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ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE NOS AGROTÓXICOS A LUZ DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

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UNIVERSIDADEDOSULDESANTACATARINA

LUCASCRECÊNCIOAUGUSTINHO

ANÁLISESOBREAAPLICAÇÃODOPRINCÍPIODASELETIVIDADENOS

AGROTÓXICOSALUZDODIREITOFUNDAMENTALÀSAÚDE

Içara 2020

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LUCASCRECÊNCIOAUGUSTINHO

ANÁLISESOBREAAPLICAÇÃODOPRINCÍPIODASELETIVIDADENOS

AGROTÓXICOSALUZDODIREITOFUNDAMENTALÀSAÚDE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Silvio Gama Farias, Esp.

Içara 2020

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LUCASCRECÊNCIOAUGUSTINHO

ANÁLISESOBREAAPLICAÇÃODOPRINCÍPIODASELETIVIDADENOS

AGROTÓXICOSALUZDODIREITOFUNDAMENTALÀSAÚDE

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Içara, 08 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Silvio Gama Farias, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Vanessa de Assis Martins, Ms.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Roberta dos Santos Rodrigues, Esp.

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Dedico este trabalho a todas as pessoas que me apoiaram e me acompanharam em toda a minha caminhada até este momento.

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RESUMO

A presente monografia tem como objetivo analisar a aplicação do princípio constitucional da seletividade tributaria sobre os produtos químicos aplicados na agricultura conhecidos como agrotóxicos. A pesquisa se pauta na linha do Direito Constitucional, tendo como norte a essencialidade requerida pelo texto da Carta Magna para a aplicação da seletividade nos impostos IPI e ICMS e seguindo uma metodologia de pesquisa descritiva. O trabalho se desenvolve avaliando a disposição histórica dos produtos agroquímicos, contextualização do termo agrotóxico em âmbito geral, sua atuação no agronegócio nacional, bem como seu registro para venda no mercado nacional. Avalia também os impactos dos agrotóxicos no meio ambiente, na saúde humana, evidencia os conceitos de meio ambiente, a proteção do meio ambiente no contexto internacional e os princípios constitucionais que regem a defesa ambiental e a saúde humana. Por último se propõe a avaliar a intervenção na economia do Estado, definições de imunidade e isenção tributária, os conceitos de seletividade tributaria e sua aplicação nos produtos agrotóxicos, seguindo uma comparação com os preceitos constitucionais. Sob a ótica de todos os conceitos e pontos apresentados ao decorrer do trabalho se fará uma avaliação sobre a essencialidade necessária para aplicação da seletividade tributária e que é empregada aos agrotóxicos.

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ABSTRACT

This monograph aims to analyze the application of the constitutional principle of selectivity would tax on chemical products applied in agriculture known as pesticides. The research is based on the Constitutional Law, having as a guideline the essentiality required by the text of the Magna Carta for the application of selectivity in IPI and ICMS taxes and following a descriptive research methodology. The work is developed evaluating the historical disposition of the agrochemical products, contextualization of the term agrotoxic in general ambit, its performance on the national agribusiness, as well as its register for sale on the national market. It also evaluates the impacts of agrochemicals on the environment, human health, and highlights the concepts of environment, environmental protection in the international context, and the constitutional principles that govern environmental defense and human health. Finally, it proposes to evaluate the intervention in the state economy, definitions of immunity and tax exemption, the concepts of tax selectivity and their application in agrotoxic products, following a comparison with the constitutional precepts. From the point of view of all the concepts and points presented during the work, an evaluation will be made on the essentiality necessary for the application of tax selectivity and that is employed to the agrotoxics.

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LISTADEABREVIATURAS

2,4-D - Ácido diclorofenoxiacético; 2,4,5-T - 2,4,5-triclorofenoxiacético;

ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva; ADI - Ação direta de Inconstitucionalidade;

ADPF - Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental; ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária;

CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento;

CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica; CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária; CTN – Código Tributário Nacional;

DDT – Diclorodifeniltricloroetano;

EACDH - Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos;

EPI – Equipamento de Proteção Individual;

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços;

IDA – Ingestão Diária Aceitável;

IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados;

MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; MIT - Massachusetts Institute of Technology

MMA - Ministério do Meio Ambiente; MP – Medida Provisória;

MS – Ministério da Saúde;

NCM - Nomenclatura Comum do MERCOSUL; ONU – Organização das Nações Unidas;

OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde; PCF – Pentaclorofenol;

PDL – Projeto de Decreto Legislativo;

PNAPO - Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica; PND – Plano de Desenvolvimento Nacional;

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PNSIPCF - Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta;

PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente; POPs - Poluentes Orgânicos Persistentes;

PSOL - Partido Socialismo e Liberdade; RICMS - Regulamento do ICMS;

RDC - Resolução da Diretoria Colegiada; SUS - Sistema Único de Saúde;

TIPI - Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados; WWF - World Wildlife Foundation.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 DOS AGROTÓXICOS ... 12

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERMO AGROTÓXICO ... 12

2.2 DISPOSIÇÃO HISTÓRICA ... 13

2.3 AGROQUÍMICOS E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ... 16

2.4 O REGISTRO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL... 19

3 DO MEIO AMBIENTE E DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ... 23

3.1 MEIO AMBIENTE E SEUS CONCEITOS ... 23

3.2 MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ... 25

3.3 OS PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE ... 28

3.3.1 Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e o Desenvolvimento Sustentável ... 29

3.3.2 Princípios da Prevenção e da Precaução ... 30

3.3.3 Princípio do Poluidor Pagador ... 32

3.3.4 Direito Fundamental a Saúde e sua relação com o meio ambiente e uso de agrotóxicos ... 33

3.4 OS AGROTÓXICOS E SEUS IMPACTOS NA SAÚDE HUMANA E NO MEIO AMBIENTE ... 34

3.4.1 Danos à saúde decorrentes de consumo de alimentos e da atividade laboral envolvendo os agrotóxicos ... 34

3.4.2 Danos Ambientais ... 37

4 DA TRIBUTAÇÃO ... 40

4.1 DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA ... 40

4.2 A ISENÇÃO E A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ... 42

4.3 A SELETIVIDADE TRIBUTÁRIA ... 45

4.4 A SELETIVIDADE TRIBUTÁRIA E A QUESTÃO DA ESSENCIALIDADE NOS AGROTÓXICOS ... 48

CONCLUSÃO ... 55

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 elenca em seu artigo 153 produtos e atividades a serem tributados pela União, sendo que o inciso IV lista os produtos industrializados, aos quais incide o IPI. O § 3o, inciso I, do mesmo artigo dispõe que sobre esse imposto incidirá o princípio da seletividade conforme a essencialidade do produto.

A Carta Magna ainda dispõe no artigo 155 os impostos a serem instituídos pelas Unidades Federativas. O inciso II trata circulação de mercadorias, a qual incide o ICMS e seu § 2o dispõe também sobre a o princípio da seletividade neste imposto, com este podendo ser aplicado conforme a essencialidade do produto, assim como o IPI.

