CURSO DE DIREITO
VALQUÍRIA OLIVEIRA FERREIRA
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EXERCIDO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS À LUZ DA SÚMULA N° 347/STF NO ÂMBITO DAS SUAS ATRIBUIÇÕES
CONFERIDAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EXERCIDO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS À LUZ DA SÚMULA N° 347/STF NO ÂMBITO DAS SUAS ATRIBUIÇÕES
CONFERIDAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Monografia apresentada à
Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito
F383c Ferreira, Valquíria Oliveira.
O controle de constitucionalidade exercido pelos Tribunais de Contas a luz da súmula nº 347/ STF no âmbito das suas atribuições conferidas pela Constituição de 1988 / Valquíria Oliveira Ferreira. – 2015.
62 f. ; 30 cm.
Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.
Área de Concentração: Direito Constitucional. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.
1. Tribunais de Contas - Brasil. 2. Controle da constitucionalidade - Brasil. 3. Finanças públicas – Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EXERCIDO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS À LUZ DA SÚMULA N° 347/STF NO ÂMBITO DAS SUAS ATRIBUIÇÕES
CONFERIDAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
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Aprovada em: ___/___/______.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________ Prof. Me. William Paiva Marques Júnior (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________ Prof. Dra. Raquel Cavalcanti Ramos Machado
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________ Mestrando Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior
Agradeço a Deus por ser minha fonte inesgotável de sabedoria, força, persistência e por me acolher embaixo de suas asas e sob elas me proteger, guiando meus passos pelos caminhos da justiça.
Agradeço aos meus pais, Lucimar e Valdenir, pelo dom da vida. Vocês não poderiam ter escolhido pessoas melhores para compartilhar a difícil missão que foi/é me educar: meus avós, Fidelquina e Aldenir. Aos meus avós agradeço por tudo. Pelas vezes que vocês disseram que eu era capaz quando muitos diziam o contrário. Agradeço por vocês nunca terem deixado que eu desistisse diante das inúmeras dificuldades que brotaram durante o Curso. Obrigada, vó e vô, pelo amor incondicional e pelo exemplo de humildade e perseverança.
Agradeço a minha irmã, Carina, pelas palavras de incentivo que nunca me faltaram e pela experiência de ser tia da pequena Isabele, que com seu sorriso, ainda sem dentes, me mostra o quão sincero é o amor de uma criança.
Agradeço aos meus tios, tias e padrinhos por preencherem com muito amor as lacunas naturais deixadas pelos meus pais na minha educação. Vocês sempre participaram da minha formação pessoal e acadêmica me aconselhando e me acolhendo nos momentos de dificuldade.
E nesta trajetória não faltaram risadas e momentos de alegrias em companhia dos meus primos, que, insistentemente, retiravam-me dos meus estudos só para colocarem um sorriso em meu rosto. Agradeço aos meus primos, que não são poucos, por me darem a
certeza de que: “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.”
O amor dissolve qualquer medo, nos encoraja. Ao meu namorado, Carlos, agradeço
por fazer dos meus sonhos seus sonhos também, e por ter me ensinado que “para viver um grande amor é preciso muita renúncia em ser e mudança no pensar. É preciso não esquecer que ninguém vem perfeito para nós. É preciso ver o outro com os olhos da alma e se deixar cativar!”
Tribunal de Contas do Estado do Ceará pela generosidade com que me acolheram e com que compartilharam seus conhecimentos. Minha gratidão, em especial, à Renata, pelo companheirismo, cumplicidade e paciência na convivência diária.
A todos os professores que tive pela dedicação incansável à arte de educar, em especial ao meu orientador Prof. William Paiva Marques, e aos demais membros da banca avaliadora, Profa. Raquel Ramos Machado e ao Mestrando Tarcísio Rocha.
“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade, a dor é inevitável. O
sofrimento é opcional”.
Analisa-se, neste trabalho, a competência dos Tribunais de Contas do Brasil para apreciar o controle de constitucionalidade no âmbito das suas atribuições conferidas pela própria Constituição Federal de 1988, e sua relevância para a proteção do erário, e como consequência, garantir a população serviços públicos de qualidade. Nesse esteio, pretende-se mostrar a evolução das Cortes de Contas no ordenamento jurídico brasileiro como órgão independente e autônomo aos demais Poderes do Estado, concomitantemente a demonstração sua essencialidade ao Estado Democrático de Direito, como órgão fiscalizador dos gastos públicos incumbido de auxiliar tecnicamente o Poder Legislativo no exercício do controle externo, bem como sua natureza jurídica e as competências delineadas pelo texto constitucional vigente. Ademais, procura-se demonstrar a participação dos Poderes da República no exercício do controle de constitucionalidade, demonstrando que, apesar do sistema de controle de constitucionalidade ser predominantemente jurídico, os demais Poderes exercem também essa prerrogativa por ser inerente as atividades de todos os Poderes zelar pela supremacia da Constituição como ordenamento jurídico superior. Atenta-se para a Súmula n° 347 do Supremo Tribunal Federal, o contexto histórico e jurídico em que foi editada e o posicionamento contrário ao enunciado sumular, ressaltando os fundamentos para a discordância. Por fim, apresenta-se a relevância do exercício do controle de constitucionalidade pelas Cortes de Contas no âmbito do controle externo para um eficaz controle das finanças públicas.
Palavras-chave: Tribunais de Contas. Controle de Constitucionalidade. Controle Externo.
In this thesis, the competence of the Courts of Auditors of Brazil is studied to value the constitutional control within its powers conferred by the Federal Constitution of 1988 and its relevance to the protection of the treasury, and as a result, ensure population high quality public services. This study is intended to show the evolution of Courts of Auditors in the Brazilian legal system as an independent and autonomous institution to the other branches of government, simultaneously demonstrating their essentiality to the democratic rule of law, as regulator of public spending mandated to assist technically the Legislative power in the exercise of external control, as well as its legal and skills outlined by the current constitutional text. In addition, it seeks to demonstrate the participation of the Republic Powers in the exercise of judicial review, showing that despite the constitutional control system is predominantly legal, the other branches also have this prerogative to be inherent in the activities of all the powers ensuring the supremacy of the Constitution as superior law. Attentive to the Precedent n° 347 of the Supreme Court, the historical and legal context in which it was issued and the position contrary to the sumular statement, highlighting the grounds for disagreement. Finally, it shows the relevance of the practice of judicial review by the Courts of Auditors in the external control for effective control of public finances.
Keywords: Courts of Auditors. Judicial Review. External Control. Precedent n° 347 of the
1 INTRODUÇÃO ... 11
2 TRIBUNAIS DE CONTAS NO BRASIL: ORIGEM, NATUREZA JURÍDICA E COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS ... 13
2.1 Origem e evolução histórica dos Tribunais de Contas no Brasil... 13
2.2 Natureza Jurídica dos Tribunais de Contas...... 16
2.3 Competências conferidas pela Constituição de 1988 aos Tribunais de Contas... 20
3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 26
3.1 O Controle de Constitucionalidade e o Poder Executivo ... 26
3.2 O Controle de Constitucionalidade e o Poder Judiciário ... 31
3.3 O Controle de Constitucionalidade e o Poder Legislativo ... 38
4 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EXERCIDO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS À LUZ DA SÚMULA N° 347/STF NO ÂMBITO DAS SUAS ATRIBUIÇÕES CONFERIDAS PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 42
4.1 A Súmula n° 347 do Supremo Tribunal Federal ... 42
4.2 O Controle de Constitucionalidade exercido pelos Tribunais de Contas ... 47
4.3 O Controle de Constitucionalidade exercido pelos Tribunais de Contas e a proteção ao patrimônio público ... 51
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 56
1.INTRODUÇÃO
A ideia de controle financeiro e orçamentário dos gastos públicos no Brasil remonta ao
período colonial. No entanto, somente com a Proclamação da República em 1889, os
Tribunais de Contas foram constitucionalmente inseridos no ordenamento jurídico brasileiro,
mais precisamente, com a primeira Constituição Republicana de 1891, no seu art. 89, que já
determinava que as Cortes de Contas fossem instituídas para liquidar as contas e verificar sua
legalidade. A Constituição Republicana apropriou-se da ideia contida no Decreto n° 966-A de
7 de novembro de 1890, de iniciativa do então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, que
instituiu o Tribunal de Contas da União.
