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Realidade institucional - realidade psicológica: configuração da pedagogia da separação e seus efeitos em crianças e jovens internados

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Academic year: 2021

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Tt1~ W

U N I V E R S I ID A I D IE I D E A V E I R O

D E P A R T A M E N T O D E C I Ê N C I A S D A E D U C A Ç X O

REALIDADE INSTITUCIONAL/REALIDADE PSICOLÓSICA

COIFIGURAçXO DA PEDAGOGIA DA SEPARAÇÃO B SEUS EFEITOS BJC CKIABçAS E JOVEKB ITTEKVADOS

D I S S E R T A Ç Ã O OE MESTRADO

EM A C T I V A Ç Ã O DO D E S E N V O L V I M E N T O P S I C O L Ó G I C O

O R I E N T A D O R : D o u t o r J o r g » A R R O T E I A

d e N a t é r c i a A l v e s Pacheco

A b r i l de 1987

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Ao Professor TOMKIEVICZ com amizade e admiração.

• r, . » .­.rsq

A todos aqueles que me apoiaram e aconselharam o meu maior desejo é poder retribuir, na prática, e não apenas com palavras. . .

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I N T R O D U Ç Ã . O

Este estudo aborda o campo da Protecção Social da Infância e Juventude, delimitando a sua análise ao Projecto Educativo de Internatos oficialmente vocacionados para substituir a família de crianças e jovens impedidos de a ela recorrerem.

Sob diferentes perspectivas, recolhem-se elementos sobre os internatos e as condições de vida dos seus educandas de forma a possibilitar a identificação de Projectos Educativos fundamentados na Pedagogia da Separação. Definimos, à partida, a Pedagogia da Separação como uma orientação educativa essencialista, tendo como objectiva defender a criança de si própria e da sociedade, através de estratégias de isolamento, normalização e controle.

0 que se intenta é, ao mesmo tempo, ambicioso e limitado. Procura-se um olhar crítico que abarque a complexidade das situações, reconhecendo-se, no entanto, os momentos de superficialidade e de "incompletitude". Trata-se, todavia, de um campo da realidade que não tem sido abjecto de estudo no nosso país, procurando-se assim, abrir caminho a reflexões mais aprofundadas, em diversos campos do saber. Estas poderão, na sua especificidade, apontar soluções alternativas adequadas, não só às condições sociais, económicas e políticas de Portugal, cama às condições básicas de desenvolvimento da criança e do jovem da nossa sociedade.

Desenvolve-se este trabalho, fundamentalmente, à volta de dois eixos dialectizados : Realidade Institucional/Realidade Psicológica. A Realidade Institucional apresenta-se-nos sob a forma de sistemas organizacionais, objectivos explícitos e produtos, evoluindo em

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espaços/tempos nos quais processos de ordem socio-afectiva, que lhes são inerentes, configuram uma Realidade Psicológica.

Finalmente, numa perspectiva de Activação do Desenvolvimento Psicológico, tendo em conta a inter-relação de diferentes abordagens da realidade, questiona-se a incidência da Pedagogia da Separação no processa de estruturação do sentimento de identidade da criança e do jovem.

Na P A R T E I o estudo é situado relativamente à nossa experiência pessoal, à abordagem epistemológica, metodologia e enquadramento teórica.

STo CAPÍTULO I levantam-se algumas questões preliminares quanta à escolha do tema e à abordagem epistemológica. Em síntese, é apresentada a Metodologia e são explicitadas limites e recursos enfrentados.

0 CAPÍTULO II apresenta uma revisão da literatura, fundamentando teoricamente o ponto de partida da nossa reflexão. São assim consideradas obras do domínio da Psicologia, da Psicologia Social e da Sociologia, iluminando, de uma forma directa ou indirecta, a problemática do internamento de crianças e jovens.

Na P A R T E I I realiza-se o estudo propriamente dito, orientando-se em três campos específicas : Campo Histórico-Social, Campo Estruturo-Grupal e Campo Psica-biológico. Após esta tripla abordagem, o enfoque do estuda situa-se na Realidade Psicológica condicionada pela Pedagogia da Separação. Retoma-se, finalmente, a problemática representacional para, a partir dela, se levantarem questões relativas aos efeitos da Pedagogia da Separação.

0 CAPÍTULO III trata das Condições histórico-sociais da Pedagogia da Separação, debruçando-se na evolução da "Protecção Social e Responsabilidade do Estado", num longo percurso desde a Idade Média às actuais "Medidas de Protecção à Infância e Juventude" e "Relações entre o Estado e as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)". 0 CAPÍTULO IV estuda a representação social dos Internatos, numa dupla perspectiva : a do cenário apresentado pela sua ideologia oficial

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iíi -e a da visão qu-e a opinião pública s-e constrói, através d-e uma anális-e de publicações e artigos de imprensa. Aborda-se ainda a mensagem constituída por esta representação social, dirigida aos educandos sob a forma de imagem própria e do mundo que as rodeia.

0 CAPÍTULO V descreve o Universo do Pessoal de internatos, comparando o seu enquadramento formal, como proposta dos Serviços de Tutela, com exemplos de estruturação efectiva. Desta, destaca-se o sistema inter-relacional e o ambiente socio-emocianal, cujos desequilíbrios e regulações influenciam fortemente a Realidade Psicológica da Instituição. A partir destes dados, procura-se identificar pontas críticos, sintomáticos de um Projecta "Educativo baseado na Pedagogia da Separação.

0 CAPÍTULO VI analisa o Universo do Educando desde as condições prévias ao Internamento às reacções da educando a este. Formas de sentir a vida quotidiana permitem "dar voz" a necessidades e interesses dos educandos. As condições básicas de vida na situação de internamento, permitem-nos um delinear mais nítido da Pedagogia da Separação.

0 CAPÍTULO VII retoma o conceito de Pedagogia da Separação, identificada como uma forma de violência institucional. 0 insucesso escolar de crianças internadas é analisado como um processo cumulativo de múltiplas efeitos da Pedagogia da Separação.

No CAPÍTULO VIII, após uma síntese, em que se procura inter-relacionar os três Campos de Análise estudadas, propõem-se índices para a identificação de instituições orientadas por uma Pedagogia da Separação. Tendo em conta as representações de que sãa objecta a criança e o jovem internado, levantam-se questões relevantes para a Activação do Desenvolvimento Psicológico, quanto aos efeitos da Pedagogia da Separação no seu sentimento de identidade.

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"0 que se deve evitar a todo o preço, é responder, ao abandono, pela pseudo-soluçâo de um abandono

institucionalizado"

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C A P I T U L O I

QUESTÕES PREVIAS E METODOLOGIA

1- lotas preliminares sobre a escolha do tema

0 nosso percurso profissional e a nossa formação - nomeadamente a mais recente, na Universidade de Aveiro, onde apresentamos este estudo -conduziram-nos à escolha do tema e à forma de abordagem do mesmo.

Como educadora num internato para raparigas "privadas de meio familiar ou de meio familiar normal" acreditámos ser passível nesse estabelecimento, garantir as condições básicas para o crescimento e bem estar das suas educandas. Apercebemo-nos do peso de uma violência institucional que, enquanto não esmaga a capacidade de iniciativa, mata, à nascença, qualquer inovação, desvirtuando-a num clima de intriga e ameaça. A procura de soluções alternativas individuais revelou-se limitada e, por vezes, ineficaz. Crianças e jovens, vivendo longas anos sob a dependência e o isolamento, sentiam os novos quadros de vida como uma traição e um abandono renovado. Das instâncias do poder, responsáveis pela sua protecção, apenas o oportunismo da ignorância : cada serviço evitando cuidadosamente tomar conhecimento de situações graves, perdendo-se os relatórios enviados, na indiferença dos intermináveis percursos burocráticos.