O princípio da seletividade tributária define que os impostos em que este é aplicado terão alíquotas maiores ou menores baseando-se na essencialidade do produto ou do serviço. Sendo os mais essenciais gozadores de menor alíquota e os com características mais fúteis gozadores de maior alíquota.

Seguindo este princípio constitucional, os agrotóxicos são fruidores da seletividade tributária. Às isenções de IPI e a redução de ICMS para estes produtos são reguladas por meio do Decreto 8.950, de 29 de dezembro de 2016, que aprova a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, e pelo Convênio 100/97 do Confaz, que regula a redução do cálculo de ICMS.

Porém, o grande elemento necessário para a aplicação de alíquotas menores é a essencialidade do produto, e é nesse quesito que se questiona se é devido os agrotóxicos gozarem da seletividade. Isso já gerou questionamento em âmbito jurídico na forma da ADI 5553, movida pelo partido PSOL, que discute a inconstitucionalidade da aplicação das isenções fiscais dos agrotóxicos com base na seletividade tributária, promovidas pelas cláusulas primeira, incisos I e II, e terceira do Convênio 100/97 do Confaz e pela alíquota de 0% de IPI que consta na TIPI, que se encontra no Decreto 8.950 de 2016.

Dessa forma, irá se apresentar uma análise sobre as questões pertinentes relacionadas à essencialidade atribuída aos agrotóxicos.

O Brasil atualmente é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo e mantém índices elevados de registro de novos produtos desta classe todos os anos.

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É um fato que estes químicos, apesar de contribuírem para o rendimento e manutenção das lavouras, são também causadores de danos nocivos para a saúde humana e do meio ambiente.

Na saúde humana os agrotóxicos podem causar desde danos agudos a danos crônicos, sendo a saúde dos consumidores afetada pelo consumo de alimentos contaminados e a dos trabalhadores rurais afetada pelo manejo com estes produtos devido à atividade laboral.

No meio ambiente seu impacto demonstra-se nos danos a flora, a contaminação da água e solo permanecendo por nestes por um longo tempo, e nos danos também causados a fauna.

Com isso percebe-se que apesar de possuir a disposição isenções fiscais devido à seletividade tributária, torna-se questionável a sua essencialidade como fato principal para usufruir das isenções.

Assim, se lança o seguinte problema de pesquisa: De que forma os incentivos fiscais de isenção do IPI e redução do ICMS, com base no princípio da seletividade tributária, podem impactar no meio ambiente ecologicamente equilibrado e no direito fundamental à saúde?

Nesse passo, o objetivo geral deste trabalho é analisar os fatores que podem demonstrar controvérsia na aplicação do princípio da seletividade tributária em forma de incentivos fiscais para os agrotóxicos e como essa condição pode impactar no meio ambiente ecologicamente equilibrado e no direito fundamental à saúde.

Os objetivos específicos serão avaliar o cenário agrícola nacional demonstrando o impacto dos agroquímicos neste setor; avaliar os impactos destes produtos na saúde humana e no meio ambiente; também demonstrar princípios do Direito que tratam da proteção da saúde e proteção ambiental; expor fatores pertinentes à intervenção econômica do Estado; e avaliar o Princípio da Seletividade Tributária na questão dos agrotóxicos.

A metodologia de pesquisa aplicada neste trabalho se caracteriza por ser descritiva por meio de pesquisa bibliográfica. Conforme Antônio Carlos Gil (p. 42, 2002), “as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis”.

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A distribuição de capítulos se dará com o primeiro sendo a introdução do trabalho.

O segundo tratará dos agrotóxicos, definindo seu termo, sua historicidade e sua condição no cenário atual.

O terceiro capítulo tratará sobre saúde e meio ambiente, conceituando-os, contextualizando sua proteção, definindo princípios reguladores e demonstrando os impactos a eles causados pelos agrotóxicos.

O quarto capítulo trabalhará a tributação sobre os agroquímicos, definindo a priori a intervenção econômica do Estado, o definindo a seletividade tributária e sua aplicação nos agrotóxicos.

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2 DOS AGROTÓXICOS

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERMO AGROTÓXICO

Ao tratarmos da classe de produtos que são denominados na generalidade pelo termo agrotóxico, muitas vezes deixamos de compreender o que este termo significa. Na acepção jurídica, tal palavra se encontra definida na Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, conhecida como „Lei dos Agrotóxicos‟, e no Decreto 4.074, de 24 de janeiro de 2002, que regulamenta a lei anterior. Ambas às normas possuem o mesmo texto - que na lei se encontra no art. 2o, inciso I, alínea a, e no decreto no Art. 1o, inciso IV -, porém o Decreto acresce em algumas palavras a mais a definição. Assim, conforme o Decreto (BRASIL, 2002):

Art. 1o Para os efeitos deste Decreto, entende-se por: [...]

IV - agrotóxicos e afins - produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento;

Além da definição legal, devemos também obter a definição acadêmica e específica do termo. Conforme a Enciclopédia Agrícola Brasileira (ESALQ, p. 86, 1995), que dispõe sobre a definição de agrotóxico da seguinte forma:

Do grego agros, que exprime a ideia de campo, e toxikon, que exprime a ideia de veneno. São todos os produtos de natureza tóxica usados nos sistemas agrícolas, ou mais propriamente nos sistemas agrosilvopastoris. Incluem-se, sob essa denominação, todas às substâncias tóxicas sintéticas ou naturais, de origem química (orgânica e inorgânica), ou biológica, usadas para o combate das pragas patógenos e ervas invasoras de culturas agrícolas, hortícolas, silvícolas e pastoris (forrageiras e pastagens) no campo ou sob armazenamento; [...]

Incluem-se na casta dos agrotóxicos produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes, adesivos, estimuladores e

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inibidores de crescimento. Todos estes itens têm serventia, em grande parte, no setor agrícola.

Outros termos podem ser utilizados para definir a classe dos agrotóxicos. Às expressões agroquímicos, defensivos agrícolas, fitossanitários, pesticidas, praguicidas, são utilizadas para definir o mesmo tipo de produto. A indústria e o comércio que trabalham com tais tendem a predileção pela utilização destes outros termos, tendo por base uma melhora na nomenclatura que a vise uma desassociação com a palavra „tóxico‟. (D'AVILA et al, 2016). A expressão agrotóxico é utilizada especificamente pelo Brasil. Países língua francesa e inglesa utilizam o termo pesticide (pesticida), e nos países de língua espanhola é usado plaguicida (plaguicida). Outros países de língua portuguesa também utilizam o termo pesticida. (GRIGORI, 2019).

