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O projeto ‘Seleção Rhodia Moda’ foi implementado por uma empresa francesa, sob a batuta de um italiano e se tornou um grande fator impulsionador da indústria têxtil e da moda brasileira.

133 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ SETOR DE ACERVO. Relatório de conservação e restauração.

18/08/2015.

134 SANT’ANNA, 2010: 24.

77 A Rhodia têxtil, sendo produtora exclusiva de fibras sintéticas no Brasil durante muito tempo, tinha como objetivo de sua empreitada a criação de um mercado consumidor para seu produto, e para tal procurou impulsionar o desenvolvimento da moda entendida como brasileira associada a uma temática que buscava traduzir brasilidade.

Em um país onde não havia cultura em produzir moda, Lívio Rangan propôs um diálogo entre arte e moda e levou as passarelas do Brasil e de outros países uma moda que tornou possível novos olhares frente ao ato de vestir. A moda patrocinada pela Rhodia influenciou diretamente na mudança do hábito no que tangia à matéria-prima das roupas, promovendo a aceitação do tecido sintético no mercado nacional brasileiro.

A associação da empresa a artistas plásticos tinha por objetivo o desenvolvimento de um conceito de brasilidade capaz de contribuir para a construção e exaltação da imagem de identidade nacional que o Brasil almejava naquele momento. As estampas desenvolvidas pelos artistas convidados pela Rhodia eram portadoras de um sentido de brasilidade, pois continham símbolos naturalmente associados à ideia de nacional. O presente estudo demonstrou, no entanto, que refletem, igualmente, o estilo individual de cada artista, em perfeito diálogo com a sua produção plástica no período em estudo.

Concernente ao design da padronagem têxtil, o projeto da Rhodia também foi impulsionador da renovação da estamparia na indústria têxtil brasileira de maneira ampla. Os padrões empregados na estamparia nacional até o início dos anos 60 eram maioritariamente florais miúdos e pouco criativos. Com a introdução das propostas arrojadas da Rhodia a alteração no design das estampas é percebido. A estamparia passa a abranger padrões geométricos que dialogavam com a arte abstrata e o concretismo.

As ações publicitárias promovidas pela Rhodia no Brasil fizeram uso de símbolos de brasilidade, associados a superproduções de espetáculos, nomes famosos e artistas de vanguarda de maneira a agregar valor positivo à sua imagem, e dessa forma obtiveram resultados positivos, tanto de vendagem quanto de popularidade da marca, fazendo da empresa líder no setor durante anos no país.

A Coleção Rhodia converteu-se em bem de memória quando tornou-se parte do acervo do MASP. Transmutada de sua função original - de peça de uso - as peças da Rhodia passam a referência de um momento enquanto objetos-documentos.

Em 1972, quando a coleção foi doada ao MASP, a entrada das peças no museu foi cercada de comemorações e eventos oficiais, em parte pela possibilidade dessa coleção vir a se tornar o início de um museu do costume, como era o desejo de Bardi. No entanto, mesmo que a musealização dos costumes da Rhodia fosse na altura de grande importância para Bardi, o

78 processo documental provavelmente não teve a devida atenção. Informações que seriam facilmente documentadas no momento da doação não foram registradas.

Nem mesmo sobre a exposição de 1975 - que teria sido uma oportunidade de avanço no processo de catalogação - em que as peças do acervo tomaram parte, existe documentação substancial produzida no âmbito da exposição.

Segundo o ICOM - Conselho Internacional de Museus, o museu é por definição “uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.”136 Assim podemos entender a instituição museológica com três objetivos básicos: investigar, conservar e comunicar o património.

Tendo esses três objetivos como base, cabe uma reflexão sobre o que foi desenvolvido pelo MASP acerca deste acervo. Em relação a processos de investigação, a revisão da documentação - tanto do setor de Acervo do MASP quanto da Biblioteca/ Centro de pesquisa- rendeu a observação de que desde 1975, data da primeira exposição, até 2015, data da última exposição, nenhum trabalho de pesquisa e investigação foi realizado por parte do museu sobre esse acervo.

Por quase 4 décadas essas peças foram guardadas no museu - cabe inclusive um questionamento sobre a conservação deste acervo, que retomaremos mais a frente - e não houve nenhuma produção de conhecimento sobre elas. O primeiro avanço significativo no sentido de sanar as lacunas de informação referentes ao acervo é a investigação de Sant’anna do ano de 2010. Por parte da própria instituição é somente no processo curatorial referente à exposição realizada pelo MASP, em 2015, que há uma produção significativa de informações sobre a coleção Rhodia.

O hiato de tempo entre a doação até ao protagonismo dessa coleção em uma exposição da instituição acaba por demonstrar que apesar do potencial deste acervo, ele não foi devidamente explorado pelo MASP e, devido ao afastamento temporal dos acontecimentos, questões que teriam sido facilmente elucidadas na altura da musealização das peças, carecem ainda de respostas mesmo depois de todo processo de pesquisa realizado pelo museu.

