U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
B
RASÍLIA
PROGRAMA DE
P
ÓS
-G
RADUAÇÃO
S
TRICTO
S
ENSU EM
G
ERONTOLOGIA
G
ERONTOLOGIA
A
SO
FICINAS DEJ
OGOST
EATRAIS DEV
IOLAS
POLIN COMOR
EENCANTAMENTOP
OSSÍVELE
MERGIDO NOI
MAGINÁRIO DE UMG
RUPO DEI
DOSOS.
Autor: Pierre Soares Brandão
Orientadora: Prof. Dra. Altair Macedo Lahud Loureiro
PIERRE SOARES BRANDÃO
AS OFICINAS DE JOGOS TEATRAIS DE VIOLA SPOLIN COMO
REENCANTAMENTO POSSÍVEL EMERGIDO NO IMAGINÁRIO DE
UM GRUPO DE IDOSOS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação “Strictu Sensu” em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Gerontologia.
Orientadora: Drª Altair Macedo Lahud Loureiro
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação defendida e aprovada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Gerontologia, defendida e aprovada, em 13 de novembro de 2006, pela banca examinadora constituída por:
____________________________________________________ Profª Drª. Altair Macedo Lahud Loureiro – UCB
Orientadora
____________________________________________________ Profª Drª. Danielle Perin Rocha Pitta – UFPE
Examinadora
____________________________________________________ Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros
Examinador
____________________________________________________ Profª. Drª. Lais Maria Borges de Mourão Sá
Suplente
À Profª. Drª Altair Macedo Lahud Loureiro,
Por todo o mais que me ensinaste e que é parte importante do diferencial na minha história. Por abrir as cortinas e me mostrar este imenso palco repleto de antíteses, imagens e sentidos, encantos e desencantos. Mais que me mostrar a possibilidade do reencanto, conduziste-me neste. Por ser arteira e me fazer desejar sê-lo também.
À minha família,
Por compreender e incentivar-me nesta empreitada. Por ter aceitado de bom grado, embora não sem dor, privar-se de nosso convívio costumeiro por este longo período. Também por transformar cada um dos poucos momentos que tivemos para estarmos juntos, nas mais doces recordações.
Aos meus avós, João (in memorian) e Liberata, Antônio e Sebastiana (in memorian),
Alicerces do meu ser. Por seus afagos macios como toalhas de algodão. Por suas palavras precisas de esquadro e compasso. Pela presença constante, ainda que meus dedos não alcancem os planos nos quais se encontram, ou fazendo cafuné enquanto vigiam meu sono em seus colos. Por tudo que presenciei e pela fé.
Aos Idosos participantes da oficina,
Por me fazer desejar envelhecer e por me reencantar.
Aos Profª. Drª. Carmem, Prof. Dr. Hélio, Profª. Drª. Lucy, Prof. Dr. Luiz Otávio, Prof. Dr. Maurício, Prof. Dr. Vicente, e aos demais professores do curso,
TRADUZIR – SE
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Estruturas evidenciadas nas duas aplicações do teste AT-9 em cada
participante...111
Tabela 2: Respostas dos Quadros-síntese da Participante HCA nas duas aplicações...112
Tabela 3: Respostas dos Quadros-síntese da Participante OAG nas duas aplicações...113
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Sugestão de Planejamento de Aula para oficina ...86
Figura 2: Protocolo AT-9 HCA-20.03.1944 (1ª aplicação)...88
Figura 2.1: A espada...89
Figura 2.2: A toca, o refúgio ...89
Figura 2.3: A árvore ...90
Figura 3: Protocolo AT-9 ‘HCA-20.03.1944’ (2ª aplicação) ...93
Figura 4: Protocolo AT-9 OAG-22.12.1928 (1ª aplicação)...95
Figura 4.1: O Monstro "Coelho comendo peixe" ...96
Figura 5: Protocolo AT-9 ‘OAG-22.12.1928’ (2ª aplicação)...98
Figura 6: Protocolo AT-9 MGPSB-08.09.1939 (1ª aplicação)...100
Figura 6.1: Dois personagens ...101
Figura 6.2: O monstro - "Tubarão"...101
Figura 6.3: Símbolos ascensionais: esposo subindo por uma corda até a espada ...102
Figura 7: Protocolo AT-9 ‘MGPSB-08.09.1939’ (2ª aplicação) ...104
Figura 7.1: Peixe em vias de morder o anzol e puxar o personagem para o rio...104
Figura 7.2: Personagem com a vara de pescar – espada...105
Figura 7.3: O Cavalo ...105
Figura 7.4: O fogo ...106
Figura 7.5: A casa para onde deseja retornar...106
Figura 8: Protocolo AT-9 GJS-24.07.1930 (1ª aplicação)...107
Figura 8.1: Nome dos elementos escrito no desenho ...108
Figura 8.2: Pescando o peixe...109
RESUMO
Ao longo da vida uma pessoa passa por diversas situações que podem ser encantadoras ou desencantadoras, estas situações podem se cristalizar no imaginário e conduzir a um processo de perdas, a um desencantamento que, na velhice, pode se manifestar pela visão negativa do mundo, desinteresse pelo lazer, a perda da energia, da vontade de viver, de se relacionar com outras pessoas e de se adaptar às novas situações do mundo. Pensando nisso e acreditando que o envelhecimento não é só perdas, acreditando no poder transformador do teatro com seus espaços livres, e porque não dizer “espaços de liberdade”, e na importância do imaginário subjacente às nossas atitudes, este trabalho culturanalítico se propõe a conhecer/levantar o imaginário – à luz da Antropologia do Imaginário de Gilbert Durand e da utilização do Arquétipo Teste de Nove Elementos de Yves Durand – de um grupo de idosos praticantes de uma oficina de teatro que se utiliza dos Jogos Teatrais de Viola Spolin na busca do possível reencantamento, ou não, da sua velhice. Entendendo como reencantamento a descoberta ou redescoberta das alegrias da vida durante a velhice. Alegrias estas que podem estar soterradas pelos desencantos que a vida pode oferecer e que se cristalizaram no imaginário, ou que foram privadas/negadas aos idosos, por estes mesmos desencantos.