2.2 DISPOSIÇÃO HISTÓRICA

A agricultura é um dos ramos da economia mais antigo do mundo. Foi um fator determinante para que o homem primitivo mudasse seu estilo de vida de caça e coleta para formar uma sociedade agrícola. Assim, a relação entre homem e terra demonstra até hoje uma característica de dependência humana dos frutos da atividade agrícola. O problema com pragas nos campos já era recorrente desde os primórdios e meios para lidar com isso já eram aplicados. Conforme Rachel Carson (p. 26, 1969):

Os inseticidas de antes da guerra derivavam de minerais que ocorrem na Natureza; compunham-se, também de produtos extraídos das plantas. Eram compostos de arsênico, de cobre, de chumbo, de manganês, de zinco e de outros minerais; continham piretro, extraído das flores secas dos crisântemos; continham, igualmente, sulfato de nicotina, extraído de plantas aparentadas com o tabaco; e também rotenona, tomada de plantas leguminosas das Índias Orientais.

As duas Grandes Guerras Mundiais propulsionaram o mercado de agrotóxicos. Sendo utilizados como armas químicas durante esses confrontos, após o término destes conflitos sua aplicação foi redirecionada a outras áreas. Produtos químicos e outras tecnologias que antes eram utilizados para motivos belicosos se transformaram em itens importantes para utilização no setor agropecuário. Esse processo de intensa evolução nas lavouras iniciado após a Segunda Guerra Mundial

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ficou conhecido como Revolução Verde. A agricultura que antes era suprida essencialmente por mão de obra humana, e que continha pouco uso de insumos, foi tomada por novos produtos e maquinários que alavancaram a agropecuária durante o século XX. Segundo Edson Batista da Silva e Luiz Henrique Gomes de Moura (p. 54-55, 2016):

Contudo, as tecnologias da “Revolução Verde” eram, na realidade, o aprofundamento das pesquisas da Segunda Revolução Agrícola, somadas à adaptação de tecnologias da Segunda Guerra Mundial, em uma articulação de diferentes agentes do capital industrial, visando garantir a subsunção real da agricultura e criar novas formas de extração da renda da terra, seja de grandes proprietários, seja de camponeses.

Às modificações trazidas pela Revolução trouxeram para a população a ideia de que a química traria melhores condições de vida, principalmente aos fazendeiros. (BONZI, 2013). Entretanto, a Revolução Verde demonstrou com o decorrer dos anos que não trouxeram benefícios unicamente. Impactos a saúde das populações, assim como danos ambientais, foram um dos reflexos negativos atrelados ao uso dos novos produtos químicos utilizados que foram observados.

Um dos principais agrotóxicos criados neste contexto guerra e Revolução Verde foi o DDT, sigla utilizada para reduzir o nome original diclorodifeniltricloroetano. Usado originalmente para o combate a doenças causadas por insetos, o seu uso foi descoberto pelo químico suíço Paul Hermann Miller. Isso rendeu a ele o Prêmio Nobel Medicina de 1948. A aplicação do DDT no contexto sanitário contra enfermidades, especialmente contra a malária, foi altamente eficaz. Além do combate a doenças, o DDT teve utilização feita em grande escala na agricultura. Como contava com o baixo preço e alto índice de eficiência seu uso foi aplicado em grande parte das lavouras. Conforme Claudio D‟Amato, João P. M. Torres e Olaf Malm (p. 995, 2002):

Foi a descoberta do DDT que revolucionou os conceitos de luta contra a malária. Sua eficácia contra formas adultas dos mosquitos e seu prolongado efeito residual fizeram com que no período de 1946-1970 todos os programas de controle se apoiassem quase que totalmente em seu emprego.

Porém não apenas vantagens o pesticida trouxe. O DDT compõe a classe de agrotóxicos organoclorados. Estes produtos são altamente persistentes no meio ambiente, têm a capacidade de se armazenar nos tecidos adiposos dos seres vivos

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e causam danos tanto para os humanos e quanto ao ambiente. (BORSOI et al,

apud, GALT, 2014). Mesmo assim no auge de sua produção e comercialização o

DDT gozava de apoio governamental e industrial alto. Segundo Ramon Stock Bonzi (p. 209, 2013):

A confiança na “química” era tanta que crianças eram borrifadas com DDT a fim de combater pulgas e mosquitos. A publicidade exortava as donas de casa a se livrarem de baratas com a aplicação do pesticida. Um método seguro que podia ser aplicado até no quarto do bebê. No nível governamental, entomologistas e agentes da saúde envolvidos em campanhas de controle da malária chegavam a comer colheradas de DDT para convencer a população de que a substância não representava perigo.

Em 1962 um livro chamado Primavera Silenciosa foi publicado. Nele sua escritora, a bióloga Rachel Carson, denunciava os malefícios causados à saúde e ao meio ambiente pelo uso massivo de agrotóxicos, em específico o DDT. As exposições feitas em seu livro dos impactos deste produto ecoaram pelo mundo todo fazendo com a imagem do diclorodifeniltricloroetano mudasse.

Em 1970, a Suécia foi o primeiro país a proibir o uso de DDT. Os Estados Unidos da América em 1972 foram o segundo país a restringir o uso, limitando-o somente ao controle da malária. Em 2001 o DDT integrou a lista dos POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes) presentes no tratado internacional da Convenção de Estocolmo, sendo este ratificado pelo Brasil em 2004. Além disso, o Brasil também proibiu a utilização do DDT assim como outros países. Conforme informa Fernando Ferreira Carneiro et al (p. 96, 2015) no documento “Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”:

A publicação de Primavera Silenciosa foi decisiva para outros estudos que levaram à proibição do DDT nos EUA no início da década de 1970, e em outros países, ainda na mesma década. No Brasil, o DDT teve sua retirada do mercado em duas etapas: em 1985, quando sua autorização foi cancelada para uso agrícola; e em 1998, quando foi proibido para uso em campanhas de saúde pública. Finalmente, em 2009, teve seu banimento definitivo. Com a Lei 11.936/2009, ficou proibida sua fabricação, importação, exportação, manutenção em estoque, comercialização e uso no país.

O problema dos agrotóxicos e sua utilização na produção agrícola se tornaram mais evidentes com o passar das décadas. Pesquisas e mais pesquisas expuseram o outro lado da balança da utilização de agrotóxicos. O poder de ação destes produtos pode atingir o solo, florestas, reservatórios de água, alcançando às

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áreas rurais próximos aos locais de aplicação, e até áreas residenciais urbanas, mesmo que estas não se encontrem tão próximas dos locais de utilização dos produtos. (GURGEL, apud, RIGOTTO et al., 2017).

O consumo de produtos químicos nas lavouras tem gerado questionamentos sobre a sua real necessidade. A agricultura orgânica e a substituição dos agroquímicos por bioinsumos têm aumentado exponencialmente. No Brasil, 275 produtos de característica biopesticida e 321 inoculantes, insumos que auxiliam no crescimento das plantas, são registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2020). O movimento da agroecologia, a agropecuária mais sustentável, é considerado um passo mais positivo no futuro agrícola. Segundo o Relatório do Relator Especial sobre o direito à alimentação1, promovido pelo Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos - EACDH2 (ONU, p. 19-20, 2017):

“A afirmação promovida pela indústria agroquímica de que os pesticidas são necessários para alcançar a segurança alimentar não é apenas imprecisa, mas perigosamente enganosa. [...] A agroecologia, considerada por muitos como a base da agricultura sustentável, substitui os produtos químicos pela biologia. É o estudo integrativo da ecologia de todo o sistema alimentar, englobando dimensões ecológicas, econômicas e sociais”.3

Assim, o próximo tópico tratará da relação entre os agrotóxicos e o setor do agronegócio nacional.

