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A Roupa como bem de memória: A coleção MASP Rhodia

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Academic year: 2021

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2º CICLO DE ESTUDO

MESTRADO EM HISTÓRIA DA ARTE, PATRIMÓNIO E CULTURA VISUAL

A Roupa como bem de memória: A

coleção MASP Rhodia.

Mariana Ferrucio Vaz Guedes

M

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Mariana Ferrucio Vaz Guedes

A Roupa como bem de memória: A coleção MASP Rhodia.

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual, orientada pela Professora Doutora Ana Cristina Correia de Sousa

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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Mariana Ferrucio Vaz Guedes

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual, orientada pela Professora Doutora Ana Cristina Correia de Sousa

Membros do Júri

Professora Doutora Ana Cristina Correia de Sousa Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professora Doutora Maria Leonor César Machado de Sousa Botelho Faculdade de Letras – Universidade do Porto

Doutora Deolinda Carneiro

Dra. Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim

Classificação obtida: 18 valores.

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Para o meu PAI, Que foi artista, palhaço, poeta...

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Sumário

Declaração de honra ...8 Agradecimentos...9 Resumo...11 Abstract...12 Índice de ilustrações ...13

Lista de abreviaturas e siglas ...15

Introdução ...16

Capítulo 1- A atuação da Rhodia no Brasil...22

1.1. A iniciativa dos desfiles e ações publicitárias...22

1.2. O momento propício para indústria...28

1.3. Desenvolvimento de uma ‘moda brasileira’ e sua projeção nacional e internacional..29

Capítulo 2 - A coleção MASP Rhodia...41

2.1. O contexto histórico e cultural no Brasil dos anos 60...45

2.2. Os artistas e suas produções...46

2.2.1. As estampas enquanto produção artística...50

2.3. Dos tecidos estampados a peças de moda...56

2.4. De peças de moda a peças de museu...62

Capítulo 3 - Roupa: um bem de memória...72

3.1. A roupa enquanto objeto-documento...73

3.2. Além de bem de memória a roupa também guarda memória...74

3.3. Museu guardião de memória...76

Considerações Finais...76

Referências Bibliograficas...81

Apêndice I...91

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Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizado previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e autoplágio constitui um ilícito académico.

Porto, 30 de Junho de 2019 Mariana Ferrucio Vaz Guedes

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Agradecimentos

Desenvolver uma dissertação pode parecer um processo individual, no entanto não seria possível sem o apoio e incentivo de um grupo importante de pessoas ao longo do percurso, a quem gostaria de agradecer nesse momento de conclusão.

Primeiramente gostaria de agradecer à minha orientadora, Professora Doutora Ana Cristina Correia de Sousa, por acolher a minha investigação e por apoiar meu tema, por orientar-me além mar, pela disponibilidade em conciliar o fuso horário e principalmente pela generosidade e disposição em transpor as diferenças entre o português ‘do Brasil’ e o português ‘de Portugal’. Professora, é facto que fica aqui o registo de um trabalho de equipa, obrigada pela orientação e generosidade!

Agradeço também a Doutora em Ciências Humanas, Naira Muylaert, a quem eu tenho o prazer de chamar de amiga. Naira, obrigada pelo apoio, incentivo e por fazer as perguntas que muitas vezes me levaram a formular as soluções para os meus “problemas”. Você é minha inspiração, mesmo nas horas de desânimo você me encorajou a continuar. Obrigada por lembrar-me que uma certa confusão também faz parte do processo.

À figurinista e Mestre em Artes Visuais Michele Dias Augusto, agradeço pela revisão e contribuição ao texto. Michele, faz alguns anos que tenho o prazer de aprender com você no âmbito profissional, obrigada pela generosidade de contribuir também em minha trajetória acadêmica.

Ao Museu de Arte de São Paulo ‘Assis Chateaubriand’ (MASP), em especial a Cecília Winter e Indrani Taccari do setor do Acervo da instituição, que me receberam nas dependências do museu e viabilizaram o acesso a documentação sobre a coleção ‘MASP Rhodia’. Ao Bruno Esteves da Biblioteca/ Centro de Pesquisa do MASP e também à Beatriz e Nayara, obrigada pela colaboração para com a minha pesquisa.

Agradeço a minha família, meu maior apoio e incentivo durante essa “aventura”. Minhas irmãs, cunhado e sobrinhos que nunca deixaram que eu me sentisse só, mesmo estando longe, que me incentivaram a persistir mesmo nas dificuldades e que comemoraram comigo cada conquista durante essa caminhada.

Por último um agradecimento especial, à mulher extraordinária que é a razão de eu ter podido realizar todos os meus sonhos, que sempre me incentivou e principalmente, viabilizou as empreitadas que eu almejei. Mãe, obrigada por acreditar em mim quando eu mesma tive

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10 dúvidas. Obrigada por todo amor, apoio, incentivo... Essa é mais uma conquista que eu divido com você.

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Resumo

A presente investigação tem como proposta olhar para o objeto roupa como uma manifestação cultural de uma sociedade em um determinado tempo histórico, e entender de que forma esse objeto ganha espaço e é entendido dentro das instituições museológicas.

Para tal propomos analisar o acervo Rhodia que se conserva no Museu de Arte de São Paulo ‘Assis Chateaubriand’ (MASP), composto por 79 roupas que traduzem informações processadas por artistas e estilistas brasileiros. As peças que compõem o acervo são únicas e foram desenvolvidas durante os anos 1960.

O objetivo da presente investigação é entender a coleção MASP Rhodia enquanto produto cultural de sua época, e a sua capacidade enquanto documento de um tempo que se converte em memória.

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Abstract

The present research aims to look at the clothing object as a cultural manifestation of a society in a certain historical time, and to understand how this object gains space and is understood within museological institutions.

To this end, we propose to analyse the Rhodia collection that is preserved in the São Paulo Art Museum 'Assis Chateaubriand' (MASP), composed of 79 clothes that translate information processed by Brazilian artists and stylists. The pieces that make up the collection are unique and were developed during the 1960s.

The aim of the present investigation is to understand the Rhodia MASP collection as a cultural product of its time, and its capacity as a document of a time that becomes a good of memory.

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Índice de ilustrações

Fig. 1 - Modelo desfila com roupa de banho na FENIT em 1960. Acervo Estadão. Fig 2 - Revistas Manchete, 1963.

Fig. 3 - Desfile-show da Rhodia na FENIT, 1965. Acervo MASP. Fig. 4 - Anúncio 50 anos Rhodia no Brasil, 1969.

Fig. 5 - Revista Claudia, setembro de 1963. ‘Brazilian Look’ na Itália Fig. 6 - Revista Claudia, setembro de 1963. ‘Brazilian Look’ na Itália Fig. 7 - Revista Manchete de 1963

Fig. 8 - Campanha ‘Brazilian Fashion Team’, revista Jóia 1966. Fig. 9 - Jornal Libanês L’Orient

Fig.10 - Jornal Libanês L’Orient Fig.11 - Revista La Revue du Libanon Fig.12 - Revista Manchete, junho de 1968.

Fig.13- Fotografia promocional ‘Desfile-show Stravaganza’. Revista Claudia, agosto de 1969. Fig.14 - Capa da Revista Claudia, agosto de 1969

Fig.15 - Fotografia promocional de Gal Costa.

Fig.16 - Anúncio 50 anos Rhodia no Brasil, 1969. As modelos vestiam peças de várias coleções diferentes.

Fig.17 - Jornal Diário de São Paulo.

Fig.18 - Propaganda da coleção ‘Brazilian Look’ de 1963. Fig. 19 - Quadro comparativo Aldemir Martins, 1963. Fig. 20 - Quadro comparativo Aldemir Martins, 1966. Fig. 21 - Quadro comparativo Genaro de Carvalho, 1965. Fig. 22 - Quadro comparativo Genaro de Carvalho, 1966. Fig. 23 - Quadro comparativo Hércules Barsotti, 1966.

Fig. 24 - Quadro comparativo Hércules Barsotti, década de 1960. Fig. 25 - Jornal da Tarde, 20/05/1976.

Fig.26 - Reproduções da coluna “As Garotas” na Revista ‘O Cruzeiro’.