Ia Divisão de Orientação Educativa <Direcção Geral do Ensino Básico), em que partilhámos com Milice Ribeiro dos Santas o apoio a escolas do Ensino Preparatório, abrangendo todo o Aorte do País, fomos confrontadas com um número elevado de casos de insucesso escolar de alunos vivendo em internatos. Ka maior parte das situações, os professores consideravam-nos como último recurso, após repetidas e infrutíferas tentativas de contacta cam os responsáveis dos

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-estabelecimentos, a fim de evitar os maus tratos, isolamento e desvalorização dos seus educandos. De facto, o diagnóstico de violências físicas foi frequente. 0 seu quadra psicológico apresentava estados depressivos, tendo, por vezes, uma história de sucessivas tentativas de suicídio. Da ineficácia de um diagnóstico, sem uma intervenção adequada, já nós estávamos plenamente convictas. Um apoio terapêutico exigia a aceitação e colaboração da Instituição...Círculo vicioso que, tal como já atrás referimos, o recurso a instâncias responsáveis', mais reforçava do que rompia.

As nossas funções de docente no Instituto Superior da Serviço Social do Porto, a participação nas investigações e intervenção do GRIIITO (Grupo de Reflexão e Intervenção em Internatos, Instituições Tutelares e Orfanatos) e os estudos realizados no âmbito da Mestrado em Activação do Desenvolvimento Psicológico - muito embora a partir de níveis e campos diferentes - permitiram-nos uma visão interdisciplinar e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre situações concretas, evitando um psicalogismo reducianista e pessimista, pela qual enveredávamos, mau grado nós próprias.

As questões levantadas pelas situações complexas que defrontámos, reuniam-se, como numa nebulosa, à volta da Realidade Institucional vivida, interiorizada, pelas crianças e adolescentes internados. Pela nossa experiência de educadora, pela observação dos educandos, pela recolha de testemunhos dos professares e outros actores sociais, a Realidade Institucional aparecia-nos coma uma imagem especular de uma Pedagogia não explícita, sem objectivas definidos, sem uma forma palpável. Apenas, por "detrás do espelho", um conjunto informe de inúmeras imagens complexas, constituindo uma presença petrificada, pelo seu anacronismo, aparentemente irracional, pelos seus resultados. A criança era a "espelha" que, conforme as suas características pessoais, projectava aos nossos olhas imagens indizíveis de violência e sofrimento, sinais da sua Realidade Psicológica condicionada por uma Realidade Institucional em que pairava o intocável fantasma de uma Pedagogia da Separação.

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- 4

2. Questões prévias epistenológicas

A priteira questão que se ae pós foi de coto fizer uta pesquisa neste itbito, set que ela fosse perturbada pelos teus próprios fantasias, pela projecçSo de sentitentos de culpabilidade e frustraçSo, pela revolta, de que tinha uaa forte, tas confusa, consciência,

Seria possível tratar coto objecto de estudo crianças e Jovens que erat sujeitos de uta relação significativa na tinha evoluçSo pessoal?

Poderia analisar a saudade inscrita no corpo, nos gestos e no silêncio da ffanuela, uta rapariguinha africana, quando eu própria, te reflecti nessa saudade?

Poderia analisar as consequências de uta violência institucional na Realidade Psicológica das crianças e jovens internados, quando eu própria nSo soubera net opôr-te, net defender-te dela?

De facto, põe-se aqui a questão epistemológica da subjectividade e da objectividade em investigação. Sabemos que não existe neutralidade na abordagem do real. "A única forma de podermos atingir a 'objectividade'

na actividade teórica consiste em expor claramente as valorações, torná-las consistentes, bem definidas e explícitas, permitindoo que os seus efeitos condicionem a nossa investigação de uma forma clara"(.MYRDAL,

1976, p.55).

As questões que atrás levantámos mostram a nossa dificuldade em esclarecer valores que poderiam intervir no estuda da estruturação dos sentimentos de identidade da criança internada. Por outro lado, esta problemática não se compadece de uma redução do social ao psicológico;

"é durante o desenvolvimento que se elabora fundamentalmente o sentimento de identidade nas relações do indivíduo com o seu meio : material e social."(TAP P., 1980, p.157). Detectamos nas crianças

observadas uma fraca consciência do seu "eu individual" e, uma mais fraca noção, do seu "eu social". Tornava-se assim, necessário caracterizar o seu meio envolvente.

Baseando-nos em princípios e valores estabelecidos pela Declaração dos Direitos da Criança e pela Constituição da República Portuguesa, definimos como objecto de estudo a relação educativa existente entre a Realidade Institucional e a Realidade Psicológica das crianças e jovens

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internados. Através da nossa interpretação dos dados, emerge dessa

relação um Projecto educativa, fundamentado na Pedagogia da Separação.

Os espaços conceptuais que nos enquadram são as da Psicologia e da

Pedagogia, intimamente ligados na disciplina específica de Activação do

Desenvolvimento Psicológica. Has foi-nos necessário recorrer a outras

áreas do conhecimento - como a História, a Filosofia da Educação, a

Sociologia e a Psicologia Social -, já que fai evitando a

compartimentação dos saberes que pudemos obter uma configuração da

Pedagogia da Separação, Situamo-nos num contexto inter-activo,

procurando "entrelaçar fios de pesquisas diversas de modo a darem a teia

na qual esbocemos um quadro."(GEBER B.A., 1979, p.207).

A proposta de abordagem epistemológica de DOLLE é adoptada neste

estudo : "Dividindo o sujeito psicológico segundo as necessidades

metodológicas da sua apreensão em sujeito bio-fisiológico, afectivo,

cognitivo, social e o meio, em sujeitos, objectos e instituições,

obtém-se o gráfico seguinte :

I -t SUJ,SOCIAL t- \ \

I I t I I SUJ.f— I

SUJ, I 1 | i I t I I

< SUJ,AFECT. «—-»SUJ. CQGN. > 8 I INS ) HEIQ

PSIC, I t I t l i t I

I I + I I OBJ.f— I

\ 4SUJ.BIQ-FfS,<- / /

Os diferentes elementos que compõem este gráfico estão em

interacção e inter-relação numa dialéctica infinita." (DOLLE J.M. ,

1980, p.165).

A nossa perspectiva situa-se, neste primeira momento, a partir do

espaço envolvente/Realidade Institucional, procurando questionar a sua

relação educativa com o sujeito psicológico. Numa fase posterior, que

este estudo deixa em aberto, como pré-projecto, o nosso ponto de vista

será a partir do sujeito psicológica.

Como explicitaremos mais adiante, o conceito de Representação

servir-nos-á de instrumento eficaz na compreensão dialéctica dos

diferentes níveis de análise. Ha sua operacionalização utilizámos, de

uma forma que cremos ser lícita, duas perspectivas diferentes : a de

GOFFKAF em que a representação é entendida como "apresentação de si" e a

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- 6 de MOSCOVICCI, compreendida como "construção social do real". Ambas constituem, quanta a nós, na Realidade Psicológica do educanda, um "outra generalizada", filtrado pela Instituição e influindo na Representação de si do sujeito internada.

3. Metodologia

A metodologia é essencialmente descritiva. Ela assenta na pesquisa bibliográfica, na análise de documentas, na recolha de testemunhos e na observação de situações. Progressivamente, utiliza-se a análise comparativa t o passada e a presente, o discursa legal e intencional com situações e práticas, modelos teóricos defendidos e a sua concretização e ainda vários níveis de representação dos educandos.

Tendo em conta as características específicas da desenvolvimento deste estuda referiremos seguidamente, em termos gerais, técnicas usadas. Sempre que necessária, explicitaremos, em cada capítulo, a sua metodologia particular.

3.1 A pesquisa bibliográfica orientou-se em dois campos diferentes. Para o estuda das condições histórico-sociais da Pedagogia da Separação, foram de preciosa ajuda, na nossa preocupação de rigor e na escolha de critérios relativamente às fontes a consultar, as obras de J.SERRÃO (1971) e de 0. MARQUES (1973). So que se refere à literatura científica sobre a vida quotidiana nos internatos e o seu estudo numa perspectiva psicológica e sociológica, foram nosso ponta de partida -para além da bibliografia que já constituía a nossa formação - as obras

de CAPUL (1964) e de GOFFKAF (1975). Ko Capítulo I é sintetizado o restante percurso na Revisão da Literatura.

