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De peças de moda a peças de museu

90 SANT’ANNA, 2007:1 91 KLINTOWITZ, 1989: 12.

2.4 De peças de moda a peças de museu

Ao todo foram doadas ao MASP 79 trajes, o que já demonstramos ser uma amostragem pequena em relação a todas as coleções produzidas ao longo dos aproximadamente 10 anos de projeto. No entanto, nem a presente investigação nem investigações anteriores conseguiram descobrir o que de fato aconteceu com os demais trajes. A falta de informação sobre outras peças da Rhodia corrobora a observação de Bonadio, que acredita que as peças se tenham perdido. A investigadora também sugere que a preservação das roupas produzidas não era prioridade de Rangan.111

No âmbito da presente investigação, ao analisar a documentação do setor de acervo do MASP, constatou-se a falta de informações sobre cada peça no momento da doação ao museu, o que nos faz acreditar que catalogação do vestuário produzido não era uma preocupação da equipe envolvida no projeto ‘Seleção Rhodia Moda’.

110 BENARUSH, 2012: 114. 111 BONADIO, 2005: 206.

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Fig. 33 e 34 - Etiquetas identificativas das peças doadas ao Masp.

No geral, as peças de roupa doadas ao MASP eram identificadas por pequenas etiquetas112, que continham uma descrição geral de cada peça, o material no qual foram produzidas e uma breve descrição da estampa ou cor da peça. Apenas algumas etiquetas traziam no verso o nome do autor da estampa (Fig. 33 e 34).

Sabemos que uma equipe que trabalhava quase que unicamente para a Rhodia foi montada por Lívio Rangan, e era essa equipe responsável por idealizar e produzir os ‘desfiles- shows’ e toda campanha publicitária. A equipe era formada por profissionais de prestígio dos meios publicitário, jornalístico e artístico, como Licínio de Almeida (diretor de arte), Cyro del Nero (cenógrafo), Otto Stupakoff (fotógrafo) e Alceu Penna, figurinista e ilustrador. No que concerne à produção das roupas em si, pode-se enumerar como participantes do processo de produção os artistas plásticos convidados a desenvolverem as estampas, as tecelagens que produziam os tecidos - que seriam posteriormente estampados - tendo o fio sintético da Rhodia como matéria-prima, e os costureiros convidados a desenvolverem os modelos.

Assim, se refletirmos a respeito do processo de produção de cada peça e o número de pessoas envolvidas, e fizermos comparação com as informações que constam nas etiquetas, podemos observar que os dados são muito escassos.

É compreensível que a equipe de publicidade da Rhodia não tivesse como objetivo uma ficha de catalogação para cada peça. Afinal elas eram entendidas como um instrumento de divulgação dos produtos têxteis comercializados pela empresa, e não eram concebidas com o intuito de se transformarem posteriormente em peças de museu. Contudo, no momento que

64 essas roupas entram em uma instituição museológica se faz necessário o levantamento de tudo que cerca cada uma dessas peças, o que requer uma catalogação mais abrangente e detalhada.

As primeiras fichas de inventário desenvolvidas pelo MASP mostram já a dificuldade de reunir informações sobre cada uma das peças. Ao analisarmos as 4 fichas de inventário113 apresentadas (Figs.35, 36, 37 e 38), é possível constatar o tipo de informação que era pertinente a todas as peças, e também as informações que não eram padronizadas. De forma geral, as fichas contêm a designação de inventário interno do museu, uma breve descrição da peça, a proveniência - no caso a Rhodia - e ano de aquisição, 1972 - ano da doação. Entretanto, nem todas trazem a indicação de autoria, algumas indicam o nome do estilista, outras o nome da confecção responsável, outras não consta essa informação. As informações em relação às estampas também não seguem um padrão. Algumas apontam a vertente artística representada pela estampa outras o nome do autor da estampa e algumas não trazem essa informação.

Fig. 35 e 36 - Fichas de inventário. Setor de Acervo MASP.

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Fig. 37 e 38 - Fichas de inventário. Setor de Acervo MASP.

No ano de 1975, o então diretor do MASP, Pietro Maria Bardi promoveu uma exposição com parte do acervo doado pela Rhodia mas poucos documentos relativos a essa exposição chegaram até nós. Na Biblioteca e Centro de Documentação do MASP, podemos verificar um texto escrito pelo próprio Bardi, onde este comenta sobre a produção de alguns artistas com peças no acervo e a cópia de uma correspondência endereçada aos artistas explicando a proposta da exposição e requisitando autorização para uma publicação.