2.3 AGROQUÍMICOS E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

A evolução na agricultura brasileira iniciou na década de 1960, visando a modernização do campo e vários programas governamentais foram desenvolvidos. (CAMPANHOLA; BETTIOL, 2003). A Reforma Agrária de 1964 e a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural foram propulsores da melhora da produção agrícola. O principal programa governamental para o fomento da agricultura foi o II

1 Tradução livre de: “Report of the Special Rapporteur on the right to food”;

2 Tradução livre de: “Office of the High Commissioner for Human Rights - OHCHR.” 3

Tradução livre de: “The assertion promoted by the agrochemical industry that pesticides are necessary to achieve food security is not only inaccurate, but dangerously misleading. [...]

Agroecology, considered by many as the foundation of sustainable agriculture, replaces chemicals with biology. It is the integrative study of the ecology of the entire food system, encompassing ecological, economic and social dimensions”.

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Plano de Desenvolvimento Nacional (1974 - 1979) que solidificou a Revolução Verde no Brasil. Conforme Marcia dos Santos Goncalves (p. 39, 2016):

O uso de agrotóxicos em larga escala, no Brasil, iniciou-se na década de 70 incentivado pelo Plano Nacional de Defensivos Agrícolas. Este plano sectorial, criado em 1975 pelo então Presidente Ernesto Geisel, estava inserido no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 1974-1979. Reconhecido historicamente como um plano económico bastante abrangente é marcado por forte interferência estatal na economia, o II PND visava, em linhas gerais, incentivar a indústria de base, estimular a produção agrícola e aumentar a produção de bens de capital e de energia.

Anteriormente a década de 1960 os agroquímicos eram utilizados, porém após o Plano Nacional de Defensivos Agrícolas promovido pelo PND essa prática se intensificou. Esse novo passo evolutivo no campo melhorou significativamente a produção nacional. Ano após ano, o Brasil aumentou o consumo mais e mais de agrotóxicos. Segundo Clayton Campanhola e Wagner Bettiol (p. 16, 2003):

“A evolução do consumo de agrotóxicos mostrou que houve um aumento de 16 mil toneladas em 1964 para 60,2 mil toneladas em 1991, enquanto a área ocupada com lavouras agrícolas expandiu de 28,4 para 50 milhões de ha, no mesmo período. Isso significa um aumento de 276,2 % no consumo de agrotóxicos para um aumento comparado de 76% em área. Essa informação evidencia os efeitos da política de modernização da agricultura introduzida no País nos anos 60 [...]

O Boletim de Comercialização de Agrotóxicos e Afins do Ibama (IBAMA, 2012) que apresenta dados sobre a venda de agrotóxicos dos anos 2000 a 2012, informa que o consumo de agrotóxicos tem um aumento expressivo. Em 2000 a venda foi de 162.461,96 toneladas de produtos químicos; em 2012 esse número passou para 477.792,44 toneladas. Isso representa um crescimento 194,09% nas vendas de agroquímicos. “Os herbicidas são a categoria de defensivos mais usada no Brasil (58,45%), seguidos por fungicidas (12,06%) e inseticidas (10,1%); as demais 18 categorias de defensivos responderam conjuntamente por 19,39% do consumo nacional – essas participações têm se mantido estáveis nos últimos anos. (CADE, p. 11, 2020)”. De acordo Fernando Ferreira Carneiro et al (p. 52, 2015):

[...] nota-se que o consumo médio de agrotóxicos vem aumentando em relação à área plantada, ou seja, passou-se de 10,5 litros por hectare (l/ha) em 2002 para 12 l/ha em 2011. Tal aumento está relacionado a vários fatores, como a expansão do plantio da soja transgênica, que amplia o consumo de glifosato, a crescente resistência das ervas “daninhas”, dos fungos e dos insetos demandando maior consumo de agrotóxicos e/ou o

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aumento de doenças nas lavouras, como a ferrugem asiática na soja, o que aumenta o consumo de fungicidas.

Dos produtos agrotóxicos comercializados no Brasil o mais vendido e utilizado é o glifosato, sendo que em 2017 foram comercializadas 173,15 mil toneladas do produto. (CADE, 2020). O glifosato é um herbicida de alta potência, popularmente conhecido pelo nome comercial de Roundup, dado pela empresa que lhe produz a Monsanto. Apenas ele representa 40% de todo o consumo de agrotóxico das lavouras do Brasil e obteve o valor de vendas de 5.460 milhões de dólares em 2012. A monsanto além de produzir o agrotóxico Roundup, produz também sementes transgênicas resistente ao glifosato, conhecida como Roundup Ready. (GONÇALVES, 2016).

A utilização dos agroquímicos se concentra principalmente nas lavouras que produzem commodities agrícolas. As commodities, que em tradução livre do inglês, significa mercadoria. São produtos que, via de regra, são utilizados como matéria prima para outros produtos. Encontram-se na classificação de commodities agrícolas a cana-de-açúcar, a soja, o milho, o café, o trigo, e até suco de laranja congelado. Às plantações dessas commodities, que normalmente são grandes latifúndios, é de sementes transgênicas o que acentua a utilização de agrotóxicos, como dito anteriormente. Conforme Larissa Mies Bombardi (p. 33-35, 2017):

Chama à atenção o fato da soja, que atualmente ocupa mais de 30 milhões de hectares do solo brasileiro seja o destino - sozinha - de mais da metade do volume de agrotóxicos comercializados no país.

Para estes três cultivos (soja, milho e cana) convergem 72% de todo agrotóxico comercializado. Portanto, dois terços do montante de agrotóxicos comercializados no país têm como receptáculo três culturas expoentes da agricultura capitalista brasileira e que figuram, como foi apontado, entre os 12 primeiros lugares na pauta total de exportação brasileira.

[...]

Uma parte significativa destes cultivos transgênicos dizem respeito a sementes tolerantes ao herbicida glifosato, principal agrotóxico comercializado no Brasil.

Maior parte do comércio de agrotóxicos no Brasil se concentra na mão de marcas como Dow, Basf, Syngenta, Monsanto, DuPont e Bayer. Essas empresas são gigantes no mercado internacional, sendo a maioria delas centenárias, como a Bayer, empresa alemã química e farmacêutica, que foi fundada em 1863. Visando sua expansão e consolidação (ainda maior) no mercado, algumas destas empresas negociaram suas funções.