3.2 A análise de documentos compreende a consulta de legislação, de publicações e estatutos de Instituições e ainda da recolha de artigos de imprensa de maior tiragem, Recarreu-se, finalmente, à consulta de fichas sabre diferentes estabelecimentos. A consulta de legislação, profusa e, por vezes confusa, pela sua frequente alteração, exigiu-nos o

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recurso à interpretação que dela era feita pelos respectivos serviços. Esta, foi-nos essencial no estudo das exigências legais e da autonomia das instituições na sua prática. A consulta de publicações, de estatutos e de artigos da imprensa permitiu-nos, através de uma análise de conteúdo qualitativa, uma sistematização de dados em categorias comparáveis. A categorização e análise das condições de internamento, o seu confronta com as condições básicas de desenvolvimento e a sistematização e estuda dos dados relativamente ao insucesso escolar foram possíveis graças à consulta de fichas (confidenciais) jsobre as instituições e os seus educandas.

3.3 A recolha de testemunhos foi, na sua quase totalidade, verbal e confidencial. Revestiu duas formas diversas :* *a da entrevista semi-directiva, partindo de questões relativas a documentos fornecidos, que careciam de clarificação (responsáveis de serviços, técnicos de serviço social e educadores) ; o levantamento de problemas com referência a casos concretos, em situações de formação (pessoal técnico e auxiliar de estabelecimenos e professores). Os dados obtidos em função da organização das internatos, critérios, número de utentes, idades, tempo de internamento, situação escolar, etc., foram utilizadas explicitamente, neste estuda e sãa o resultado de entrevistas e da i consulta de fichas internas. Manteve-se o anonimato dos testemunhos e |. das instituições a que se referem. As situações concretas não são aqui referidas sendo, na entanto, base de muitas das nossas reflexões, nomeadamente no estudo do ambiente socio-emocional do pessoal e das condições básicas de vida da criança e do jovem internados. Outras, não puderam ser tidas em conta, por uma questão de rigor, pois, embora não duvidemos da sua veracidade, dificilmente seriam comprovadas. 0 testemunho dos professores é analisado, de uma forma mais sistemática, por referência à representação que exprimem acerca das instituições e dos seus utentes.

3.4 A observação foi sempre participante, em instituições que recorreram ao nosso apoio. Teve subjacente a análise das relações e dos modos de estar. Ela constitui o referencial de uma parte do estuda das condições básicas de vida e do ambiente socio-emocional do Internato.

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3.5 O tratamento de dados quantitativos não tem objectivos de tipo conclusiva, mas de reflexão, projectando-se em novas interrogações. Permite-nos ainda pôr em causa certos elementos, considerados tradicionalmente como indicadores.

4. Liaites e recursos

A nossa formação de base, se foi um recurso, foi também um limite, na medida em que procurámos utilizar perspectivas de saberes que ultrapassavam a nossa especialização em Psicologia.

Sa recolha de informação, as dificuldades que enfrentámos foram inúmeras. Por um lado, os textos científicos especializadas na problemática das crianças internadas e das Instituições que as acolhem em Portugal, são praticamente inexistentes (pelo menos no que se refere à sua publicação). Pudemos apenas recorrer a estudos pouco recentes e limitados no seu âmbito. A consulta de documentação estrangeira colmatou, até certo ponto, esta ausência. Por outro lado, a recolha de testemunhos e de dados materiais teve que enfrentar a completa falta de sistematização de dados da parte dos serviços responsáveis ; só a boa vontade de certos técnicos desses serviços nos permitiu obter documentas que podiam ser tornados públicos. Recorremos ainda, frequentemente, a material diverso, já recolhida pelo GRIIITO e ao apoio dos seus elementos, na interpretação desses mesmos dados. Ha que se refere aos testemunhos de situações vividas em internatos, o medo e a falta de consciência da profundidade dos problemas, foram o principal obstáculo. A observação, foi apenas possível em Escolas externas e em Instituições com abertura suficiente para recorrerem a nós e nos aceitarem no seu quotidiano. Como é obvio, aquelas Instituições, cujos sinais exteriores de violência são mais fortes, foram as que impediram qualquer tipo de estudo na seu interior.

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G

A

F

I

T

U

L

O I I

REVISXO DA LITEKATUEA

0 olhar global que nos impusemos, exigiu-nos a consulta de obras e

estudos de diferentes referências teóricas, de perspectivas

diferenciadas, cuja delimitação do objecto de estudo se " articula,

directa ou indirectamente, com a nossa própria proposta de trabalho.

Retomaremos assim, nesta revisão da literatura, apenas os estudos que

orientaram e fundamentaram a nossa reflexão, enquadrando teoricamente a

sistematização das informações obtidas. 0 recurso a outras fontes será

referenciado e integrada nos diferentes momentas deste estudo.

A frequente alusão ao fenómeno da separação e da carência de

cuidados maternos, para justificar perturbações de ordem psicológica de

crianças e jovens internados, orientou nesse sentido, a nossa primeira

abordagem. Esta problemática é estudada de longa data, embora em

f Portugal, se não encontre suficientemente vulgarizada. AJURIAGUERRA

£ (1980) descreve experiências realizadas, neste âmbito, desde o fim do

século passado. SPITZ (1946) estuda os problemas de bébés

hospitalizados, durantes períodos mais ou meãos longos, e de crianças

colocadas em instituições. É conhecida a sua descrição da "depressão

anaclítica", progressão de sintomas em crianças separadas, nos primeiros

seis meses de idade, da mãe, cam a qual tinham uma boa relação, não

sendo o substituta maternal satisfatório. Para a nossa temática, merece

especial releva, a comparação feita entre crianças, vivendo num

orfanato, com mães normais psicologicamente, e crianças de uma

.instituição penitenciária, filhas de mães deficientes. No orfanato, as

mães aleitavam os filhas durante os primeiras meses para, em seguida, as

crianças serem metidas em caixas individuais, isoladas, na maior parte

da tempo. Ha penitenciária, as mães mantinham contacto com os filhos

durante todo o dia, mesmo após o aleitamento. Fos primeiros meses, as

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10 -crianças do orfanato desenvolviam-se mais depressa do que as da peniteniária, tenda, posteriormente, perturbações graves, que as últimas não apresentavam.

BOWLBY (1951), na sua monografia, publicada pela Organização Mundial de Saúde, "Soins Maternels et Santé Mentale", refere experiências, até aí realizadas, e tenta demonstrar a importância das inter-relações afectivas entre as crianças e as mães, ou substitutos maternais, no seu desenvolvimento psico-afectivo e social. AISSWORTH (1962) faz, em nova publicação da Organização Mundial de Saúde, uma re-avaliação da investigação neste campo. Dado o volume destes trabalhos, tentaremos reunir, em síntese, algumas das conclusões esclarecedoras de conceitos posteriormente utilizados (Ver Quadro F2 I).

A separação propriamente dita, é apenas referida após uma relação já formada (segunda metade do primeiro ano), estável e securizante. Antes desta, considera-se que há privação completa quando não existe substituto maternal, como é o caso dos orfanatos ; há privação temporária nos casos de novas relações com a mãe ou substituto ; considera-se que não há privação apreciável, sempre que se faz uma substituição imediata, com boa inter-relação. A separação propriamente dita corresponde a uma perda grave, se não há possibilidade de nova relação com a mãe ou substituta. Existe perda temporária sempre que, a breve prazo, há reunião com a mãe ou possibilidade de relação com um substituto maternal. Hesta situação, a reparação é rápida e satisfatória, embora se mantenha a vulnerabilidade a novas situações de separação,

Fala-se de carência quando há insuficiência de relação quantitativa e/ou qualitativa. A insuficiência é quantitativa e qualitativa em casos de internamento ou hospitalização em que não há substituto maternal. A carência é devida a uma distorção qualitativa quando as inter-acções com a mãe não são adequadas e existe insuficiência de cuidadas. A discontinuidade de relações, devida a separações sucessivas conduz a criança a uma inaptidão a inter-agir. A carência, em período não excessivamente longo, logo que seja colmatada, leva a melhoras rápidas, embora a criança se mantenha vulnerável e com problemas de expressão verbal. Entre 1 e 3 anos, os efeitos da carência grave e prolongada são irreversíveis. lio entanto, no segundo ano há

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ainda possibilidade de melhoria a nível intelectual. Os efeitos de menor reversibilidade são os que afectam a função verbal, a função de abstracção, a aptidão para se relacionar com o outro de uma forma profunda e durável.