A definitiva instauração do Tribunal de Contas da União só ocorreu em 1892, com a
regulamentação do Decreto n° 966-A pelo Decreto n° 1.166, de 17 de dezembro de 1892. Rui
Barbosa idealizou um órgão autônomo e independente aos demais poderes da República para
garantir a imparcialidade do exercício de fiscalização dos gastos públicos.
Objetiva-se, com a presente monografia, analisar a competência dos Tribunais de
Contas para apreciar a constitucionalidade de lei ou atos normativos, considerando esta
atribuição mais um mecanismo para o alcance de uma maior efetividade no exercício do
controle externo. Com isso, procura-se demonstrar a relevância desta atribuição das Cortes de
Contas no Estado Democrático de Direito, como mais um recurso para proteção do
patrimônio público.
No primeiro capítulo, atenta-se para os aspectos históricos surgimento dos Tribunais
de Contas no Brasil, seu delineamento no ordenamento jurídico brasileiro a partir da análise
de sua inserção nas Constituições Brasileiras e de cada momento histórico-constitucional em
que se procedeu a sua colocação no Direito Brasileiro. Aprecia-se, ainda, a natureza jurídica
destes Órgãos de Contas perante a Constituição de 1988. Abordam-se, também, as
competências constitucionais conferidas as Cortes de Contas.
No segundo capítulo, conceitua-se o controle de constitucionalidade no Direito
Brasileiro a partir da Carta Política de 1988, bem como a participação dos Poderes da
República na proteção a supremacia constitucional.
No terceiro capítulo, analisa-se a Súmula n° 347 do Supremo Tribunal Federal,
orientação essa que confere aos Tribunais de Contas a possibilidade de exercer o controle de
jurídica quanto à persistência no ordenamento jurídico brasileiro desta Súmula. Ademais,
pretende-se demonstrar as características do exercício do controle de constitucionalidade
exercido pelos Tribunais de Contas. Por fim, propõe-se evidenciar a participação das Cortes
de Contas na defesa o patrimônio público com o fim de assegurar o acesso pela sociedade aos
serviços públicos de qualidade, utilizando, como um dos mecanismos para o alcance deste
objetivo, o exercício do controle de constitucionalidade.
A metodologia utilizada baseia-se em um estudo descritivo analítico, desenvolvido
através de pesquisa bibliográfica, mediante explicações embasadas em trabalhos publicados
sob forma de livros, revistas, publicações especializadas e artigos, que abordem direta ou
2.TRIBUNAIS DE CONTAS NO BRASIL: ORIGEM, NATUREZA JURÍDICA E COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
Uma vez que a República Federativa do Brasil se institui um Estado Democrático, a
atividade de controle tornou-se necessária para garantir a independência e a harmonia entre os
Poderes da União, bem como evitar arbitrariedades e assegurar os direitos da coletividade.
Para o exercício do controle externo, a Constituição de 1988 designou o Poder Legislativo,
representado em nível nacional pelo Congresso Nacional, conforme art. 70, e para auxiliá-lo
incumbiu os Tribunais de Contas, expresso no art. 71 da Carta Magna.
Helio Saul Mileski (2009, p. 103) ressalta que nos Estados que adotam o regime
democrático, foi acentuada a importância dos órgãos de controle, em especial aqueles que se
designam ao controle e fiscalização das contas públicas. O autor realça, ainda, a importância dos Tribunais de Contas, afirmando que “tornou-se o olho do povo, na medida em que verifica se há o regular e legal emprego dos dinheiros públicos e a sua aplicação está direcionada ao interesse público”.
Nesse sentido, este capítulo pretende tratar do surgimento e desenvolvimento dos
Tribunais de Contas no Brasil, atentando para sua importância em cada período histórico do
país, por meio de uma análise sucinta de sua inserção nas Constituições Brasileiras.
Também é apresentado seu delineamento perante a Constituição de 1988, como órgão
de natureza administrativa, autônomo e independente, não compondo nenhum dos Poderes da
União, no entanto, auxiliando a todos Estes. Por fim, faz-se um breve estudo das
competências constantes no art. 71 da Carta Política de 1988 conferidas a este Órgão de
fiscalização.
2.1 Origem e evolução histórica dos Tribunais de Contas no Brasil
A origem dos Tribunais de Contas está intrinsecamente ligada ao controle das finanças
públicas no Brasil e remonta à fase colonial, quando, ainda sobre o domínio e jurisdição
portuguesa, conforme expõe Julio Cesar Manhães de Araújo (2013, p. 120), foram criadas as
Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro. Tal fato ressaltou
a importância de fiscalizar as atividades dos demais órgãos e agentes públicos, principalmente
quanto ao aspecto financeiro.
Com a independência da colônia brasileira, passou-se a defender a criação de um
(ibid, p. 121) expõe que: “com a proclamação da independência do Brasil, 1822, o Erário
Régio, foi transformado no Tesouro Nacional pela Constituição monárquica de 1824,
prevendo-se, então, os primeiros orçamentos e balanço gerais”.
No Primeiro Reinado, a ideia de Tribunal de Contas como órgão de controle foi
sustentada pelos Senadores Felisberto Caldeira Brant e José Inácio Borges, senadores pelas
Províncias de Alagoas e Pernambuco, respectivamente. No entanto, o objetivo não foi
consolidado. De acordo com Alfredo Cecílio Lopes (apud Luiz Eduardo Dias Costa, 2006,
p.23), o motivo seria a forte oposição fundamentada no entendimento de que um Tribunal que
examinaria as contas e os documentos, e não se convertesse em tribunal de fiscalização prévia
das despesas, não teria nenhuma utilidade.
No Segundo Reinado, conforme apresenta Luis Eduardo Dias Costa (2006, p. 23), o
Ministro do Império, Manoel Alves Branco, defendeu a proposta de criação de um Tribunal
de Contas com traços de órgão administrativo com o objetivo de responsabilizar os agentes
incumbidos do manuseio de verbas públicas independente do ministério ao qual estivesse
vinculado, ressaltando a autonomia e imparcialidade do órgão.
Somente com a República e com a regulamentação e a executoriedade conferida ao
Decreto n° 966-A, de 7 de novembro de 1890, de iniciativa do então Ministro da Fazenda Rui
Barbosa, pelo Decreto n° 1.166, de 17 de dezembro de 1892, houve a materialização efetiva
do Tribunal de Contas, como exposto por Helio Saul Mileski (2009, p.95-96).
Com a Proclamação da República, instaurou-se Governo Provisório do Marechal
Deodoro da Fonseca, com o objetivo de realizar a implantação das instituições republicanas e
resolver problemas originados com o final da monarquia, até que houvesse a promulgação de
uma nova Constituição. Para tanto, Rui Barbosa foi convidado para ser o Ministro da
Fazenda.