Fig.27 - Reproduções da coluna “As Garotas” na Revista ‘O Cruzeiro’

Fig.28 - Blusa quimono de Júlio Camarero e estampa de Aldemir Martins, 1964 Fig.29 - Vestido longo de Alceu Penna e estampa de Hércules Barsotti, 1966

Fig.30 - Vestido longo de Alceu Penna e Ugo Castellana, estampa de Gilvan Samico, 1968. Fig.31 - Macacão longo de Alceu Penna, estampa de autor desconhecido, 1965.

Fig.32 - Vestido curto trapézio de criador desconhecido, estampa de Maria Bonomi, 1968. Fig.33 - Etiquetas identificativas das peças doadas ao Masp.

Fig.34 - Etiquetas identificativas das peças doadas ao Masp. Fig.35 - Fichas de inventário. Setor de Acervo MASP. Fig.36 - Fichas de inventário. Setor de Acervo MASP. Fig.37 - Fichas de inventário. Setor de Acervo MASP. Fig.38 - Fichas de inventário. Setor de Acervo MASP.

Fig. 39- Ficha de atribuição, Glauco Rodrigues. Setor de Acervo MASP Fig. 40 - Ficha de atribuição, Manabu Mabe. Setor de Acervo MASP Fig. 41 - Macacão Longo, 1965.

Fig. 42 - Revista Jóia, publicidade 1965. Fig. 43 - Detalhe da legenda.

Fig. 44 - Macacão Longo, 1966. Fig. 45 - Revista O Cruzeiro, 1966.

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14 Fig. 46 - Vestido longo túnica, Carmélio Cruz.

Fig. 47 - Macacão Curto, Willys de Castro.

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Lista de abreviaturas e siglas

FENIT - Feira Nacional da indústria Têxtil

MASP - Museu de Arte de São Paulo ‘Assis Chateaubriand’ MPB - Música Popular Brasileira

MAR - Museu de Arte do Rio

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Introdução

A ideia de que podemos conhecer uma época por meio de sua literatura, música, cinema ou, de forma geral, pelo conjunto de suas criações artísticas é defendido por Monneyron. Então por que não conhecer uma época através de suas roupas? O autor afirma que “Apesar de o hábito não fazer o monge, ele faz incontestavelmente a sociedade (ou as sociedades)”1 e é capaz de “traduzir o estado de uma sociedade pelas roupas que ela cria e usa.”2

Alinhada a perspectiva que a roupa constitui-se como um elemento que caracteriza diferentes sociedades em contextos históricos específicos, a presente investigação tem como proposta olhar para o objeto roupa como uma manifestação cultural de uma sociedade em um determinado tempo histórico, e entender de que forma esse objeto ganha espaço e é entendido dentro dos museus, que “são, por natureza, instituições que transformam objetos em bens culturais.”3

A escolha do tema é baseada na atual discussão sobre o papel do vestuário4 nos espaços museológicos e na “expansão da comunicação de moda e de sua construção enquanto patrimônio cultural.”5

O estudo da moda/roupa,6 enquanto fenômeno cultural, impulsiona investigações em diversos campos do saber. Podemos estudá-la como “objeto, imagem, texto, prática, teoria ou conceito, por suas características abstratas ou materiais”7 e é dentro dessa interdisciplinaridade que se dará a investigação do objeto roupa como manifestação cultural e bem de memória, devido à potencialidade desse objeto “de guardar e revelar não só informações classificáveis, mas formas sensíveis, construindo subjetividades individuais e coletivas.”8

As roupas que usamos e produzimos tem muito a dizer sobre nossa forma de vida, constituem importante registro de conhecimento sobre tecnologia, estética, funcionalidade, opções de uso… e assim, “por via do imaginário da roupa podemos chegar ao imaginário global das sociedades contemporâneas.”9

1 MONNEYRON, 2007: 153. 2 MONNEYRON, 2007: 153. 3 BENARUSH, 2009: 10.

4 No entendimento de que “o vestuário corresponde ao conjunto das peças de roupas”, como explicita

PEREIRA, 2015: 205. No âmbito desta investigação farei uso das duas expressões, roupa quando tratar do objeto singular, e vestuário relativo ao conjunto.

5 NOROGRANDO, 2015: 125.

6 Entendemos a moda pela definição de PALOMINO, 2002: 6, “A moda é um sistema que acompanha o

vestuário e o tempo, que integra o simples uso das roupas no dia-a-dia a um contexto maior, político, social, sociológico.” Assim empregaremos a palavra moda enquanto ocorrência relativa ao vestuário.

7 BENARUSH. 2012: 124. 8 PORTELA, 2015: 4. 9 MONNEYRON, 2007: 153.

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17 A presente dissertação irá analisar o acervo Rhodia que se conserva no Museu de Arte de São Paulo ‘Assis Chateaubriand’ (MASP), composto por roupas criadas em colaboração entre artistas e estilistas na década de 1960, sendo esse “um acervo fundamental para enxergar o potencial criativo da colaboração entre arte, moda, design e indústria.”10

As peças que compõem o acervo são únicas. Foram desenvolvidas à luz da moda internacional dos anos 1960, período histórico marcado por comportamentos coletivos de contracultura que revolucionaram a história da moda no mundo e no Brasil. Essas peças traduzem informações processadas por artistas e estilistas brasileiros. A seleção dos estilistas e artistas que participaram do projeto Rhodia explicita o interesse de promover diálogo entre a moda e a arte contemporânea nos anos 60, e reflete as principais tendências tanto do mundo da arte quanto do mundo da moda do período histórico em causa.

O projeto contou com a colaboração de artistas de vertentes plurais, nomeadamente da abstração geométrica, das referências populares brasileiras, da arte pop, entre outras. O acervo proporciona a oportunidade de vasta observação do desenvolvimento da moda enquanto elemento cultural da época. As peças do grupo Rhodia que pertencem ao museu, fazem parte de um conjunto remanescente de diversas coleções que integraram os ‘Desfiles-show’ que a empresa têxtil promoveu nos anos 60, no intuito de alavancar a promoção dos fios sintéticos no Brasil.

A apropriação de temáticas populares como motivos para estampas feitas pelos artistas plásticos convidados pela Rhodia, se tornam o fio condutor do qual a empresa faz uso a fim de promover e produzir uma moda entendida como brasileira. O projeto da Rhodia “criou um guarda-roupa extremamente relevante para estudarmos a cooperação e o trabalho criativo em conjunto de toda uma cadeia produtiva de moda.”11

A presente investigação não inaugura os estudos à volta da coleção Rhodia. A coleção foi ponto central de investigações anteriores, contudo com objetivos diferentes. Bonadio e Sant’anna, no âmbito de suas investigações de doutorado, tomaram como ponto de partida de suas investigações a produção de vestuários da Rhodia.

A primeira autora analisa o projeto de publicidade da empresa francesa - do qual as roupas da coleção Masp Rhodia são fruto - como impulsionador da consolidação da indústria têxtil sintética no Brasil e seu impacto na publicidade nacional. Bonadio foca ainda no projeto da Rhodia principalmente como meio popularizador do uso do fio sintético no país, e como

10 Disponível em <masp.org.br/busca?search=rhodia> [consulta em 01/06/2018] 11 SANT’ANNA, 2007:134.

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18 este fomentou uma revolução na maneira de vestir no Brasil. Sant’Anna, por sua vez enfoca a coleção enquanto produção concernente das artes e design dos anos 60, com foco principal no caráter performático das apresentações produzidas pela Rhodia. Sant’Anna também se propôs a uma breve análise sobre a entrada desses objetos no MASP e sua compreensão enquanto património.

Do desenvolvimento dessas investigações desdobram-se ainda artigos científicos que contemplam as questões da arte popular brasileira no caso de Sant’Anna12 e, no âmbito da investigação de Bonadio13, um tratamento mais específico da atuação da Rhodia.

O projeto publicitário da Rhodia é, também, descrito enquanto evento cultural em livros e entrevistas que abordam os movimentos culturais da época. Nesses casos, o enfoque é sobre os ‘desfiles-shows’ e o papel da Rhodia enquanto patrocinadora do cenário cultural na década de 1960 e não sobre as roupas produzidas em si.

