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Apostila Psicologia Social II

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Academic year: 2021

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autora autora GLAUCIA PEREIRA BRAGA GLAUCIA PEREIRA BRAGA

PSICOLOGIA SOCIAL II

PSICOLOGIA SOCIAL II

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autora autora GLAUCIA PEREIRA BRAGA GLAUCIA PEREIRA BRAGA

1ª edição 1ª edição SESES SESES rio

rio de de janeiro janeiro 20172017

PSICOLOGIA SOCIAL II

PSICOLOGIA SOCIAL II

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Conselho editorial

Conselho editorial roberto paes e gisele limaroberto paes e gisele lima Autor do original

Autor do original glaucia pereira bragaglaucia pereira braga Projeto editorial

Projeto editorial roberto paesroberto paes Coordenação de produção

Coordenação de produção gisele lima, paula r. de a. machado e aline karinagisele lima, paula r. de a. machado e aline karina rabello

rabello

Projeto gráfico

Projeto gráfico paulo vitor bastospaulo vitor bastos Diagramação

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qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyrightseses, 2017.seses, 2017.

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento

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Sumário

Prefácio

5

1. Novas abordagens em psicologia social:

perspectivas teóricas

7

Abordagem sócio-histórica 10

Representações sociais 15

As representações sociais e a psicologia social 19

As representações sociais e a psicologia cognitiva 21

A psicologia crítica 25

2. Dimensões conceituais da psicologia social

33

Identidade 34

Ideologia 41

Indivíduo, fenômeno social e subjetividade 47

Família 56

Gênero 66

3. Campos de aplicação da psicologia social –

A abordagem psicossocial

75

Psicologia social e escola 76

Psicologia social na comunidade 85

(6)

4. A pesquisa em psicologia social

103

Sujeito, objeto e método da investigação científica 104

Procedimentos para coleta de dados: observação, entrevistas,

questionários, grupos focais 111

Procedimentos de análise: o método quantitativo e o método

qualitativo 116

5. Reflexões contemporâneas

123

Novos cenários 124 O homem em construção 127 O saber e o fazer 131 Geração de conhecimento 133

(7)

5

Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

 A psicologia é uma ciência complexa. Estuda o comportamento humano e animal, e sua complexidade está na abrangência desta compreensão que envolve os processos mentais, biológicos; que relacionam as emoções, os sentimentos, os valores, as atitudes, a racionalidade, os desejos, os pensamentos, as motivações e as subjetividades da condição humana, expressa por seus pensamentos, seus com-portamentos e suas atitudes.

 A psicologia está no cotidiano da história da humanidade, porque é um dos componentes da natureza humana. O entendimento da psicologia, como uma ciência, com seus sistemas e métodos de pesquisas se dá com Wilhelm Maximiliano  Wind (1832-1920), médico, filósofo e psicólogo alemão.

 A partir de então, a psicologia passa a ocupar nos cenários humanos seu es-paço científico e sócio-histórico, com diferentes concepções teóricas e práticas de aplicação de suas abordagens, que são atualizadas e revigoradas a cada nova era e descoberta do processo de evolução da humanidade.

Nesse contexto, temos várias vertentes e variados campos de aplicação da psi-cologia e seus diferentes estudos. É diante desse universo acadêmico que vamos explorar a psicologia social.

Psicologia social é uma área específica da psicologia, uma “ciência dentro da ciência”, estruturada no século XX, com o objetivo de estudar o relacionamento interpessoal e suas implicações mútuas nos pensamentos e comportamentos das pessoas. Assim como estabelece uma ponte entre as ciências sociais, tais como: a sociologia, antropologia, história, ciência política, economia, entre outras.

O estudo da psicologia social é fundamental para a psicologia e para psicólo-gos e sua atuação profissional. Nela está a base de estudo dos fenômenos e proces-sos psicológicos básicos, sua interdisciplinaridade, e instrumentos para a atuação do psicólogo em diferentes áreas tais como: hospitais, empresas, escolas, centros comunitários, varas de família, como estabelece a orientação teórica do Conselho Federal de Psicologia, órgão que regulamenta a profissão no Brasil.

 A partir deste panorama, exploraremos as abordagens contemporâneas da psi-cologia social, as perspectivas teóricas, as dimensões conceituais e os campos de

(8)

aplicação. Com o objetivo de compreender as interações humanas enquanto redes de significados construídos histórica e socialmente a partir da realidade psicosso-cial e cultural. Bem-vindos a psicologia sopsicosso-cial!

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Novas abordagens

em psicologia

social: perspectivas

teóricas

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Novas abordagens em psicologia social:

perspectivas teóricas

Iniciaremos este capítulo tratando das novas abordagens em psicologia social, área da psicologia que adota um posicionamento crítico efetivo em relação às transformações da sociedade e da realidade social.

 As novas abordagens em psicologia social investigam o psiquismo huma-no, em busca da compreensão do processo de construção da subjetividade, (tema que será tratado especificamente no capítulo 2, Individuo, fenômeno social e subjetividade), a partir das discussões que envolvem o contexto das

relações sociais vividas pelas pessoas.

Essas novas abordagens procuram superar as críticas e limitações da psi-cologia social que se fundamentava em descrever, observar e medir encon-tros sociais, privilegiando as interações e a adequação de comportamentos dos indivíduos no ambiente social, tema que foi objeto de estudo da disciplina psicologia social I.

 As novas abordagens traçam uma trajetória voltando sua atenção para a interface da ciência com o contexto social em que o indivíduo está inserido, e a interdisciplinaridade com as outras ciências que tratam do homem em seus diferentes contextos sociais.

 A começar pela fundamentação teórica da abordagem sócio-histórica, que propõe ênfase ao contexto sócio-histórico e cultural, preconizado por Vygotsky. Ele concebe o homem como um produto histórico e social de seu tempo, e a sociedade como resultado da produção histórica do homem por meio do trabalho, imprimindo uma visão crítica e metodológica, materiali-zando o objeto de investigação da psicologia para além das conjecturas abstra-tas acerca das contradições humanas.

Em sequência, o conceito de representações sociais, termo extraído da so-ciologia, que tem como um de seus representantes Émile Durkheim (1858-1917), o qual dedicou seus estudos na compreensão científica dos comporta-mentos coletivos. Serge Moscovici (1925-2014) que relê, interpreta, elabora e dialoga com Durkheim e propõe em sua construção teórica o conceito de Representações Sociais, em sua obra original: La Psychanalyse son image et son

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capítulo 1

 •

9

Posteriormente Denise Jodelet, que a partir da década de 1980, apresenta o conceito como: “Conhecimentos práticos orientados para a comunicação e compreensão do contexto social”, isto é: “[...] uma forma de conhecimen-to, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que con-tribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.” (JODELET, 2001, p. 22).

Na década de 1990, apresenta-se a teoria do núcleo central  de

Jean-Claude Abric, ampliando o contexto de estudos das representações sociais; propondo a investigação de um núcleo central cognitivo nas representações sociais, composto pela memória coletiva, as condições sócio-históricas e os valores do grupo, coletivamente compartilhados de forma consensual, estável e em conformidade com o grupo social; mantendo a continuidade e perma-nência da representação.

Observação: embora, a teoria do núcleo central não seja objeto específico do

pla-no de ensipla-no da disciplina, é importante sugerir que essa teoria seja visitada com o objetivo contextualizar os estudos do tema.

 As representações sociais figuram entre as áreas do saber da psicologia so-cial mais importantes. Faz um contraponto com as ciências sociais que estu-dam o tema comum e com a psicologia cognitiva.

O diálogo entre as ciências produz conceitos transdisciplinares, que serão discutidos no percurso dos capítulos subsequentes.