Com o escopo de modernizar e democratizar a economia do país, o Ministro Rui
Barbosa viu a necessidade da criação de um órgão com a finalidade de fiscalizar a aplicação
dos recursos públicos, entendendo que a medida era imprescindível para o alcance da
estabilidade política e a segurança do sistema financeiro e orçamentário do país, impedindo,
desta forma, o desvio das verbas públicas, como se pode depreender do trecho da Exposição
de Motivos do Decreto n° 966-A, de sua autoria:
Referimo-nos à necessidade de tornar o orçamento uma instituição inviolável e
força da nação, um sistema saibo, econômico, escudado contra todos os desvios, todas as vontades, todos os poderes que ousem perturbar-lhe o curso traçado. Nenhuma instituição é mais relevante, para o movimento regular do mecanismo administrativo e político de um povo, do que a lei orçamentaria. Mas em nenhuma também ha maior facilidade aos mais graves e perigosos abusos.
O primeiro dos requisitos para a estabilidade de qualquer fôrma de governo constitucional consiste em que o orçamento deixe de ser uma simples combinação formal, como mais ou menos tem sido sempre, entre nós, e revista o caracter de uma realidade segura, solene, inacessível a transgressões impunes.
Rui Barbosa idealizou um Tribunal de Contas alicerçado no modelo italiano de
controle onde funcionaria a priori, examinando antecipadamente os atos do Poder Executivo,
e, sob o prisma da legalidade, poderia vetá-los. No entanto, bem diferente do idealizado pelo
mencionado Ministro, o Tribunal de Contas somente assentou-se no nosso ordenamento
jurídico com na primeira Constituição Republicana de 1891, a qual, em seu art. 89, afirmou ser “instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despeza e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso”, onde ficou incumbido ao próprio Congresso decidir sobre a apreciação das contas.
Na Constituição de 1934, os artigos 99 a 102 disciplinaram o Tribunal de Contas como
órgão colaborador do Poder Legislativo e os seus membros tinham as mesmas garantias dos
membros do Poder Judiciário. Consoante Julio Cesar Manhães (2013, p. 127), a Constituição conferiu ao Tribunal de Contas mais efetividade quando, em seu art. 101, disciplina que “os contratos que, por qualquer modo, interessarem imediatamente à receita ou à despesa, só se
reputarão perfeitos e acabados, quando registrados pelo Tribunal de Contas”.
A Carta Política de 1937 foi redigida sob a influência do fascismo, com feições
autoritárias, assemelhando-se à Constituição da Polônia de 1935, marcando o início do Estado
Novo e um retrocesso das instituições democráticas. O excessivo poder nas mãos do Chefe do
Executivo tornou o Tribunal de Contas um órgão de assessoramento do Presidente da
República. Ratificando esse entendimento, José Afonso da Silva (2004, p. 83) aponta que: “Houve ditadura pura e simples, como todo o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República [...].”
Outro aspecto diferenciador dessa Constituição é que a Corte de Contas foi inserida no
capítulo destinado ao Poder Judiciário, conforme aponta Jorge Ulisses Jacoby (2012, p. 776)
O disposto na Constituição de 1934 foi restituído pela Constituição de 1946. O alcance
das Cortes de Contas foi ampliado e definido na Seção VI, inserida no Capítulo II, destinado
ao Poder Legislativo. No art. 77, ficaram estabelecidas as competências do Órgão, destacando
a competência para julgar a legalidade das aposentadorias, reformas e pensões.
O regime ditatorial foi o cenário político da Constituição de 1967. Segundo José
Afonso da Silva (2004, p. 87) a Carta Política de 1967 “reduziu a autonomia individual,
permitindo suspensão de direitos e de garantias constitucionais, no que se revela a mais autoritária do que as anteriores, salvo a de 1937”. A Carta Magna de 1967 restringiu as competências da Corte de Contas e o Ato Institucional n° 5 conferiu ao Presidente da
República amplos privilégios, os quais, poderia, inclusive, intervir nos demais Poderes da
República. A Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969, previu a criação de
Tribunais de Contas pelos Estados e pelos Municípios. Ainda sobre o período ditatorial, José
Afonso da Silva (ibid, p. 733) fez a seguinte observação:
As Cortes de Contas sempre seguem as posições do Poder Legislativo. Quando este está sufocado pelo autoritarismo ou pela perda de atribuições básicas, aquelas sofrem as consequências em grau mais profundo. Ora, princípio da prestação de contas da administração pública, direta e indireta, constante do art. 34, VII, d, só tem eficácia de princípio do Estado Democrático enquanto as demais instituições de apuração dessas contas gozarem de autonomia e prestígio para o cumprimento dessa elevada missão, do contrário tudo não passará de mero exercício de formalidades vazias de resultados práticos.
Por fim, com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, foi atribuído ao
Tribunal de Contas o status de órgão autônomo e independente que, auxiliando o Poder
Legislativo, e não a ele subordinado, compete-lhe fiscalizar as atividades realizadas pelo
Poder Público, verificando a contabilidade de receitas e despesas e a execução orçamentária.
Assim, com essa retrospectiva histórica, nota-se que a Corte de Contas sofreu lenta e
gradativa evolução, chegando ao seu apogeu com a Constituição de 1988, onde adquire o
caráter de instituição livre e independente, necessária a um Estado Democrático.
2.2 Natureza Jurídica dos Tribunais de Contas
O Tribunal de Contas foi idealizado por Rui Barbosa como órgão autônomo, não
pertencente a nenhum dos Três Poderes. O jurista observou na autonomia do Órgão de Contas
a garantia da imparcialidade do exercício de suas funções, conforme exposto no trecho da
Exposição de Motivos do Decreto n° 966-A:
– contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil.
As Cortes de Contas são órgãos dotados de autonomia funcional, administrativa,
financeira e orçamentária conferida pela própria Carta Política de 1988. Como órgãos, são
desprovidos de personalidade jurídica própria, mas possuem capacidade postulatória. Em face
desta configuração, Helio Saul Mileski (2009, p. 99) entende que são “órgãos subordinantes”,
pois não estariam subordinados a qualquer outro organismo estatal.
Conforme art. 70 da Constituição, a função de controle externo é de titularidade do
Poder Legislativo, por ser este composto por representantes diretos do povo. Para o auxílio
dessa função, a Constituição designou os Tribunais de Contas.
O “auxílio” a que se refere o art. 71 da Constituição não comporta a ideia de subalternidade ou hierarquia ao Poder Legislativo, muito menos insere as Cortes de Contas
entre órgãos desse Poder. Assim sendo, Carlos Ayres de Britto (2005, p.60) ressalta que o art.
44 da própria Constituição afirma que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso
Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em nível federal. Para o autor, a Corte de Contas atua junto ao Congresso Nacional, ao seu lado, mas “não do lado de dentro”.
Compartilha do mesmo raciocínio, Odete Medauar (2004, p. 462) quando destaca que
os membros dos Tribunais de Contas têm as mesmas prerrogativas dos Membros do Poder
Judiciário, conforme disciplinado no art. 73, §3° da Carta Magna, salientando a
impossibilidade de inserir o Órgão no Poder Legislativo. Ademais, evidencia que, em face das
disposições constitucionais, as Cortes de Contas são independentes e desvinculadas da
estrutura de qualquer dos três poderes.
Carlos Ayres de Britto (2005, p. 62-63) ao demonstrar que os Tribunais de Contas não
pertencem a nenhum dos três Poderes, sendo órgãos da pessoa jurídica do Ente a qual estão
subordinados diretamente, faz uma comparação a mesma posição jurídica que assume o
Ministério Público. Para o autor, o Parquet exerce papel necessário para o exercício da função
judicante do Estado, assim como os Tribunais de Contas são essenciais a função de controle
Considerando que suas funções são designadas diretamente da Carta Maior, Marçal
Justen Filho (2012, p. 1132) alerta que nenhuma autoridade integrante dos Três Poderes da
República pode intervir sobre o desempenho das competências dos Tribunais de Contas, bem
como nenhuma medida infraconstitucional poderia suprimir alguma de suas atribuições.