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A americana Dow, em 2015 anunciou sua fusão com a outra americana DuPont; porém essa união durou até 2019 quando foi desfeita. A suíça Syngenta, em 2016 foi adquirida pela estatal chinesa China National Chemical Corporation (ChemChina). A Bayer fez a aquisição da americana Monsanto, fabricante do popular agrotóxico Roundup, em 2016. Assim caracteriza-se a predominância mais do que forte de empresas no mercado nacional de agrotóxicos.

2.4 O REGISTRO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL

Para que um insumo agrícola, e nesse caso o agrotóxico, possa ser comercializado em território nacional é preciso que ele seja registrado junto ao órgão governamental competente.

Todo o processo até que o haja o registro do produto é um caminho longo. Começa com o projeto de pesquisa, onde nele se aufere a origem do composto a ser utilizado e em que momento ele será usado na atividade agrícola. No segundo passo faz-se o desenvolvimento do produto, que envolve teste para avaliação da eficiência do agente, qual cultura deve ser utilizado, estudos e testes toxicológicos e ecotoxicológicos. E por último vem à etapa do registro, onde mais testes, estudos e dossiês são feitos averiguação do produto. (CADE, 2020).

A Lei 7.802 de 11 de julho de 1989 e o Decreto 4.074 de 4 de janeiro de 2002 tratam do assunto dos registros. A lei quando promulgada causou grande impacto pela seriedade que tratava do tema, ficando conhecida como a „Lei dos Agrotóxicos‟. Em 2002, o decreto regulamentou a lei do fim da década de 1980 acrescendo e subtraindo itens necessários.

Para que ocorra o registro é necessário que o agroquímico passe por averiguações de três ministérios do governo, segundo o artigo 2o do Decreto 4.074: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério da Saúde (MS) e Ministério do Meio Ambiente (MMA). O Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente remeteram a sua competência de fazer a averiguação para órgãos respectivos ligados à pasta. O MS remeteu sua atividade para a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o MMA para o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O MAPA avalia a efetividade do produto a ser registrado, a ANVISA os impactos à saúde e o IBAMA os impactos ao meio ambiente. (CARNEIRO, 2015).

(21)

Os produtos agroquímicos que são apresentados aos órgãos competentes para avaliação precisam seguir alguns regramentos. Um deles é que o futuro pretendente à aprovação não pode ter uma ação tóxica ambiental e a saúde maior do que aos produtos já registrados anteriormente a ele. Segundo o parágrafo único do art. 20 do Decreto 4.074/02 (BRASIL, 2002):

Art. 20. O registro de novo produto agrotóxico, seus componentes e afins somente será concedido se a sua ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente for, comprovadamente, igual ou menor do que a daqueles já registrados para o mesmo fim.

Parágrafo único. Os critérios de avaliação serão estabelecidos em instruções normativas complementares dos órgãos competentes, considerando prioritariamente os seguintes parâmetros:

I - toxicidade;

II - presença de problemas toxicológicos especiais, tais como: neurotoxicidade, fetotoxicidade, ação hormonal e comportamental e ação reprodutiva;

III - persistência no ambiente; IV - bioacumulação;

V - forma de apresentação; e VI - método de aplicação.

A avaliação ecotoxicológica é regulamentada pela Portaria 84/1996 do Ministério do Meio Ambiente. Conforme Clayton Campanhola e Wagner Bettiol (p. 36-37, 2003):

Esta Portaria instituiu também o Sistema Permanente da Avaliação e Controle dos Agrotóxicos, seus componentes e afins, que compreende os seguintes subsistem as: classificação do potencial de periculosidade ambiental; estudo de conformidade; avaliação do risco ambiental; divulgação de informações; monitoramento ambiental a fiscalização. [...] Os testes e informações necessárias à avaliação ecotoxicológica dos agrotóxicos e afins devem ser realizados tanto com o produto técnico (ingrediente ativo), como com o produto formulado, sendo que para alguns parâmetros aceitam-se apenas os resultados de produtos técnicos. [...] Entretanto, esta Portaria não se refere à avaliação ambiental de saneantes domissanitários, registro e avaliação ambiental de produtos biotecnológicos, e registro e avaliação de produtos destinados ao uso em ambientes aquáticos.

O decreto 4.074/02, em seu artigo 31, define critérios que poderão causar a proibição de registros de produtos agrotóxicos (BRASIL, 2002):

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Art. 31. É proibido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins: I - para os quais no Brasil não se disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública; II - para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil;

III - considerados teratogênicos, que apresentem evidências suficientes nesse sentido, a partir de observações na espécie humana ou de estudos em animais de experimentação;

IV - considerados carcinogênicos, que apresentem evidências suficientes nesse sentido, a partir de observações na espécie humana ou de estudos em animais de experimentação;

V - considerados mutagênicos, capazes de induzir mutações observadas em, no mínimo, dois testes, um deles para detectar mutações gênicas, realizado, inclusive, com uso de ativação metabólica, e o outro para detectar mutações cromossômicas;

VI - que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica;

VII - que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com animais, tenham podido demonstrar, segundo critérios técnicos e científicos atualizados; e

VIII - cujas características causem danos ao meio ambiente.

Algumas críticas ao método avaliativo de toxicidade a saúde humana são pertinentes. Os testes toxicológicos são realizados em animais de laboratório, sendo que estes são expostos a um único agrotóxico aplicado de maneira isolada. Essa utilização de apenas um agrotóxico não conseguiria captar os efeitos negativos tardios da utilização - como o câncer - dele com outros agroquímicos. (CARNEIRO

et al, 2015).

Um ponto questionável da regulamentação que trata do assunto do registro é sobre a questão da reavaliação dos agrotóxicos. A priori havia um prazo de validade de cinco anos para os registros. Tal ponto acabou sendo alterado, dando ao registro um caráter quase eterno. O Decreto 4.074 definiu que caso o agrotóxico indique baixa em sua eficiência e alteração no risco a saúde humana e meio ambiente, este pode ser reavaliado a qualquer tempo. Conforme Fernando Ferreira Carneiro et al (p. 474, 2015):

Em 2008, diante das evidências científicas de efeitos cancerígenos, desreguladores endócrinos e mutagênicos, a agência colocou em

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reavaliação 14 agrotóxicos. Seguindo padrão semelhante ao observado quando da desregulamentação, as empresas produtoras desses agrotóxicos e setores governamentais a eles associados reagiram tentando impedir a reavaliação mediante pseudo controvérsias científicas e/ou a judicialização e/ou postergação de medidas preventivas adotadas.

O decreto ainda regulamenta que os órgãos que fazem às avaliações, ou reavaliações, têm um prazo de cento e vinte dias para a realização dos testes, porém nem sempre este prazo é respeitado, podendo um estudo avaliativo levar anos para ser concluído. O Ministério da Saúde publicou a Resolução - RDC 336, de 30 de janeiro de 2020 onde estabeleceu que o prazo para às avaliações e reavaliações de agrotóxicos teria um prazo limite de quatro anos. Essa resolução seguiu um padrão de desburocratização promovido pela Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, também acompanhando a Lei de Liberdade Econômica, publicou a Portaria 43, de 21 de fevereiro de 2020 onde estabelecia prazos para aprovação tácita para atos públicos de liberação. Numa lista de oitenta e seis itens, o número sessenta e oito tratava do registro de agrotóxicos e afins dando um prazo de sessenta dias para o registro tácito destes produtos. Tal medida provocou duas ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), a 656, movida pelo partido Rede Sustentabilidade, e 658, movida pelo PSOL. Tais ações levaram o STF a suspender o item figurado na lista do MAPA.