 Assim, na trajetória deste capítulo, também serão tratados além dos aspec-tos descriaspec-tos, a psicologia crítica que discute, problematiza e renova as ques-tões da psicologia social, produzindo novos olhares conceituais, mantendo a sua atualidade.

OBJETIVOS

• Identificar as abordagens teóricas que fundamentam a psicologia sócio-histórica;

• Diferenciar o conceito de representações sociais compartilhado por diferentes ciências; • Compreender as representações sociais sob o ponto de vista da psicologia social;

• Reconhecer os contextos transversais e transdisciplinares das representações sociais; • Entender a psicologia crítica.

(12)

Abordagem sócio-histórica

 As perspectivas teóricas da psicologia sócio-histórica estão fundamentalmente ligadas ao cenário histórico, social, político, científico e filosófico do século XIX.

Um dos contextos históricos de transformações sociais de grande destaque foi a ascensão da burguesia, consolidado no período histórico da Era Moderna.  A classe social burguesa traz a proposição de questionamentos racionais sobre a

condição humana, liberdade e as possíveis transformações da realidade, “um olhar do homem para si mesmo”, com base na razão e na experiência.

No campo das ciências, a investigação dos fenômenos deve seguir uma lógica racional e passível de experimentação. A clareza, a objetividade e o rigor do méto-do científico permitem ao cientista observar a realidade, distancianméto-do-se de suas crenças e seus valores, no processo de construção de um conhecimento racional.

Diante dessas circunstâncias nasce a ciência moderna, “empírica”; a experiência é parte do fazer científico; “experimental” procedimentos metodológicos com resul-tados avaliados e “quantitativa”, quando os números produzem resulresul-tados objetivos. E no campo filosófico, o positivismo, corrente filosófica que defende que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento que deve ser construído e avaliado por métodos científicos válidos.

 A ciência do século XIX é positivista , enfatiza prioritariamente a razão; mecanicista  com base na ideia do funcionamento regular do mundo regido

pe-las leis científicas conhecidas; associacionista  concebe que as ideias se associam

mentalmente de forma a organizarem-se e permitirem associações que resultam em conhecimento; atomista  com a concepção que o todo é sempre o resultado da

organização das partes e determinista  com o entendimento do mundo como um

conjunto de fenômenos que se estabelecem através da relação de causa e efeito. Diante deste panorama de convicções de como as ciências devem ser estrutu-radas, Wilhelm Wundt, na década de 1870, no ano de 1879, na Alemanha, cria um laboratório experimental para discriminar a psicologia como ciência, esse feito foi realizado na Universidade de Leipzig.

 Wundt identifica as características básicas dos elementos da consciência (ato-mismo) e distingue-se do associacionismo pela concepção da consciência como um processo ativo na organização de seu conteúdo pela força de vontade. Para ele, o pensamento é ao mesmo tempo resultado da evolução natural do homem e da

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capítulo 1

 •

11

Segundo Wundt (1916 apud STREY et al. 2013, p. 10), no contexto do método científico vigente cuja prioridade é a razão, sugere então duas psicologias: uma psicologia experimental e uma psicologia social.

 A psicologia social de Wundt é elaborada em sua obra Volker psychologie

(Psicologia do povo ou Psicologia das massas) em que desenvolve estudos sobre temas como pensamento, linguagem, cultura, mitos, religião, costumes entre ou-tros fenômenos. Segundo Wundt, esses fenômenos são coletivos e não poderiam ser explicados somente pela consciência individual. E pelo seu proposto método experimental da introspecção, ele indica ter como limitação a incapacidade de uma consciência individual fornecer a história do pensamento humano, em con-cordância com Strey et al. (2013).

 Wundt sinaliza a limitação de seu método ao se referir ao método introspectivo na pesquisa do fenômeno mental coletivo: “É verdade que se tem tentado investigar frequentemente as funções complexas do pensamento na base da mera introspecção. No entanto, essas tentativas foram sempre frustradas. A consciência individual é com-pletamente incapaz de nos fornecer uma história do pensamento humano, pois está condicionada por uma história anterior sobre a qual não nos pode dar nenhum co-nhecimento sobre si mesma.” (WUNDT, 1916, p .3 apud STREY et al. 2013, p. 11).

Diante de suas investigações e constatações, Wundt contribui com a ciência psicologia com seu pioneirismo para a consolidação do saber científico da psicologia, e com a psicologia social, despertando a atenção para fenômenos coletivos como cultura, mitos, costumes e fenômenos de massa.  © W I   K  I   M E  D  I   A  . O  R   G 

Figura 1.1 – Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920).

Outros teóricos da ciência psicologia em construção desenvolviam suas abor-dagens concebendo suas convicções.

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Titchener (1867-1927) concebeu o homem dotado de uma estrutura a qual permite que a experiência se torne consciente; James (1842-1910), ao contrário, pensou o homem como um organismo que funciona em um ambiente e a ele se adapta. O comportamentalismo pensou o homem como produto de

condicio-namentos, a gestalt valorizou as experiências vividas e a psicanálise enfatizou as forças que o homem não domina e não conhece, mas que o constituem. (BOCK, GONÇALVES e FURTADO, 2007, p. 16).

 A psicologia sócio-histórica

 A perspectiva da psicologia sócio-histórica fundamentada na concepção histórico-cultural de Vygotsky (1896-1934) revela a possibilidade de de-linear uma psicologia social diferenciando-a das demais correntes teóricas da psicologia.    ©    T    H    E    V    I    G    O    T    S    K    Y    P    R    O    J    E    C    T     |   W    I    K    I    M    E    D    I    A .    O    R    G

Figura 1.2 – Lev Semenovitch Vygotsky 1896-1934).

Em 1924, Vygotsky no II Congresso Pan-Russo de Pneumologia, ao tratar o método de investigação reflexológico e psicológico, declara sua crítica a po-sições científicas que considerava redu-cionistas, porque não aprofundavam–se nas questões sociais do ser humano, refe-ria-se a respeito de uma produção cien-tífica da psicologia com base somente em discursos pessoais, argumentos com conjecturas e deduções fundamentadas em suposições filosóficas.

 A psicologia sócio-história de Vygotsky é imbuída de uma intenção crítica fundamentada por sua origem, gênese epistemológica, na teoria marxista e o fi-losófico materialismo histórico e dialético: concepção filosófica que discute, cri-tica e defende a relação mútua entre o organismo, o ambiente e os fenômenos físicos que moldam os comportamentos, a sociedade e a cultura; opondo-se a visão filosófica do idealismo que atribui a forças divinas e sobrenaturais aos

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even-capítulo 1

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“Toda a natureza, de suas partículas mais minúsculas até seus corpos mais gigantescos, do grão de areia até o sol, do protozoário até o homem, se acha em estado perene de nascimento e morte, em fluxo constante, sujeita a incessantes mudanças e movimentos." (ENGELS, 1979, p. 491).

 A concepção filosófica proposta pelo materialismo dialético é aplicada por Marx e Engels na explicação das transformações políticas e sociais oriundas do sistema capitalista, que tem entre seus fatos históricos fundamentais a ascensão da burguesia, que promoveu uma mudança social, política e econômica na condição humana de estar no mundo, possibilitando a liberdade de ação dos indivíduos nas transformações da realidade social.

 A liberdade na transformação da realidade social acarreta também mudan-ças nas relações entre as pessoas, nos conceitos de coletivo e privado, implican-do segunimplican-do o materialismo histórico dialético um novo modelo de sociedade. Sociedade esta em que o que é material, econômico está presente no ambiente, na construção psicológica do indivíduo e nas relações sociais. Vygotsky, alicerçado na teoria marxista e no materialismo histórico e dialético, elabora suas convicções teóricas apontando para o contexto social como um elemento preponderante na produção científica da psicologia.

O materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) metodologicamente investiga a sociedade nos seus aspectos eco-nômicos e históricos. A concepção filosófica do materialismo dialético postula que o organismo, os fenômenos físicos e o ambiente são mutualmente mo-deladores da sociedade e da cultura, isto é, existe uma relação dialética entre a matéria, o psicológico e o social. Como aponta em Contribuição à crítica da economia política: "Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas, ao contrário, sua existência social é que determina a sua cons-ciência." (MARX, 1978, p. 339).

Observação: a teoria marxista é um dos pilares da construção do

conheci-mento e do pensaconheci-mento do século XX e base fundante da psicologia sócio-históri-ca. Para manutenção do foco em psicologia social, pesquise os conceitos marxistas de relações de produção e alienação a fim de aprofundar a contextualização da psicologia sócio-histórica.

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   ©    W    I    K    I    M    E    D    I    A .    O    R    G

Figura 1.3 – Karl Marx (1818-1883).

   ©    W    I    K    I    M    E    D    I    A .    O    R    G

Figura 1.4 – Friedrich Engels (1820-1895).

Quanto à psicologia, Vygotsky concebe o homem como produto histórico e social de seu tempo, e a sociedade é o resultado da produção histórica do homem por meio do trabalho, que constrói a vida material e as ideias.

 As representações da realidade material e a própria realidade material se re-troalimentam do processo histórico, da diversidade humana, das peculiaridades e do dinamismo na produção de novas convicções e das ciências, em que a psicolo-gia é parte integrante desse contexto.

Nessas circunstâncias, a visão do fenômeno psicológico como algo abstrato é abandonada e criticada. O liberalismo, componente histórico e ideológico do sistema capitalista, fruto da ascensão da burguesia, opõe-se em que o homem era sujeito a uma hierarquia universal estabelecida pela ordem suprema do divino.

O homem da nova ordem social, liberal, capitalista é um sujeito, com sua individualidade valorizada pelo sistema e não mais um sujeito subordinado a dou-trinas e dogmas religiosos impostos por uma hierarquia que determinava seus va-lores. Um dos aspectos críticos da psicologia, é que para este homem de “valores que lhe foram impostos”, não precisava psicologia.

Por outro lado, o homem da “nova ordem”, capitalista, liberal, é um “ser” livre, cuja moral é dotada de direitos oriundos de sua natureza humana, com igualdade de direitos à prosperidade, segurança, liberdade e fraternidade, e em seu exercício de individualidade, a psicologia se faz importante.

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consumi-capítulo 1

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O mundo em seu constante movimento começa a instituir a ideia de “privaci-dade”, e este homem que é parte de uma coletividade passa por mudanças que se impõem em todos os campos humanos. Por exemplo, na arquitetura constroem-se lugares reservados, distinguindo-os do que é público, estabelecendo diferenças como “a casa é da família” e em seu interior há locais íntimos e privados, “a rua é pública”, “fábrica é o local de trabalho”; cada objeto ganha sua própria identidade, sua marca, delimitando o que é público e o que é privado, o que é individual e o que é coletivo.  A individualidade é um “bem” do sistema capitalista, e o homem em sua indivi-duação apropria-se da ideia de “mundo interno do sujeito” e do sentimento de EU.  A história conduz à necessidade de uma ciência que investigue os fenômenos psicológicos, eis a psicologia.

Mas que coisa é esta, o fenômeno psicológico? Ora é processo, ora é estrutura, ora manifestação, ora relação, ora é conteúdo, ora é distúrbio, ora experiência. É interno, mas tem relação com o externo. É biológico, é psíquico e é social; é agente e é resultado; é fenômeno humano, relacionado ao que denominamos “eu”. (BOCK, 2007, p. 21).

Buscar entender o fenômeno psicológico é uma investigação da ciência cologia. Considerando o contexto da história da humanidade, a proposta da psi-cologia sócio-histórica é constantemente atualizada, pois sua essência crítica é abastecida pelo dinamismo da historicidade, que produz fenômenos de múltiplas dimensões, diariamente capazes de mudar o ser e o estar no mundo.

Entretanto cabe ressaltar, que segundo a concepção de Vygotsky, a reflexão permanece, o homem é um produto sócio, histórico e cultural de seu tempo, e como tal, é preciso que a ciência tenha um olhar crítico atento às transformações sociais que demandam diferentes fenômenos individuais e coletivos em diferentes grupos humanos.

Representações sociais

O conceito de representações sociais teve sua origem na sociologia de Émile

Durkheim (1858-1917), que sob a influência do positivismo, dedicou sua pro-dução acadêmica a uma sociologia que investigava por meio do método científi-co e da observação empírica os fatos sociais, científi-conceituado-os científi-como “científi-coisa”, força/ pressão coerciva exercida sobre os indivíduos que transformam comportamentos singulares em comportamentos sociais, coletivos.

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Durkheim afirma que: “Um fato so-cial reconhece-se pelo seu poder de coa-ção externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder reconhece-se, por sua vez, pela existência de uma sanção determi-nada ou pela resistência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que ten-da a violentá-lo.” (DURKHEIM, 1895, 2007, p. 10).  © W I   K  I   M E  D  I   A  . O  R   G 

Figura 1.5 – Émile Durkheim (1858-1917).

Sob esse prisma, a atenção da sociologia é voltada para o estudo de fenômenos que não agem apenas sobre o indivíduo, mas que atuam diretamente em todo o tecido social.

 As contribuições de Durkheim foram referenciais para Moscovici, a partir da década de 1960 e Denise Jodelet, contemporaneamente.

 A teoria das representações sociais  de Moscovici com a publicação de  A psicanálise, sua imagem e seu público, em 1961, indica um conjunto de

conhe-cimentos, crenças e valores comuns entre indivíduos que interagem e constroem uma realidade, cuja experiência, permite posicionamentos individuais, embora seja fruto de um conhecimento compartilhado pelo grupo.

Para Moscovici, as representações sociais revelam que: “No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natu-reza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de co-nhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos [...] elas têm uma função constitutiva da realidade, da única realidade que conhecíamos por experiência e na qual a maioria das pes-soas se movimenta [...] é alternativamente, o sinal e a reprodução de um objeto socialmente valorizado. (MOSCOVICI, 1978, p. 26-27).

Embora Moscovici tenha feito um resgate do tema em Durkheim, ele difere de seu ponto de vista quando concebe a interdependência nas relações entre

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so-capítulo 1  •

17

   ©    W    I    K    I    M    E    D    I    A .    O    R    G

Figura 1.6 – Serge Moscovici (1925-2014).

e não estático como afirmava Durkheim e sinaliza (DURAN, 2006 apud SOUZA et al. 2006, p. 91), em suas considerações sobre o tema: [...] en-quanto Durkheim vê as representações sociais como formas estáveis de com-preensão coletiva, Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e a diversidade das ideias coletivas nas sociedades modernas.

Para Jodelet, (1985 apud SPINK, 1993, p. 300), as representações sociais “São modalidades de conhecimento prático orientadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social, material e ideativo em que vivemos.”  Jodelet colaboradora de Moscovici, em sua leitura e interpretação das repre-sentações sociais propôs o seguinte esquema: (figura 1.7 do texto adaptado de  Jodelet, (1989 apud SPINK, 1993, p. 301):

FORMA DE CONHECIMENTO

PRÁTICO SUJEITO

CONSTRUÇÃO

SUJEITO

REPRESENTAÇÃO SUJEITOOBJETO INTERPRETAÇÃO

EXPRESSÃO SIMBOLIZAÇÃO

Figura 1.7 – O corpo de estudos da representação social.