É importante salientar que a produção acadêmica acerca do vestuário da Rhodia é anterior a 2015/2016, ano em que ocorreu a exposição “Arte na Moda: Coleção Masp Rhodia” no Museu de Arte de São Paulo ‘Assis Chateaubriand’. Patrícia Sant’Anna colaborou, então, com o desenvolvimento da exposição, por já ter realizado ampla pesquisa sobre o tema. Por serem anteriores à exposição, as investigações citadas não abordam os percursos curatoriais da coleção, bem como o processo de revisão de atribuição das peças desenvolvido no âmbito da exposição de 2015/2016.

Concernente à exposição ‘Arte na moda: Coleção MASP Rhodia’, de 2015/2016, foram desenvolvidas, por parte do MASP, em parceria com o ‘Canal curta!’, entrevistas com personalidades envolvidas no projeto da Rhodia e com a equipe curatorial do museu, que se tornaram ricas fontes de informação sobre esse acervo.

Esta não foi a única exposição montada com peças do acervo doadas pela Rhodia. No ano de 1975, o então diretor do MASP, Pietro Maria Bardi, promoveu a exposição ‘Retrospectiva da Moda Brasileira’, com algumas das peças doadas ao museu em 1972, entre outras. Nas décadas seguintes, algumas peças foram solicitadas para integrar outras exposições em que a moda não era o mote central, o que contribui para a afirmação do valor artístico e patrimonial destas peças, para além da função de vestuário.

O objetivo da presente investigação é entender a coleção MASP Rhodia enquanto produto cultural de sua época, e a sua capacidade enquanto documento de um tempo. Para tal

12 SANT’ANNA, 2007.

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19 se faz necessário, através da análise do acervo Rhodia, perceber o lugar que a roupa ocupa dentro das instituições museológicas - como o MASP - consideradas preservadoras do património cultural, tendo em vista como já mencionado, que essas instituições transformam objetos em bens culturais, e são regidas pelo desejo de preservar, pesquisar e expor os objetos de modo expressivo e significativo. Se propõe também como objetivo da presente investigação analisar os processos de patrimonialização que levam a roupa para dentro dos museus e os processos curatoriais pelos quais passaram as peças do acervo Rhodia.

A estrutura metodológica para o desenvolvimento da investigação se deu com base na revisão bibliográfica e análise de documentos. Em relação ao processo de revisão bibliográfica foram empregues, como referencial teórico, as teses já citadas e artigos que abordam a temática do vestuário enquanto linguagem - que adquire significado dentro de um determinado contexto histórico/temporal. Produções científicas relativas a questão da roupa enquanto património, manifestação cultural e objeto de análise sociológico também fizeram parte da literatura revisada na esfera da presente investigação.14

A recolha de documentos se deu no Museu de Arte de São Paulo ‘Assis Chateaubriand’ (MASP), em dois setores: Biblioteca/centro de documentação, e no setor do acervo da instituição. Foi possível visitar e permanecer nas dependências do museu durante quatro dias no início do mês de abril de 2019. Mesmo contando com apoio da instituição, não foi possível o acesso às peças da coleção em si. A justificação institucional para esse impedimento deve-se ao fato do acervo não estar em permanente exposição, a fragilidade do têxtil e consequentes riscos de deterioração. Somente foi possível o acesso à documentação relativa ao acervo.

A documentação disponível na biblioteca e centro de pesquisa do MASP se encontra categorizadas em caixas divididas em pastas que, de maneira geral, tem por categoria de divisão datas como: 1972 - Doação de costumes criados pela Rhodia; 1975 - exposição Rhodia e 2015 - exposição arte e moda, coleção Rhodia. As pastas subdividem informações de diferentes departamentos como: departamento de curadoria; produção; conservação.

No setor de acervo constam as fichas de catálogo, e também a documentação do processo de atribuição e revisão de atribuição das peças relativas ao processo curatorial da exposição de 2015, incluindo envelopes com fotografias e laudos de conservação.

De maneira geral, a documentação encontra-se pulverizada entre os dois setores, e por vezes até mesmo repetida. Uma das pastas da biblioteca traz o título ‘não processado’, e tem um conjunto de documentos que não foram categorizados. Essa realidade se apresenta como

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20 dificuldade concernente à categorização das informações. Alguns dos recortes de jornais da época da doação das peças ao museu não trazem data de publicação e constam nas pastas matérias de revistas que não tem o número de edição das mesmas. Esses detalhes em relação à documentação analisada requereu um processo de cruzamento de dados entre o coletado no museu e os dados coletados de outras fontes, a fim de corroborar e confirmar informações.

A recolha de dados na instituição museológica MASP constituiu importante recurso de investigação, tanto no setor de acervo quanto na biblioteca/centro de pesquisa, contudo pela natureza pouco comum da forma de catalogação de ambos setores, optou-se na presente investigação pelo seguinte critério: MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa; Pasta: Título. Documento e MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ SETOR DE ACERVO. Documento. Tal como constará em fontes e bibliografia.

Além dos dados coletados na documentação do museu, a investigação também foi construída com o uso de outras fontes. Tendo em vista o envolvimento de muitas pessoas ao longo do projeto ‘Seleção Rhodia Moda’, a presente investigação deparou-se com fontes de caráter menos científicos, como páginas on-line dos artistas, blogs pessoais de herdeiros e fãs das personalidades envolvidas, que tem por objetivo dar a conhecer o trabalho ou a participação dessas personalidades no projeto.

Optou-se na presente investigação por não hierarquizar fontes documentais. Analisando o objeto de estudo a partir do cruzamento de diversas informações, sejam históricas, científicas ou informais, adotamos assim uma abordagem Warburguiana,15 que recorre a fontes além da literatura específica e científica.

Ademais, foi desenvolvida uma breve pesquisa biográfica sobre os artistas que assinaram estampas das peças pertencentes hoje ao MASP. Essa pesquisa teve por objetivo perceber como a produção das estampas, concebidas por cada um dos autores, se coloca dentro da produção artística de cada um. Não se optou, nesta dissertação, por um estudo monográfico das produções artísticas, nem pelo estudo específico das correntes artísticas no decorrer dos anos 60, mas sim demonstrar em que medida elas foram determinantes na definição dos critérios estéticos destas peças.

A presente dissertação organiza-se da seguinte maneira:

15 Aby Warburg (1866-1929). Foi o historiador da Arte que propôs uma nova metodologia interpretativa para o

estudo da arte, sendo precursor de uma nova concepção da história da arte. Sant’anna (2010) assinala que Warburg não escreveu sobre sua metodologia, essa se faz entender a partir de trabalhos do autor.

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21 Além desta introdução, que tem como propósito a apresentação do objeto de estudo e a defesa da pertinência do mesmo enquanto tema de uma investigação científica, a presente dissertação divide-se em 3 capítulos. O primeiro capítulo apresenta a empresa Rhodia e a sua atuação no Brasil. Aborda, igualmente, a implementação de uma estratégia publicitária inovadora, que acaba por ser impulsionadora do desenvolvimento da moda nacional. Neste capítulo faz-se, também, uma breve análise do impacto nacional e internacional deste projeto.

O segundo capítulo é dedicado à inserção da coleção Rhodia no Museu de Arte de São Paulo ‘Assis Chateaubriand’ (MASP). Nesse ponto, examina-se o valor histórico das peças que formam esse acervo, através do estudo dos artistas envolvidos no projeto ‘Seleção Rhodia Moda’ e das temáticas que desenvolvem. Enquanto peças de museu, as roupas doadas pela Rhodia passam por um trabalho curatorial, que também é abordado neste capítulo.

O terceiro capítulo busca desenvolver uma reflexão sobre o espaço da roupa dentro da instituição museu e o seu valor enquanto documento histórico e portadora de memória.