O número de registro de agrotóxicos no Brasil aumentou conforme os anos. O registro de 474 novos produtos, em 2019, representa a maior número de registros dos últimos 14 anos. 94,5% dos produtos registrados foram versões genéricas de ingredientes ativos já utilizados em outros produtos. (MOREIRA, 2019). Às alegações do governo para essa quantidade de registros são de que a desburocratização promovida agilizou processos de registros que já estão ocorrendo e que o registro de produtos genéricos geraria maior concorrência no mercado, causando uma redução nos preços dos agrotóxicos (MOSMAN; ALBUQUERQUE; BARBIERI, 2019).

Dado estes fatos, encara-se que os agrotóxicos têm sua utilização feita e grande escala nacionalmente. Porém seus efeitos não se concentram unicamente nas lavouras. Assim, o próximo capitulo tratará da dos impactos dos agrotóxicos no meio ambiente e na saúde humana.

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3 DO MEIO AMBIENTE E DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

3.1 MEIO AMBIENTE E SEUS CONCEITOS

Lidar com a natureza e como esta impacta os diversos aspectos da vida foi sempre uma preocupação do homem. Essa relação que deveria ter um caráter mutualístico entre ambos para que houvesse uma obtenção de qualidade e saúde para as duas partes, mas que, em maior parte, se revela predatória pela parte humana, vem se desenrolando durante milhares de anos. Com as evoluções que o homem foi passando pelos séculos seu trato com a meio ambiente verificou-se mais abusivo conforme seu avanço tecnológico aumentava.

Conforme as gerações de direitos humanos foram evoluindo, a preocupação com o meio ambiente foi se fortificando. Tais gerações foram definidas e gerenciadas pelo tcheco, Karel Vasak, em 1979, durante uma conferência em Estrasburgo (AGUILAR CAVALLO, apud ÁLVAREZ, 2010). A primeira geração de direitos humanos era caracterizada pela preocupação com os direitos civis e políticos; a segunda geração preza mais pela questão dos direitos sociais e econômicos; já a terceira onda preocupou-se mais com os direitos difusos e coletivos, onde entre eles se encontra o meio ambiente. Essa terceira geração de direitos humanos que trouxe consigo uma forte preocupação com a proteção ambiental iniciou-se um pouco depois da metade do século XX, durante a década de 1960. Conforme Alexandra Aragão (p. 21, 2014):

Foi precisamente nesta altura, quando a sobre-exploração dos recursos ambientais se começou a fazer sentir como uma ameaça séria para a Economia, para o Homem e para a própria Natureza, que se tornou evidente a necessidade de adoptar medidas públicas dirigidas ao controlo da degradação do ambiente e, particularmente, ao controlo da poluição.

Os direitos difusos e coletivos são direitos transindividuais que afetam a uma coletividade. Eles transcendem o caráter da singularidade de um indivíduo causando impacto a um todo. O que difere ambos, em suma, é que enquanto os direitos difusos estão sobre itens que têm impactos sobre quaisquer pessoas, o meio ambiente é um exemplo, os direitos coletivos são sobre itens que têm relevância a um determinado grupo ou coletividade. De acordo com Walber de Moura Agra (p. 282, 2018):

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Os direitos transindividuais se classificam em três espécies: coletivos, difusos e individuais homogêneos. Os direitos coletivos são aqueles que nascem de uma relação jurídica em que o bem atingido é indivisível e pertence a um grupo de pessoas determinadas. Direitos difusos são aqueles que nascem de uma relação fática, o bem é indivisível e pertence a um grupo indeterminado de pessoas. Direitos individuais homogêneos são direitos que nascem de uma relação jurídica em que o bem é divisível e pertence a um grupo de pessoas determinadas.

A Lei 7.347 de 1985, a Lei da Ação Civil Pública, trata da responsabilização por danos causados a interesses difusos ou coletivos, onde em seu art. 1o, inciso I, encontra-se o meio ambiente. O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078 de 1990, elenca em seu artigo 81, parágrafo único, incisos I e II as definições de direitos difusos e coletivos. Os difusos são, conforme inciso I, “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”; os coletivos são, conforme o inciso II, “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

Dada à definição do que é um direito difuso deve-se partir para definir o principal direito difuso: o meio ambiente. A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu artigo 3o, inciso I, o que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, e no inciso V, que recursos ambientais são “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.”

Édis Milaré (p. 113-114, 2009) define que:

No conceito jurídico mais em uso de meio ambiente podemos distinguir duas perspectivas principais: uma estrita e outra ampla.

Numa visão estrita, o meio ambiente nada mais é do que a expressão do patrimônio natural e às relações com e entre os seres vivos. Tal noção, é evidente, despreza tudo aquilo que não diga respeito aos recursos naturais. Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então um detalhamento do tema: de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente artificial (humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidas pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. Em

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outras palavras, quer-se dizer que nem todos os ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a “ecossistemas sociais” e “ecossistemas naturais”. Esta distinção está sendo, cada vez mais, pacificamente aceita, quer na teoria, quer na prática.

Seguindo a concepção ampla de meio ambiente trazida por Milaré, pode-se classificar o meio ambiente em quatro grupos: natural, cultural, artificial e do trabalho. O meio ambiente natural é aquele regulado pelo artigo 225, caput, e § 1o, incisos I e VII, da Constituição Federal, que trata dos bens ecológicos; o meio ambiente cultural é regulado pelo artigo 216 da Constituição Federal, tratando de bens históricos, turístico, artístico, entre outros; o meio ambiente artificial é regulamentado pelos artigos 182 e subsequentes, 225, 21, inciso XX, § 5o, da Constituição Federal, entre outros, e trata, principalmente, da questão urbanística; o meio ambiente do trabalho, tutelado pelo artigo 200, inciso VIII, da Constituição, trata do local de trabalho dos indivíduos. (REBELLO FILHO; BERNARDO, 1999).

3.2 MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A preocupação com o meio ambiente, como já dito previamente, começou a ser manifestada com mais seriedade durante a segunda metade do século XX. A criação em 1961 do World Wildlife Foundation (WWF) e a publicação do livro

Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962 acenderam a chama da

preocupação com o meio ambiente para a sociedade civil. Em 1972 o Clube de Roma, um grupo de pessoas que se reúnem para discutir temas como meio ambiente e sustentabilidade, publicaram o livro Os Limites do Crescimento, um relatório feito por cientistas do MIT (Massachussets Institute of Technology) contratados que avaliou os impactos do crescimento econômico e também populacional, chegando à conclusão de que se o crescimento se mantivesse nos mesmos padrões os recursos naturais se esgotariam em um século (DE AGUIAR; MATTOS; CARDOSO, 2015).