Sum estudo mais recente, HAZET (1980) propõe meios de atenuar os efeitos da separação precoce : preparação da criança de modo a que esta não se sinta duplamente angustiada pela separação, pelo desconhecido que a espera e pelas razões que provocaram a situação. 0 espaço e as pessoas com quem virá a viver, devem tornar-se-lhe conhecidos, mesmo-antes da separação, É fundamental que conserve consigo objectos que lhe são usuais (brinquedos, objecto transicional, cama, loiça, etc.). Posteriormente, devem-se favorecer as visitas da mãe, de outras familiares e amigas, mesmo que a criança chore, à despedida. "0 que é

grave, não é que a criança chore, mas sentirse perdida e abandonada"<MAZET, 1980, p.41).

Todas estas questões põem gravemente em causa o papel dos internatos. AUBKY (1965) critica a tendência actual de, para defender crianças que vivem em lares considerados "em risco", se multiplicarem cada vez mais as creches e instituições. Estas, mesmo tendo todas as condições de higiene, são impessoais, não respondendo às necessidades das crianças, "aparentemente, ignora-se que, ao romper o elo afectivo

i que une a mãe e a criança, se corre o risco de salvar a vida à custa de í uma atrofia definitiva da sua personalidade." (AUBRY, 1965, p.11).

A autora considera impossível tratar, numa instituição, estas crianças negligenciadas pela mãe, sendo, por outro lado, "difícil

imaginar que uma ama aceite um papel tão duro e ingrato." (idem, p,99).

A alternativa mais viável exige que a mãe seja apoiada de modo a renovar elos íntimos de inter-relação com a criança. Esta via é complexa, pela seu caracter personalizado, mas é todo o futuro da criança que está em causa, pelo que, situando-se em termos de prevenção, merece todo o investimento passível. De facto, grande número de estudos refere, em adolescentes delinquentes, um passado com carência de cuidados maternos e de vivência em internatos. AUBRY caracteriza estes adolescentes, pela sua grande necessidade de afecto, contemporânea de uma incapacidade de criar elos afectivos e contactas sociais profundas. "Um grande número é

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12

-delinquente recidivista e com uma inacessibilidade exasperante para com todos aqueles que tentam ajudá-los."(idem, p.133).

Sendo geral a posição de que o internamento não é solução, mas uma situação de facto para muitas crianças, certas autores definem cuidadas a exigir às Instituições que as recebem. BOUCEBI e YAKER (1976) referem a necessidade de respeitar determinadas regras que tenham em conta a criança como sujeita. Considera-se imperativo um ambiente próximo do familiar, com um pessoal estável e afectuosa. A criança deve ser vigiada psicologicamente e é essencial "a prevenção, desde o primeiro mês, dos

efeitos deletérios de toda a vida colectiva, através da introdução de métodos e técnicas de estimulação e activação individualizada."(BOUCEBI

K. e YAKER A., 1976, p.217). Ko entanto, dado que a criança, separada da mãe, vive em estado de insegurança e insatisfação afectiva, é frequente organizar, de forma mais ou menos profunda, mecanismos de defesa. A estimulação excessiva pode aumentar a angústia da criança, levando-a a fechar-se, reforçando os seus mecanismos de defesa. Para além de todos estes cuidados, a Instituição deve abrir-se ao grupo social de pertença da criança e à comunidade em que se insere.

Como afirma AJURIAGUERRA, "o que se deve evitar, a todo o preço, é

responder ao abandono pela pseudo-solução de um abandono institucionalizado." (AJURIAGUERRA, 1980, p.524).

De facto, o abandono institucionalizado é referido por diversos autores, mesmo em instituições consideradas impecáveis, do ponto de vista da higiene e alimentação. As grandes carências estão do lado das inter-relações com as crianças, devidas, frequentemente, ao número excessivo de educandos e à ausência de pessoal qualificado. Por outro lado, como referem BOUCEBI e YAKER, a moralismo, o cansaço e a incompetência do pessoal, conduzem a atitudes de rejeição para com as crianças. Estas são vistas como " filhas do pecado, crianças tomando o

lugar de outras, responsáveis por um aumento de trabalho, crianças vistas como taradas, de aspecto pouco gratificante e com um comportamento cada vez mais desconcertante e angustiante." (BOUCEBI e

YAKER, 1976, p.203).

0 abandono institucionalizada e as críticas que lhe são feitas, conduzem-nos ao conceito de Pedagogia da Separação e à sua análise por CAPUL. A sua tese, L'Internat e 1'internement dans l'ancien rég-JTnP,

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merece-nos especial referência, pela forma como contribuiu para a construção do nosso estudo. Situando a sua análise dos internatos do Antigo Regime na História da Assistência aos Menores, permite-nos um repensar da nossa própria História e uma compreensão da situação actual de instituições, existentes no nosso País. Muitas delas orientam-se ainda, por princípios e valares que se encontram numa linha de continuidade relativamente a épocas muito anteriores à nossa, sem que o 25 de Abril tenha provocado qualquer ruptura ou questionamento. Por outro lado, a abordagem feita por CAPUL à Pedagogia da Separação e a descrição dos seus efeitos, forneceu-nos bases e indicadores para a nossa própria análise. Assim, CAPUL considera necessário, no estuda do comportamento de crianças internadas, a reflexão sobre os seus modos específicos de reagir, tendo em conta a sua história passada ao entrar na instituição, a idade de entrada, as razões que levaram aa internamento, a duração deste, o modo como enfrenta a separação e as novas situações que se lhe apresentam. 0 seu comportamento inscreve-se

"no conjunto da rede de relações educativas, sempre de tipo transaccional (embora de forma desigual), entre as crianças e os agentes educativos; relações essas que devem ser resituadas no sistema institucional e organizacional (...)" (CAPUL, 1984, p.263).

Com base em processos verbais do Comité de Mendicidade da Constituinte (1790/1791) são descritas as características de crianças submetidas a uma Pedagogia da Separação. Refere-se a sua fraqueza física, a preguiça, a incapacidade para aprenderem hábitos de trabalho, articulando-se estes dados com o estada de solidão afectiva em que se encontram. 0 seu quotidiana limita-as a uma mentalidade de assistidas :

"Estas crianças, cuja vida, minuciosamente regulada, se desenvolve num lugar fechado, não podem tomar iniciativas (o que supõe, de resto, ter um mínimo de possibilidade de projectar o futuro." (idem, p.273). Uma

outra das suas características é a ignorância das normas sociais e dos seus interditos, devido ao corte com o meio feito por estas instituições, "funcionando como lugares de abandono, eles próprios

abandonados." (idem, p.274).

Para CAPUL, a Pedagogia da Separação "pode dar lugar, nas suas

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_ 14.

-completamente separado da mundo, mas igualmente de si próprio e separado

em si próprio."(idem, p.274).

GOFFKAIf é um ponto de referência sociológica para CAPUL, pelo paralelismo entre o seu estudo acerca dos hospitais psiquiátricos e a análise dos internatos do Antigo Regime. Para nós, tanto a sua procura de construção de um modelo teórica, como a sua caracterização da Instituição Totalitária, nos fornecem dados importantes para o nosso próprio estudo. GOFFKAN define "instituição totalitária como um lugar de

residência e de trabalho, em que, grande número de indivíduos, -colocados na mesma situação. cortados do mundo exterior, por um período relativamente longo, têm em conjunto, uma vida reclusa, cujas modalidades são explícita e minuciosamente reguladas." (GOFFMAN, 1975,

p.41).

lia caracterização que apresenta, deste tipo de instituições, assinala o corte com o meio social exterior, a definição que envolve aqueles que tomam a seu cargo e, ainda, os elementos que delimitam o quotidiano destes : uma cultura imposta e diferente da sua, técnicas de mortificação, isolamento levando a um processa de despersonalização pelo esmagamento dos papeis que até aí tinham sido assumidos. As cerimónias de admissão incluem privações e mortificações, que tendem a tranformar o indivíduo num objecto programada, "de tal modo que nada venha entravar

a marcha rotineira das operações administrativas" (idem, p.60). 0

reclusa vê-se despojada de abjectos pessoais de forma a encontrar-se sem defesa, num processo de despersonalização e perda de autonomia, que a tornarão incapaz de reassumir a sua inserção na sociedade.