“O museu em colaboração com a Rhodia está organizando uma manifestação para lembrar a participação dos nossos artistas no aprimoramento dos desenhos para tecidos. Como a obra do amigo foi escolhida para a dita manifestação, para qual se cogita de exposição e publicação de um agenda, pedimos seu consenso a respeito.

Aproveitamos a oportunidade para enviar nossas saudações, P. M. Bardi.”114

Tal correspondência foi enviada para 13 artista, incluindo Fayga Ostrower. Contudo, a artista não tem estampa atribuída a ela no processo curatorial de 2015, o que demonstra a veracidade do ponto já exposto anteriormente sobre as informações das peças em um primeiro momento: algumas não eram identificadas ou foram possivelmente identificadas de maneira errada.

A pasta sobre a exposição de 1975, além da documentação já mencionada, conta com uma entrevista concedida por Bardi ao Jornal da Tarde publicada em 20 de maio de 1976, porém não tem imagens da referida exposição ou mesmo cópia da ‘agenda’ a ser publicada a qual se refere o diretor do museu na correspondência.

114 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ BIBLIOTECA E CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO. Caixa IV;

66 Ao analisar a documentação disponível no setor do acervo do museu constata-se que desde a data da doação e da exibição de 1975 até à exposição de 2015, muitas interrogações sobre esse acervo permaneceram, e cabe aqui algumas reflexões sobre esse processo de revisão e atribuição dessa coleção enquanto objeto-documento. Nas palavras de Pedrosa e Toledo, curadores da exposição em 2015, “Toda exposição é uma oportunidade para avançar no processo de catalogação das obras, complementando e revisando dados de registro”115

No início do processo curatorial referente à exposição de 2015, a autoria de várias peças era desconhecida ou apresentava dúvidas, tanto referente às estampas quanto aos modelos. A datação de muitas era igualmente desconhecida e em relação a algumas, inclusive, não era certa a sua ligação ao acervo Rhodia. Ao analisar os documentos produzidos no âmbito do processo curatorial de 2015, é possível observar o processo de confirmação de autoria ou atribuição de autoria das peças. O percurso se deu com base na comparação, entre os modelos do acervo e os editoriais publicados nas revistas já mencionadas anteriormente.

As peças publicitárias produzidas pela Rhodia, a priori, traziam crédito aos artistas e criadores, o que permitiu a identificação ou confirmação da autoria de praticamente todas as peças - pelo menos no que concerne à autoria das estampas principalmente. Através da data de publicação das revistas foi possível a datação de um número significativo de modelos. No entanto, as próprias fichas de atribuição assinalam que as imagens publicitárias na maioria das vezes, são provenientes de pesquisas na internet, e por vezes as imagens não trazem número da edição ou data de publicação. Assim, 29 modelos permanecem não datados no acervo do MASP.

Nas fichas de atribuição dos modelos de Glauco Rodrigues (Fig. 39) e Manabu Mabe (Fig. 40), por exemplo, é possível observar que o cruzamento de informações do inventário com as informações das publicações em revistas rendeu a recolha de informações como ano, autoria do modelo, autoria da estampa e matéria prima das duas peças.

115 PEDROSA & TOLEDO, 2015: 7.

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Fig. 39 - Ficha de atribuição, Glauco Rodrigues. Setor de Acervo MASP.

68 Para além do cruzamento de informações com os editoriais publicados, outras fontes também forneceram novas informações. A artista Maria Bonomi reconheceu sua própria estampa, que antes era tida como autoria desconhecida. A filha de Waldemar Cordeiro corrigiu a autoria da peça estampada por seu pai, anteriormente atribuída a outro artista.

Com todo trabalho de pesquisa realizado pelo MASP quatro modelos permaneceram na categoria de ‘Autor desconhecido’ no que toca à autoria das estampas. No entanto, seguindo o mesmo metodologia usado pelo museu para identificação de autoria, conseguimos atribuir mais dois modelos a seus respectivos artistas.

Fig. 41 - Macacão Longo,1965. Fig. 42 - Revista Jóia, publicidade 1965. Fig. 43 - Detalhe da legenda.

O macacão longo de fundo preto (Fig.41) aparece na campanha publicitária da Rhodia de 1965 (Fig.42), que trás para cada peça uma legenda. Lê-se na legenda referente ao

macacão: “[...] tecido estampado de Lula Cardoso Ayres.”116

116 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ SETOR DE ACERVO. Recortes de revistas e jornais, propaganda,

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Fig. 44 - Macacão Longo, 1966. Fig. 45 - Revista O Cruzeiro, 1966.