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1. A atuação da Rhodia no Brasil

A Rhodia é uma empresa multinacional de origem francesa, que pertencia ao grupo Rhône-Poulenc, e “foi responsável pelos maiores investimentos em moda feitos no país (Brasil) no final da década de 1950 e ao longo das décadas de 1960 e 1970.”16

A empresa instalou-se no Brasil, em 1919, como indústria química, com o objetivo primeiro de produzir no Brasil o lança-perfume, produto que até então era somente importado e fazia grande sucesso no carnaval brasileiro desde 1907. A partir de 1929, a Rhodia começou a implementação das atividades no setor têxtil, de maneira pioneira e audaz, tendo em vista que no Brasil na altura o mercado têxtil girava em torno de fios naturais.17

Em 1955, com a implantação da Rhodia Poliamida, a empresa iniciou a produção de fios e filamentos sintéticos de nylon, que eram usados inicialmente em meias femininas e lingerie. O nylon foi responsável por impulsionar o sucesso internacional da marca nos anos pós Segunda Guerra, quando se deu a transição do uso dos têxteis artificiais (como rayone e fibrane) para as fibras sintéticas (rhovyl, crylor, tergal e etc).18 Durante os anos 1960, a empresa promoveu ações visando difundir o uso de fios e fibras sintéticas no Brasil, como o poliéster e o acrílico, desenvolvidos ao longo dessa mesma década.

A Rhodia no Brasil atuou, no século XX, em variadas áreas além da divisão têxtil. Suas diversas atividades passavam pela produção de matéria-prima com aplicações em cosméticos, produtos farmacêuticos, alimentos, artigos de borracha e até na construção civil.19 A marca Rhodia que pertencia ao grupo francês Rhône-Poulenc foi comprado pela empresa Belga Solvay em 2011, e incorporou suas atividades. Contudo, a marca Rhodia foi mantida no Brasil, tendo em vista a grande força da mesma no país.

1.1 A iniciativa dos desfiles e ações publicitárias

No final dos anos 50 do século XX, a Rhodia promoveu um conjunto de ações pioneiras, com o objetivo de introduzir e difundir o uso das fibras sintéticas no Brasil. Com intenção de criar um nicho de mercado para os têxteis sintéticos no país, a empresa investiu no desenvolvimento de uma moda nacional que abarcasse o uso das fibras sintéticas.

16 BERGAMO, 2007: 161. 17 Disponível em <https://www.rhodia.com.br/pt/company/sobre-o-grupo/a-rhodia-no-brasil/historia/index.html> [consulta em 07/10/2018] 18 SANT’ANNA, 2010: 15. 19 Disponível em <https://www.rhodia.com.br/pt/company/sobre-o-grupo/a-rhodia-no-brasil/historia/index.html> [consulta em 18/10/2018]

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23 Para alcançar tal objetivo, a empresa lançou um projeto audaz, que somava produtos e tecnologias, arte e criatividade. O projeto, batizado de ‘Seleção Rhodia Moda’, teve como responsável por seu desenvolvimento o italiano Livio Rangan - jornalista de formação - que foi contratado pela Rhodia como gerente de publicidade, e a quem foi confiada a tarefa de fomentar o mercado consumidor do fio sintético no Brasil.

Em uma atitude audaciosa, Lívio optou por direcionar toda ação publicitária ao consumidor final, e não à indústria da tecelagem. É importante assinalar que o produto que a Rhodia comercializava era a fibra, o fio sintético e não as coleções desenvolvidas, tampouco o tecido em si.20 Anunciar diretamente ao consumidor final foi uma estratégia intrépida. O objetivo era mudar a opinião dos brasileiros em relação aos tecidos sintéticos, e para isso buscou promover a qualidade das marcas paras as quais a Rhodia fornecia matéria-prima. Incentivava-se, assim, o desejo do público por peças de vestuário desenvolvidas a partir desses tecidos de fibras sintéticas.

Durante a década de 60 do século XX, Lívio promoveu ‘desfiles-show’ que converteram-se em fator importante para a consolidação da FENIT nos anos de 1960.21 A FENIT, ‘Feira Nacional da indústria Têxtil’, pode ser considerada a precursora das ‘Semanas de moda’ no Brasil. Por iniciativa do empresário Caio Alcântara Machado, foi realizada sua primeira edição em 1958.22 Contudo, o grande êxito do evento se deu a partir de 1959, quando a Rhodia passou a apoiar financeira e logisticamente o evento,23 que tornou-se “palco de lançamentos da moda durante muitos anos, e teve seu auge nas décadas de 1960 e 1970.”24

Como ressalta Bonadio, nessa altura feiras como a FENIT eram “espaços privilegiados para o desenvolvimento e visibilidade de uma ‘mentalidade industrial.”25 Além da exposição dos avanços tecnológicos vistos nos maquinários expostos, a FENIT também tinha um caráter cultural, e contava com a participação de artistas e criadores de moda. Nos seus primeiros anos o evento, que já era aberto ao público desde então - com entrada a preços populares - tinha como objetivo principal dar a conhecer as novidades na área têxtil: novos fios, tecidos e exposições de máquinas. Os desfiles que aconteciam no evento eram bastante tradicionais (Fig.1), “com apresentação formal e voltinha na ponta da passarela – em auditórios sem 20 SCARPA e KANAMARU, 2017: 308. 21 SANT’ANNA, 2010: 15. 22 Disponível em <https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,fenit-a-sao-paulo-fashion-week-dos-anos-60,10976,0.htm> [consulta em 26/09/2018] 23 SANT’ANNA, 2010: 15. 24Disponível em <https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,fenit-a-sao-paulo-fashion-week-dos-anos-60,10976,0.htm> [consulta em 26/09/2018] 25 BONADIO, 2005: 113.

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24 estrutura e conforto, no qual assistia-se ao show em pé – deixando muito a desejar ao público frequentador.”26

Fig. 1- Modelo desfila com roupa de banho na FENIT, em 1960. Acervo Estadão.

No entanto, a participação da Rhodia impulsionou a FENIT, que a partir do ano de 1960 se converteu em um sucesso de público. Sucesso esse atribuído também à apresentação de shows de música no evento que assim passou a ser um “espaço de lazer para as referidas classes médias urbanas em ascensão.”27

Em entrevista ao jornalista Wagner Carelli, o idealizador da feira Caio Alcântara Machado destaca o protagonismo entre a FENIT e o projeto da Rhodia formulado por Rangan: “A FENIT era um palco que procurava um espetáculo, meu amigo Lívio Rangan era um showman à procura de um palco [...] Foi o primeiro homem de publicidade ou marketing num

26 BONADIO, 2005: 114.

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25 tempo em que essas palavras ainda não se formulavam, a pensar cultura como bem de mercado e a vendê-la.”28

Uma das edições da revista Manchete, de 1963 (Fig.2), apresenta matéria sobre a FENIT sob o título de “A grande festa dos tecidos” e notícia o evento como “um dos maiores acontecimentos da cidade”, acrescentando que “Milhares de pessoas compareceram à inauguração da VI FENIT, onde numa área de vinte mil metros quadrados, há cerca de 400 stands.”

Fig. 2 - Revistas Manchete, 1963. Acervo Edu Rodrigues.

O diferencial da Rhodia em relação a outros expositores da FENIT era a forma escolhida para dar a conhecer as novidades da indústria produtora de fios e fibras sintéticas. Como ressalta Sant’Anna, os ‘desfiles-show’ promovidos pela Rhodia sob a responsabilidade de Rangan “não eram constituídos de roupas sobre cabides humanos, eram antes, expressão corporal, música de vanguarda, cenários extravagantes, enfim, experiência única e transformadora.”29

28 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. 2015 -

Exposição “Arte na Moda” Coleção Rhodia. Vogue Brasil, encarte especial, s/no, 1994.

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26

Fig. 3 - Desfile-show da Rhodia na FENIT, 1965. Acervo MASP.

Esses desfiles foram concebidos com o objetivo de promover uma mudança no entendimento do consumidor brasileiro, e para tal a empresa buscou associar o têxtil sintético ao avanço e crescimento de uma moda brasileira. Assim, a Rhodia buscou congregar elementos da cultura nacional como música, dança, artes-plásticas e poesia com o conceito de novidade e jovialidade.