O esquema propõe uma simplificação de um plano apresentado por Jodelet em 1989, na obra Représentations sociales: un domain en expansion. In: Les Représentations Sociales  (D. Jodelet, org.), p. 31-61, Paris: Presses Universitaires  de

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France. Essa obra permite-nos visualizar os dois eixos principais deste campo de estudos: no primeiro eixo, as representações constituem formas de conhecimento prático orientadas para a compreensão do mundo e para a comunicação; no se-gundo eixo, elas emergem como elaborações (construções de caráter expressivo) de sujeitos sociais a respeito de objetos socialmente valorizados. As duas dimensões descortinam pressupostos de natureza epistemológica sobre a natureza do conhe-cimento. (SPINK, 1993, p. 301).

 Jodelet explica as representações sociais como conhecimentos manifestos de elementos cognitivos, teorias, conceitos, imagens, categorias; mas é importante não os confundir com componentes cognitivos. As representações sociais são “ela-boradas e compartilhadas socialmente fazem parte da construção de uma realidade comum que possibilita a comunicação”. São fenômenos sociais, obtidos a partir de conteúdo cognitivos, e sua compreensão é realizada a partir das funções simbólicas e ideológicas aplicadas e comunicadas.

Na ilustração 1.8, o quadro representa as esferas intersubjetiva, resultado da interação entre as consciências dos sujeitos; subjetiva, as características particulares da consciência individual; e transubjetiva registro psíquico das representações da sociedade do meio ambiente, da realidade.

NÃO HÁ INDIVÍDUO ISOLADO NÃO HÁ PENSAMENTO DESCARNADO CONTEXTO SOCIAL DE INTERAÇÃO E INSCRIÇÃO ESPAÇO SOCIAL E PÚBLICO RS TRANSUBJETIVO INTERSUBJETIVO SUBJETIVO

Figura 1.8 – As esferas de pertença das representações sociais.

Segundo a ilustração proposta por Jodelet, não há pensamento desvinculado dos contextos sociais. As representações sociais estão no centro do intersubjetivo, subjetivo e transobjetivo do indivíduo. Somos seres sociais, interagimos com o

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capítulo 1

 •

19

As representações sociais e a psicologia social

 As representações sociais são uma forma de conhecimento presente em vários campos do saber. Seu conteúdo articula-se de forma transversal e transdisciplinar e constitui-se como uma vertente da psicologia social.

 As representações sociais são teorias produzidas pelo senso comum, uma for-ma de conhecimento prático, comum a for-maioria das pessoas adquirida a partir das experiências, observações e vivência transmitidas culturalmente.

Sob o ponto de vista da psicologia, e principalmente da psicologia social, o estudo das representações sociais representa a possibilidade de um instrumento teórico de investigação dos fenômenos psíquicos e das relações que se estabelecem no imaginário individual e coletivo nos diferentes cenários humanos, como famí-lia, escola, trabalho, entre outros, de acordo com Moscovici (1978).

“Um dos objetivos primordiais das representações sociais é tornar familiar algo até então desconhecido, possibilitando a classificação, categorização e no-meação de ideias e acontecimentos inéditos, com os quais não havíamos ainda nos deparado. Tal processo permite a compreensão, manipulação e interioriza-ção do novo, juntando-o a valores, ideias e teorias já assimiladas, preexistentes e aceitas pela sociedade. É possível encontrar o hiato entre o que se sabe e o que existe, a diferença que separa a proliferação do imaginário e o rigor do simbólico.'' (MOSCOVICI, 1978, p. 67).

Moscovici faculta a psicologia social tornar-se um elo de investigação entre os saberes, propiciando a valorização do conhecimento prático, desmitificando a ideia que somente o “saber científico” teorizado é o único capaz de produzir verdades cognoscíveis.

“As ciências é que passaram a inventar e propor a maior parte de objetos, con-ceitos, analogias, formas lógicas etc., que são impostos à sociedade. Com isso, de-sistimos de tentar exercer o domínio sobre a maioria dos conhecimentos que nos afetam e pressupomos que um grupo de cientistas é que devem obtê-los e fornecê -los para nós, como se pensássemos e víssemos ‘por procuração.'' (MOSCOVICI, 1978, p. 20-21).

Segundo (MOSCOVICI, 1978, p. 44), “A representação social constitui uma das vias de apreensão do mundo concreto, em seus alicerces e em suas conse-quências”. Isto é, compreender o processo de construção criativo e dinâmico das representações sociais é também uma forma de compreensão da realidade produ-zida nos contextos dos diferentes grupos sociais, pois o dinamismo desse processo

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implica as “trocas interativas” constantes e presentes na construção da realidade, em que todos implicam e são implicados por ela.

Entretanto, cabe observar que as representações sociais não se limitam a um conhecimento com base em opiniões, superstições ou crenças místicas; é um co-nhecimento produzido por um grupo social, e as interações deste grupo propiciam as atualizações na transmissão desse conhecimento ao mesmo tempo na consoli-dação do mesmo.

 A psicologia social, como parte da ciência psicologia, evidencia a importância do estudo das representações sociais como mais uma “ferramenta” na busca de compreensão dos processos humanos.

Moscovici, ao protagonizar este conhecimento, refere-se a conceitos como o de ancoragem e objetivação para demonstrar como são geradas as represen-tações sociais e como elas participam da orientação das condutas humanas. (MOSCOVICI, 1978, p. 43-44).

 Ancoragem: processo de transformar algo estranho e perturbador em algo

comum, familiar, classificado por nossa cognição.

Por meio da ancoragem, classificamos e nomeamos objetos, de forma que a nossa cognição os localize sem estranhamento, e assim experimentamos uma sensação confortável relacionada à possibilidade de avaliação de algo ou de uma situação que estejamos vivenciando. Dessa forma, quando classificamos algo, o objeto classificado fica atrelado a um conjunto de comportamentos e normas que estabelecem o que é permitido em relação aos outros indivíduos pertencentes a essa classificação.

Objetivação: processo que visa transformar a ideia abstrata em visível, real,

concretizável, concreta.

 A objetivação é a capacidade de dar materialidade à ideia abstrata, por exem-plo: na afirmação: “Deus é pai” a concepção de Deus (uma ideia abstrata, uma imagem nunca vista), ao compararmos com pai (uma ideia conhecida e classifi-cada, uma imagem conhecida, representada) propiciamos e nos aproximamos de forma criativa e objetiva da concepção de Deus.

Para Moscovici, existem dois grupos principais de pensamento que dão ori-gem ao conhecimento: pensamento primitivo – forças divinas e o pensamento científico – ciência.

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capítulo 1

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21

Nesse sentido, as representações têm principalmente duas funções: a conven-cional – acomodam os objetos, pessoas ou acontecimentos, permitindo categori-zá-las para que sejam classificadas em nossas experiências, nas quais até podemos nos conscientizar a respeito delas, mas nem sempre podemos nos libertar destas, isto é, a realidade de um indivíduo é, na maioria das vezes, determinada pelo que é socialmente aceito como realidade.

E a prescritiva, estas são impostas por meio de uma força inevitável, uma estrutura presente estabelecida antes de concebermos nossos pensamentos e uma tradição que determina o que deve ser pensado. As representações são impostas e transmitidas por meio das gerações, são produzidas por elaborações e mudanças ao longo do tempo, de forma que todas as interações humanas são permeadas pelas representações sociais.

 As representações sociais são construtos em permanente transformação e guar-dam relações com o passado, com as tradições e a história, são produto da prática presente e dirigem as ações dos grupos sociais que atuam simbolicamente por meio delas, orientam a conduta humana, a mesma conduta que contribui para construir as representações.

 As representações sociais constituem-se como um campo de estudo da psico-logia social, e no capítulo 3, destinado à abordagem psicossocial, abordaremos

novamente este conceito.

As representações sociais e a psicologia cognitiva

 A teoria das representações sociais é um dos pilares da investigação científica em psicologia, uma ciência com várias ramificações e rica diversidade teórica, as-sume também sua presença no campo de estudo da psicologia cognitiva.