ABSTRACT
Throughout the life a person crosses diverse situations that can be charming or disenchanting, these situations can be crystallized in the imaginary and lead to a process of losses, to a disenchantment that, in the oldness, can be disclosed for the negative vision of the world, disinterest for the leisure, the loss of the energy, the loss of will of living, the loss of will of relating with other people and adapting to the new situations of the world. Thinking about this and believing that the aging is not alone losses, believing in the transforming power of the theater with its free spaces (and because not to say: “freedom spaces”?), and considering the imaginary importance underlying to our attitudes, this “analytical culture” work considers to know/to raise the imaginary – under the light of the Imaginary Anthropology of Gilbert Durand and the use of the Archetype of Nine Elements Testof Yves Durand - of a group of aged practitioners of a theater workshop that uses the Viola Spolin’s Theater Games in searchs of the possible reenchantment, or not, in oldness of these aged. Understanding reenchantment as the discovery or rediscovery of the joys of the life during the oldness. Joys these that can be under the disenchantments that the life can offer and that had crystallized in the imaginary, or that to be privated/denied the aged, for these same disenchantments.
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS...7
LISTA DE FIGURAS...8
RESUMO...9
ABSTRACT ...10
INTRODUÇÃO ...13
OBJETIVOS ...17
METODOLOGIA...18
ATO 1: O IMAGINÁRIO...20
1.1 AANTROPOLOGIA DO IMAGINÁRIO DE GILBERT DURAND...20
1.1.1 O Regime Diurno... 23
1.1.1.1 Símbolos Teriomórficos ...24
1.1.1.2 Símbolos Nictomórficos...26
1.1.1.3 Símbolos Catamórficos ...27
1.1.1.4 Símbolos Ascensionais...28
1.1.1.5 Símbolos Espetaculares ...29
1.1.1.6 Símbolos Diairéticos ...30
1.1.1.7 Estrutura Esquizomorfa: Heróica ...31
1.1.2 O Regime Noturno ... 33
1.1.2.1 Os Símbolos da Inversão ...33
1.1.2.2 Os Símbolos da Intimidade...35
1.1.2.3 Os Símbolos Cíclicos ...36
1.1.2.4 Estrutura Antifrásica: Mística...38
1.1.2.5 Estruturas Disseminatórias: Sintéticas ...39
1.1.2.6 Não-estruturas ou Estruturas Defeituosas ...40
1.2 OARQUÉTIPO TESTE DE NOVE ELEMENTOS (A.T.–9), DE YVES DURAND...41
1.2.1 Os Elementos do Teste... 42
1.2.1.1 A Queda...42
1.2.1.2 O Monstro Devorante ...44
1.2.1.3 A Espada...45
1.2.1.4 O Refúgio ...46
1.2.1.5 A Água...48
1.2.1.6 O Animal ...50
1.2.1.7 O Fogo ...51
1.2.1.8 Alguma Coisa Cíclica (que gira, que se reproduz, ou que progride) ...52
1.2.1.9 O Personagem...54
ATO 2: O TEATRO E OS JOGOS TEATRAIS DE VIOLA SPOLIN...56
2.1 AEXPRESSÃO TEATRAL...56
2.1.1 Os Espaços do Teatro... 58
2.1.1.1 O Espaço Físico do Teatro...59
2.1.1.1.2 O Cenário...62
2.1.2 Os Espaços Imaginários do Teatro ... 66
2.1.2.1 O Espaço do Teatro no Imaginário de um Grupo de Idosos ...68
2.1.3 As Oficinas De Teatro ... 71
2.1.3.1 As Oficinas e Suas Metodologias...71
2.2 OS JOGOS TEATRAIS DE VIOLA SPOLIN...72
2.2.1 O Jogo ... 73
2.2.2 Transposição do Processo de Aprendizagem para a Vida Diária ... 75
2.2.3 Expressão de Grupo ... 77
2.2.4 Técnicas Teatrais... 78
2.2.5 Aprovação/Desaprovação ... 79
2.2.6 Fisicalização... 82
2.2.7 Platéia... 83
ATO 3: RESULTADOS E DISCUSSÃO ...85
3.1 AOFICINA...85
3.2 AVALIAÇÃO/ANÁLISE DOS PROTOCOLOS AT-9 ...87
3.2.1 Participante ‘HCA-20.03.1944’ ... 87
3.2.1.1 Primeira Aplicação ...87
3.2.1.2 Segunda Aplicação ...92
3.2.2 Participante ‘OAG-22.12.1928’ ... 95
3.2.2.1 Primeira Aplicação ...95
3.2.2.2 Segunda Aplicação ...98
3.2.3 Participante ‘MGPSB-08.09.1939’ ... 100
3.2.3.1 Primeira Aplicação ...100
3.2.3.2 Segunda Aplicação ...103
3.2.4 Participante ‘GJS-24.07.1930’... 107
3.2.4.1 Primeira Aplicação ...107
3.2.4.2 Segunda Aplicação ...109
EPÍLOGO ...111
BIBLIOGRAFIA ...118
ANEXOS ...125
ANEXO I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...126
ANEXO II – FICHAS DE JOGOS DE TEATRAIS DE VIOLA SPOLIN...128
ANEXO III – PROTOCOLOS AT-9 COMPLETOS ...135
INTRODUÇÃO