A política de publicidade promovida pela Rhodia, em parceria com a agência ‘Standard’ - uma das maiores e mais tradicionais agências de propaganda do Brasil na época - sob a direção de Lívio Rangan, entre os anos de 1960 a 1970, baseava-se no desenvolvimento de “vestes arrojadas, com cortes agressivos, estampas impactantes, apresentadas de maneira inovadora.”30

No intuito de desenvolver coleções que fossem capazes de representar brasilidade, Rangan convidava artistas plásticos de renome - que desenvolviam seus trabalhos dentro das mais variadas vertentes artísticas - para criarem estampas exclusivas para os tecidos fabricados com os fios sintéticos da Rhodia. Posteriormente, esses tecidos eram transformados em

30 SANT’ANNA, 2015: 36.

(27)

27 modelos de vestuário “por aqueles que eram então os grandes nomes da costura brasileira”31 como Dener Pamplona, Ugo Castellana e Alceu Penna.

Os artistas plásticos que criaram

estampas para Rhodia, mesmo

pertencentes a movimentos artísticos diferentes, tinham em comum serem

reconhecidos nacional e

internacionalmente, inclusive vencedores de importantes premiações no cenário artístico brasileiro.

Entre os artistas convidados para integrar o projeto ‘Seleção Rhodia Moda’ estavam: Aldemir Martins, Alfredo Volpi, Genaro de Carvalho, Willys de Castro, Manabu Mabe, entre outros.

Fig.4 - Anúncio 50 anos Rhodia no Brasil, 1969. Catálogo MASP.

Os desfiles da Rhodia foram tomando grandes proporções e, em 1963, a empresa apresentou um verdadeiro espetáculo intitulado ‘Desfile-show Brazilian Look’, que contou com criações dos nomes mais exponenciais da moda no momento e apresentação de músicos de renome no cenário musical. As apresentações estavam intimamente relacionadas com artes performativas e propunham mais que expor roupas. Como descreve Bonadio, as apresentações podiam inclusive incluir interpretações dramáticas “com personagens, locações específicas, peças musicais relacionadas e temas reconhecíveis. Não raro o único elemento que separa o desfile de moda de seus correlatos teatrais é seu objetivo básico – funcionar como estratégia de marketing.”32

31 BONADIO, 2005: 138.

(28)

28 Esse tipo de desfiles alargados com show eram uma estratégia nova que “caracterizava-se por “caracterizava-serem espetáculos de brasilidade e campo de experimentação para novos talentos, em especial, na música.”33 A conotação de brasilidade imbuída as coleções desenvolvidas pela Rhodia era reforçada através dos nomes escolhidos para denominar as mesmas: Brazilian Nature (1962), Brazilian Style (1964), Brazilian Primitive (1965), Brazilian Fashion Team (1966) e Brazilian Fashion Follies (1967). “Natureza, estilo, primitivismo, futebol e as “folias” são elementos intimamente ligados à identidade nacional, os quais, associados ao emprego de palavras inglesas conferem ao produto o caráter de “exportação” sem entretanto perder o caráter nacional.”34

Além dos ‘desfiles-show’, a Rhodia desenvolveu uma estratégia de publicidade apoiada na produção de editoriais de moda, inicialmente para revistas O Cruzeiro e Manchete e mais tarde em parceria com a revista Claudia, uma das principais revistas femininas a surgir na altura.35 Fazia parte também das ações de marketing da empresa, a associação com companhias aéreas como a VARIG, por exemplo, com o propósito de levar as “criações nacionais para serem desfiladas na Europa, nos Estados Unidos e até no Japão.”36

A Rhodia no decorrer dos anos 1960, reformulou signos de brasilidade como o futebol, a cultura caipira, a tropicália, o samba… corroborando a ideia de um país exótico.37 E o fez através de várias frentes: os desfiles da FENIT, editoriais em revistas de grande circulação, desfiles no exterior… Todas essas ações foram “empregadas como forma de agregar novo status ao produto e também de conferir-lhe brasilidade.”38

1.2 O momento propício para indústria

A entrada dos fios e fibras sintéticas no mercado brasileiro vem ao encontro da consolidação do Brasil em uma sociedade de consumo. Esse processo teve início nos anos 50, e se deu em parte como consequência dos acontecimentos decorrentes da Segunda Guerra Mundial. Podemos destacar como alguns desses acontecimentos o crescimento do mercado consumidor, o aumento do poder aquisitivo - principalmente entre o público jovem, que nasceu no baby-boom do pós-guerra - e o aumento da expectativa de vida.39

33 BONADIO, 2005:138. 34 BONADIO, 2005: 253. 35 BONADIO, 2006: 2. 36 NEIRA, 2008: s.p. 37 NEIRA, 2008: s.p. 38 BONADIO, 2005: 19. 39 SANT’ANNA, 2010: 78.

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29 A profunda transformação da economia brasileira na época foi atribuída ao período em que Juscelino Kubitschek foi presidente do Brasil - durante a segunda metade da década de 1950 - quando “se romperam os pontos de estrangulamento em energia e transportes e implantou-se um sólido número de indústria de bens de produção.”40 O Estado, responsável pela elaboração e implementação do chamado ‘Plano de Metas’, foi o agente de transformação estrutural no país, que contou também com a participação das multinacionais “no processo de implantação da indústria pesada e o capital nacional foi amplamente beneficiado.”41

O momento era favorável para o setor industrial, que vinha gozando do crescimento e ampliação das indústrias de base, principalmente as relacionadas com petróleo e aço. Segundo Bonadio, o comércio também passava por um processo de ampliação, tendo em vista os “avanços na comercialização com o surgimento de supermercados, shopping centers, revendedoras de carros e redes de lojas de eletrodomésticos, tudo concorrendo para a massificação do consumo de novos produtos, dos alimentos enlatados aos detergentes, passando pelos absorventes íntimos e por fim pela ‘revolução do vestuário.”42

A expansão da indústria do vestuário esteve interligada ao aumento do poder aquisitivo e à urbanização da sociedade - que passam a concentrar-se maioritariamente nos centros urbanos.43 Esse processo de expansão teve também como característica a inserção dos tecidos sintéticos no mercado, o que barateou e promoveu a produção em massa das roupas, criando assim um novo consumidor, que passou a ser influenciado por referências que chegavam até ele “via televisão, cinema, jornalismo especializado, publicidade, etc…”44

Como ressalta Sant’Anna, os “anos 60 foram um momento de ebulição sócio-cultural e de transformações no Brasil. Neste cenário, ações que buscavam a identidade nacional urgiam.”45 No cerne dessa ebulição, as ações promovidas pela Rhodia na direção de criar uma moda nacional construída com signos de brasilidade, tiveram impacto positivo na esfera da moda, da arte e da cultura no Brasil.

1.3 Desenvolvimento de uma ‘moda brasileira’ e sua projeção nacional e internacional

As discussões à volta do desenvolvimento de uma ‘moda brasileira’ são anteriores à década de 1960. A discussão é contemporânea ao período de instalação e desenvolvimento

40 BONADIO, 2005: 19. 41 BONADIO, 2005: 19. 42 BONADIO, 2005: 12. 43 SANT’ANNA, 2010: 78. 44 SANT’ANNA, 2010: 78. 45 SANT’ANNA, 2007: 8.

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30 inicial das indústrias têxteis e do vestuário no Brasil, o que tornou possível “a produção de bens equivalentes com preços competitivos”46 aos produtos produzidos na Europa e Estados Unidos. Tendo em vista que as referências de moda que tínhamos no Brasil eram provenientes da Europa, que por características climáticas e culturais se distinguiam de nós, surgiu o questionamento sobre seguir ou não as referências estéticas importadas ou desenvolver uma estética que expressasse valores brasileiros.47

Não por coincidência, as discussões à volta da ‘moda brasileira’ se intensificaram a partir da década de 1950, provavelmente em consequência da expansão da atuação dos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão. Segundo Neri, a televisão trouxe consigo a aspiração de “apresentar ao mundo a nossa capacidade criativa com base na cultura local,” 48 impulsionando desta maneira o processo de criação de uma visualidade que fosse capaz de representar a ‘moda brasileira’.

Assim, a moda no Brasil da década de 1960 pode ser entendida dentro de um processo que buscava por expressões capazes de traduzir “nossa forma sui generis de ser, valorizando expressões artístico-culturais próprias de terras brasileiras.”49 Contudo, também ambicionava desenvolvimento tecnológico e uma linguagem que melhor dialogasse com o mundo, internacionalizando processos culturais e movimentos sociais.50 Dois processos que podem ser entendidos em um primeiro momento como contraditórios, porém alinhavados com sucesso pela empresa francesa que conseguiu associar seu produto à criação e desenvolvimento de uma ‘moda brasileira’.