Quanto a isso, Eduardo Carrilho Chaves (2009, p.97) ressalta que a supressão de qualquer das
competências atribuídas às Cortes de Contas somente poderia ser feita por emenda
constitucional
Convém destacar o posicionamento de José dos Santos Carvalho Filho (2014, p.
1020), que discorda dos demais autores citados quando diz que o Tribunal de Contas é órgão
que integra a estrutura do Poder Legislativo, quando diz que :
Este [controle externo] é exercido pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas, como enuncia o art. 71 da CF. O Tribunal de Contas é um órgão que integra a estrutura do Poder Legislativo e, por isso mesmo, sua atuação é de caráter auxiliar e especializado, porque colabora com o Legislativo e tem atribuição específica de exercer esse tipo de controle.
Quanto a sua autonomia perante os demais Poderes, ressalta-se o posicionamento de
Luiz Bernardo Dias Costa (2006, p. 69):
As Cortes de Contas auxiliam a todos os Poderes e a todos os órgãos e entidades constitucionalmente autônomos, estendendo seu auxílio até outros entes da Federação (art. 31, §1° e art. 161, parágrafo único, CF). No sistema brasileiro, as Cortes de Contas, não importa o nível federativo em que se encontrem, é órgão constitucional cooperador plural e onímodo de toda a administração financeira-orçamentária, não subsumindo a qualquer um dos Poderes do Estado no desempenho de sua atuação.
Entende Helio Saul Mileski (2009, p. 100-101) que os Tribunais de Contas têm
natureza administrativa, no entanto, não exercem função meramente administrativa, mas sim
de uma jurisdição administrativa. Corrobora esse entendimento, Eduardo Carrilho Chaves (2009, p. 98) quando destaca ser “a jurisdição de contas uma jurisdição própria, anômala e distinta da jurisdição tradicional.”
De acordo com William Paiva Marques Júnior e Germana de Oliveira Moraes (2010,
online), o ordenamento jurídico brasileiro não comporta a jurisprudência administrativa, ainda
exemplifica que as decisões do Tribunal de Contas da União não gozam de definitividade,
José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 1030) explica que o sistema contencioso
administrativo, que contempla uma justiça administrativa paralela à justiça exercida pelo
Poder Judiciário, predomina no sistema jurídico francês. Neste sentido, o autor ainda destaca:
Em ambas as Justiças, as decisões proferidas ganham o revestimento da res iudicata, de modo que a causa decidia numa delas não mais pode ser reapreciada pela outra. É desse aspecto que advém a denominação de dualidade de jurisdição: a jurisdição é dual na medida em que a função jurisdicional é exercida naturalmente por duas
estruturas orgânicas independentes – a Justiça Judiciária e a Justiça Administrativa.
O Brasil adotou o sistema de jurisdição una, influenciado pelo sistema inglês. Neste
modelo apenas os órgãos do Judiciário exercem função jurisdicional. Maria Sylvia Di Pietro
(2014, p. 820) afirma que na função jurisdicional o juiz é terceiro estranho e imparcial quanto
à lide, tornando a decisão definitiva. O que não ocorre com a Administração Pública, que é
parte no conflito:
Na função administrativa, a Administração Pública é parte na relação que aprecia; por isso mesmo se diz que a função é parcial e, partindo do princípio de que ninguém é juiz e parte ao mesmo tempo, a decisão não se torna definitiva, podendo sempre ser apreciada pelo Poder Judiciário, se causar lesão ou ameaça de lesão. (grifos no original)
A autora ainda destaca que: “Portanto, a expressão coisa julgada, no Direito Administrativo, não tem o mesmo sentido que no Direito Judiciário. Ela significa apenas que
a decisão tornou-se irretratável pela própria Administração.” (grifo no original)
Em decorrência da sua natureza jurídica administrativa dos Tribunais de Contas, suas
decisões também são. Como visto, é pacífico o entendimento de que as decisões proferidas
pela Administração Pública não gozam de definitividade jurídica, considerando o disposto no
art. 5°, XXXV da Constituição Federal, onde fica determinado que a lei não excluirá de
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito. No entanto, conforme expõe
Eduardo Carrilho Chaves (2009, p. 100), a atuação do Poder Judiciário sobre as decisões dos
Tribunais de Contas restringe-se apenas à violação do direito, não adentrando ao mérito.
A função de controle externo é de titularidade do Poder Legislativo, a cargo do
Congresso Nacional, órgão de natureza política, e, nesse contexto demonstra preocupação
José Afonso da Silva (2004. p, 738) ao ponderar que devido a sua natureza, seria o controle
externo passível de se contaminar de “inegável teor político”, e que tal possibilidade seria
necessidade da autonomia conferida às Cortes de Contas, portanto, é imprescindível à função
que exerce no ordenamento jurídico.
Resta patente, assim, que independentemente de sua natureza jurídica, os Tribunais de
Contas são garantias institucionais de que a atuação da Administração Pública esteja pautada
nos princípios da legalidade, legitimidade, moralidade, finalidade jurídica e economicidade.
2.3 Competências conferidas pela Constituição de 1988 aos Tribunais de Contas
A Carta Magna, no seu art. 70, conferiu ao Congresso Nacional a função de
fiscalização financeira mediante controle externo da Administração Pública, e no seu art. 71
determina que esta forma de controle exercido pelo Poder Legislativo será auxiliado pelos Tribunais de Contas. É a função única da Corte de Contas: “exercer o controle externo da gestão pública”. Sobre o controle externo, José Afonso da Silva (2004, p. 732) preceitua que:
[...] Consiste, assim, na atuação da função fiscalizadora do povo, através de seus representantes, sobre a administração financeira e orçamentária. É, portanto, um controle de natureza política, no Brasil, mas sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas competente, que assim, se apresenta como órgão técnico [...]
A atividade de controle da Administração Pública, como ressalta Jorge Ulisses Jacoby
(2012, p. 40-42), é direito fundamental e inerente a um Estado Democrático. É interesse da
sociedade, titular dos recursos públicos, ter o conhecimento de como os agentes públicos
desempenham suas atividades em prol do benefício da coletividade. Há duas formas de
controle: controle interno e controle externo. O controle interno é aquele exercido pelo
próprio órgão sobre seus agentes e atividades. Por sua vez, o controle externo é exercido por
órgão distinto, não integrante da estrutura organizacional controlada.
Para o exercício da função de controle externo, a Constituição de 1988 deferiu à Corte
de Contas autonomia administrativa e financeira, tornando-a um órgão independente em
relação a qualquer dos Poderes do Estado, garantindo, desta forma, a imparcialidade na
realização de sua função. No art. 71, anteriormente citado, consta rol de competências
atribuídas ao Tribunal de Contas em âmbito federal para o eficaz exercício da função de
controle externo. É importante salientar que o art. 75 da Carta Magna estende, no que couber,
à organização, composição e fiscalização, as normas previstas na seção IX aos Tribunais de
Contas dos Estados e Municípios, em decorrência do princípio da simetria constitucional.