GOFFKAK considera que "os orfanatos e lares para crianças

abandonadas não são instituições totalitárias, a não ser na medida em que, ligado ao mundo exterior pelo jogo de qualquer fenómeno de osmose cultural, o órfão consiga fazer a sua aprendizagem social, enquanto está sistematicamente cortado deste mundo, (idem, p.55). Como se verá, grande

parte das crianças portuguesas internadas, iniciaram já a sua aprendizagem social antes do internamento pois as instituições, que aceitam crianças com menos de três anos, são em número reduzido. Por outro lado, a fenómeno de "osmose cultural" passa-se sempre que os educandos frequentam uma escala no exterior, têm possibilidades de visitar a família durante os fins de semanas e férias, etc. De resto,

(20)

por muito fechada que seja a instituição, ela é sempre atravessada pela influência do mundo exterior, embora possa, efectivamente, defender-se das informações externas, filtrando-as e censurando muitas delas.

0 modelo teórico de GOFFMAIT permite-nos descobrir "por detrás da

forma perticular que reveste cada uma destas organizações, a presença de coacções objectivas idênticas, que comanda o equilíbrio dos poderes, a circulação das informações e o tipo de relações obrigatórias entre os seus membros" (CÂSTEL R., Preface in GOFFKAN, 1975, p.11).

Toda a instituição se organiza a partir de determinados -iimites e constrangimentos que constituem, para os seus diferentes elementos, situações de conflito e angústia. Daí o conceito de'" violência institucional de que existem diversas definições. ffesta revisão da literatura, referiremos, como ponta de partida, o estuda feito por TOKKIEVICZ, VIVET e outras, tendo como referência a situação de crianças e jovens internadas.

Para TOKKIEVICZ, uma investigação deveria ser capaz de destrinçar as verdadeiras políticas de violência, à base de uma disciplina rígida, dos abusas individuais cometidas por adultas. "Ê evidente que os abusos

individuais são tanto mais frequentes e fáceis, quanto mais a atmosfera geral da casa é severa."(TOHKIEVICZ, 1981, p.51). Par autro lado, existe

uma violência "legítima" e uma violência "ilegítima", que TOKKIEVICZ

7 considera " sobre violência". 0 que as distingue, são os valores da

| sociedade e não, o caracter de violência dos actas. A violência ilegítima, "sobreviolenta" é aquela " que é condenada pela maioria da

opinião pública e pelas leis e escondida pelos seus próprios autores" (TOKKIEVICZ, 1984, p.33).

A maior parte das instituições, recebendo crianças e jovens, evita hoje a publicação de trabalhos e estudas sobre as suas práticas e princípios orientadores. Toda a investigação sobre a "violência institucional" se torna extremamente difícil, porque existe, da parte dos responsáveis das instituições, uma recusa, quase unânime, em considerar, qualquer estuda como útil, ao mesmo tempo que se negam os actos de abuso e negligências graves. "Esta negação leva à

impossibilidade de identificar, tanto os actos individuais, como os programas pedagógicos" (.GIL e BAXTER, citados por TOKKIEVICZ, 1981,

(21)

16 -So caso de violência é sempre possível a sua denúncia; os professores, os vizinhos, os amigos e a família alargada, "constituem a

arma secreta da criança." (LAMBERT, 1982, p. 106).

A análise temática do "IV Congrès International sur IPS aalanjs maltraités ai négligés" (Paris, 7-10/9/82) fornece-nos informação preciosa para o nosso estudo : o largo leque de países representados

(Austrália, Canadá, Checoslováquia, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, etc.) confere-nos, não só uma visão global dos problemas relacionadas com crianças vivendo em instituições, como o conhecimento de estudos e experiências, realizados em contextos diferentes da nosso; a meticulosa estudo dos obstáculos á tomada de consciência das sevícias institucionais, a análise das fontes de informação e dificuldades inerentes, assim como as diferentes tipologias de sevícias aí apresentadas, são um importante apoio em termos de metodologia e reflexão; a análise detalhada dos diferentes tipos de sevícias permitiram-nos um conceito mais alargado de violência institucional. Preferindo a noção de "sevícias instituicionais", BESHAROV considera que

"Não há uma noção única. Âs sevícias institucionais vão de actos de bestialidade e brutalidade, castigos corporais horríveis e desmesurados, assassínio, sevícias sexuais, até ao que pode ser a forma de sevícia mais profunda : a incapacidade de responder às necessidades a longo

termo de crianças vivendo em internatos."(BESHAROV, in LAMBERT, 1982,

p.15). A este tipo de sevícias GIL D. acrescenta ainda "a natureza das

decisões ou não decisões tomadas acerca das crianças,"(GIL D., in

LAMBERT, 1982, p.15).

0 nosso estuda retoma estas duas últimas definições : a de GIL, como referência na nossa análise, de decisões e não decisões tomadas pelo Estada e pelos seus serviços, e ainda, seguindo BESHAROV, à incapacidade de responder às necessidades a longo termo de crianças vivendo em internatos. A primeira facilita, quanta a nós, a existência de uma Pedagogia da Separação, que, por sua vez, não tem em conta os interesses e necessidades dos seus educandos.

VIVET permite-nos a identificação de instituições "em risco de violência", referindo a "ausência de pessoal qualificado", um preço de diária relativamente fraco, um poder hiper-centralizado. "Este permite

(22)

certa, de controle pedagógico. Um afastamento de tudo o que pode permitir uma abertura ao exterior; uma ausência total de grupos de pressão, (.,. ) , uma ausência total de instâncias de reunião entre os adultos de uma mesma instituição." (VIVET, 1982, p.10).

Para além do controle da Estada e da opinião pública ou de outras grupos de pressão a instituição deve ter um projecto pedagógico capaz de oferecer, às crianças e adolescentes, condições equilibradas de desenvolvimento e bem estar. Hem sempre a violência da separação é possível de evitar e, torna-se necessária investir na criação de estabelecimentos capazes de receber crianças separadas da família e do seu meio, por determinadas períodos, a mais curtos possível,

XYRIAH D. e APPEL G. descrevem-nos a vida na Instituto Facional de Metodologia das Casas de Crianças dos 0 aos 3 anas, em LóCZY, na Hungria. Trata-se de uma instituição que recebe crianças, que não podem, de modo algum, ser educadas pelas mães, tendo a seu cargo ainda, a formação do pessoal, o controle de outras instituições, com a mesma finalidade e a investigação neste âmbito.

A formação de pessoal faz-se num trabalha de equipa e de reflexão, constantemente confrontada com a vida da Instituição e integrado em projectos de investigação.

Em LóCZY tudo parece pensado e repensado em função de criança, dos i seus ritmas, das suas necessidades e, por isso, modificado sempre que * novas adequações se impõem. Um elemento fundamental para o bem estar das

crianças é a bem estar das adultas que com elas trabalham. Trabalhar com crianças não representa um sacrifício, um acto de caridade, É uma profissão que exige uma formação contínua e uma obediência a certos princípios :

1. Valorização da actividade autónoma da criança;

2. Defesa de uma relação afectiva privilegiada entre a criança e a ama, embora esta relação ganhe formas específicas num quadro institucional;

3. Desenvolvimento, na criança, da tomada de consciência de si própria, dos seus progressos e do meio que a rodeia;

(23)

16 -4. Importância do bam estada de saúde física, que passa par um trabalho de observação diária por parte da ama e de um regular exame médica.