 A psicologia cognitiva é uma área da psicologia na qual suas abordagens teó-ricas dedicam-se ao estudo dos processos cognitivos, tais como: pensamento, lin-guagem, memória, percepção.

 A evolução da espécie humana possibilitou uma sofisticação cada vez mais refinada do desenvolvimento destes processos mentais, e cada vez mais os estudos sobre a cognição humana avançam, novas descobertas sobre as competências e habilidades intelectuais superiores são encontradas. E a natural interdisciplinari-dade e transversaliinterdisciplinari-dade deste conteúdo propõe diálogo constante com as demais ciências como: medicina, neurociências, tecnologia e inteligência artificial, entre outras. A autora Adriana Soares, em 1993, já afirmava que a psicologia cognitiva moderna é parte de um amplo movimento associando-a às “ciências cognitivas”.

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O movimento cognitivista almeja ir além do behaviorismo, com uma crítica às suas explicações aos comportamentos humanos, principalmente os mais com-plexos. Para os cognitivistas, a explicação com base na premissa do comportamen-to humano em estímulos e respostas (E-R), é insuficiente no que tange às funções mentais. Como sinalizavam os cientistas da University Oxford, Department of Experimental Psychology, nos anos de 1989.

Dessa forma, a psicologia cognitiva considera o modelo linear E-R limi-tante, insuficiente e consequentemente inadequado para explicar o compor-tamento humano, procurando substituí-lo por um esquema mais complexo e elaborado que considera de forma circular esta relação diádica entre organismo e estímulos. O organismo tem papel relevante e ativo, um sistema capaz de ela-borações complexas, tais como: efetuar escolhas dentre os elementos relevantes de uma dada situação, utilizar estratégias alternativas, armazenar seletivamente informações, operar transformações sobre os elementos de forma a elaborá-los apropriadamente, operando os resultados dessas elaborações e não apenas ope-rações ligadas e determinadas, aprioristicamente, pelos estímulos de entrada. (SPINILLO, 1989, p .6).

 A psicologia cognitiva busca investigar de forma mais ampla e quantitativa este processo de elaboração interno, que envolve as funções cognitivas e que não se limita somente a uma resposta “mecânica/aprendida”.

 Assim, na década de 1960, com o ressurgir do interesse pelo estudo dos pro-cessos mentais, a psicologia cognitiva transborda para a psicologia social a vários níveis. A partir da psicologia cognitiva, a psicologia social formula novos proble-mas, abraça novos métodos e constrói novas teorias, adaptando o interesse por modelos de processo, procurando especificar a organização mental e identificar as etapas exatas dos processos cognitivos internos subjacentes a fenômenos psi-cossociais. Assim, embora a psicologia social já encerra-se num carácter eminen-temente cognitivo, a sistematização desse pendor cognitivo permitiria um maior desenvolvimento teórico. (HAMILTON, 1994, apud GARRIDO, AZEVEDO E PALMA, 2011, p. 126).

Com esse panorama, a teoria das representações sociais revela-se como mais um instrumento de valor para as investigações na seara cognitiva. E assim, volta suas atenções para a cognição social.

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capítulo 1

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23

 A cognição social emergiu em meados dos anos 1970 e representa uma abor-dagem conceitual e empírica genérica (e não apenas uma subdisciplina da ciência psicológica) que procura compreender e explicar como é que as pessoas se percebem a si próprias e aos outros, e como é que essas percepções permitem explicar, prever e orientar o comportamento social. Um dos aspectos mais idiossincráticos dessa abordagem é o fato de o estudo dos fenômenos sociais ser realizado por meio da investigação das estruturas e processos cognitivos pelos quais operam (HAMILTON et al., 1994; SHERMAN, JUDD, & PARK, 1989). Decorrente da estreita relação que mantém com a chamada revolução cognitiva, esta abordagem ficou conheci-da como cognição social (McGUIRE, 1986), perspectiva cognitiva (MARKUS

& ZAJONC, 1985) ou paradigma do processamento de informação (DUVEEN, 2000), sendo este, inicialmente, o modelo de processamento que orientou a aborda-gem dos fundamentos cognitivos dos fenômenos sociais. (HAMILTON et al. 1994, apud GARRIDO, AZEVEDO e PALMA, 2011, p. 116).

Considerando que a cognição é formada por um conjunto de valores, crenças, percepções, pensamentos, lembranças e atitudes que determinam comportamentos, inferir que as representações sociais são parte deste conjunto é apropriar-se de um ins-trumento teórico que possibilita avançar na compreensão dos fenômenos humanos. Serge Moscovici formula sua teoria na década de 1960 tomando como con-traste o conceito de atitudes individualizado da psicologia social norte-ameri-cana. A TRS começa a ter impacto na década de 1970 e, sobretudo, nos anos 1980. No texto “O início da era das representações sociais”, Moscovici (1982) afirma o caráter complementar da TRS em relação às abordagens cognitivistas. Para ele, o problema central da psicologia a partir da segunda metade do século  XX foi a redescoberta da mente social. Três fases ou períodos conceituais ocor-rem na psicologia para responder a esse problema: as atitudes sociais, a cognição social e as representações sociais. (MENDONÇA e LIMA, 2014, p. 192).

O conceito de ancoragem proposto por Moscovici e dissecado por Doise

em 1992 ilustra a aplicação teórica das representações sociais e sua estreita re-lação com a cognição social, quando salientamos o item: “i) a ancoragem do

tipo psicológico diz respeito às crenças ou valores gerais que podem organizar as relações simbólicas com o outro.”. Assim posto, a ancoragem é um aparelho teórico cuja possibilidade de transformar algo estranho e perturbador em algo comum, familiar, classificado por nossa cognição, age efetivamente em nossas crenças e valores e organiza nossas relações simbólicas e interações com os ou-tros, isto é: como percebemos e como construímos cognitivamente a percepção que temos do outro.

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Conforme (DOISE 1992, p. 189-195) em sua classificação estabelece como a ancoragem atua na forma de como os indivíduos localizam-se simbolicamente nas relações sociais e como as relações simbólicas permeiam entre grupos. Vejamos:'

''I. A ancoragem do tipo psicológico diz respeito às crenças ou valores gerais

que podem organizar as relações simbólicas com o outro; II. A ancoragem do

tipo psicossociológico inscreve os conteúdos das representações sociais na ma-neira como os indivíduos se situam simbolicamente nas relações sociais e nas divisões posicionais e categoriais próprias a um campo social definido; III. A

ancoragem do tipo sociológico refere-se à maneira como as relações simbólicas entre grupos intervêm na apropriação do objeto.” (DOISE, 1992, p. 190).

EXEMPLO

Considerando a teoria das representações sociais um instrumento eficaz, podemos ilustrar o exemplo de sua eficiência a partir da ancoragem e da objetivação de uma ideia dissonante. A dissonância cognitiva é um sentimento incômodo e desagradável quando um indivíduo sustenta duas ideias conflitantes. Como por exemplo, “o desejo de fumar ou não fumar”:

IDEIAS CONFLITANTES: COGNIÇÕES CONTRADITÓRIAS:

1. (FUMAR - EU FUMO) 2. (FUMAR FAZ MAL À SAÚDE)

DISSONÂNCIA COGNITIVA

MODIFICANDO UMA OU VÁRIAS CRENÇAS/COGNIÇÕES:

''NA REALIDADE NÃO FUMO TANTO ASSIM''

MODIFICANDO A IMPORTÂNCIA PERCEBIDA DE UMA CRENÇA/COGNIÇÃO: ''NÃO É SÓ FUMAR QUE

FAZ MAL A SAÚDE''.

ADICIONANDO OUTRAS CRENÇAS/COGNIÇÕES: ''EU LEVO UMA VIDA SAUDÁVEL, UM DESLIZE

NÃO VAI FAZER MAL''.

