• Nenhum resultado encontrado

As estampas enquanto produção artística

90 SANT’ANNA, 2007:1 91 KLINTOWITZ, 1989: 12.

2.2.1. As estampas enquanto produção artística

Um dos objetivos da presente investigação era a observação das estampas, e o possível entendimento ou não, das mesmas enquanto pertencentes às temáticas tradicionalmente abordadas por esses artistas. O objetivo era entender o espaço dessas estampas enquanto produção de arte, dentro da trajetória artística de cada um e não como um processo à parte, paralelo.

Como salientam Okasaki e Kanamaru, o ensino da arte conta com diversas metodologias que dão suporte à análise da obra de arte, contudo o mesmo não acontece com a estamparia têxtil. No que tange o estudo da estamparia há sempre grande foco no fazer e não na contextualização e apreciação das estampas.97

Contudo, no entendimento de que as artes visuais e a estamparia possuem uma base em comum que é o desenho, a proposta aqui adotada foi a de uma leitura simples da imagem, procurando estabelecer paralelismos entre os trabalhos propostos por cada artista, para a coleção Rhodia, com a sua própria produção artística.

Em um primeiro momento, o objetivo era estabelecer uma análise comparativa entre uma obra datada do mesmo ano com a peça estampada pelo artista, a fim de observarmos a temática desenvolvida, elementos compositivos comuns, similaridades de traço ou cor. No entanto, a decisão de usar data específica como ponto de conexão acabou por ser uma dificuldade.

Desconhece-se a data específica de um número significativo de peças do acervo - sabemos que todas as peças foram produzidas na década de 1960, mas não o ano específico - e muitas obras dos artistas (pinturas, gravuras, desenhos…) também não estão datadas. Assim, as obras selecionadas para a análise comparativa são obras datadas preferencialmente da década de 1960, quando não foi possível o cruzamento da data exata ou, em determinados casos, quando a semelhança estética entre a obra e a estampa se sobrepôs à proximidade temporal, optando-se, nestes casos, pela semelhança estética.98

96 CORRÊA, 2006: 49.

97 OKASAKI & KANAMARU, 2017: 253.

98 Para análise das fichas comparativas de todas as peças consultar apêndice II. O apêndice apresenta 78 fichas e

não 79 que seria o total de peças do acervo. As fichas foram produzidas a partir do catálogo da exposição do MASP em 2015 e o mesmo trazia 78 peças, pois 2 delas foram consideradas demasiado parecidas.

51 Aldemir Martins é um dos artistas que nos proporciona relação clara de transposição do seu trabalho para a estamparia com grande sucesso.

Fig. 19 - Quadro comparativo Aldemir Martins, 1963. (Ver Ap.II F. 5)

52 Galos e galinhas de Angola, paisagem do sertão e do nordeste, cangaceiros e futebol são temas recorrentes no trabalho do artista. As estampas desenvolvidas por Aldemir Martins acompanham a produção de sua obra, trazendo esses mesmos elementos compositivos e desdobrando-se dentro destas mesmas temáticas. Além dos anos de 1963 (Fig.19) e 1966 (Fig.20) - desenhos dos mesmos anos, todos sem título - o acervo mantêm peças com padronagens do artista dos anos de 1964, 1965, 1967, 1968 e uma peça sem data atribuída.

Outro artista que tem suas estampas facilmente associadas à sua produção artística é Genaro de Carvalho. Em estampa desenvolvida para coleção Brazilian Primitive, de 1965, podemos identificar grande semelhança com a tapeçaria ‘Composição com flor e vegetais’ de 1960, da autoria do artista (Fig.21). Além da escolha da mesma ou paleta de cor é possível identificar a utilização de alguns dos mesmos elementos compositivos.

Fig. 21 - Quadro comparativo Genaro de Carvalho, 1965. (Ver Ap.II F. 13)

A padronagem que Genaro desenvolveu em 1966 é marcada pelo uso de cores quentes e largos traços negros resgatando uma visualidade já desenvolvida pelo artista no trabalho ‘Trópico’, de 1955 (Fig.22).