“Existir no tempo nos foi mostrado como uma corrida infausta: cada dia uma perda,
cada ano um atraso” (LUFT, 2004: 127). Esta apresentação negativa que nos é feita da
velhice tem até sua razão de ser, numa visão ocidental, na área da saúde, pois o processo de
envelhecimento, manifesta-se fisiologicamente pela desestruturação gradual da função e
capacidade de resposta aos estresses ambientais, caracterizando-se tanto pela redução do
número de células quanto pelo funcionamento desordenado das restantes. Nesse processo há
a perda de massa muscular, diminuição da função cardiocirculatória paralela ao declínio da
atividade respiratória e metabólica.
No entanto, a mesma Luft (2004: 128) nos traz à tona que
“... a possibilidade de ter saúde, projetos e ternura até os 90 anos é real, dentro das limitações de cada período. Quando não pudermos mais realizar negócios, viajar a países distantes ou dar caminhadas, poderemos ainda ler, ouvir música, olhar a natureza; exercer afetos, agregar pessoas, observar a humanidade que nos cerca, eventualmente lhe dar abrigo e colo”.
No sentido de diminuir, ou mesmo postergar as “limitações de cada período”,
oferece-se a atividade física a grupos de terceira idade com a finalidade de proporcionar melhores
condições de vida durante o processo de envelhecimento atuando a nível orgânico e, segundo
Meirelles (2000: 28), proporcionando elasticidade; aumento da prontidão para o exercício;
ampliação da mobilidade das pequenas e grandes articulações; fortalecimento da
musculatura; melhoria da função do sistema cardiorespiratório; melhoria da resistência;
aumento da habilidade; da capacidade de coordenação e reação; e a nível neuropsicológico
proporcionando aumento de sensação de bem-estar; melhora da auto-estima e autoconfiança;
No sentido de oferecer um conjunto maior de alternativas, caso as limitações do
período sejam inevitáveis, pensa-se, neste trabalho, na utilização do teatro, mais
especificamente dos jogos teatrais de Viola Spolin, como uma forma de reencantar a velhice,
redescobrir as alegrias da vida e alcançar um olhar positivo do mundo que nos cerca.
Costuma-se trabalhar o corpo, no teatro, através de exercícios chamados de “jogos”,
que podem ser de vários tipos: dramáticos, improvisacionais, de exercícios, de regras,
simbólicos, entre outros. Cada jogo apresenta uma característica diferente e desta forma,
conduz a um resultado distinto, seja no ganho de alongamento muscular, de coordenação
motora, de equilíbrio, de memória, ou apenas de momentos de descontração com os amigos
onde o rir e o viver sejam o foco principal.
Os jogos teatrais vêm sendo freqüentemente utilizados no contexto da educação onde
são muitas vezes relacionados com uma forma de aprendizagem cognitiva, afetiva e
psicomotora para o desenvolvimento intelectual; e na preparação de atores. No entanto ainda
não têm sido utilizados no contexto da promoção da saúde e da qualidade de vida.
Uma definição precisa dos jogos teatrais de Viola Spolin, é apresentada por Koudela
(2001: 12) ao afirmar que estes “são baseados em problemas a serem solucionados. O
problema a ser resolvido é o objeto do jogo que proporciona o ‘Foco’. As regras do Jogo
Teatral incluem a estrutura dramática (Onde?, Quem?, O Que?) e o objeto (Foco), mais o
acordo de grupo”.
Assim, valer-se dos jogos teatrais com grupos de idosos, não significa trabalhar
somente o físico, mas também aspectos psicológicos envolvidos principalmente na
auto-regulação do self, tais como autoconceito, auto-eficácia e senso de controle.
É na busca de caminhos para um envelhecimento saudável, de uma melhor qualidade
que este projeto se constrói. Na tentativa de que os preconceitos pessoais e estigmas culturais
não se cristalizem no imaginário de idosos participantes de uma oficina de teatro que utilize
uma metodologia específica – a dos Jogos Teatrais propostos por Viola Spolin1 – de forma a
ser um caminho para uma velhice saudável e encantada e proporcionando liberdade pessoal
de criar e ser no teatro para que, desde que seja sua vontade, o idoso possa ser e criar na sua
velhice.