Ainda em 1972, em Estocolmo, capital sueca, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ou como é mais popularmente conhecida, Conferência de Estocolmo. Durante a convenção foi notável a divergência de entendimento sobre as questões centrais da conferência entre países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Conforme Rodolfo Ilário Silva (p. 123, 2013):

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No decorrer das negociações transpareceu a oposição entre países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Entre os desenvolvidos houve os que criticaram duramente os prognósticos mais “catastrofistas” em relação ao meio ambiente, ao mesmo tempo que alguns países ricos, como a Suécia, reconheceram a necessidade de medidas ecológicas. Suas populações, já bem supridas de condições econômicas, tinham condições de incorporar algumas novas prioridades, como às preocupações ambientais visando diminuir a poluição e evitar acidentes ecológicos.

Já entre os países subdesenvolvidos foi possível identificar um consenso em torno da responsabilização dos países industrializados pela degradação até então constatadas e principalmente em torno da argumentação de que o desenvolvimento dos países pobres não devia ser barrado pelas preocupações ambientais. Como os primeiros estudos, publicações da comunidade científica e organizações não governamentais alertando para os problemas ecológicos surgiram nas nações industrializadas, do Norte, os países subdesenvolvidos, que se esforçaram para combater seus problemas econômicos e sociais, identificaram o tema como uma retórica dos países ricos para preservar sua posição privilegiada no sistema internacional (SILVA, p. 123, 2013).

Ainda que a Conferência de Estocolmo tenha realçado a importância do meio ambiente natural, esta não podia impor que os Estados executassem o que lá havia sido discutido, adquirindo um caráter de soft law4. (JAPIASSÚ; GUERRA,

2017). Após Estocolmo, movimentações por parte da ONU começaram a ocorrer para que houvesse maior amplitude de atuação sobre o tema ambiental. A criação Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) ocorreu ainda em 1972, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo sua sede estabelecida na capital do Quênia, Nairobi. Em 1983 a ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento sendo presidida pela norueguesa Gro Harlem Brundtland. Quatro anos após sua criação, em 1987, foi publicado o que ficou conhecido como Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum5.

Em 1992, acontece no Rio de Janeiro, Brasil, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), ou Eco-92, ou também Rio-92. A reunião teve o mesmo objetivo de debater os assuntos que na Conferência de Estocolmo haviam sido debatidos, os problemas ambientais, econômicos e sociais. Durante o evento acordos importantíssimos foram produzidos sendo os principais a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21. Tal Agenda é um documento que possui 40 capítulos e que dispõe sobre desenvolvimento econômico, social, problemas ambientais, e meios a serem

4

Lei mais branda, sem caráter vinculativo; 5

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implementados para resolução destes dilemas. Conforme Édis Milaré (p. 92-93, 2009):

“Nela são tratadas, em grandes grupos temáticos, questões relativas ao desenvolvimento econômico-social e suas dimensões, à conservação e administração de recursos para o desenvolvimento, ao papel dos grandes grupos sociais que atuam nesse processo. São apontados, enfim, meios de implementação de planos, programas e projetos que visem ao desenvolvimento sustentável, ressaltando-se sempre os aspectos ligados aos recursos naturais e à qualidade ambiental. Aliás, pode-se dizer que a Agenda 21 é a cartilha básica do desenvolvimento sustentável”.

A agenda auxiliou na realização de medidas para uma maior sustentabilidade, mas assim como a Conferência de Estocolmo, era apenas uma soft

law e seus objetivos nem sempre foram aplicados como proposto. Segundo Umberto

G. Cordani, Jacques Marcovitch e Eneas Salati (p. 406, 1997):

[...] diversos fatores podem ser apontados por dificultar a implementação da Agenda 21. Com efeito, as mudanças do contexto mundial nas dimensões política (desaparecimento das economias socialistas), econômica (mobilidade de capitais, produtos e serviços) e tecnológica (substituição da mão-de-obra humana pelos novos meios de produção) reduziram a importância relativa dos problemas ambientais. Na percepção da sociedade, não significa que tais problemas se tornaram menos importantes, mas que novos problemas de segurança, como o terrorismo e o desemprego, têm atraído significativamente a atenção dos dirigentes e da sociedade como um todo. São problemas de curto prazo que invadem as agendas, deixando para o futuro as iniciativas propostas na Agenda 21. No Brasil as indefinições quanto ao processo de reforma do Estado também têm reduzido a prioridade para as ações do desenvolvimento sustentável. Exemplo desse fato está na inoperância de muitas das instituições dedicadas às questões ambientais e dos seus órgãos de coordenação. Sobre elas pendem o questionamento da emissão do Estado e a ineficiência herdada de fusões precariamente encaminhadas.

Após a Rio-92 outras conferências, reuniões e tratados de grande relevância ocorreram. Em 2002 e 2020 ocorreram a Rio+10, em Johanesburgo, África do Sul, e Rio+20, Rio de Janeiro, Brasil, para a renovação do compromisso ambiental produzido na Rio-92.

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3.3 OS PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE

Para tratarmos dos princípios do direito ambiental, primeiramente devemos nos ater ao que é um princípio. O autor Celso Antônio Bandeira de Mello (p. 450-451, 1994) define magistralmente o que é princípio:

Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. E o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo(...). Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-Io, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada. (MELLO, p. 450-451, 1994).

Os princípios de Direito Ambiental versam sobre a proteção do bem difuso que é o meio ambiente natural. Diferentemente das constituições predecessoras a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é o primeiro texto constitucional a tratar sobre a defesa do meio ambiente principiologicamente. No Título VIII que trata da Ordem Social, Capítulo VI que dispõe sobre meio ambiente, encontra-se o artigo 225 que traz o princípio essencial do Direito Ambiental: o Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado ou do Desenvolvimento Sustentável, que será tratado em um tópico específico.

A Constituição da República Federativa do Brasilde 1988 dá um enforque maior a questão ambiental em seu texto. Ela integra a importância do meio ambiente atrelando-o a economia, valorando-o superior a propriedade privada e a iniciativa privada. Traz seus pontos defesas ao meio ambiente dispersos em vários artigos do texto constitucional, não apenas no artigo 225. (RAMINELLI; THOMAS, 2012).

De acordo com Jose Rubens Morato Leite e Germana Parente Neiva Belchior (p. 304, 2010):

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Não obstante o Estado de Direito Ambiental ser, em um primeiro momento, uma abstração teórica, o tratamento que a lei fundamental de um determinado país confere ao meio ambiente pode aproximar ou afastar o seu governo dos avanços propostos pelo Estado de Direito Ambiental, servindo de meta e parâmetro para este.

Diante de tal consideração, parece oportuno assinalar que a Constituição da República Federativa do Brasil foi o primeiro dos diplomas constitucionais brasileiros a versar deliberadamente sobre o meio ambiente, dispensando à matéria um tratamento amplo e diferenciado. A partir de um capítulo especificamente dedicado ao tema, o constituinte definiu o que viria a se tornar o núcleo normativo do direito ambiental brasileiro. (LEITE; BELCHIOR, p. 304, 2010).