No catálogo da exposição de 2015, consta a informação que a revisão da catalogação foi extensa e contou com vários colaboradores e consulta a várias fontes e arquivos. Contudo, confrontando essa informação com os dados analisados no MASP, tanto do setor de Acervo

79 quanto na Biblioteca/ Centro de pesquisa, a documentação disponibilizada pela instituição não reflete esse processo. No setor de Acervo fica claro o processo de atribuição da autoria das estampas através da publicidade em revistas da época, mas não há menção a consulta extensa a outros arquivos, principalmente a qualquer arquivo da própria Rhodia, como diz no catálogo. Neste ponto, surge o questionamento se o museu colocou à disposição desta investigação toda a documentação produzida sobre a coleção ou não.

A documentação disponibilizada pelo museu se encontra pulverizada entre os dois setores, por vezes dividida e por vezes duplicada, o que dificulta a análise das informações. Os recortes de jornais que documentam a trajetória da coleção Rhodia por vezes não têm data da publicação ou o nome de quem assinou as reportagens. Algum material produzido ou encontrado no âmbito da exposição de 2015 foi colocada em uma pasta sob o título de ‘não processada’, e permanece sem ser organizada até a atualidade.

A maior dificuldade em estudar a coleção Rhodia se apresentou pelo fato de muito pouco se ter documentado em relação à produção dos modelos e seus criadores. As pesquisas e investigações focam primordialmente na questão das estampas e nos artistas que as desenvolveram. No entendimento do sistema da moda na atualidade os criadores também são considerados artistas. Um maior entendimento sobre o processo de concepção dos modelos seria enriquecedor na percepção mais ampla desses objetos enquanto documento.

Pela falta de documentação sobre esses processos específicos e por serem os envolvidos já falecidos, as conjecturas e hipóteses desenvolvidas sobre questões relativas à criação e desenvolvimento dos modelos, foram construídas através do cruzamento e confrontamento de informações e dados recolhidos, com declarações em entrevistas concedidas no âmbito da exposição de 2015.

Além de investigar, outro objetivo da instituição museológica é conservar. Retomamos aqui a questão da conservação. A dificuldade de conservação e preservação dos têxteis é uma discussão à parte, no entanto, a obrigação de salvaguardar esse acervo é da instituição que o mantêm. Objetos transmutados em documentos, bens de memória, devem ser protegidos, mas devem também poder ser analisados e estudados. Por sua fragilidade, as peças pertencentes à coleção MASP Rhodia não puderam ser analisadas no âmbito desta investigação. Contudo, durante a análise da documentação relativa a coleção foi possível observar a anexação de pequenas partes pertencentes a algumas peças às suas respectivas fichas de inventário, assim como: fechos, colchetes, pequenos pedaços de tecido. Esta observação mais o laudo de conservação das peças, que descreve marcas e dobras adquiridas ao longo do tempo, nos dá um panorama do estado de conservação do acervo até 2015.

80 A exposição da coleção MASP Rhodia, em 2015, assim como a doação das peças em 1972, foi cercada de muita mídia e rendeu muita publicidade. Em 1972, o alvoroço girava em torno da possível criação de um museu do costume, o que nunca aconteceu. Em 2015, o entusiasmo se deu com a perspectiva do MASP retomar a proposta anterior - não com a criação de um museu do costume especificamente - mas alinhado a propostas das grandes instituições museológicas como o Metropolitan Museum of Art de Nova York ou o Victoria and Albert Museum de Londres, de trazer a roupa para um espaço de destaque dentro da proposta de novas narrativas patrimoniais. Contudo, os dois momentos de euforia igualmente não vingaram.

Na década de 1970, Bardi entendia o potencial da roupa enquanto bem de memória, nas palavras do então diretor do MASP “ela (a moda) precede, ou pelo menos convive com um determinado momento estético [...]. A moda representa a urdidura, é o corpo invisível que une costumes e expressão artística”137 e, por essa razão, foi ele o grande defensor e promotor da presença do objeto roupa no espaço museológico.

Contudo, nem a motivação de Bardi na década de 70 ou o recente protagonismo da moda em instituições museológicas pelo mundo, nem mesmo o sucesso da exposição de 2015 conseguiram garantir à coleção Rhodia espaço de destaque no MASP ou, pelo menos, promover como era esperado mais ações relativas à moda no museu. Após a exposição em 2015 a coleção voltou a ser simplesmente guardada.

A instituição museu é responsável por investigar e por dar a conhecer esse conhecimento. Não é suficiente guardar um objeto. Objetos convertidos em bens de memória devem ser conservados e protegidos, mas não escondidos, devem ser constantemente estudados e apresentados ao público sob narrativas diferentes.

A importância da coleção Rhodia não é questionada, a coleção é única, ela articula duas linguagens - a moda e a arte - é produto de um contexto sócio-cultural, e é imbuída de referências de brasilidade. As peças que hoje estão no acervo do MASP são documentos de uma parte da história do Brasil, da busca pela construção de uma identidade nacional, uma identidade que ainda está em construção. Por essa razão se faz importante o estudo dessa coleção, pois é através da pesquisa que é possível a construção de uma visão crítica da relação objeto/espaço que constrói a memória e o património cultural.

137 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa IV;

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