0 espaça, os jogas, as relações cam as outros, vão progredindo conforme o desenvolvimento da criança. Mantém-se uma relação com os pais, sempre que possível, a fim de que o regressa à família se faça rapidamente e nas melhores condições. Sempre que este não pode efectuar-se, o contacta mantém-se, de modo a permitir que os pais decidam pela adopção, sem se sentirem culpabilizadas.

Preocupa as autoras deste estudo a quase ausência de "élans e de

manifestações de afecto entre a ama e as crianças" (MYRIAM D. e APPEL G.,

1973, p.139). Os responsáveis pela instituição consideram que a situação é temporária. Existe relação afectiva, mas evita-se a dependência afectiva, pois esta dificultaria o regresso à família e provocaria nova crise de abandono. Por outro lado, se as amas criassem laços afectivos profundos com as crianças sentir-se-íam, elas próprias, desamparadas pela separação e menos disponíveis para outras crianças. Além disso, uma criança carenciada exige cada vez mais, e, a incapacidade de dar resposta às suas exigências, aumenta, no adulto, a ansiedade e os sentimentos de culpabilidade. Outra questão, levantada pelas autoras, é a de que o ambiente de segurança e estabilidade, que se vive na instituição é, de certo modo, oposto ao ambiente familiar, onde há ; sempre conflitos. A criança não conhece nenhum adulto tal como ele é,

mas como é previsto pela instituição que ele seja.

Reconhecendo a validade destes argumentos, a Drâ PIKLER, uma das responsáveis pela instituição, cita um trabalho realizado pela Organização Mundial de Saúde, em que se estuda a situação, em adultos, de antigos internados de LóCZY. À data do estuda, tinham uma vida estável, organizada, mantendo, com os próprios filhas, relações profundas e saudáveis.Como vimos, tal não se passa com a maior parte de adultos que viveram em internatos de tipo tradicional.

Para adolescentes e jovens em dificuldade, o Lar de Semi-liberdade de VITRY aponta para uma abertura ao meio muito mais efectiva. 0 Lar funciona desde 1950, tendo, em permanência 20 a 25 adolescentes ( com menos de 16 anos, á data da entrada), delinquentes ou em "periga moral". A equipa responsável é constituída por elementos especializados, entre

(24)

eles, um médico psiquiatra e um psicólogo. Os jovens seguem a sua escolaridade e actividades profissionais no exterior .da instituição. Nesta, têm lugar actividades educativas, culturais (teatro, mímica, música, desenho, etc.), socio e psico-terapeuticas, num ambiente familiar e comunitário. 0 nível técnico das actividades audio-visuais contribui para a valorização e enriquecimento intelectual dos rapazes, e, funciona como coadjuvante da psicoterapia, que só surge a pedida dos jovens. "(...) a importância das actividades técnicas que permitem uma

valorização narcísica no seio do grupo e no real. (. . . )a psicoterapia, aliada à aprendizagem, permite ao jovem ser melhor considerado pelo grupo e esta consideração facilita, por sua vez, a relação psicoterapeutica sarando, em parte, as feridas narcísicas anteriores."

(TOMKIEVICZ e ZEILLER, 1980, 289).

Entre a extensa bibliografia sobre o fenómeno do insucesso escalar, privilegiamos alguns autores que se referem directamente à situação de alunos que não se conservaram na sua família de origem, quer por terem sido adoptados, quer por terem sido colocados em instituições ou amas.

0 estuda de DUYKE M. sobre os efeitos a longo termo do abandono e do meio socio-cultural adoptivo permite distinguir o futuro escalar de crianças precocemente abandonadas, segundo a maior ou menor rapidez de acção das serviços de apoio (D.D.A.S.S., Direction Départementale à l'action sanitaire et sociale) e conforme a intervenção escolhida.

As adopções precoces (0/6 meses) correspondem ao menor grau de problemas escolares (W das crianças com insucesso escolar). As adopções tardias (8 meses/3 anos), a colocação em amas e em instituições encontram-se com 100% de insucesso grave.

"Ás crianças que ficaram sob a tutela da D.D.A.S.S., que não tiveram a possibilidade de ser adoptadas, encontram-se num estado de insucesso escolar grave" (DUYKE, 1979, p.179). As estadias longas em

instituições e colocações múltiplas correspondem a "estados de

deficiência grave, tanto do ponto de vista intelectual como da personalidade" (idem). No entanto, DUYKE cita certos autores (SKEELS,

DYE, KIRK) que "constataram uma elevação de nível intelectual em

(25)

- 20 e uma atitude de fuga, "talvez de refúgio regressivo ao amor materno

(. . . )n (idem, 1968, p. 137).

Com o tema "o que penso, o que espero, o que desejo" são analisadas cem redacções, em que a autora identifica "a sensação de

enclausuramento dentro dos limites impostos", sobretudo em crianças de

nível intelectual mais elevada, e ainda, "o meda da morte, a insegurança

e a culpabilidade, (idem, 1969, p.79). No que se refere ao projecto de

futuro, uma grande percentagem tem uma ausência de ambição ou a sua escolha corresponde a uma forma de fuga, estando a maior parte das profissões nomeadas "dentro do círculo fechado em que as alunas circulam

durante o tempo de internamento"(idem, p.80).

ïo seu estudo sobre a adolescência das raparigas internadas que compara com alunas externas, verifica que a inibição das primeiras aumenta com os treze anos, assim como a fuga ao real. " (...)as internas

afundam-se no seu desencorajamento", enquanto as alunas externas, mau

grado os problemas normais desta fase, denotam um "esforço espectacular,

na maioria dos casos, para alcançarem as normas." (idem, 1971, p.62/63).

A autora termina esta série de estudos, pondo duas hipóteses : a primeira supõe que "os traumatismos causados pelos internatos vão-se

vincando à medida que a consciência individual vai crescendo", a segunda

implica a orgânica do internato não o preparando para "generosamente,

lançar a adolescente no assumir da sua problemática vital."(idem, p.64).

BRITO Q.A., num estuda abrangendo nove instituições para raparigas de Lisboa, procura avaliar a integração social de educandas, tendo saída do internato na período de 64/68. Aborda ainda as relações sociais estabelecidas, a sua re-integração familiar e a imagem que conservavam da instituição.A autora verifica a existência de uma relação muito estreita entre os antecedentes de vida no internato, nomeadamente no que se refere à adaptação ao seu ambiente geral, às relações com a família e participação social durante o internamento, com "uma integração comunicativa" na sociedade, após a saída. Conclui ainda pela existência de "internatos que se mantêm alheios ao contributo prestado à educação

pelas actividades recreativas e culturais e aos benefícios da participação das educandas. A importância das relações familiares também não é devidamente reconhecida nestes estabelecimento (...)" (BRITO Q.A. ,

(26)

apresentava um meio mais rico"(DUYKB, 1981, p.29).

DUKARET compara a desenvolvimento intelectual e escalar de irmãos e irmãs educadas em meios sociais diferentes, verificando que as crianças adaptadas antes dos sete meses, têm um sucesso escolar claramente superior ao dos seus irmãos (mantidos na meio de origem), sempre que o meio que os adaptou é favorecida económica e socialmente. 0 acumular de insucessos verifica-se em crianças que foram colocadas em instituições ou em amas : "Ao efeito devido ao meio socio-económico e

cultural acrescenta-se o efeito devido a carências de longa duração de tipo psíco-afectivo e familiar" (DUKARET, 1979, p.200). A autora

considera que se trata de um "efeito global, visto que as

características de cada meio não são independentes umas das outras : indivíduo e meio interagem" (DUKARET, 1979, p.201).

DUKARET e TOKKIEVICZ - em síntese dos trabalhas realizados pela equipa do INSERK - U 69 (1) - procuram responder à questão posta por Richardson em 1913 : "Qual seria o desenvolvimento intelectual e escolar

de crianças socialmente desfavorecidas se beneficiassem das mesmas vantagens que as crianças educadas num meio verdadeiramente privilegiado?1 (cit. DUKARET e TOKKIEVICZ, 1981, p.69).