NEGANDO AS CRENÇAS/COGNIÇÕES QUE

ESTÃO RELACIONADAS: ''TODO MUNDO MORRE''; ''NÃO É O CIGARRO QUE VAI

ME MATAR''.

No exemplo demonstrado, observamos a ancoragem quando a ideia dissonan-te: “Fumar x fumar faz mal à saúde” passa pelo processo de ser “algo perturbador” para tornar-se algo “comum” e a objetivação, a ideia abstrata concretizada “todo mundo morre”.

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capítulo 1

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ATIVIDADE

Experimente fazer este exercício:

• Qual seria a ideia dissonante?

• Como as crenças foram se modificando?

• Como as crenças sociais passaram a ser percebidas?

 A teoria das representações sociais e a psicologia cognitiva estabeleceram uma parceria de muitas contribuições no campo de estudo da cognição social, tornando-se uma via acessível de investigação dos valores e das crenças que são determinantes do nosso comportamento; e como as funções cognitivas lidam com esta apropriação simbólica de mundo, elaboram e as explicitam por meio do comportamento social.

A psicologia crítica

 A psicologia crítica é o “olhar” da ciência para si mesma, a problematização das questões que envolvem o campo de saber da psicologia. A promoção de novas discussões e descobertas dão requinte e atualizam as questões da psicologia social. No final do século XX, em particular no fim da década de 1980, a reflexão crítica sobre a ciência psicologia e a necessidade de expansão do pensamento crí-tico na psicologia vêm sendo intensificadas por discussões acerca da eficiência e finalidade das diferentes teorias psicológicas.

“É fundamental trazer para o centro das discussões a inconsistência de muitas teorias psicológicas, sustentadas ora por concepções subjetivistas, as quais anali-sam os fenômenos psicológicos como produtos internos do indivíduo, ora por visões objetivistas, que os compreendem como resultados de influências exteriores, limitando-se a um enfoque estritamente sociopolítico que reduz todos os proble-mas ao conhecimento e à crítica das relações sociais. [...]. As implicações dessas teorias são já bastante conhecidas: a descontextualização e fragmentação do indi-víduo, a psicologização do social e a naturalização dos fenômenos humanos como resultado da negação seu caráter fundamentalmente histórico, a desconsideração pelas desigualdades sociais e, concomitantemente, uma acentuada preocupação

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com a construção de teorias e técnicas dirigidas principalmente à adaptação social dos indivíduos.” (MEIRA, 2012, p. 1).

Esse movimento crítico problematiza as concepções teóricas da psicologia que restringem a produção de conhecimento a uma visão estreita do indivíduo, direcionando seu enfoque para os fenômenos psicológicos internos, ou para as relações sociais.

Nesse contexto, “à adaptação social dos indivíduos”, a psicologia crítica sinaliza o comprometimento ideológico da psicologia com a evolução e consolidação do sistema capitalista e propõe o aprofundamento destas discussões, enfatizando a necessidade de uma produção teórica que contemple de forma plena a relação entre indivíduo e sociedade e exponha perspectivas emancipatórias para a sociedade contemporânea.

Para o exercício da psicologia crítica, uma das contribuições teóricas mais im-portantes é o materialismo histórico dialético, que sustenta na reflexão dialética a busca de compreensão de fenômenos sociais tangíveis e multifatoriais, explicitados pela ação humana transformadora de realidades históricas. Marx, explica esta ação por meio da crítica à economia política, e o estudo das relações de produção do sistema capitalista, como descreve, (MEIRA, 2012, p. 2).

“Para se expandir o capital, necessita do processo social de produção e troca, o qual garante a transmigração do valor da forma mercadoria para a forma dinheiro e a apropriação da mais-valia pelos proprietários dos meios de produção. E, para se reproduzir, precisa manter as relações de produção, o que implica necessaria-mente a busca pela produtividade máxima e a dominação de uma classe sobre a outra. Ao apreender essa gênese categorial do capital, Marx na verdade delimitou os fundamentos de uma concepção materialista de história, na medida em que tornou claro que o fator determinante das formas de organização social é o modo pelo qual se realiza a produção material de uma dada sociedade. Marx e Engels utilizaram a metáfora do edifício para explicitar esta ideia. Da mesma forma que em um edifício os alicerces servem de base para toda a construção, a estrutura econômica (a base ou infraestrutura) condiciona tanto a existência e as formas do estado, quanto a consciência social (a superestrutura) [...]. Desse modo, a estru-tura econômica da sociedade constitui a base real que explica, em última análise, toda a superestrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas, bem como as diferentes ideologias de cada período histórico”.

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capítulo 1

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27

discussões da relação entre indivíduo e sociedade, contemplando as dimensões históricas, políticas e sociais que permeiam as ações humanas.

Outro ponto importante é o olhar da ciência para si mesma, a autocrítica que envolve a reflexão crítica ao conhecimento e também exerce um papel preponde-rante para a psicologia. É por meio da geração de conhecimentos, da observação de fenômenos e da investigação científica que as ciências contextualizam histori-camente a realidade social e investigam como acontecem as transformações e as relações sociais envolvidas no período em estudo.

Nesse sentido, a psicologia crítica também é pontuada por momentos históri-cos da ciência psicologia, entre eles destacamos em sua trajetória:

 Wundt em 1879, com a criação do primeiro laboratório de psicologia no Instituto Experimental de Psicologia da Universidade de Leipzig, na Alemanha, distingue a psicologia das outras ciências. Concebe a psicologia experimental e uma psicologia dentro da psicologia que chamou de social. Entretanto, fiel ao seu tempo, a psicologia social era concebida como a “soma das individualidades”.

No espírito da época, nas pegadas de Descartes, a psicologia social que se estruturou foi uma psicologia individualista, em que o social não passava de soma de individuais. Há, contudo, tentativas de criação de uma psicologia social que desse conta do imaterial, psíquico, simbólico, representacional. A primeira delas são os 10 volumes de Wundt de psicologia social e os estudos de Durkheim sobre representações coletivas. Se Wundt, por um lado, separou o social do individual, Durkheim, por sua vez, “corporificou”, “reificou” seu social, suprimindo o indivi-dual. (GUARESCHI, apud JACÓ-VILELA et al., 2012, p. 35).

Segundo Guareschi (2004 apud JACÓ-VILELA et al, 2012), “Ao final do século XIX e início do XX, para se poder dar conta do social, houve uma tentativa de criação de uma psicologia ‘coletiva’, das massas e da cultura”. Tal psicologia, contudo, não foi à frente devido, segundo estes autores, ao fato de ter sido iden-tificada como “irracional” e perigosa. Cabe observar, que o contexto das ciências neste período é racional e positivista, uma psicologia das massas não cumpriria o protocolo de um experimento científico.

Nos Estados Unidos da América, o behaviorismo, a partir de 1913, estuda o comportamento de animais e humanos.

 As abordagens teóricas contemporâneas do século XX como a gestalt que “va-lorizou as experiências vividas”, e a psicologia cognitiva “os processos cognitivos”, mantiveram-se imbuídas na compreensão individual dos fenômenos humanos.

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Nesse contexto, em 1924 a psicologia sócio histórica de Vygotsky, nasce es-sencialmente crítica, e autocritica, fundamentada por sua gênese epistemológica a teoria Marxista e o filosófico Materialismo histórico e dialético, conforme descrito no início capítulo(A Psicologia sócio histórica) e discutido pela psicologia crítica, que enfatiza a concepção do “ Homem como um produto sócio histórico e cultu-ral de seu tempo”.

E ainda, podemos fazer uma referência a Moscovici, em que a psicologia social se autoquestiona e amplia suas investigações, estabelecendo relações entre o indi-víduo, o grupo, o meio ambiente social e as representações simbólicas individuais e coletivas.