De início, no inciso I do art. 71 da Carta Magna elenca a competência consultiva ou
contas prestadas anualmente pelo Chefe do Executivo, devendo este parecer ser elaborado em
sessenta dias a contar do recebimento da prestação de contas. A competência é de natureza
meramente administrativa, não cabe ao Tribunal julgar e responsabilizar o Chefe do
Executivo, que, no entendimento de Luiz Bernardo Dias Costa (2006, p. 102), é apenas o “condutor político dos planos de governo, não executa pessoalmente os orçamentos públicos, aplicando as dotações orçamentárias destinadas aos diversos programas de governo”. Por ser um ente político, o julgamento cabe ao Poder Legislativo. No entanto, aos responsáveis pela
execução direta dos planos de governo cabem um julgamento técnico-jurídico realizado pelo
próprio Tribunal de Contas.
O inciso II disciplina a competência judicante do Tribunal de Contas de julgar as
contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da
administração direta e indireta. Cabe observar que essa denominação é um tanto controversa
para essa competência, considerando que, para alguns autores, as Corte de Contas não
exercem função jurisdicional. Quanto a isso, Eduardo Carrilho Chaves (2009, p. 135) explica que “o Tribunal julga contas, não pessoas. As pessoas são responsáveis pelas contas, e é por essa responsabilidade que são alcançadas.”
Essa atribuição permite que as Cortes de Contas imponham sanções aos
administradores públicos quando, no uso de bens e valores públicos causem prejuízos ao
erário e infrinjam a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101/2000).
No que tange à esfera do Direito Eleitoral, essa competência tem expressivo destaque.
Os Tribunais de Contas devem encaminhar a lista contendo os responsáveis que tiveram suas
contas rejeitadas por irregularidade insanável por decisão irrecorrível destas Cortes até o dia 5
de julho do ano em que se realizarem as eleições, considerando o disposto no art. 11, §5° da
Lei n° 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece as normas para as eleições.
Ainda no que se refere à Justiça Eleitoral, é inelegível para qualquer cargo aquele que
tiver suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas nos termos do
art. 1°, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de
Inelegibilidades).
No inciso III, consta a competência fiscalizadora, assim denominada por Luiz
Bernardo Dias Costa (2006, p. 105), de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de
nomeação na Administração Direta e Indireta, aposentadorias, reformas e pensões. Cabe fazer
pois essa não abrange as nomeações para cargos de provimento em comissão, definidos pela
própria Constituição como de livre nomeação e exoneração.
Essa atribuição está intimamente ligada à verificação do aspecto de legalidade,
legitimidade e economicidade dos atos administrativos, zelando pela correta aplicação das
verbas com pessoal, evitando o endividamento público.
O inciso IV evidencia a competência eminentemente técnica do Tribunal de Contas de
realizar inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial nas unidades da administração direta e indireta, ou seja, a verificação in loco
dessas unidades. As Cortes de Controle podem realizar essas auditorias por iniciativa própria
ou por requerimento, a nível federal, da Câmara dos Deputados, Senado Federal ou Comissão
técnica ou de inquérito. Quanto ao controle por auditoria, Jorge Ulisses Jacoby (2012, p. 365)
preceitua que:
No trabalho de auditoria, deve-se verificar a aderência do órgão a normas pertinentes à contabilidade, ao direito financeiro, ao planejamento e à execução do orçamento. É instrumento de controle de menor alcance crítico reflexivo, porque a ação fiscalizadora está rigidamente parametrizada pelas normas.
Essa atribuição confirma a necessidade de um órgão de fiscalização que atue na aérea
financeira e orçamentária e que, agindo de forma preventiva, apurando imediatamente
ilegalidades e irregularidades, garanta a aplicação adequada dos recursos públicos.
Os incisos V e VI disciplinam, também, a competência técnica e fiscalizadora das
Cortes de Contas.
No inciso V, cabe ao Órgão fiscalizar as contas das empresas supranacionais de cujo
capital social a União participe, de forma direta ou indireta. Francisco Eduardo Carrilho
Chaves (2009, p. 140) conceitua empresas supranacionais como: “pessoas de direito público
externo, emergentes no campo do direito internacional público, entidades supranacionais são constituídas por meio de acordo internacionais entre Estados Soberanos”.
O inciso VI conceitua a competência dos Tribunais de Contas de fiscalizar os repasses
voluntários feitos pela União aos Estados-Membros e aos Distrito Federal, e dos Estados aos
Municípios por meio de convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos. Como expõe Pedro
sozinhos, não disporiam dos recursos suficientes.” Eduardo Carrilho Chaves (2009, p. 147) explica o que ocorre no âmbito federal:
Por meio de transferências voluntárias, a União repassa recursos financeiros que lhe pertencem a estados, Distrito Federal e municípios, com a finalidade de realizar obras ou serviços de interesse comum às esferas de governo signatárias dos acordos (interesse público). As aplicações das transferências voluntárias são fiscalizadas pelo TCU, porque a transferência não modifica a natureza dos recursos. Eles não deixam de ser federais, ainda que estejam sendo aplicados por estados ou município.
Como se percebe, o disposto no inciso VI decorre diretamente do disposto no inciso II,
quando fica evidente a competência de fiscalização da aplicação dos recursos exclusivamente
no objeto do convênio, por exemplo. Os Entes que recebem as verbas ficam incumbidos de
prestar contas deste repasse, caso isso não ocorra, deverá ser instaurada uma tomada de contas
especial pela entidade que providenciou a transferência dos recursos, ou em sua omissão, pelo
próprio Tribunal de Contas.
A competência informativa encontra-se presente no inciso VII quando fica
disciplinado que as Cortes de Contas devem prestar as informações solicitadas pelo
Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas comissões,
sobre a fiscalização a qual são incumbidas e sobre resultados de auditorias e inspeções
realizadas.
Deve ser ressaltado que esse dever de prestar as informações solicitadas é inerente a
sua posição como auxiliar do Poder Legislativo na função de controle externo, no entanto,
salienta Carlos Ayres de Britto (2005, p. 62) que “além de não ser órgão do Poder Legislativo,
o Tribunal de Contas da União não é órgão auxiliar do Parlamento Nacional, naquele sentido de inferioridade hierárquica ou subalternidade formal”.
Para Luiz Bernardo Dias Costas (2006, p; 108) a competência informativa se
desdobraria em mais duas atividades: expedir alertas em consonância com o previsto na Lei
de Responsabilidade Fiscal e manter atualizados dados de páginas na Internet sobre contas
públicas das três esferas de poder. Quanto a este último aspecto, Jorge Ulisses Jacoby (2012, p. 434) faz a seguinte observação: “Um dos mais expressivos avanços nesse sentido
[divulgação de informação] foi a criação da homepage „Contas Públicas‟, cujo conteúdo se
alinha com a necessidade de transparência da responsabilidade fiscal, exigida como paradigma da probidade e da eficácia administrativa.”
O art. 71 da Constituição de 1988 prevê, ainda, em seu inciso VIII, a competência
caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei. É
importante ressaltar que aqui o Tribunal age de forma autônoma com o escopo de garantir o
ressarcimento dos prejuízos causados pela má aplicação dos recursos públicos. Cabe destacar,
ainda, que o mérito as decisões dos Tribunais de Contas não está passível de revisão pelo
Poder Judiciário, conforme jurisprudência que se segue:
ADMINISTRATIVO. PREFEITO. IRREGULARIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DURANTE A SUA GESTÃO. OMISSÃO NO TOCANTE À VERBA PÚBLICA REPASSADA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE NO MANDATO ANTERIOR. APLICAÇÃO DE SANÇÃO PELO TCU. LEGALIDADE. [...] III-
Ademais, sobreleva destacar que o mérito das decisões do Tribunal de Contas da União não é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário, cabendo a este último, ao revés, exercer o controle de legalidade do procedimento e dos atos emitidos pelo supracitado órgão de fiscalização, analisando, pois, apenas o aspecto legal e o procedimento adotado pelo referido Tribunal, com o escopo de assegurar o devido processo legal. Inexistindo nos autos qualquer prova nessa
ordem de idéias, sob todos os prismas deve ser mantida a sentença guerreada. [...] (TRF-2 - AC: 375133 RJ 2000.50.01.003751-9, Relator: Juiz Federal Convocado THEOPHILO MIGUEL, Data de Julgamento: 03/06/2009, SÉTIMA TURMA
ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::16/07/2009 -
Página::191)(grifou-se)
Diz o inciso IX que cabe aos Tribunais de Contas assinarem prazo para que órgão ou
entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada
ilegalidade. Este inciso salienta a competência corretiva das Cortes de Contas, quando cabe a
estas fixar prazo para regularização de ato ilegal.