Em um primeiro momento dentro desse processo de busca por uma estética nacional a ideia de ‘moda brasileira’ consistiu no uso de cores primárias e secundárias, de traços simplificados que representavam a natureza tropical, de adornos com sementes, contas, conchas, penas ou escamas. Exemplo mais exponencial dessa estetização alegórica do Brasil na forma de roupas foi Carmen Miranda, artista que fez grande sucesso no exterior. Alceu Penna - que também veio a fazer parte da equipe de desenvolvimento da Rhodia - assinou alguns dos figurinos da artista que “levava as frutas e os balangandãs brasileiros para fora de nossas fronteiras, ajudando a criar midiaticamente uma idéia de estética tropical que coincidia com tudo aquilo que foi representação do Brasil desde o seu descobrimento.”51

46 NEIRA, 2008: s.p. 47 NEIRA, 2008: s.p. 48 NEIRA, 2008: s.p. 49 SANT’ANNA, 2010: 87. 50 SANT’ANNA, 2010: 87. 51 NEIRA, 2008: s.p.

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31 No que tange a proposta da Rhodia de desenvolvimento de uma ‘moda brasileira’, uma maneira de vestir nacional estava atrelada à introdução dos fios sintéticos nos hábitos de consumo do país, que desde a década anterior já utilizava esses fios na produção de roupa íntima. O desafio era trazer o têxtil sintético do uso do underwear para o outwear.

Tendo como objetivo desenvolver uma visualidade brasileira de moda, Rangan convidou artistas renomados para criarem estampas que representassem signos de brasilidade, e costureiros importantes no cenário nacional para produzirem, a partir desses tecidos, as roupas que compunham as coleções.

Como enfatiza Patrícia Sant’anna, “as vestes tentavam exprimir a sensualidade e desenvoltura tão proclamadas como ‘nacionais’. As coleções eram claramente para o clima tropical, isto é, nada de composições muito sobrecarregadas ou em tecidos que lembrassem o inverno; leveza, fluidez, amplitude, movimento e jovialidade eram tônicas da produção vestimentar da Rhodia.”52

É comumente aceite que os anos 1960 foram um período de mudanças culturais significativas para a sociedade ocidental em geral, incluindo o Brasil. Se à época, no contexto internacional, a moda passou a ter como função ser arauto das mudanças de atitude e de comportamento das sociedades, no Brasil, sua função não foi diferente. Por meio do projeto Rhodia, a moda passou a desempenhar uma importante função de interlocução entre a moda, a cultura e a sociedade brasileira.

As coleções eram desenvolvidas à luz das referências culturais da época, e traduziam as movimentações sociais do período. Os estilistas envolvidos lançaram mão de modelos que representassem a moda jovem e dinâmica tendo em vista que grande parte do público consumidor de moda era formado por jovens, que além de poder aquisitivo constituíam um público com pré-disposição à assimilação da novidade.

Se faz interessante assinalar que nesse processo de desenvolvimento de uma moda que fosse entendida como brasileira, produzir apenas roupas não era o bastante, era necessário coordenar a apresentação dessas coleções com outros símbolos de brasilidade. Assim, Lívio Rangan buscou articular a moda com música, cenário, dança, coreografia, performance, poesia... investindo assim em estratégias - que hoje daríamos o nome de estratégias de marketing - correlacionadas à produção cultural brasileira.

Fossem nos desfiles-show que aconteciam na FENIT, nos pocket-shows ou nos editoriais de moda das revistas, a participação de artistas populares da televisão e cantores eram

52 SANT’ANNA, 2010: 106.

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32 recorrentes. Exemplo desse fato foi uma das últimas coleções, em 1968, que contou com a participação de artistas do movimento tropicalista, bastante popular na época. A temática tropicalista também foi mote para o desenvolvimento da coleção do mesmo ano.53

Durante pelo menos uma década, no Brasil, a Rhodia teve papel significativo no cenário nacional. De forma direta ou indireta a empresa esteve envolvida na ebulição cultural da época, fosse investindo na promoção de seus produtos de forma associada a artistas emergentes ou patrocinando eventos culturais. Muitos artistas foram lançados no período em eventos patrocinados pela empresa francesa.

Contudo, como enfatiza Bonadio, é importante ressaltar “os tecidos, os desenhos, as cores, a elegância dos desfiles, o brilho dos shows, tudo terminava ali. Só o novo discurso da moda podia ser absorvido.”54

As coleções criadas pela Rhodia tinham como objetivo principal demonstrar que roupas confeccionadas a partir de tecidos sintéticos podiam vestir mulheres elegantes, que até então no Brasil estavam habituadas ao uso de tecidos naturais, e entendiam a fibra sintética como matéria-prima de underwear. Promover uma mudança dessa percepção estética foi uma decisão arrojada para época. Mesmo entendendo que as roupas confeccionadas para os desfiles e editoriais eram modelos exclusivos com fins unicamente promocionais, temos que reconhecer que a Rhodia teve sucesso em promover essa transformação nos hábitos do consumidor do mercado de moda no país.55

Além de destacar o impacto direto desse projeto na indústria de produção do vestuário devemos evidenciar também as mudanças que o mesmo impulsionou no mercado de moda como um todo. Rangan foi o responsável por introduzir as primeiras campanhas publicitárias de moda no Brasil “pois até então eram usadas apenas ilustrações na publicidade.”56

No início, os desfiles-shows eram concebidos para acontecerem na FENIT, constituindo verdadeiras superproduções e assistidos por grande público, mediante compra de ingressos a preços populares. Contudo, os desfiles-shows passaram a excursionar por cidades brasileiras e seguiam para o exterior onde eram produzidos os editoriais de moda que viriam a preencher as páginas das mais importantes revistas da época.

Os desfiles também fizeram parte de um dos eventos culturais mais importantes da época. A Rhodia foi patrocinadora do ‘1º Festival Nacional da MPB - Música Popular

53 NEIRA, 2008: s.p. 54 BONADIO, 2005: 201. 55 CARTA, 2015: 20. 56 CARTA, 2015: 20.

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33 Brasileira’ da TV Excelsior, em 1965. Lívio Rangan assumiu o patrocínio do evento mediante algumas exigências, como por exemplo, que o evento acontecesse em cidades além da cidade do Guarujá, como previsto inicialmente. O Festival teve apresentações também no Rio de Janeiro, Petrópolis e São Paulo, e a transmissão dos desfiles acontecia antes das apresentações musicais.

Solano Ribeiro, idealizador do festival, relata os acontecimentos da primeira eliminatória do festival, que aconteceu no ‘Cassino do Guarujá’. “A prefeitura, responsável pela cessão do local para a apresentação, distribuiu convites à vontade. A TV Excelsior colocou os seus à venda e a Rhodia foi generosa na distribuição da sua cota - surpresa: quase todos os convidados apareceram.”57 A passagem ilustra a popularidade dos eventos da Rhodia, a capacidade de inserção dos mesmos na mídia e a repercussão além do âmbito da moda.

Durante os anos 1960, as viagens internacionais da ‘Seleção Rhodia Moda’ renderam editoriais produzidos pela agência Standard Propaganda, que eram vinculados entre 1960 a 1964 nas revistas O Cruzeiro e Manchete e, posteriormente, nas revistas Claudia e Jóia consolidando assim a estratégia de publicidade da empresa.

As duas revistas escolhidas no primeiro momento do projeto - O Cruzeiro e a Manchete - tinham como característica comum “elementos que podem ser considerados indicativos de uma auto afirmação da identidade nacional, sob a ótica do desenvolvimentismo”58, nas palavras de Bonadio, que explica também que as duas publicações traziam reportagens que ilustravam e valorizavam as riquezas naturais do Brasil e promoviam as novas indústrias. É possível percebermos o alinhamento entre o propósito da Rhodia em desenvolver uma ‘moda brasileira’ e a escolha de publicações que celebrassem a identidade nacional.