Para seguir nesse caminho, conta-se com a teoria de Gilbert Durand sobre a
antropologia do imaginário e de Yves Durand com seu Arquétipo Teste de Nove Elementos.
A somatória, desta forma, é o prisma pelo qual foi observada a possibilidade do
reencantamento, ou não, na velhice dos idosos que participaram da oficina proposta neste
trabalho.
O Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, descreve que o “encantamento
social pressupõe envolvimento intelectual e afetivo, criando uma mágica motivadora em que
as pessoas cada vez mais são estimuladas a criar e participar” (CULTURA VIVA, 2006, on
line).
Pesavento (2002: 2) descreve que desde o iluminismo, até os dias de hoje, passando
por várias correntes filosóficas, “constrói-se um processo de dessacralização do mundo
presidido pelo capitalismo. A reprodutividade técnica e a razão científica marcam o fim das
visões tradicionais e o desencantamento do modo de apreensão do real”.
É ainda ressaltada por Pesavento (2002: 4) a opinião de Sérgio Buarque de Holanda,
que nos oferece uma origem histórica ao formato do encantamento brasileiro:
Sérgio Buarque acentua bem a característica do espírito português neste contexto de encantamento: os lusos marcam como que um recuo diante da geografia do fantástico, da cartografia do maravilhoso e das narrativas do exótico, recorrentes entre outros povos. Como assevera o autor, o sentido prático dos portugueses tomara o lugar da
imaginação criadora, fazendo com que as visões do paraíso tivessem um espaço restrito na América Portuguesa.
Maffesoli (1995 apud FOSSATI, 2005: 3) apresenta o termo reencantamento “como o
retorno a algo, que, por um tempo significativo, foi denegado”. Fossatti (2005: 4) ainda
acrescenta que, “paralelamente a todo este processo, a imagem vai refazer-se estruturalmente,
através da emoção. Assim, o que se acreditava estar ultrapassado, retorna contra a
racionalização generalizada da existência, através do reencantamento”.
G Durand (2002, p. 403) refere-se à “figura da nossa esperança essencial” e à vocação do espírito pelo fantástico ao afirmar que: “ a vocação do espírito é insubordinação à existência e a morte e a função fantástica manifesta-se como padrão dessa revolta”. Assim sendo o reencantamento é possível uma vez que o encanto fantástico é vocação do espírito.
Assim, trabalhou-se neste projeto sob a idéia de reencantamento como a redescoberta
dos encantos da vida que podem ter se perdido ao longo do percurso desta; da liberdade
pessoal para viver e estar feliz consigo mesmo, e uma visão positiva do mundo, conduzindo a
OBJETIVOS
GERAL
Identificar o possível reencantamento na velhice de idosos que participam de uma
oficina de teatro baseada nos Jogos Teatrais de Viola Spolin, através da leitura durandiana do
micro-universo mítico evidenciado pelo Arquétipo Teste de Nove Elementos de Yves
Durand.
ESPECÍFICOS
Têm-se como objetivos específicos:
• Utilizar, em dois momentos distintos – antes e depois da oficina – do teste A.T.
– 9 de Yves Durand em um grupo de idosos participantes de uma oficina de
teatro que trabalha os Jogos Teatrais de Viola Spolin;
• Identificar na observação, na escuta e nos testes os encantos, desencantos e o
possível reencantamento do grupo;
• Acompanhar o desenvolvimento da oficina, através de uma observação
não-participante, coletando dados míticos relevantes para o trabalho de interpretação;
• Comparar os resultados dos testes realizados antes e depois das oficinas e da
METODOLOGIA
Este trabalho de cunho qualitativo culturanalítico adota esta metodologia com a
finalidade de identificar e analisar as representações simbólicas da velhice no imaginário de
um grupo de idosos que participam de uma oficina de teatro que utiliza a metodologia dos
Jogos Teatrais de Viola Spolin, na cidade de Palmas – TO, objetivando o possível
reencantamento na velhice destes idosos.
“A culturanálise é um campo de pesquisa, um ‘objeto’ a ser investigado, mas também
’um instrumento’- ferramenta para conhecer e mapear a cultura do(s) grupo(s) formado(s) ou
em formação; é um elemento de base na descoberta dos indicadores sociais e antropológicos,
um diagnóstico sócio-antropológico da existência do grupo (...)” (Loureiro, 2004: 20).
Para tal, valeu-se da utilização do Arquétipo Teste de Nove Elementos – AT-9 de
Yves Durand (1988) antes e após o período de realização da oficina de teatro referida, com a
finalidade de uma observação comparativa acerca do imaginário e das representações deste tal
qual proposto por Gilbert Durand (2002).
A observação – Pedagogia da Escuta – não participante das aulas/oficina para coletar
dados pertinentes ao trabalho foi realizada durante toda a investigação objetivando a melhor
interpretação e análise do processo e dos resultados.
Os testes foram utilizados com idosos2 com idade igual ou superior a sessenta anos e
que foram selecionados aleatoriamente tendo o fator idade, acima comentado, como critério
de inclusão ou exclusão na pesquisa, bem como a disponibilidade dos mesmos para tal. No
total, doze idosos participaram da oficina e destes, apenas quatro realizaram o teste, sendo
ATO 1: O IMAGINÁRIO
Neste capítulo apresentar-se-á o obtido na leitura pontuada da obra de Gilbert Durand
sobre a Antropologia do Imaginário que norteará a interpretação dos dados míticos
levantados na pesquisa. O mesmo se aplica ao Arquétipo Teste de Nove Elementos de Yves
Durand.
