Florianópolis: Insular, 2005.

TUCHMAN, G. “​As notícias como uma realidade construída​”. In: ESTEVES, J.J.P. Comunicação e sociedade. Lisboa: Horizonte, 2002;

Referências

Documentos relacionados

Regime de Trabalho: 20 (vinte) horas semanais Requisito Mínimo:  Graduação em Medicina; e..  Título de Especialista em Cirurgia Endovascular reconhecido pela Sociedade

 As sapatas podem ser classificadas em blocos, sapatas rígidas (incluindo as semi-rígidas) e sapatas flexíveis. Para carga centrada e solos deformáveis, os diagramas de tensão

[r]

Contudo, o administrador ou analista de empresa, precisa das demais demonstrações como o Cash-Flow (pode ser a própria conta Caixa, adequadamente arrumada para responder

! Este exercício promove a detecção e codificação de informação principal ao enfatizar elementos relevantes do conteúdo que é trabalhado.. VER O VÍDEO DO MINUTO 21:58

aplicação da primeira demão de tinta de fundo. O preparo da superfície e aplicação da primeira camada da tinta de fundo devem ser feitos na mesma jornada de trabalho,

Não é possível para o FreeBSD consertar problemas em nada além de certas branchs recentes do sistema base, de forma que enviar um relatório de bug sobre uma versão mais

- Prosseguindo no caminho da redução de cinco para quatro áreas, e dada a concentração de agrupamentos no concelho de Coimbra, a quarta hipótese poderia passar por criar