A partir de 1964, as campanhas promocionais da Rhodia passaram a ser vinculadas nas revistas Claudia e Jóia prioritariamente, que eram revistas direcionadas ao público feminino. É provável que essa mudança de veículo principal de divulgação, indique o amadurecimento dessa forma de publicidade. Tendo em vista que o processo editorial de moda até àquele momento era feito em ilustração, e a Rhodia promoveu uma evolução - produzindo editoriais com modelos e fotógrafos importantes - a migração da publicidade para revistas especializadas no público feminino pode ser entendida como um indicador de aceitação, por parte do público consumidor de moda, desta nova maneira de promoção.

57 RIBEIRO. S, 2003: 70.

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34 Mesmo que investigações anteriores tenham apontado que as campanhas publicitárias foram vinculadas primeiramente em O Cruzeiro e a Manchete e posteriormente tenham migrado para as revistas Claúdia e Jóia, a presente investigação defrontou-se com matérias publicadas na revista Claudia59 antes de 1964 (fig.5 e 6) e na revista Manchete60 em 1968.

As campanhas promocionais vinculadas nas publicações acompanhavam as incursões dos modelos da Rhodia em países como França, EUA, Espanha, Itália e até mesmo no Líbano. Em 1960, por ocasião da campanha da ‘Linha Café’,61 as modelos da Rhodia viajaram a Paris, cidade tida como a capital da moda. A mencionada campanha contou com a parceria da empresa aérea francesa Air France e buscou associar o que era produzido pela Rhodia com a alta-costura. A coleção de 1962 ‘Brazilian Nature’,62 em parceria com a companhia aérea Varig, viajou a Nova York. Em 1963, em parceria com a Panair e apoio do embaixador brasileiro na Itália, a coleção desfilou em Roma e também no Líbano.

Fig. 5 e 6 - Revista Claudia, setembro de 1963. ‘Brazilian Look’ na Itália. Acervo Edu Rodrigues.

Ainda segundo Bonadio, as promoções da Rhodia não tinham tanto êxito como as reportagens faziam parecer.63 O impacto das excursões ao exterior rendiam pouca repercussão

59 Revista Claudia, Setembro, 1963. 60 Revista Manchete, Junho, 1968.

61 A coleção MASP Rhodia não conta com nenhum traje dessa coleção.

62 A coleção MASP Rhodia conta com um modelo dessa coleção, assinado por José Nunes e estampa de Lívio

Abramo.

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35 internacional. Entretanto o objetivo principal era que a exposição internacional promovesse a valorização do produto dentro do país. Podemos entender que além de divulgar produtos, o verdadeiro objetivo das publicações era “promover o consumo como estilo de vida."64

Mesmo que as promoções da empresa no exterior não fossem realmente um sucesso, em reportagem publicada na revista Manchete, de 1963, vemos fotos dos desfiles em Veneza e Beirute, onde é possível observar um número significativo de espectadores. Na legenda da fotografia lê-se a frase “Em Beirute o desfile contou com a presença do Sr. Rachid Karamê, premier do Líbano e cerca de mil pessoas compareceram ao desfile” (Fig.7).

Fig.7 - Revista Manchete de 1963. Acervo Edu Rodrigues.

Segundo informações do assistente de Lívio, Rodolfo Volk, as coleções não suscitavam o interesse de publicações estrangeiras, com exceção da coleção ‘Brazilian Team’, que tinha como tema o futebol - temática pertinente no ano de 1966, por ocasião da copa do mundo que

64 BONADIO, 2006: 1.

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36 aconteceu na Inglaterra. Na ocasião a coleção foi tema de reportagem no ‘The Times’ de Londres.65

Fig. 8 - Campanha ‘Brazilian Fashion Team’, revista Jóia 1966. Catálogo MASP.

Entretanto, no âmbito da presente investigação, pude constatar que houve publicações de outros países sobre a ‘Seleção Rhodia moda’ em outros anos do projeto que não somente em 1966, como por exemplo o Jornal libanês L’Orien (Fig.9 e 10), e a revista La Revue du Libanon (Fig.11), ambos em 1962.

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37

Fig. 9, 10 e 11 - Jornal L’Orient e revista La Revue du Libanon. Acervo Edu Rodrigues.

Os desfiles da Rhodia, no exterior, aconteciam por iniciativa da própria empresa e faziam parte do projeto de divulgação traçado pela equipe de Rangan, costumeiramente com apoio das embaixadas brasileiras. É o caso do desfile que aconteceu em Roma, cujo sucesso pode ser creditado à influência da embaixatriz brasileira, que participou na organização do evento, o que contribuiu para a presença da alta sociedade italiana no desfile. Contudo, por ocasião do desfile-show ‘Momento 68’, houve duas solicitações de apresentação: uma por uma casa noturna em Buenos Aires e outra pelo Casino de Estoril, em Portugal. É provável que a popularidade do show possa ser atribuída às atrações que compunham o espetáculo, além da apresentação da coleção ‘Bazilian fashion foolish’. ‘Momento 68’ contava com a participação de cantores como Caetano Veloso e Gilberto Gil, artistas que compunham o movimento ‘Tropicalista’, que era, à data, um dos grandes movimentos no cenário musical.

A coleção ‘Bazilian fashion foolish’ contava com um caleidoscópio de referências culturais da época: o tropicalismo, o movimento hippie, pop art, psicodelismo… como fica evidente em trecho de matéria publicada na revista Manchete, de junho de 1968:

“Não se surpreenda com coisa alguma: o Momento é 68. No caos organizado do mundo, a moda saiu às ruas e integrou-se na vida das pessoas, multiplicando-se por todas as influências até chegar à sua negação. Para retratar esse caos generalizado, montou-se o show mais caro até hoje no Brasil, num espetáculo inconcebível financeiramente e que por si só já é uma loucura: Momento 68.

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38 Caetano Veloso, Eliana Pitman, Gilberto Gil, Walmor Chagas, Raul Cortez, Lennie Dale, Conjunto Brazilian Octopus e o Ballet Pataphysique interpretam, num espetáculo rico de cores e imagens, os fenômenos que definem e refletem o mundo de hoje: os hippies, o tropicalismo, a mini e a maxi-saia, o psicodelismo assimilado através de uma quase histeria visual, a cultura pop, a sociedade de consumo.”66

Fig. 12 - Revista Manchete, junho de 1968. Acervo Evangelina Maffei.

A mesma matéria que comenta a multiplicidade de influências e a histeria visual que compunha o show, também salienta o aspecto financeiro, descrevendo-o como o show mais caro produzido até então no país, como se isto lhe conferisse status e lhe atribuísse magnitude. A revista descreve o espetáculo como um retrato cultural daquele momento e integrando-o na sociedade de consumo.

No ano de 1969, por ocasião da comemoração dos 50 anos da atuação da Rhodia no Brasil, a empresa promoveu um dos maiores shows do projeto: ‘Stravaganza’. O espetáculo foi desenvolvido dentro da temática circense, e teve atrações como leões e elefantes, além de trapezistas.

Em matéria publicada na revista Claudia, consta o texto promocional que exalta a magnitude do evento enquanto manifestação de moda, arte, música e poesia.

66 Revista Manchete, junho de 1968.

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“Circo, circo por todos os lados…

O stand, projeto de Cyro del Nero, comporta 600 pessoas. Tem três picadeiros com palcos giratórios. Iluminação piroscópica, dragões que largam fumaça pela boca, paredes com espelhos mágicos alternados com painéis de Bernard Buffet e Picasso.

Tudo muito colorido. Tudo muito circense.

Alceu Penna bolou os figurinos femininos e Hélio Martinez os masculinos, para o grande desfile da Rhodia. Os manequins desfilarão individualmente enquanto Raul Cortez diz poemas de Drummond. Em seguida a Grande Parada, com todo o elenco. Aí começa o circo de verdade. Entre um quadro e outro, misturando-se a eles, as moças continuarão desfilando. E os motivos dos figurinos sempre inspirados em cada quadro apresentado”.67

Fig. 13 - Fotografia promocional ‘Desfile-show Stravaganza’. Revista Claudia, agosto de 1969.