1.1
A Antropologia do Imaginário de Gilbert Durand
Segundo Gilbert Durand (apud Loureiro, 2004:15/16) o imaginário é “o conjunto relacional de imagens que constituem o capital pensado do homo-sapiens, ou ainda, como o autor expressa no Colóquio de Washington (1984), um campo balizado pelo ‘conjunto das representações’ numa cultura dada”
Para se entender o imaginário é necessário entender antes o que são as imagens que
nele residem e como e com o que se relacionam. As imagens são transfiguradas e
reorganizadas no imaginário, o que conduz a novas relações que se tornam visíveis nas
representações. Como registra Bachelard (apud G Durand, 2002:30) “muito longe de ser
faculdade de ‘formar’ imagens, a imaginação é potência dinâmica que ‘deforma’ as cópias
pragmáticas fornecidas pela percepção”.
“A imagem – por mais degradada que possa ser concebida – é ela mesma portadora
de um sentido que não deve ser procurado fora da significação imaginária” (G. DURAND,
2002: 29), desta forma, a imagem diferencia-se, em significado, das representações
A imagem conduz o pensamento e as ações. Pradines (apud G. Durand, 2002: 29),
“nota (...) que o pensamento não tem outro conteúdo que não seja a ordem das imagens”;
Jung (apud G Durand, 2002: 30) viu “que todo o pensamento repousa em imagens gerais, os
arquétipos, ‘esquemas ou potencialidades funcionais’ que ‘determinam inconscientemente o
pensamento” e Bachelard (apud, G Durand, 2002:30) intui que “a imaginação é dinamismo
organizador e esse dinamismo organizador é fator de homogeineidade na representação (...) e
que (...) as leis da representação são homogêneas”. Há uma coerência entre o sentido e o
símbolo que não é confusão, pois esta coerência pode afirmar-se numa dialética. (G Durand,
2002:30). “O símbolo (...) possui algo mais que um sentido artificialmente dado e detém um
essencial e espontâneo poder de repercussão” (Bachelard, apud. G. Durand, 2002:31).
O imaginário se forma de subjetividade interna (pulsões), que se simbiotiza com o
externo (pressões) – “trajeto antropológico” - e os símbolos que nele se formam e nele estão
contidos possuem seu significado também dentro deste terreno.
O imaginário não deve ser confundido com a imaginação. Esta última é um processo
consciente, fruto das relações cognitivas, do raciocínio, do pensar, do planejar. O imaginário
consiste na formação de imagens. Esta imagem nos vem, imediatamente, sem que tenhamos
que parar e pensar; é automática.
Quando um pintor inicia um quadro, mesmo sem planejar e antes de ter uma idéia, já
nas primeiras pinceladas emerge seu imaginário; as imagens, ou conjunto de imagens, sua
visão do mundo. Isto vai identificar, encaminhar a sua obra, que diferenciar-se-á das demais
por seu inédito imaginário, sua postura na vida diante da idéia da morte.
Um escritor, por mais que se utilize de técnicas e métodos, o seu texto será um esboço
do caleidoscópio que é seu imaginário. Mesmo que use toda sua capacidade de reflexão e
criação passa antes pelo imaginário. O imaginário suporta a obra de criação, assim como
conduz a maneira de viver a vida.
É por isso que, como G. Durand (2002: 64) afirma, “as estruturas, tal como os
sintomas na medicina, são modelos que permitem o diagnóstico e a terapêutica”.
Posteriormente, Yves Durand (1988) comprova esta premissa criando o Arquétipo Teste de
Nove Elementos – o AT – 9, instrumento culturanalítico do qual se faz uso nesta pesquisa.
Com tal possibilidade de diagnóstico, e com este instrumento, o AT-9, podemos
identificar, conhecer, levantar o imaginário do grupo de idosos das oficinas, assim como em
textos, pinturas, discursos, observações de comportamento e postura. As imagens nunca são
desconexas. “O ‘analogon’ que a imagem constitui não é nunca um signo arbitrariamente
escolhido; é sempre extrinsecamente motivado, o que significa que é sempre símbolo”. (G.
DURAND, 2002: 29). G. Durand (idem) afirma ainda que “no símbolo constitutivo da
imagem há homogeneidade do significante e do significado no seio de um dinamismo
organizador e que, por isso, a imagem difere totalmente do arbitrário do signo”.
G. Durand (2002), com base em diversos autores, entre eles Jung, apresenta a
universalidade dos arquétipos em contraponto ao símbolo que necessita estar contextualizado
para significar.
Paula Carvalho (1990: 45), ao referir-se ao símbolo, parte do termo “Sinn-Bild” ao
dizer que
As imagens se formam e se encontram no trajeto antropológico. O imaginário “é o
campo geral da representação humana, sem qualificação explicativa ou prática” (G.
DURAND, 2002).
G. Durand (2002: 41) afirma que o imaginário se forma no trajeto antropológico definindo trajeto antropológico como “a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social”.