É utilizado o estuda de crianças adoptadas (cujo esquema ? experimental se deve a SCHIFF, 1981), dado que a "adopção é uma

experiência em meio natural, em que o património genético é tansmitido por uma fami lip, enquanto o património socio-cultural provém de outra família : o meio genético é assim, separado do meio educativo" (DUKARET

e TOKKIEVICZ, 1981, p.69). As conclusões levam a considerar que "não

existe um elo importante entre o que se observa nas escalas hierárquicas (insucesso escolar e classes sociais, QI e classes sociais) e hereditariedade biológica (M. SCHIFF, a publicar)" (idem, p.71).

0 quadro síntese apresentado pelos autores permite-nos uma ideia global do âmbito deste conjunto de estudos e a comparação dos seus resultados.

4 1 * D » » « . » X n t M M -frnxmni p « r t . O K t r « b » l h e m eis DUVME a» DUMARET,

(27)

- 22

Q U A D R O BTS? I I

IISUCESSOS ESCOLARES, IÏSUCESSOS AOS TESTES E KEIQ SOCIAL (1)

Fontes Meio social

I

I ITodas as classes sociais lAs normas nacionais IFilhos de quadros

J IFilhos de trabalhadores pouco qualificados I Estudo I I

ISCHIFF, DUYME (Crianças adoptadas por quadros

IDUMARET, TPMKIEUIC7 IFilhoc biológicos (pais operários.. , ) IEstudo II

IA, DUMARET*

ICrianças adoptadas por quadros

IFilhos biológicos (pais operários, pessoal i de serviço)

ICrianças colocadas IEstudo III

IH, DUYME

ICrianças adoptadas por quadros

ICrianças adoptadas por operários pouco I qualificados ICrianças colocadas Insucesso Escolar na entrada na 62 Cl, 46« 1711

.Í2L

17«

ML.

12« 61«

LûûJL

21« 62«

t Hais de letade das crianças adoptadas e biológicas sSo coiuns ao Estudo I,

0 estudo II traz ui coipleiento de infonaçSo graças ao grupo de crianças colocadas,

lo que se refere especificamente as crianças internadas

v e r i f i c a - s e ainda que "não estão só com insucesso grave, mas a metade de

entre elas é orientada para filiais medicalizadas (Institut

Médico-Pédagogique, École Mationale de Perfectionnement. . . ) de onde

sairão sem nenhuma qualificação profissional" (idem, p.71). Estes dados

correspondeu a una diferença q u a l i t a t i v a , nesso no caso do insucesso

escolar, i s t o é, "insucesso grave para as crianças que ficaram na sua

família de origem (operários, serviços) e exclusão do circuito escalar

total para as crianças que foram colocadas em lares ou em colocação

familial' (ide», p.71).

<ti E x c l u I m o » O K r * « u l t a d o * c f o i d o Q u a d r o o r i g i n a l , n a m a c l l c l a ' t - a » ± . a » c l * l n U I l u è n c i » , q u a f > z » n p a r t a a m q u a n M o f o r a m u t l 1 I z a d o » n o a a » t u d o s o » r n u l U d o m a p r a u n t u d o » p r t x l n o a < I . E . » a i ) , No-t j d o a , a m - t - a r m o * e t a o a r c a n t - a g a n » ,

(28)

Como já assinalámos, os trabalhos publicados sobre internatos portugueses são raros, pouco recentes e ainda, de reduzida divulgação em Portugal. Se esta problemática tem despertada menos interesse no nosso país, não é, decerto, par termos já encontrado soluções alternativas ao internamento, nem tão pouco, por termos, entre nós, experiências menos dignas de atenção. De facto, não podemos deixar de lamentar que o II Congresso das Instituições Privadas de Solidadriedade Social, realizado em Junho de 1980, e tendo como objectivo esclarecer a opinião pública "quanto à realidade das Instituições", não apresente nenhum estudo sobre a situação dos seus utentes. Esta ausência faz-se sentir, nomeadamente, no que diz respeita a instituições recebendo crianças e jovens em regime de internato, de que se fornecem informações muito gerais e vagas.

MOURA H.C. parece ter aberto, em Portugal, no campo da Psicologia, um âmbito de estudos relativo às crianças internadas. Este tem-se mantido sem continuidade, mau grado a premência e a urgência de um conhecimento aprofundado neste terreno, se fazer sentir cada vez mais, no nosso país. Embora os seus artigos datem de há mais de quinze anos, são ainda, ponto de partida para o nosso estudo, pelo paralelismo que encontramos com alguns problemas identificados.

Utilizando o "teste da família", o "teste da árvore", Rarshach e redacções de crianças internadas, destaca problemas de angústia, solidão, inibição, ausência de projecto de futuro, que não se verificam, com a mesma acuidade, em crianças da mesma origem social, vivendo em família.

Assim, o "desenho da família", de raparigas internadas, aponta para problemas devidos à submissão a um excesso de regras e ainda, causados por uma "situação mórbida de impotência" (MOURA C. H. ,1967, p.27). Par outro lado, a autora verifica que o internato masculino estudado é mais aberto que o feminino. Enquanto os seus utentes têm a possibilidade de frequentar o ensino técnico, o feminino apenas propõe uma formação em trabalhos domésticos, "existindo uma mentalizaçBo em que

o estudo e o esforço intelectual não é valorizado" <idem, p.25). 0 teste

de Rorschach permite-lhe acrescentar que 90¾ (de uma amostra de 38 raparigas) têm dificuldades de relação íntima com "o outro", insegurança

(29)

­ 24 e uma atitude de fuga, "talvez de refúgio regressivo ao amor materno

C.. . >" (idem, 1968, p. 137).

Com o tema " o que penso, o que espero, o que desejo" são analisadas cem redacções, em que a autora identifica "a sensação de

enclausuramento dentro dos limites impostos", sobretudo em crianças de nível intelectual mais elevado, e ainda, "o medo da morte, a insegurança

e a culpabilidade, (idem, 1969, p.79). lio que se refere ao projecto de futuro, uma grande percentagem tem uma ausência de ambição ou a sua escolha corresponde a uma forma de fuga, estando a maior ­parte das profissões nomeadas "dentro do círculo fechado em que as alunas circulam

durante o tempo de internamento"(idem, p.80).

Io seu estudo sobre a adolescência das raparigas internadas que compara com alunas externas, verifica que a inibição das primeiras aumenta com os treze anos, assim como a fuga ao real. " (. ..)as internas

afundam-se no seu desencorajamento", enquanto as alunas externas, mau grado os problemas normais desta fase, denotam um "esforço espectacular,

na maioria dos casos, para alcançarem as normas." (idem, 1971, p.62/63). A autora termina esta série de estudas, pondo duas hipóteses : a primeira supõe que "os traumatismos causados pelos internatos vão-se

vincando à medida que a consciência individual vai crescendo", a segunda implica a orgânica do internato não o preparando para "generosamente,

I lançar a adolescente no assumir da sua problemática vital."(idem, p.64).

.¾ BRITO Q.A. , num estudo abrangendo nove instituições para raparigas ­'­'■ de Lisboa, procura avaliar a integração social de educandas, tendo saído do internato no período de 64/68. Aborda ainda as relações sociais estabelecidas, a sua re­integração familiar e a imagem que conservavam da instituição. A autora verifica a existência de uma relação muito estreita entre os antecedentes de vida no internato, nomeadamente no que se refere à adaptação ao seu ambiente geral, às relações com a família e participação social durante o internamento, com "uma integração comunicativa" na sociedade, após a saída. Conclui ainda pela existência de "internatos que se mantêm alheios ao contributo prestado à educação

pelas actividades recreativas e culturais e aos benefícios da

participação das educandas. A importância das relações familiares também não é devidamente reconhecida nestes estabelecimento (...)" (BRITO Q.A. , 1969, p.82).