O Direito Ambiental possui uma ampla quantidade de princípios que o regulam. Princípio da solidariedade intergeracional, da proibição de retrocesso ambiental, responsabilidade social, entre tantos outros. Para uma contextualização mais enxuta, será tratado de apenas de alguns princípios mais essenciais.

3.3.1 Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e o Desenvolvimento Sustentável

O Princípio do Meio ambiente equilibrado é o mais relevante entre os princípios que regem o direito ambiental, o “prima principium”. Tem como tripé basilar o crescimento econômico, a preservação do ambiente e equidade social, estando disposto no artigo 225 da Carta Magna com um caráter antropocentrista protecionista. (THOMÉ, 2015). Conforme o artigo 225 (BRASIL, 1988):

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Segundo o doutrinador, Édis Milaré (p. 818, 2009):

O meio ambiente, por conta do progressivo quadro de degradação a que se assiste em todo o mundo, ascendeu ao posto de valor supremo das sociedades contemporâneas, passando a compor o quadro de direitos fundamentais ditos de terceira geração incorporados nos textos constitucionais dos Estados Democráticos de Direito.

Trata-se, realmente, de valor que, como os da pessoa humana e da democracia, se universalizou como expressão da própria experiência social e com tamanha força, que já atua como se fosse inato, estável e definitivo, não sujeito a erosão do tempo.

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Ao tratar da questão defesa do meio ambiente e economia, complementa a fundamentação legal do referido princípio, além do artigo 225, o artigo 170, inciso VI da Constituição, que diz no caput que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios”, complementada pelo inciso VI, “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

A relação entre a economia e meio ambiente é um dos principais pontos que permeiam o Princípio do Meio Ambiente Equilibrado e o Direito Ambiental em si. O meio ambiente é uma fonte de riqueza, que se valorizou conforme o agravamento dos impactos nesse, tornando-o um item que aumenta relevância de países que possuem muitos recursos ambientais. (DANI; OLIVEIRA; BARROS, 2010).

Conforme Paulo Roberto Pereira de Souza (p. 307-308, 2016):

O princípio do desenvolvimento sustentável informa o Direito Ambiental da necessidade de uma participação do Direito e da Economia, regulando as atividades econômicas de tal forma que as atividades econômicas utilizadoras de recursos naturais não ponham em risco as gerações futuras. A importância do princípio consiste em situar a defesa do meio ambiente no mesmo plano de importância que outros valores econômicos e sociais protegidos pela ordem jurídica.

Daí a necessidade de buscar a conciliação entre diversos valores igualmente relevantes, como: i) o exercício das atividades produtivas e do direito de propriedade; ii) o crescimento econômico; iii) exploração dos recursos naturais; iv) a garantia do pleno emprego; v) a preservação e a restauração dos ecossistemas e dos processos ecológicos essenciais; vi) a utilização racional dos recursos ambientais; vii) o controle das atividades potencialmente poluidoras e a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético dos países. (SOUZA, p. 307-308, 2016).

Assim, no próximo tópico será abordado o Princípio da Prevenção e o Princípio da Precaução.

3.3.2 Princípios da Prevenção e da Precaução

A definição doutrinaria destes princípios é bem feita por Romeu Thomé (p. 67-68, 2015), que traz expõe:

O princípio da prevenção é orientador no Direito Ambiental, enfatizando a prioridade que deve ser dada às medidas que previnam (e não simplesmente reparem) a degradação ambiental. A finalidade ou o objetivo

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final do princípio da prevenção é evitar que o dano possa chegar a produzir-se. Para tanto, necessário se faz adotar medidas preventivas.

[…]

Já o princípio da precaução é considerado uma garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados.

Então o que diferencia a precaução e a prevenção é o conhecimento do impacto ambiental. A prevenção tem por base constatações já feitas, já conhecidas, dos impactos causados pela atividade, produtos, ou outras coisas, que afetarão o meio ambiente; são os perigos reais e atuais. A precaução baseia-se na incerteza, nas dúvidas, que procedimentos avaliativos sobre os impactos têm sobre o item a ser tratado. São danos que podem acontecer ou não, perigos abstratos. (SCHROEDER, 2010).

Sua fundamentação legal se encontra no Princípio 15 da Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Conforme o texto da declaração:

Princípio 15: Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental. (ONU, p. 157, 1992).

Na legislação nacional o princípio da prevenção se encontra no artigo 225, § 1o, inciso IV da Constituição Federal. O princípio da precaução, conforme Édis Milaré (p. 825, 2009):

Aliás, pode-se também dizer que o princípio já havia sido implicitamente adotado pela Constituição Federal de 1988, na preocupação do legislador em “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”, manifestada no seu art. 225, V.

Anote-se, por fim, que a omissão na adoção de medidas de precaução, em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível, foi considerada pela Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) como circunstância capaz de sujeitar o infrator a reprimenda mais severa, idêntica a do crime de poluição qualificado pelo resultado (art. 54, § 3.o). Por igual, a Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) também faz menção expressa ao princípio em suas exposições preliminares e gerais, ao mencionar como diretrizes “o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção a vida e a saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente (art. 1.o, caput).

Dadas as informações, no próximo tópico será abordado o Princípio do Poluidor Pagador.

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3.3.3 Princípio do Poluidor Pagador

O poluidor pagador é um princípio que têm como base legal o artigo 255, § 3o da Constituição Federal. Tal parágrafo diz que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Romeu Thomé (p. 51, 2015) define o princípio por meio de duas interpretações:

Numa primeira interpretação, o princípio em tela traz uma exigência dirigida ao poluidor para que assuma todas as consequências derivadas do dano ambiental. De acordo com esse entendimento, esse princípio se traduz na obrigação de reparar os danos e prejuízos, sendo inclusive denominado por alguns doutrinadores como "princípio da reparação" ou "princípio da responsabilidade".

De acordo com outra interpretação, compatível com a primeira, o princípio passa a ter uma finalidade dissuasiva, e não tanto restitutiva, tendo em vista que a obrigação de pagar pelo dano causado atua, ou deveria atuar, como incentivo negativo face a todos aqueles que pretendem praticar uma conduta lesiva ao meio ambiente.

O enfoque do princípio é a responsabilização, abarcando mais formas possíveis, do indivíduo causador do ato lesivo ao meio ambiente natural. Estas formas podem ser na esfera penal, civil e administrativa. O texto constitucional cita a sanção penal, enquanto às sanções civil e administrativa, que podem cumular-se, encontram-se na Lei 6.938 de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) em seu artigo 14, § 1o. (PERINAZZO, 2005). O artigo diz (BRASIL, 1981):

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (BRASIL, 1981)

Já trabalhados os princípios do Direito Ambiental, o próximo tópico se debruçará sobre o Direito Fundamental a Saúde.

Referências

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