Esses questionamentos levam a duas visões da psicologia social, uma que é investida de uma ideologia capitalista: “A ação humana é concebida como deter-minada pelos imperativos de uma economia de mercado e de lucro”, (objeto de reflexões da psicologia crítica, quando sinaliza o comprometimento ideológico da psicologia com a evolução e consolidação do sistema capitalista); e uma psicologia social que enfatizava as interações sociais com uma herança filosófica das concep-ções de marxistas embasadas na relação entre indivíduo e sociedade (contemplan-do as dimensões históricas, políticas e sociais que permeiam as ações humanas).

 A perspectiva contemporânea da psicologia social crítica adota um posiciona-mento analítico efetivo em relação às instituições.

“Tais perspectivas guardam em comum o fato de adotarem uma postura críti-ca em relação às instituições, organizações e práticríti-cas da sociedade atual, bem como do conhecimento até então produzido pela psicologia social a esse respeito. Nesse sentido, colocam-se contra a opressão e a exploração presentes na maioria das sociedades e têm como um de seus principais objetivos a promoção da mudança social como forma de garantir o bem-estar do ser humano.” (HEPBURN, apud FERREIRA, 2010, p. 51)

 A psicologia crítica contemporânea do século XXI, ampliou ainda mais seus campos de investigação, releituras e novas contribuições. Apresenta novos argu-mentos e articula-se de forma crítica “em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade”, entre seus objetivos está o fomento das transformações sociais, do bem-estar humano e da autoavaliação da própria psicologia e sua efeti-vidade prática como uma ciência a serviço das pessoas.

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capítulo 1

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RESUMO

As novas abordagens da psicologia social procuram superar as críticas e limitações do enfoque inicial dessa psicologia, que tinha base em descrever, observar e medir encontros sociais, privilegiando as interações e a adequação de comportamentos dos indivíduos no ambiente social.

As perspectivas teóricas da psicologia sócio-histórica estão fundamentalmente ligadas ao cenário histórico, social, político, científico e filosófico do século XIX e XX, desde seu início com Wundt.

A abordagem sócio-histórica propõe ênfase ao contexto social, histórico e cultural, pro-posto por Vygotsky, alicerçado no materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, conce-be o homem como um produto histórico e social de seu tempo, e a sociedade como resultado da produção histórica do homem por meio do trabalho, imprimindo uma visão crítica e me-todológica, materializando o objeto de investigação da psicologia para além das conjecturas abstratas acerca da condição humana.

A teoria das representações sociais de Moscovici estabelece um conjunto de conheci-mentos, crenças e valores comuns entre indivíduos que interagem e constroem uma realida-de, cuja experiência permite posicionamentos individuais, embora seja fruto de um conheci-mento compartilhado pelo grupo.

A psicologia cognitiva busca investigar de forma mais ampla e quantitativa este processo de elaboração interno, que envolve as funções cognitivas; e articula-se com as representa-ções sociais na investigação dos fenômenos humanos.

A psicologia crítica propõe a problematização as questões que envolvem o campo de saber da psicologia, a investigação científica das relações entre a sociedade e o indivíduo. A geração de conhecimento, o papel da ciência na investigação da realidade social e o contex-to histórico que está inserido.

A psicologia crítica contemporânea ampliou os campos de investigação psicológica, e articula-se por meio da reflexão crítica em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade, fomentando as transformações sociais, o bem-estar humano e a autoavaliação da psicologia, e sua efetividade prática como uma ciência a serviço das pessoas.

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ATIVIDADE

Acesse o site: <http://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/psisabersocial/article/view/ 21739>.

Leia atentamente o texto proposto. Em seguida, faça uma resenha crítica com base em sua leitura.

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Dimensões

conceituais da

psicologia social

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Dimensões conceituais da psicologia social

Conforme foi visto no primeiro capítulo, a psicologia social é uma área de conhecimento que relaciona temas que envolvem as questões humanas individuais e compartilhadas com a coletividade.

 As perspectivas teóricas das novas abordagens em psicologia dialogam com outras áreas do saber como a sociologia, a história, a política, a economia, entre outras. Construindo articulações teóricas que permeiam a psicologia social em sua abordagem sócio histórica.

 As representações sociais e suas contribuições nas investigações para com-preensão do contexto social e a psicologia cognitiva aprofundam os conhecimen-tos com o desenvolvimento de pesquisas sobre as elaborações cognitivas humanas.

A psicologia crítica, no seu exercício avaliativo, propõe a efetividade de ações da psicologia social sobre as instituições, organizações e práticas da sociedade.

 A partir desse amplo contexto, neste capítulo serão abordados temas impor-tantes das dimensões conceituais da psicologia social como: identidade, ideologia, indivíduo, fenômeno social e subjetividade, família e gênero.

OBJETIVOS

• Compreender os conceitos da psicologia social;

• Articular os conceitos da psicologia social com outras ciências;

• Identificar os conceitos da psicologia social no contexto de suas atribuições; • Aplicar e relacionar os conceitos de psicologia social.

Identidade

Rock Estrela 

Quem sou eu e quem é você  Nessa história eu não sei dizer   Mas eu acredito que ninguém

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capítulo 2

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De onde se vem pra onde se vai 

Só importa saber pra quê (pra quem) Pois o destino transforma num dia  Um menino em herói de TV 

Um dia a gente se encontra  No meio do mundo

Depois a gente se perde  No meio do mundo

Rock estrela, rock estrela  Rock estrela, rock estrela 

Quem sou eu e quem é você  Nessa história eu não sei dizer   Mas eu acredito que ninguém

Tenha vindo pro mundo a passeio

De onde se vem pra onde se vai 

Só importa saber pra quê (pra quem) Pois o destino transforma num dia  Um menino em herói de TV 

E enquanto a gente pensa  Que já sabe de tudo

O mundo muda de cena  Em menos de um segundo

Rock estrela, rock estrela  Rock estrela, rock estrela 

Léo Jaime Para discorrer sobre o conceito de identidade, é importante distinguir as dife-rentes dimensões e pluralidade histórica que este conceito apresenta.

“A importância conferida ao estudo da identidade foi variável ao lon-go da trajetória do conhecimento humano, acompanhando a relevância

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atribuída à individualidade e às expressões do eu nos diferentes períodos históri-cos”. (JACQUES, 1998, apud SREY et al. 2013, p. 159).

 A identidade pressupõe uma identificação pessoal, singular “quem sou eu” como pergunta a música do compositor Léo Jaime, entretanto esta dimensão pes-soal também tem contornos de uma dimensão social: “Mas eu acredito que nin-guém/ enha vindo pro mundo a passeio” [...] “Um dia a gente se encontra no meio do mundo, depois a gente se perde no meio do mundo”. Uma dimensão social, que se dá a partir das interações.

O processo de construção da identidade está em constante movimento: “E enquanto a gente pensa que já sabe de tudo, o mundo muda de cena em menos de um segundo”.

Iniciamos o tema com a letra da música “Rock Estrela” do compositor Léo  Jaime, para ilustrar o caráter multidimensional do conceito de identidade, que a

partir de agora, trataremos de forma pontual em uma perspectiva de sua trajetória histórica e na visão da psicologia social.

Na história da humanidade, a Antiguidade, em particular no mundo ociden-tal, a partir da herança greco-romana, que chegou até nós brasileiros, a partir da expansão ibérica, por nossa colonização realizada pelos portugueses, valorizava a individualidade. Com base em características individuais, origens familiares e re-lações de poder estabelecidas por meio das posses econômicas de um cidadão (ex-pressão de herança grega para homens livres de posses que exerciam a democracia grega). As pessoas que não possuíam as qualificações determinadas pela organiza-ção social vigente, eram excluídas da sociedade, nos referimos a servos e escravos, pessoas “sem identidade”, isto é, pessoas que não recebiam o reconhecimento de sua individualidade e não desfrutavam os direitos sociais dos cidadãos, somente possuíam a função de servir.