Os arquétipos servem de âncora no imaginário, fazendo com que as imagens se agreguem a eles, assim pode se dizer que um arquétipo é um nó aglutinador no qual as imagens se ancoram formando estruturas fluidas possuidoras de um dinamismo transformador.
G. Durand propõe uma bipartição das imagens em dois regimes – diurno e noturno – e, com base na reflexologia, propõe ainda uma tripartição em três estruturas do imaginário: a heróica, a mística e a disseminatória, localizadas, a primeira – heróica – no regime diurno e as duas ultimas – mística e disseminatória – no regime noturno.
Estes regimes – diurno e noturno – são antagônicos, correspondendo a estruturas com
características bem diferentes, as quais serão comentadas nas próximas seções.
1.1.1 O Regime Diurno
G.Durand (2002: 67) define o regime diurno como o regime da antítese, ressaltando
o dualismo das metáforas da noite e do dia, a antítese luz-trevas encontrada nos poetas
místicos, nos ditos dos trovadores, entre outros. “O regime diurno tem a ver com a dominante
postural, a tecnologia das armas, a sociologia do soberano mago e guerreiro, os rituais da
elevação e da purificação” (G. DURAND, 2002: 58).
Quanto ao regime noturno, G. Durand (2002: 68) apresenta o regime noturno da
imagem dividido em duas grandes partes antitéticas, “a primeira – de que o sentido do título
se desenha o brilho vitorioso da luz; a segunda manifestando a reconquista antitética e
metódica das valorizações negativas da primeira”.
O regime diurno abriga a estrutura heróica, com os símbolos teriomórficos, os
nictomórficos, os catamórficos, os ascensionais, os espetaculares e os diairéticos e esta
estrutura é diposta em dua partes.
Na primeira parte antitética, conforme divisão acima, que G. Durand apresenta sob o
título “As faces do tempo”, encontram-se os símbolos teriomórficos, os nictomórficos e os
catamórficos, que serão comentados a seguir. Na segunda, que G. Durand intitula “O cetro e o
gládio”, encontram-se os símbolos ascensionais, os espetaculares e os diairéticos, comentados
logo na sequência.
1.1.1.1 Símbolos Teriomórficos
Os símbolos teriomórficos correspondem aos símbolos animais que, segundo G.
Durand (2002: 70), se referem, por exemplo, ao ar e à ascensão (com o pássaro); à
fecundidade, a gulliverização, o encaixe (com o peixe); e à transformação temporal e a
perenidade ancestral (com a serpente). G. Durand (2002: 71) lembra que se deve considerar
que, ao se trabalhar com os símbolos teriomórficos, é necessário primeiro buscar o sentido do
abstrato espontâneo que o arquétipo animal em geral representa e não se deixar levar por
alguma implicação particular, desembaraçando-se das explicações empiristas que geralmente
são dadas como motivos à zoolatria e à imaginação teriomórfica.
O resumo abstrato espontâneo do animal, tal como ele se apresenta à imaginação sem
as derivações e as especializações secundárias, é constituído por um esquema do animado. G.
Durand (2002: 73) ressalta que, “para a criança pequena, como para o próprio animal, a
inquietação é provocada pelo movimento rápido e indisciplinado. Todo animal selvagem,
interessante observar que as percentagens de respostas animais e de respostas cinestésicas,
relacionadas ao movimento em si, são inversamente proporcionais, numa compensação
mútua: “o animal não é mais que o resíduo morto e estereotipado da atenção ao movimento
vital” (G. DURAND, 2002: 73).
Faz-se importante, para as análises dos protocolos do teste AT-9 realizados pelos
idosos participantes das oficinais teatrais de Spolin observar que “a grande proporção de
respostas animais é sintoma de um bloqueio da ansiedade” e “que o aparecimento da
animalidade na consciência é, portanto sintoma de uma depressão da pessoa até os limites da
ansiedade” (G. DURAND, 2002: 73).
G. Durand (2002: 84) cita Bachelard ao apresentar o deslizamento do esquema
teriomórfico para um simbolismo “mordicante”, quando o fervilhar anárquico transforma-se
em agressividade, em sadismo dentário. Desta forma, ressalta que as imagens animais e os
mitos de luta animal tão presentes no imaginário das crianças compensa, progressivamente,
os seus legítimos sentimentos de inferioridade. “Muitas vezes, no sonho ou na fantasia
infantil o animal devorador metamorfoseia-se em justiceiro. Mas, na maior parte dos casos, a
animalidade, depois de ter sido o símbolo da agitação e da mudança, assume mais
simplesmente o simbolismo da agressividade, da crueldade”. Aqui se tem a representação da
boca armada com dentes cerrados, pronta a triturar e morder, e não da simples boca que
engole e que chupa.
G. Durand (2002: 89) refere-se à análise de 250 contos e mitos americanos registrados
por S. Comhaire-Sylvain consagrados ao casamento nefasto de um ser humano e um ser
sobrenatural:
diabo toma a aparência de um animal feroz: leão, leoa, touro etc. Em contrapartida, o cavalo parece eufemizar-se (..) em 17 casos.”