O inciso X também disciplina a competência corretiva dos Tribunais de Contas,
quando diz que cabe as estes Tribunais sustar a execução do ato impugnado quando não
atendido a diligência proposta no inciso anterior, comunicando a decisão ao Poder
Legislativo.
Frisa-se que sustar a execução ato não significa anulá-lo ou revogá-lo. Com a
sustação da execução do ato, este permanece no mundo jurídico, mas sem produzir seus
efeitos, perdendo sua eficácia até que sejam sanados seus defeitos, e com a anulação ou
revogação o ato é retirado do mundo jurídico, é extinto. Conforme Eduardo Carrilho Chaves
(2009, p.150) não cabe ao Tribunal de Contas anular ou revogar ato ou contrato, e sim
determinar que a administração os faça, respeitando os direitos adquiridos.
Para Pedro Roberto Decomain (2006, p. 127) a atribuição de sustar a execução do ato
evitaria as consequências da despesa de um ato irregular, que acarretaria em um posterior
Convém observar que no que se refere aos contratos administrativos, que na definição
de Marçal Justen Filho (2012, p. 420) seria: “o acordo de vontades destinado a criar,
modificar ou extinguir direitos e obrigações tal como facultado legislativamente e em que
pelo menos uma das partes atua no exercício da função administrativa”, o §1° do art.71 da
Constituição de 1988 determina que o ato de sustação do contrato será adotado pelo Poder
Legislativo, não cabendo às Cortes de Contas. No entanto, o §2° do mesmo artigo, disciplina
a competência complementar dos Tribunais de Contas quando em caso de omissão do Poder
Legislativo ou Poder Executivo.
O último inciso do art.71, inciso XI, dispõe sobre o dever de representar ao poder
competente sobre as irregularidades ou abusos verificados, velando pelo princípio da
publicidade, como defende Carrilho Chaves (2009, p. 161) quando diz que: “o TCU não pode
guardar para si as informações relativas a esses fatos”. Algumas irregularidades apuradas pelas Cortes de Contas não cabem a estas aplicar sanções, por conseguinte, cabe informar as
autoridades competentes para tal, tais como: instigar o Poder Judiciário para cobrança judicial
da eventual dívida ou proceder o arresto dos bens; declaração de inidoneidade do particular
para licitar ou contratar com a administração e inabilitação para o exercício de cargo ou
função pública; inclusão no cadastrado a ser enviado à Justiça Eleitoral para que esta inclua o
responsável na lista de inelegíveis; etc..
Assim, é fácil perceber que a Constituição de 1988 alargou e delimitou as
competências dos Tribunais de Contas, sedimentando sua essencialidade à atividade de
controle externo de titularidade do Poder Legislativo, indispensável em um Estado
3. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O conceito de controle de constitucionalidade pressupõe dois princípios do Direito
Constitucional Brasileiro: a rigidez constitucional e a supremacia da constituição. Paulo
Bonavides (2004, p. 83) conceitua constituição rígida como aquela que não pode ser
modificada da mesma forma que uma lei ordinária, “demandam um processo de reforma
solene”, conforme se percebe no art. 60 da Constituição de 1988, que prevê regras diferenciadas para se alterar a própria Carta Magna, distinguindo-a das demais leis.
José Afonso da Silva (2004, p. 45) afirma que da rigidez decorre a supremacia da
constituição, encontrando-se a Carta Política em uma posição hierárquica superior, dela
decorrendo as demais normas. O autor dispõe ainda que:
A constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará
sua superioridade e relação às demais normas jurídicas.
O controle de constitucionalidade é um mecanismo que tem como finalidade a
proteção da supremacia constitucional. Ao verificar a compatibilidade das normas inferiores à
Constituição sob o ponto de vista formal, no que se refere ao processo legislativo, e sob o
ponto de vista material, no que tange ao conteúdo na norma, o controle de constitucionalidade
mantém a ordem no sistema jurídico, e desta forma, garante a eficácia dos direitos
fundamentais, a dignidade da pessoa humana e a participação democrática no exercício do
poder contidos na própria Constituição. Luís Roberto Barroso (2012, p. 24) acrescenta:
Em todo ato de concretização do direito infraconstitucional estará envolvida, de forma explícita ou não, uma operação mental de controle de constitucionalidade. A razão é simples de demonstrar. Quando uma pretensão jurídica funda-se em uma
norma que não integra a Constituição – uma lei ordinária, por exemplo -, o
intérprete, antes de aplicá-la, deverá certificar-se de que ela é constitucional. Se não for, não poderá fazê-la incidir, porque no conflito entre uma norma ordinária e a Constituição é esta que deverá prevalecer. Aplicar uma norma inconstitucional significa deixar de aplicar a Constituição.
Este capítulo pretende expor a participação dos Três Poderes no exercício do controle
de constitucionalidade, considerando que proteger a Carta Política, e, consequentemente, a
ordem jurídica do país, é atividade fim de todos os Poderes.
José Afonso da Silva (2004, p. 49) aponta que “há três sistemas de controle de constitucionalidade: o político, o jurisdicional e o misto”. O autor explica que o controle
político é a comprovação da inconstitucionalidade por órgãos de natureza política:
[...] tais como: o próprio Poder Legislativo, solução predominante na Europa no século passado; ou um órgão especial, como o Presidium do Soviete Supremo da Ex-União Soviética (Constituição da URSS, art. 121, n.4) e o Conseil Constitutionnel da vigente Constituição Francesa de 1958 (arts. 56 a 63).
Nesse contexto, Saul Tourinho Leal (2014, p. 113) e Gilmar Mendes (2014, online)
consideram controle político aquele realizado por qualquer órgão que não seja integrante do
Poder Judiciário, destarte, exemplificam, além do Poder Legislativo, o controle realizado pelo
Poder Executivo.
O Poder Executivo pode realizar, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro,
o controle preventivo e controle repressivo de constitucionalidade, levando em consideração o
momento no qual o controle é exercido.
Quanto ao controle preventivo, Luís Roberto Barroso (2012, p.57) esclarece que se
realiza anteriormente à conversão de um projeto de lei em lei, buscando evitar o ingresso no
ordenamento jurídico de norma inconstitucional. Alexandre de Moraes (2009, p. 707) corrobora quando diz: “[..] o princípio da legalidade e o processo legislativo constitucional são corolários; desta forma, para que qualquer espécie normativa ingresse no ordenamento
jurídico, deverá submeter-se a todo o procedimento previsto constitucionalmente.” Ainda
nesse sentido, Saul Tourinho Leal (2013, p. 118) acrescenta:
Ocorre que o chamado controle preventivo de constitucionalidade não retira uma norma do ordenamento jurídico. E assim o é por uma razão bem simples: Não há norma a ser retirada. A norma ainda não existe. Assim sendo, o que o chamado controle preventivo faz é evitar que uma proposta inconstitucional surja no cenário jurídico.