Na Idade Média, período histórico concebido entre o século V e o século XV, também conhecido como “Idade das revas e Idade da Fé”, foi marcado pelas guer-ras expansionistas de territórios, e a presença da Igreja Católica como um poder político e religioso regulador da organização social europeia, o “Velho Mundo”.

Na Idade Média, o cristianismo, doutrina religiosa estabelecia um código de comportamento descrito em seu livro sagrado, a Bíblia. E o “corporativismo” do sistema feudal, sistema econômico, modo de produção e de organização social que se estrutura como forma de proteção das invasões territoriais realizadas por

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bár-capítulo 2

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37

e trabalho em troca de uma posição social no feudo) e os camponeses (camada pobre da população que ofereciam seu trabalho a aos nobres senhores em troca de proteção e comida) exercia um papel fundamental na concepção do homem da Idade Média.

 A organização do sistema feudal concebe a importância do social e do “bem coletivo”, na constituição do homem, por meio da ideia de proteção mútua pro-pagandeada pelo feudalismo, para a manutenção do corporativismo, doutrina que defende o espírito de grupo.

O Renascimento, período histórico compreendido entre final XIV e o século  XVI, caracterizado inicialmente como um movimento artístico e cultural, nascido

na Itália e irradiado por toda a Europa torna-se um divisor histórico entre as con-cepções do sistema feudal, marcadas pela submissão estabelecida pela doutrina re-ligiosa, as mudanças na organização política e social, com a ascensão da burguesia (uma nova classe social) e a passagem do sistema feudal para o sistema capitalista. Nesse contexto de transformações, o homem renascentista por meio das artes, retoma valores greco-romanos, em que há um predomínio da visão antropocêntri-ca (concepção do homem como centro da compreensão humana), desenvolvendo o humanismo renascentista com ideias que valorizam o homem e suas capacidades intelectuais. Entretanto, esse reconhecimento humanista, só é aplicável aos ho-mens que exercem cidadania; serviçais, hoho-mens escravizados e camponeses perma-necem sem direitos sociais.

O Iluminismo, movimento político, filosófico, social, econômico e cultural do século XVIII, nascido na França e posteriormente disseminado para os outros paí-ses europeus, defendia o conhecimento racional, a educação, a liberdade religiosa. Caracterizou-se como um movimento de oposição ao poder absoluto da reale-za, às estruturas do sistema feudal e às imposições doutrinárias da Igreja Católica, privilegiava a razão e preocupava-se com o homem consciente de suas ações que permanecia imutável em seu percurso de vida. As ideias iluministas foram fun-damentais para as mudanças de concepções na história da humanidade, inclu-sive como base da Revolução francesa, tema que será tratado neste capítulo em

Família e Direitos Humanos.

Com a Idade Moderna, período considerado pelos historiadores entre os séculos XV e XVIII, marcado por fatos históricos como a conquista turca de Constantinopla, a expansão marítima às Índias, a descoberta das Américas (Grandes Navegações), o Renascimento, o absolutismo, o Iluminismo e a Revolução Francesa.

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Com o sistema capitalista (mercantilista, no qual tudo é negociável e sujeito ao lucro) e a ascensão da burguesia ocorre uma nova ordem social, que modifica a concepção do homem de estar no mundo, em que o sentimento corporativista, de bem coletivo, do sistema feudal é desfeito por completo.

No sistema capitalista, as perspectivas individuais são compreendidas como um valor, a ideologia do sistema capitalista inclui todas as pessoas e comporta a ideia do lucro individual como o objeto de conquistas sociais.

 A teoria marxista problematiza as relações entre indivíduo e sociedade e ques-tiona o egocentrismo e sua valorização.

 A partir deste contexto histórico, as ciências preocupam-se em voltar suas investigações para o processo de construção da identidade deste sujeito histórico imerso em um novo contexto social, a partir do capitalismo, em que os valores corporativistas cuja prioridade é o bem coletivo, não são mais prioritários.

Considerando a historicidade, a trajetória do homem registra em sua narrativa o “convívio” da dicotomia humana entre a individualidade e a coletividade em seus diferentes momentos.

Neste contexto, Hall, destaca sob o enfoque histórico, sociológico e contem-porâneo três diferentes tipos de identidade relacionando-as aos seus respectivos períodos históricos.

“Há três tipos de identidades relacionadas a diferentes períodos históricos: identidade do sujeito iluminista, em que se entendia identidade como um núcleo no interior do homem que nasceu com ele e permaneceria idêntico até sua morte; identidade do sujeito sociológico da Idade Moderna, em que ainda se considerava o núcleo ou essência interior chamado de identidade. Mas também, que ela é formada e modificada na interação entre o eu e a sociedade e, por último, iden-tidade do sujeito pós-moderno da atualidade, na qual essa ideniden-tidade passa a ser fragmentada, em que um indivíduo pode conter várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. [...] as identidades culturais são aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e acima de tudo, nacionais.” (HALL, 2011, p. 8).

Este autor agrupa três tipos de identidade relacionando-os aos seus períodos históricos. Define identidade cultural, e ainda sinaliza em suas discussões que os aspectos que foram o centro e o ponto de unificação da identidade no passado, na atualidade, estão em processo de mudança e fragmentados pela globalização, um

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capítulo 2

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LEITURA

Para contextualizar as discussões, sob o ponto de vista de Hall sobre identidade, leia o texto “A identidade cultural na pós-modernidade de Stuart Hall”. HALL, Stuart.A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011

Sob o ponto de vista da psicologia, relembramos conceitos importantes des-critos no capítulo 1 ( A psicologia crítica ), que na trajetória da psicologia

contri-buíram para o estudo da identidade.

 Wundt, a partir de 1875, determina como objeto de estudo a experiência consciente do indivíduo. Edward Bradford itchener (1867-1927), com o estru-turalismo, estuda os conteúdos mentais os quais permitem que a experiência se torne consciente. William James (1842-1910), com o funcionalismo, estuda as funções dos processos biológicos, a capacidade adaptativa do homem.

O behaviorismo priorizou os aspectos fisiológicos e concebeu o homem como resultado de condicionamentos. A escola da gestalt valorizou a percepção e as ex-periências sensoriais. A psicanálise conjecturou sobre as forças internas, instintivas e o aparelho psíquico do homem, priorizando sua individualização. A psicologia cognitiva concentra suas investigações nos processos cognitivos.

E a psicologia sócio-histórica fundamentada pelo marxismo e pelo materialis-mo histórico e dialético, sustenta a posição do homem comaterialis-mo sujeito social inseri-do em um contexto sócio-histórico, “um produto histórico e social”, e abraçam o

termo identidade no tratamento do homem em seus estudos.

Ciampa, (2007, p. 137), que desde 1987, foi um dos pioneiros no Brasil sobre os estudos da identidade, conceituou-a da seguinte forma: “[...] identidade é o reconhecimento de que é o próprio de quem se trata; é aquilo que prova ser uma pessoa determinada, e não outra.”

No curso do estudo desta temática, atribuiu-se ao conceito de identidade diferen-tes sentidos, como destacou Jacques (1998, apud SREY, 2013, p. 161) “a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal (atributos específicos do indivíduo) e/ou identidade social (atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias)”;

e ainda, incluso no conceito de identidade social, temos a identidade cultural – na

qual o indivíduo se reconhece pelos valores que compartilha com a sua comunidade. E ainda, a complexidade do conceito comporta (segundo SREY, 2013, p. 161) o conceito de identidade psicológica de Jurandir Freire Costa, referindo-se a um atributo do eu, singular, pessoal. E o de Habermas a identidade do eu, uma identidade natural

Referências

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