Em matéria da revista O Cruzeiro (Fig.45), ilustrada com uma foto onde a modelo posa com o macacão de estampa amarela, a legenda atribui a Amélia Toledo a autoria da padronagem. Na mesma fonte a artista ainda definiu sua estampa como “um raio de luz, passando através de topázios, se decompõe neste caleidoscópio harmonioso”117.

Tendo o MASP conhecimento destas informações - que também podem ser encontradas na internet - a razão que levou à não atribuição das estampas aos mencionados autores não é clara.

Durante a presente investigação, o cruzamento de alguns dados pode vir a colaborar para a aproximação de informações mais precisas sobre duas peças. A primeira é um vestido longo túnica atribuído a Carmélio Cruz (Fig. 46) que não é datado - o artista assina estampas de outros dois modelos um de 1965 e outro de 1966. Em reportagem da Revista do Globo, de

117 MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO/ SETOR DE ACERVO. Recortes de revistas e jornais, Revista O

70 agosto de 1965, o próprio artista comenta: “Continuo trabalhando muito para a Bienal; exposição na Galeria Goeldi no Rio, Salão Paulista de Arte Moderna e ainda uma novidade: companhia Rhodia – criar novos padrões para tecidos – coleção 1965.”118

Diante da declaração do artista, que fala do trabalho junto a Rhodia como uma novidade, em 1965, podemos concluir que todas as estampas desenvolvidas por ele sejam de 1965 ou posteriores a esse ano, descartando a possibilidade que o vestido túnica seja de ano anterior.

Fig. 46 - Vestido longo túnica, Carmélio Cruz.

Outra peça que não é datada é o macacão curto com sobre-saia, de estampa de Willys de Castro, que dentre os seis modelos estampados pelo artista é o único sem data atribuída. À coleção MASP Rhodia ainda pertencem mais 2 modelos do ano de 1966, 1 modelo de 1967 e 2 modelos de 1968.

No processo de investigação por nós desenvolvido, de seleção de trabalhos do artista, para a observação comparativa entre estes e as padronagens desenvolvidas por ele para a Rhodia, um estudo de estampa que fez parte de uma exposição na ‘Galeria Almeida e Dale’ em

71 São Paulo sobressaiu-se. Em matéria publicada pelo site ‘Casa Vogue’119 sobre a mencionada exposição, a reprodução do estudo da estampa é vinculado com o título de ‘Estudo de estampa para a Cia Rhodia, 1967, 26x20cm’ (Fig.48).

Fig. 47 - Macacão Curto, Willys de Castro. Fig. 48 - Estudo de estampas, Willys de Castro, 1967.

A composição do canto superior direito da folha de estudos é facilmente relacionada com a estampa do macacão (Fig.47), o elemento compositivo principal é o mesmo, sendo trabalhado na estampa acrescido de cores. A comparação entre a estampa e o estudo sugere que a peça seja de 1967 ou data posterior.

Como já apontado anteriormente, a exposição de 2015 foi uma oportunidade de avanço no processo de catalogação do acervo MASP Rhodia, e a cada investigação sobre esse objeto uma oportunidade de preencher lacunas ainda sem respostas se apresenta. No início desta investigação algumas questões se colocaram, que o cruzamento das informações de diversas fontes não foi capaz de elucidar. Talvez pessoas envolvidas no projeto Rhodia pudessem esclarecer algumas dessas questões. No entanto, o contato com essas pessoas não foi possível, tendo algumas já idade avançada e tendo a maioria já falecido.

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Disponível em <https://casavogue.globo.com/MostrasExpos/Arte/noticia/2015/03/willys-de-castro-ganha- expo-em-sp.html> [consulta em 04/05/2019]

72 A documentação do MASP sobre esse acervo corrobora a nossa percepção sobre a dificuldade de contato com os envolvidos ou seus herdeiros.

“Todos os esforços foram feitos para identificar os detentores dos direitos autorais da publicação ‘Arte na Moda: Coleção MASP Rhodia’. A lista abaixo consta os artistas/herdeiros que não responderam ou não conseguimos contato:

Amélia Toledo Carmélio Cruz Danilo di Prete Fernando Lemos Fernando Martins Gilvan Samico Isabel Pons Ivan Serpa João Suzuki Luigi Zanotto Licínio de Almeida Lívio Abramo

Lula Cardoso Ayres”120

Com o cada vez maior distanciamento temporal dos eventos, e menor número de fontes diretas de informação sobre a empreitada proposta pela empresa francesa, que culminou na formação do acervo MASP Rhodia, fica cada vez mais difícil responder a algumas das questões levantadas e ainda não esclarecidas.

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