A cantora Gal Costa, ainda em início de carreira e com seu visual hippie (Fig.15), foi a atração principal do show - Gal Costa, é hoje consagrada como um dos grandes nomes da música brasileira. O show ainda trazia Raul Cortez, ator, mestre de cerimônia. A imagem criada arrastava referências ao artesanato, orientalismo, moda unissex…

67 Revista Claudia, agosto de 1969.

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Fig. 14 e 15 - Capa da revista Claudia e fotografia promocional de Gal Costa.

No decorrer da década de 1960, a atuação da Rhodia foi um fator de grande contributo para o desenvolvimento da moda nacional. A atuação da Rhodia revolucionou a forma de se fazer publicidade na indústria do vestuário, atuou como empresa patrocinadora de vários eventos culturais e até mesmo programas de TV. Mas apesar da empresa se ter destacado no cenário sócio-cultural e artístico da época, em 1970 chegou ao fim o projeto ‘Seleção Rhodia Moda’ coordenado por Rangan.

Fig. 16 - Anúncio 50 anos Rhodia no Brasil, 1969. As modelos vestiam peças de várias coleções diferentes. Catálogo MASP.

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41 Tendo em vista que durante a década de 1960 o consumo de fibras sintéticas cresceu mais de dez vezes no Brasil, podemos entender que consolidação do uso de têxteis sintéticos no mercado nacional - que era o objetivo primeiro da Rhodia - torna “dispensável promover a moda em grandes lances publicitários a fim de vende-los.”68 Diante desse fato, podemos entender a decisão da empresa em rever sua proposta publicitária. Assim, em 1970, a Rhodia dispensa Lívio Rangan e a sua equipe. “Encerra-se aí, um capítulo da publicidade e da moda e conseqüentemente da história cultural do Brasil.”69

2. A coleção MASP Rhodia

Com o encerramento do projeto ‘Seleção Rhodia Moda’ as roupas desenvolvidas ao longo da década de 60 não tinham mais função para a empresa. Entretanto, em 1972, a Rhodia entra em contacto com o então diretor do MASP, Pietro Maria Bardi - que alguns anos vinha manifestando a intenção da formação de um núcleo de vestuário e até mesmo a fundação de um museu do costume - para propor a doação das peças das coleções Rhodia para o Museu de Arte de São Paulo.

Nas cartas trocadas com algumas personalidades como senadores e ministros, Bardi salientou a importância da doação das peças no cenário da implementação do museu do costume, como representativas de uma moda essencialmente brasileira.70

Em agosto de 1972, em carta endereçada ao Professor Pietro Bardi, o presidente da Rhodia, no Brasil, formalizou a doação dos vestuários ao acervo do Museu.

“Exmo. Sr.

Professor Pietro Bardi

M.D Diretor do Museu de Arte de São Paulo Prezado Senhor Diretor,

Já há muitos anos o valor de sua obra nos mais diferentes setores das atividades culturais e artísticas não pode passar indiferente aos paulistas ou aos brasileiros.

Sendo hoje a cabeça que dirige um dos maiores patrimônios artísticos da humanidade, sem favor nenhum, podemos creditar-lhe o valor de incansavelmente levantar e compor acervo de caráter plástico, artístico e histórico.

Nos diversos contatos que temos mantido através do Sr. Luiz Antonio Seráphico, podemos verificar quanto o interesse e a curiosidade científica se aliam ao museólogo perfeito que v.s. é.

Como é de seu conhecimento ao longo de quase 15 anos, a Rhodia promoveu excursões, shows e desfiles de lançamento da moda brasileira tanto internamente como no exterior.

68 BONADIO, 2005: 21.

69 BONADIO, 2005: 21.

70 As mencionadas cartas fazem parte da documentação do MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/

BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa II; Pasta 48: 1972- Doação de costumes criados pela Rhodia.

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42 Passada essa fase não seria justo que todo esse material que testemunha o bom gosto artístico do vestuário brasileiro não permanecesse adequadamente conservado para conhecimento e estudo das gerações futuras.

Sabemos quanto é de seu desejo poder propiciar um dia a formação do Museu do Traje no Brasil.

Sabemos também, mercê do esforço estendido por esse Museu, que diversas roupas e outros objetos da década de 20 já foram arrebanhados.

Tendo em vista tudo isto, e de acordo com o que ficou acertado, comunico-lhe oficialmente que a Rhodia transferirá para esse Museu o seu guarda-roupa, montado ao longo dos anos. Cabe-me também comunicar-lhe que em princípio o senhor ministro da educação Jarbas Passarinho deverá nos honrar, fazendo visita especial a São Paulo em fins de setembro, ocasião em que simbolicamente doará a mencionada coleção da Rhodia a esse museu.

Aceite excelentíssimo professor os meus protestos de estima e amizade, Paulo Reis Magalhães.”71

Em ocasião da doação, vários jornais noticiaram o recebimento do acervo por parte do MASP e até mesmo a provável criação do Museu do Costume como era a intenção de Bardi. A edição do Jornal da Tarde, do dia 2 de agosto de 1972, trazia as manchetes: “Lugar de roupa fora da moda: o museu, ao lado de um Picasso” e ainda “Esta é a arte que vestiu a mulher em 1970.”72 As manchetes traziam um parecer de certa incredulidade a respeito do espaço que esse acervo viria a ocupar dentro do museu. Tal não impediu, no entanto, que a doação do acervo e os esforços de Bardi fossem amplamente noticiados.

Em cobertura sobre o evento que formalizou a doação, o jornal Diário de São Paulo do dia 28 de dezembro de 1972, ressaltou os esforços do museu no âmbito da moda “Sendo pioneiro em diversas promoções ligadas ao setor, como a montagem de ateliês de costura, modelagem e tecelagem e a instalação de uma escola de manequins.”73

Fig. 17 - Jornal Diário de São Paulo. Acervo MASP.

71 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa II; Pasta

48: 1972- Doação de costumes criados pela Rhodia. Correspondência, 11 de agosto de 1972.

72 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa II; Pasta

48: 1972- Doação de costumes criados pela Rhodia. Recortes de jornal.

73 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO.Caixa II; Pasta

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43 A despeito de todo empenho de Pietro Maria Bardi, o projeto de fundar um museu do Costume na cidade de São Paulo nunca foi posto em prática, e os ateliês que funcionavam no museu aos poucos foram extintos, frustrando assim a pretensão do diretor no âmbito da moda naquela época.

No total, o MASP recebeu 79 peças das que foram produzidas no âmbito do projeto da Rhodia, pertencendo estas, então, a diferentes coleções. Podemos entender que 79 é um número diminuto tendo em vista que cada coleção contava com uma produção de mais de 80 peças.

Contando com informações da investigação de Bonadio,74 sabemos que na altura da doação das peças ao museu, foi feito, por parte da empresa, um inventário dos trajes produzidos para os desfiles-shows. As peças foram classificadas em ‘históricas’ e ‘não históricas’, sendo consideradas ‘históricas’ as peças fruto da integração com os artistas plásticos criadores das estampas.

Através da análise do material promocional vinculados nas revistas da época (Fig.18) podemos observar que, além das peças produzidas com os tecidos estampados a partir das propostas plásticas dos artistas, as coleções também eram formadas por peças produzidas seguindo tendências de moda em vigor na época, “roupas bonitas no estilo hollywoodiano”, como ressalta Carlos Mauro, ex-gerente de orientação de moda da Rhodia.75

Fig. 18 - Propaganda da coleção ‘Brazilian Look’ de 1963. Acervo Edu Rodrigues.

Tomando como base as informações dos critérios aplicados pela empresa - histórico e não histórico - podemos constatar que, por parte da Rhodia, houve uma pré-seleção de peças com potencial de se transformarem em documentos históricos.

74 BONADIO, 2005: 206.

Imagem

Fig. 1- Modelo desfila com roupa de banho na FENIT, em 1960. Acervo Estadão.
Fig. 2 - Revistas Manchete, 1963. Acervo Edu Rodrigues.
Fig. 5 e 6 - Revista Claudia, setembro de 1963. ‘Brazilian Look’ na Itália. Acervo Edu Rodrigues
Fig. 8 - Campanha ‘Brazilian Fashion Team’, revista Jóia 1966. Catálogo MASP.
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Referências

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