1.1.1.2 Símbolos Nictomórficos
Os símbolos nictomórficos são símbolos representando as trevas, são “animados em
profundidade pelo esquema heraclidiano da água que corre ou de cuja profundidade, pelo seu
negrume, nos escapa, e pelo reflexo que redobra a imagem como a sombra redobra o corpo”
(G. DURAND, 2002: 111).
G. Durand (2002: 91) cita Bohm para apresentar que o choque diante do negro
provoca experimentalmente uma “angústia em miniatura”, a qual seria “psicologicamente
baseada no medo infantil do negro, símbolo de um temor fundamental do risco natural,
acompanhado de um sentimento de culpabilidade”. É descrito que “nas experiências de
sonho acordado nota-se (...) que as paisagens noturnas são características dos estados de
depressão” (G. DURAND, 2002: 91).
São descritos, ainda, por G. Durand alguns pontos das experiências de Desoille em
que se nota um choque diante do negro: “uma ‘imagem mais escura’, uma ‘personagem
vestida de negro’, um ‘ponto negro’ emergem subitamente na serenidade das fantasias
ascensionais, formando um verdadeiro contraponto tenebroso e provocando um choque
emotivo que pode chegar à crise nervosa” (G. DURAND, 2002: 91).
O teatro ocidental sempre veste de negro as personagens reprovadas ou antipáticas:
Tartufo, Mefistófeles entre outros. Relacionando as trevas à cegueira, tem-se aqui a figura do
cego, reforçada ainda pelos símbolos da mutilação e relacionada à negatividade em todos os
seus aspectos, espalhando-se ainda a outros termos, sartrianos, relacionados, como “vesga”,
Outro símbolo nictomórfico diz respeito à água hostil, à água negra. Segundo G.
Durand (2002: 97),
“a primeira qualidade da água sombria é seu caráter heraclidiano (...) a água que escorre é amargo convite à viagem sem retorno: nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio e os cursos de água não voltam à nascente (...) A água noturna, como o deixavam pressentir as afinidades isomórficas com o cavalo ou com o touro, é portanto, o tempo. É o símbolo mineral que se anima com mais facilidade. Por isso é constitutiva desse arquétipo universal ao mesmo tempo teriomórfico e aquático, que é o Dragão”.
Analisando os aspectos secundários da água noturna, pode-se chegar a outro elemento
de observação: as lágrimas, lágrimas que podem introduzir diretamente o tema do
afogamento. “A água estaria ligada às lágrimas por um caráter íntimo, seriam uma e outras a
‘matéria do desespero’” (G.DURAND, 2002: 98).
Uma outra imagem freqüente na constelação da água negra é a cabeleira, que faz,
“imperceptivelmente deslizar os símbolos negativos que estudamos para uma feminização
larvar, feminização que será definitivamente reforçada por esta água feminina e nefasta por
excelência: o sangue menstrual”. (G.DURAND, 2002: 99)
1.1.1.3 Símbolos Catamórficos
Os símbolos catamórficos referem-se à queda, ao movimento de correção postural. A
queda, que seria uma das primeiras experiências do medo “estaria (...) do lado do tempo
vivido” (G. DURAND, 2002: 112).
“O engrama da queda é, com efeito, reforçado desde a primeira infância pela prova da gravidade que a criança experimenta quando da aprendizagem penosa no andar. O andar passa de uma queda corretamente utilizada como suporte da postura vertical, e cuja falha é provada por quedas reais, choques, pequenos ferimentos que agravam o caráter pejorativo da dominante reflexa.” (G. DURAND, 2002: 113).
G. Durand (2002:114) lembra ainda que “introduz-se no contexto físico da queda uma
relacionada aos pecados da fornicação, inveja, cólera, idolatria e assassínio. Aqui se verifica a
feminilização do símbolo: a mulher, de impura pelo sangue menstrual (também visto como
resultado da queda) passa a ser responsável pelo pecado original, o pecado que representa a
queda do homem perante o criador.
1.1.1.4 Símbolos Ascensionais
G. Durand (2002: 125) apresenta o esquema da elevação e os símbolos verticalizantes
como, por excelência, “metáforas axiomáticas”, buscando a hipótese de Wallon de que “talvez
a noção de verticalidade como eixo estável das coisas esteja em relação com a postura ereta
do homem, cuja aprendizagem lhe custa tanto” para discutir sobre esse eixo fundamental da
representação humana.
A percepção das ligações diretas entre as atitudes morais e metafísicas e as sugestões
naturais da imaginação, fruto da terapêutica da elevação psíquica de Desoille, representa, para
G. Durand (2002: 126), “um catarismo e um dom-quixotismo provocado e terapêutico a que
somos convidados e que prova de modo eficiente que os conceitos de verdades e valores
‘elevados’ e as condutas práticas que acompanham a sua aparição na consciência são
montadas pelas imagens dinâmicas da ascensão”.
G. Durand (2002: 126) traz a tona o problema da dominante vertical, “a reação
‘dominante’ do recém-nascido, que responde à passagem brusca da vertical à horizontal, ou
vice-versa, pela inibição de todos os movimentos espontâneos”, que, ainda para G. Durand
(2002: 126), é fruto da “constante ortogonal que ordena a percepção puramente visual” do ser
humano.