No processo legislativo, após a deliberação do parlamentar, o projeto de lei
aprovado pelo Congresso Nacional é remetido ao Chefe do Poder Executivo, para sua
apreciação, podendo sancioná-lo, quando de acordo, ou vetá-lo quando entender que o projeto
é inconstitucional ou contrário ao interesse público, nos termos do art. 66, §1° da
Constituição.
Alexandre de Moraes (2009, p. 656) destaca que alguns autores entendem que o
exercício do veto pelo Chefe do Executivo é um direito, outros consideram ser um dever, e
Pedro Lenza (2011, p.520-521) salienta que o veto deve se dar em 15 dias úteis após
o recebimento da proposta. Deve ser observado o prazo para vetar, pois em caso de inércia do
Chefe do Executivo, importará em sanção tácita do projeto, nos termos do art. 66, §3° da
Constituição Federal. O autor ainda destaca que a sanção da presidência não convalida vício
de iniciativa no processo legislativo, ressaltando que a Súmula n° 05/STF, de 13 de dezembro
de 1963, encontra-se superada a partir do advento da Emenda Constitucional n° 1/1969.
O veto pode ser classificado em veto político quanto rejeita projeto de lei contrário
ao interesse público, e veto jurídico quando entende ser inconstitucional. Sobre a matéria,
Michel Temer (2008, p. 141) faz a seguinte observação:
Vetar, na significação constitucional, é discordar dos termos de um projeto de lei. Para tanto, o Chefe do Executivo examina dois aspectos: constitucionalidade e interesse público. Verifica-se, pois a forma e o mérito. O primeiro é prejudicial do segundo e, por isso, constitui preliminar de conhecimento do projeto. Antes de entrar no mérito, o Chefe do Executivo verifica se o projeto é consonante com a Constituição, se não a vulnera. Concluindo pela conformidade, examinará o mérito,
o interesse público.
O Chefe do Executivo tem que expor os motivos do veto, pois sem sua
fundamentação a discordância é considerada inexistente. O veto é irretratável, portanto, após
sua formalização é encaminhado para o Congresso para apreciação.
Cabe salientar que o exercício do veto não é absoluto. Nos termos do art. 66, §4° da
Carta Política, em caso de existência do veto, esse será apreciado em sessão conjunta, dentro
de trinta dias a contar de seu recebimento, podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta
dos Deputados e Senadores. No entendimento de Michel Temer (2008, p. 142) a apreciação
do veto pelo Poder Legislativo, reforçaria a ideia de que “a manifestação constitucionalmente
mais expressiva na formação da lei é a „vontade geral‟, derivada dos representantes do povo” que ele considera ser o Poder Legislativo.
Se o veto for recusado, a lei será novamente remetida para o Chefe do Executivo
para promulgação. Caso o veto seja sustentado pelo Legislativo, o projeto de lei será
arquivado, nos termos do art. 66, §5° da Constituição de 1988.
Michel Temer (2008, p. 141) entende que a participação do Poder Executivo no
O Poder Executivo também exerce o controle repressivo, sucessivo ou a posteriori de
constitucionalidade. Como enfoca Pedro Lenza (2011, p. 240), esta modalidade de controle
recai sobre a lei, não mais sobre o projeto. Luís Roberto Barroso (2012, p. 58) assevera que o
controle repressivo visa paralisar a eficácia da lei que já está em vigor, ou seja, devidamente
inserida no ordenamento jurídico.
O autor acrescenta que o ordenamento jurídico brasileiro admite como regra o
controle a posteriori desempenhado pelo Poder Judiciário e seus órgãos. Concorda com o
autor, Alexandre de Moraes (2009, p. 708) quando declara que o controle de
constitucionalidade repressivo é próprio do Poder Judiciário. No mesmo entendimento segue
Pedro Lenza (2011, p. 242) quando considera que o controle repressivo realizado pelo Poder
Legislativo ou Executivo é exceção à regra do controle posterior ser exercido pelo Judiciário.
Na modalidade de controle de constitucionalidade repressivo, o Chefe do Executivo
pode recusar a aplicação de uma lei ou ato normativo que aprecie ser inconstitucional. No
entanto, a doutrina é contraditória quanto a essa possibilidade, considerando que antes do
advento da Constituição de 1988 e a expansão do rol de legitimados para a propositura da
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI, cabia ser possível a possibilidade de
recusar à aplicação de lei quando reputada inconstitucional, mas após o advento da
Constituição de 1988 e a extensão do rol de legitimados para propor a ADI, conforme se
verifica do art. 103 da Carta Política, não caberia mais opor-se a cumprir lei considerada
inconstitucional, mas sim ajuizar a devida ação perante o Supremo, conforme expõe Saul
Tourinho Leal (2014, p. 123):
Quando o Presidente da República, por meio de todos os inúmeros órgãos que lhe dão assessoramento, entende que uma lei é inconstitucional, cabe a ele ajuizar as devidas ações junto ao Supremo Tribunal Federal. Tanto assim o é que a Constituição da República de 1988 quebrou o monopólio do Procurador-Geral da República quanto ao ajuizamento de ações desta natureza. Teríamos um pouco mais de segurança. Imagine só a aprovação de uma lei de incentivos fiscais para um dado setor. O Poder Público resolve não assegurar os benefícios porque entende que a lei é inconstitucional. Isso sem consultar a nenhuma esfera do Poder Judiciário. Não creio que seja a prática condizente com o Estado de direito.
Luís Roberto Barroso (2012. p, 75) destaca a divergência quanto ao
posicionamento do Chefe do Executivo frente a uma lei inconstitucional, salientando que
ainda permanece na doutrina e jurisprudência a possibilidade de descumprimento de lei
considerada inconstitucional, como a que segue:
POR CONSIDERÁ-LAS INCONSTITUCIONAIS. POSSIBILIDADE. VINCULAÇÃO SUBSEQÜENTE DE TODA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR ELE DIRIGIDA. CHEFE DA POLÍCIA CIVIL QUE DEIXA DE CUMPRIR AS NORMAS DA CORTE DE CONTAS EM RAZÃO DA DECISÃO DO GOVERNADOR DO ESTADO. CONDUTA ILEGAL NÃO-CONFIGURADA. 1. Discute-se nos autos a possibilidade e as conseqüências de descumprimento por Chefe da Polícia Civil de normas internas do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro - doravante apenas TCE - consideradas inconstitucionais pelo Governador do Estado, com caráter vinculante para toda a Administração Pública estadual. [..]