53

Fig. 22 - Quadro comparativo Genaro de Carvalho, 1966. (Ver Ap.II F. 21)

Isabel Pons também foi fiel à sua temática habitual ao criar a estampa para a Rhodia. Em 1965, a artista trouxe para sua estampa um elemento compositivo recorrente em seu trabalho: aves (Ver Ap.II F. 9). Por sua vez, a estampa assinada pelo artista Carlos Vergara pode ser lida dentro da produção figurativa vinculada à Pop Art desenvolvida pelo artista, que trabalha signos estéticos dos quadrinhos, fotografias e elementos do ambiente urbano (Ver Ap.II F. 56). Francisco Brennand que, em suas próprias palavras, diz se apropriar de “formas vegetais ampliando-as e deformando-as”,99 desenvolveu exatamente essa característica de seu trabalho para as padronagens da Rhodia (Ver Ap.II F. 12 e 61 ) e Carybé incorporou na sua estampa o seu traço singelo, quase arqueológico (Ver Ap.II F. 57).

A estética das estampas desenvolvida por Hércules Barsotti é facilmente identificada no trabalho do artista, principalmente nas duas peças em preto e branco criadas dentro da vertente da abstração geométrica. Mesmo não podendo relacionar as estampas com obras específicas é possível associa-las ao trabalho do artista. As obras selecionadas para análise comparativa não têm título nem data atribuída.

99 BRENNAND apud LIMA, 2009: 79.

54

Fig. 23 - Quadro comparativo Hércules Barsotti, 1966. (Ver Ap.II F. 20)

Fig. 24 - Quadro comparativo Hércules Barsotti, década de 1960. (Ver Ap.II F. 65)

Em contraponto aos casos de sucesso em que o método de observação comparativa nos permitiu integrar as padronagens à produção artística dos envolvidos no projeto, em alguns outros casos o mesmo não foi possível.

55 Por exemplo, ao acervo Rhodia pertencem quatro modelos com estampas assinadas por Licínio de Almeida. No entanto, Licínio não foi um artista plástico e sim diretor de arte, que trabalhou quase que exclusivamente para Rhodia durante os anos 60. Não temos quadro, desenho, gravura… que nos possibilite qualquer observação sobre as estampas desenvolvidas por Licínio. No entanto, a estampa do vestido longo criado por Ugo Castellana e que é inspirada na pintura de klimt100, é assinada por ele.

Um modelo bastante famoso da coleção ‘MASP Rhodia’ é o vestido longo com cauda assinado por Alceu Penna e Ugo Castellana, com estampa de Nelson Leirner. A peça ficou bastante conhecida após Pietro Maria Bardi ter posado para foto publicada no Jornal da Tarde101 usando o referido vestido (Fig.25). Contudo, pela linha contestadora e o caráter múltiplo do trabalho do artista, relacionar as estampas desenvolvidas por ele com suas obras se apresentou como uma dificuldade.

Fig. 25 - Jornal da Tarde, 20/05/1976. Acervo MASP

100 Dado recolhido em Jornal Folha de S. Paulo. MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa II; Pasta 48: 1972 - Doação dos costumes criados pela Rhodia. Jornal Folha de S. Paulo, 27/12/1972. “São Paulo poderá ter um museu do costume”.

101 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa IV;

56 Outro caso em que foi laborioso relacionar as padronagens com a obra do artista foi Willys de Castro. No acervo constam seis peças estampadas pelo artista que, durante a década de 1950, começa a desenvolver seu trabalho dentro da vertente da abstração geométrica e segue pelo concretismo. Podemos identificar que as estampas desenvolvidas por Willys seguem as características da arte concreta - cores puras, formas geométricas. Entretanto, na década de 1960, o artista esteve envolvido com a criação de uma de suas obras mais conhecidas ‘Objetos Ativos’- peças de madeira pintadas de maneira abstrato-geométrica, que eram fixados à parede - que propunha a ruptura da utilização da tela como suporte da linguagem pictórica, aproximando o trabalho do artista ao neoconcretismo. Assim, através da observação comparativa entre as estampas e a produção do artista, especificamente nesta década, não foram assinaladas semelhanças.

Documentos relacionados