(30)

"Os estados não se salvam pelas obras de caridade, salvam-se pelas grandes medidas económicas"

(31)

- 26

-I -I T 8 0 D 0 Ç Î 0

MDDELO DE AIÁLISE DO IITEEÏATO

"Encruzilhada das instâncias económica,

poli tica e ideológica de uma sociedade, a

instituição é, igualmente, a encruzilhada onde

acontece o acidente da desejo e do .imaginário

que tropeçam no real, massivo e silencioso. "

René BARBIER

A necessidade de clarificar e operacionalizar a conceito de Pedagogia da Separação de forma a tornar possível a identificação de

Projectos Educativas nele assentes, conduziu­nos à tentativa de

construção de um "modelo de análise". Tivemos presente a "teoria do triângulo em ciências humanas clínicas", segundo a qual, "todo o grupo

social, num dado momento (singularidade) da sua realidade dinâmica, se

inscreve num triângulo delimitado, pelo menos, por três campos de

análise possíveis e que interferem entre eles"

(BARBIER, 1977, p.130). É

assim que situamos o Internato, numa perspectiva histórico­social ­ o

campa—histórico­social, na sua estrutura organizacional, definindo

estatutos e papeis ­ □ campo estruturo­grupai e no seu clima

soeio­emocional ­ que nos permite uma aproximação do campo.

psico­biológico.

0 conceito de representação, partindo de diferentes referências teóricas, surgiu­nos como um instrumento eficaz na compreensão dos diferentes níveis de análise.

"Goffman entende "representação" como a "totalidade da

actividade de uma dada pessoa, numa dada ocasião para influenciar de um

certo modo um dos outros participantes"

(GOFFMAN, 1974, p.23), ao mesmo

tempo

que, "projecta, em parte conscientemente e em parte

involuntariamente, uma definição da situação, de que, a ideia que ela se

faz de si própria, constitui um elemento importante."

(idem, p.229).

(32)

Esta ideia constitui-se ao longo de uma história, de uma experiência social, tendo como referência valores e normas em que o indivíduo se integra. Em qualquer organização social, os seus elementos cooperam, consciente ou inconscientemente, numa certa imagem de marca, numa definição da situação e "partilham e escondem os segredos que poderiam

trair o espectáculo"(idem, p.225).

Ora, esta definição da situação e esta imagem de marca têm sido construídas, no que se refere aos Internatos, através, de um longo percurso histórico em que, a confluência de factores políticos, sociais e económicos, contribuem para um enquadramento ideológica da problemática" das crianças e jovens desinseridos do seu meio familiar", em termos de abandono e caridade. Daí a definição do Internato como um "mal menor", poupando à criança "o pior". Mascarando perante a sociedade a sobrevivência de uma Pedagogia da Separação, mantém-se um cenário secular, cuja fachada é necessário ultrapassar.

Huma outra perspectiva, Moscovici e Herzlich consideram que "a

representação é uma organização significativa dos elementos de uma situação, que preenche uma função específica; é uma construção mental do objecto concebido como não separável da actividae simbólica de um sujeito, ela mesma solidária da sua inserção no campo social."

(HERZLICH C. , 1972, p.30ô).

É nesse sentido a nossa análise do modo como são vistos os internatos no nosso país, nomeadamente pelos meios de comunicação social.

Assistimos como que a um estranho diálogo (ver Quadro III) : uma instituição, com uma história própria, constrói um cenário, uma "apresentação de si" ao "outro social"; este é, ao mesmo tempo, objecto

(espectador) dessa representação e sujeita de uma representação sobre a instituição (objecto de julgamentos). Este diálogo exprime a representação social como um conceito dinâmico. Mas a sua dinâmica não é apenas externa. Instituição e "outro social" são constituídas por pessoas reais, com a sua história, as suas opiniões, valares e experiência social. São claras estas implicações ao abordarmos as relações com o Poder, as descontinuidades legais, a ambiguidade entre uma "atenção", que o Estado considera ser seu dever privilegiar, no que se refere à protecção da criança e do jovem, e uma autonomia permitida

(33)

- 28 I I 1 . . I IS 10 IC II IE ID ID IE I I Q U A D R O I I I

REPRESEITAÇÏO (cenário, apresentação de si)

Objecto (espectador) Constituído por pessoas reais (con una história, valores, experiência social, etc.)

leio

-Grupo social alargado

sujeito (constrói una representação do int. a partir do que este lhe comunica, dos s/val. e da ;s/ expg colectiva...)

Sujeito (representando um; cenário/fachada) I I I I I I I I I I

I Grupo social reduzido I

Constituído por pessoas reais (com una história, valares, experiência social, etc.)

I objecto de julgamentos I

REPRBSEITAçXO ( Construção Social do Real )

.. I I I 1 I I E I I I A I T I 0 I

(34)

às instituições particulares que assumem esse papel e cujas poderes reais nos aparecem fortemente defendidos por forças políticas e interesses económicos não desvendadas.

As questões na campo social integram-se, fundamentalmente, na âmbito das relações com a Poder, na espaço de inserção social da Instituição, nos papeis sociais que lhe estão designadas. Mas estas questões incidem ainda na campa psicológica, nomeadamente, na problemática da dinâmica interna institucional. Daí a nassa atenção ao Universo do Pessoal e ao Universo da Educando. 0 clima socio-emocional da Instituição vive submetido às imposições organizacionais e às relações psico-afectivas dos seus diferentes elementos. Valores e normas são interiorizados pelos indivíduos, criando-se um "elo social", a que não é alheio o modo como se projectam, na Instituição, os desejas, os interesses e os valores de cada um. Para Rouchy, existem, neste processo, fenómenos de incorporação, como a "incorporação na cultura por

uma comunicação de inconsciente para inconsciente, inscrita directamente no corpo e que condiciona o espaço relacional" (ROUCHY, 1981, p.114).

Estes processas são, tanto mais prementes, quanto mais a Instituição tende a bastar-se a si própria, fechando-se ao mundo exterior.

Mau grado um jogo de segredas estratégicos entrelaçados cam segredos inconfessáveis, torna-se passível, a partir do perfil da estrutura do pessoal, da caracterização da Direcção do Internato e do seu clima socio-emocional, dar resposta às questões levantadas, quanta à orientação pedagógica e ao risco de violência destas instituições.

A análise do Universo da Educanda procura, progressivamente, aproximar-se da vida quotidiana na Instituição. Aí, seguindo CAPUL, se configura a realidade psicológica atravessada pela realidade institucional.

A representação de si e do mundo que envolve o educando, surge-nos filtrada pela Instituição. A valorização desta baseia-se na imagem desvalorizada dos seus utentes. Ao devolver-lhes, juntamente com esta, uma representação do mundo exterior marginalizante e abandónica, reduz-se o seu espaço simbólica de crescimento a uma violência insustentável.

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C A P I T U L O I I I

COIDIÇÕES HISTÓRICO-SOCIAIS DA PEDAGOGIA DA SEPARAÇÃO 1. Protecção Social e Responsabilidade de Estado

A intervenção do Estado na protecção à "infAnciã desvalida" integra-se no campo nais lato da Política Social. Verificaremos que este

conceito, - definido cano "conjunto de programs e medidas para

assegurar o bea estar social, prioridades e valores julgados importantes

para uma dada sociedade " <MAIA F. , 1978, p. 1) - só tardiamente se pode

aplicar en Portugal.

De facto, a própria noção de bem estar passou por uma referência ao individual, antes de atingir a dimensão do social. Durante a Idade Média, as medidas tomadas respondem a questões pontuais, levantadas nas Cortes. Embora na "fase de transição", a política de centralização do | Estado se tenha reflectido no campo dos problemas sociais, só no final I do século III, graças às lutas do operariado organizado e à sua intervenção na "res publica", o Estado se comprometeu numa Política Social.

1.1 Idade Média - Ausência de Intervenção do Estado

Mas nossas primeiras Cortes encontram-se referências apenas à pobreza dos nobres. A indigência obtém respostas parcelares na iniciativa particular e religiosa.

A própria noção de infância era limitada. Variando segundo os locais, a maioridade obtinha-se a partir dos doze, catorze ou quinze anos. Havia casamentos a partir dos sete anos, embora fosse necessária a autorização do Conselho de Família até aos vinte. Aceitava-se a noção de casamento por registo ou por "publica fama" (direito consuetudinário).

Referências

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