4. Os Chefes dos Poderes Executivos federal, estaduais, distrital e municipais, por tomarem posse com o compromisso de guardar especial observância à Constituição da República (arts. 78 da CR/88 e 139 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro), podem deixar de cumprir lei que entendam por inconstitucional, ainda que sem manifestação do Judiciário a respeito, decisão esta que vincula toda a Administração Pública a eles subordinada e que importa na assunção dos riscos que decorrem de suas escolhas político-jurídicas. Precedente do STF. [..] (RE 547.063/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, Primeira Turma, DJe 12.12.2008) 8. Recurso ordinário provido. (STJ - RMS: 24675 RJ 2007/0174507-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 13/10/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/10/2009) (grifou-se)
DECISÃO: ACORDAM os integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a segurança, nos termos do voto do Relator. EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - ATO DO
PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO PARANÁ, QUE SUSPENDEU A EXECUÇÃO DA LEI ESTADUAL Nº 16.661/2010, NA PARTE RELATIVA AO REAJUSTE DOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES ATIVOS E INATIVOS DO QUADRO DE PESSOAL E DOS CARGOS EM COMISSÃO DO PODER LEGISLATIVO. LEI DE INICIATIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO PARANÁ, QUE TRATAVA ESPECIFICAMENTE DO REAJUSTE DE SEUS SERVIDORES. ACRÉSCIMO, POR EMENDA PARLAMENTAR, DOS § 1º E § 2º AO ART. 1º DA REFERIDA LEI, ESTENDENDO O REAJUSTE AOS SERVIDORES DA ASSEMBLEIA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA PELA AUTORIDADE COATORA EM TRÂMITE NO STF, VISANDO JUSTAMENTE A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS REFERIDOS DISPOSITIVOS LEGAIS. LEGITIMIDADE DA RECUSA EXCEPCIONAL DE
CUMPRIMENTO DA LEI NA PARTE TIDA COMO
INCONSTITUCIONAL.PRECEDENTES DO STF E STJ. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À DIREITO LÍQUIDO E CERTO.PRECEDENTE DESTA CORTE.SEGURANÇA DENEGADA."(...) admite-se excepcionalmente o descumprimento de lei inconstitucional pela Administração, tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição e o fato de a aplicação de lei inconstitucional se equiparar à situação de negativa de aplicação do próprio do texto constitucional. [...] (TJPR, OE, MS nº 1.205.837-4, Rel. E. Des. LUÍS ESPÍNDOLA, julg. unân. 06/10/2014, DJe 21/10/2014). (TJPR - Órgão Especial - MSOE - 1231837-5 - Curitiba - Rel.: Prestes Mattar - Unânime - - J. 02.03.2015)(TJ-PR - MS: 12318375 PR 1231837-5 (Acórdão), Relator: Prestes Mattar, Data de Julgamento: 02/03/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: DJ: 1523 11/03/2015) (grifou-se)
Apesar da divergência doutrinária, autores como Luís Roberto Barroso e Alexandre
de Moraes que defendem a postura de Chefe do Executivo frente a uma lei considerada
inconstitucional fundamentam seu posicionamento na atuação do Poder Público em
conformidade com as regras definidas pela Carta Politica, na função que tem todos os Poderes
3.2 O Controle de Constitucionalidade e o Poder Judiciário
O Poder Judiciário exerce o controle jurisdicional de constitucionalidade que somente
foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Republicana de 1891,
sob a influência norte-americana com o caso Marbury v. Madison. No caso, o juiz Marshall
sustentou a tese de que lei inconstitucional é inválida e que caberia ao Poder Judiciário
declarar sua inconstitucionalidade. Gilmar Mendes (2014, online) dispõe:
O caso Marbury v. Madison reclama superioridade para o Judiciário, argumentando, essencialmente, com a ideia de que a Constituição é uma lei, e que a essência da Constituição é ser um documento fundamental e vinculante. Desenvolve a tese de que interpretar as leis insere-se no âmbito das tarefas próprias do Judiciário. Em caso de conflito entre dois diplomas, o juiz deve escolher, segundo a técnica aplicável, aquele que haverá de reger a situação levada a julgamento. Cabe, por isso, ao Judiciário, diante da hipótese de conflito entre uma lei infraconstitucional e a Constituição, aplicar essa última e desprezar a primeira. Afinal, como todos os Poderes Públicos devem se sujeitar à Constituição, e uma vez que incumbe ao Judiciário a tarefa de interpretar em derradeira instância a Constituição, os atos dos demais Poderes podem ser anulados por decisão do Judiciário, na qualidade de intérprete máximo da Constituição.
No Brasil, adotou-se o sistema jurisdicional de controle de constitucionalidade.
Contudo, não com exclusividade. A regra geral é que compete ao Poder Judiciário o exercício
do controle, por competência constitucionalmente estabelecida, mas frise-se: não significa que
os demais Poderes não possam realizá-lo.
O Poder Judiciário, de forma excepcional, pode realizar o controle preventivo de
constitucionalidade, aquele realizado anterior à inserção da norma no ordenamento jurídico.
Pedro Lenza (2011, p. 237-240) discorre sobre a possibilidade do controle de
constitucionalidade prévio exercido pelo Poder Judiciário quanto decide em sede de Mandado
de Segurança impetrado por Parlamentar a fim de garantir a participação em processo
legislativo: “A única hipótese de controle preventivo a ser realizado pelo Judiciário sobre
projeto de lei que trâmite na Casa Legislativa é para garantir ao parlamentar o devido
processo legislativo, vedando a sua participação em procedimento desconforme com as regras da Constituição”.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou que somente o
parlamentar pode impetrar o mandado em segurança, considerando ser em defesa de direito
público subjetivo, conforme jurisprudência que se segue:
ILEGITIMIDADE ATIVA. "WRIT" PARA CONTROLE JUDICIAL DO PROCESSO LEGISLATIVO. LEGITIMIDADE APENAS DO PARLAMENTAR PARA TANTO. PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. SEPARAÇÃO E HARMONIA ENTRE OS PODERES. PRECEDENTES DA CORTE SUPREMA E DESTA CÂMARA. EXTINÇÃO DO FEITO QUE SE IMPOE, DESDE A INICIAL. SENTENÇA ANULADA. REEXAME PREJUDICADO. 1. "Somente o
parlamentar, e não partido político, possui legitimidade para impetrar mandado de segurança em defesa do direito liquido e certo, seu, à observância das regras constitucionais e legais referentes ao processo de confecção dos atos normativos (Devido Processo Legislativo)" (TJPR - 5ª C.Cível - AC 0490074-5 -
Toledo - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Rogério Ribas - Unânime - J. 13.01.2009); 2. "O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário, sempre que, havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico- constitucional, a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional, pois, nesse domínio, somente ao parlamentar - que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo - assiste legitimidade ativa 'ad causam' para provocar a fiscalização jurisdicional" (RTJ 136/25-26, Min. CELSO DE MELLO). (TJ-PR - REEX: 6413147 PR 0641314-7, Relator: Rogério Ribas, Data de Julgamento: 28/06/2011, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 675) (grifou-se)
O controle posterior ou repressivo é, em regra, exercido pelo Poder Judiciário, na
forma de controle difuso ou concentrado. O modo difuso de controle foi introduzido no
ordenamento jurídico brasileiro por influência norte-americana da repercussão do caso
Marbury v. Madison, ocorrido em 1803. Saul Tourinho Leal (2014, p. 142) acrescenta que
este modelo inspirou os brasileiros republicanos como Rui Barbosa, que consequentemente
trabalharam para inseri-lo na Carta Política. Alexandre de Moraes (2009, p. 709) enuncia
que:
A ideia de controle de constitucionalidade realizado por todos os órgão do Poder Judiciário nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), em que o Juiz Marshall da Suprema Corte Americana afirmou que é próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E ao fazê-lo, em caso de contradição entre a legislação e a Constituição, o tribunal deve aplicar essa última por ser superior a qualquer lei ordinária do poder Legislativo.
O autor expõe ainda que o controle de difuso instaurou-se definitivamente do direito brasileiro com o art. 13, §10 da Lei Federal n° 221/1894, no qual dispõe que: “Os juizes e tribunaes apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de applicar aos casos occurrentes as leis manifestamente inconstitucionaes e os regulamentos manifestamente
incompativeis com as leis ou com a Constituição”.
. O controle difuso, por via de exceção ou defesa, incidenter tantum, tem como
principal característica poder ser realizado por qualquer juízo ou tribunal em análise de um
caso concreto. Luís Roberto Barroso (2012, p. 129) entende que a declaração de