Em inúmeros elementos místicos, das religiões antigas e das crenças gerais, tem-se a
elevação, a ascensão, como algo positivo, que leva à pureza, aos reinos divinos, à
O instrumento ascensional por excelência é a asa, sendo
“esta extrapolação natural da verticalização postural a razão profunda que motiva a facilidade com que as fantasias voadoras, tecnicamente absurdas, são aceitas e privilegiadas pelo desejo de angelismo. O desejo da verticalidade e da sua realização até o ponto mais alto implica a crença na sua realização ao mesmo tempo em que a extrema facilidade das justificações e das racionalizações” (G. DURAND, 2002: 130).
Chega-se à imagem das milícias celestes, cujos instrumentos que as fazem ser
percebidas como tais são as asas, e assim, a pureza celeste, a
“característica moral do levantar vôo, como a mancha moral era a característica da queda (...) de tal modo que podemos dizer, enfim, que o arquétipo profundo das fantasias do vôo não é o pássaro animal mas o anjo, e que toda a elevação é isomórfica de uma purificação porque é essencialmente angélica” (G. DURAND, 2002: 133).
Nos isomorfismos, G. Durand (2002: 134) lembra que muitas vezes a imagem
tecnológica da flecha substitui o símbolo natural da asa. “A flecha – cuja manipulação implica
a pontaria – seria símbolo do saber rápido, e o seu duplicado é então o raio instantâneo que o
relâmpago é” (G. DURAND, 2002: 135).
Os símbolos ascensionais acabam se relacionando à preocupação da reconquista de
uma potência perdida, de um “tônus degradado pela queda”. G. Durand (2002: 145) descreve
que essa reconquista pode manifestar-se de três maneiras: a ascensão ou ereção rumo a um
espaço metafísico, para além do tempo; em imagens mais fulgurantes, sustentadas pelo
símbolo da asa e da flecha; ou através do poderio reconquistado orientando imagens viris
como a realeza celeste ou terrestre do rei jurista, padre ou guerreiro.
1.1.1.5 Símbolos Espetaculares
G. Durand (2002: 146) lembra que tal qual “o esquema da ascensão se opõe ponto por
se opõem ao da luz e especialmente o símbolo solar”. Desta forma, pode-se também visualizar
o isomorfismo que une universalmente a ascensão à luz, o celeste ao luminoso.
Ressalte-se que tradicionalmente a luz celeste é apresentada de forma incolor ou
pouco colorida, num horizonte vaporoso e brilhante em que a cor desaparece à medida que a
pessoa se eleva em sonho e sente-se rodeada por uma grande impressão de pureza.
“Esta pureza é a do céu azul e do astro brilhante, e Bachelard mostra que esse céu azul, privado do cambiante das cores, é ‘fenomenalidade sem fenômeno’, espécie de nirvana visual que os poetas assimilam ao éter, ao ar puríssimo, quer, no caso de Goethe, ao Urphänomen, quer, no caso de Claudel, ao vestido da ‘puríssima’”
(G.DURAND, 2002: 147).
Assim, parte-se para a ligação das cores aos símbolos espetaculares, sendo o azul uma
cor que provoca menos choques emocionais, contrariamente ao preto e mesmo ao encarnado e
ao amarelo, reunindo as condições para o repouso e o recolhimento. Também se acrescenta o
dourado, no sentido do ouro representativo da espiritualização, revestido de um pronunciado
caráter solar. Não se deve aqui relacionar ao dourado dos desejos alquímicos.
Desta forma, chega-se ao sol, ascendente ou nascente, representante da elevação e da
luz, do raio e do dourado (ainda na mostra do isomorfismo entre elevação e luminosidade). O
sol ascendente realmente é, muitas vezes, na mitologia, relacionado ao pássaro.
Do sol, tem-se a coroa solar, a coroa de raios, enfim, a auréola, o halo de luz luminoso
que, nas personagens animadas, “quando da sua ascensão imaginária, têm uma face que se
transforma, se transfigura em ‘halo de luz intensa’, e ao mesmo tempo, a impressão
constantemente experimentada pelo paciente é a do olhar” (G.DURAND, 2002: 151). Assim
o olho, órgão da visão, é associado ao objeto dela, à luz, sendo o olhar o símbolo do
julgamento moral, da censura e do superego.
G. Durand (2002: 158) explica que “scheme e arquétipos de transcendência exigem
um procedimento dialético: a intenção profunda que os guia é a intenção polêmica que os põe
em confronto com os seus contrários. A ascensão é imaginada contra a queda e a luz contra
as trevas”. A luz pode ser, ou se tornar, o raio que fere; a ascensão poder servir para humilhar
ou fazer sofrer um adversário vencido, como exemplos da dualidade existente nestes
elementos.
“São as armas cortantes que vamos encontrar em primeiro lugar ligadas aos arquétipos
do Regime Diurno da fantasia” (G. DURAND, 2002: 159), em um esquema de reparação
cortante, por exemplo, entre o bem e o mal.
O simbolismo diairético, apesar de não observar os objetos como a faca, a lâmina, com
a acepção fálica tradicional da psicanálise, não ignora a alusão sexual. Ao contrário, a reforça,
“a sexualidade masculina (...) é símbolo do sentimento de potência e não é sentida pelas crianças humanas como doença ou vergonhosa ausência. É nesse sentido que se encontram, numa espécie de tecnologia sexual, as armas cortantes ou pontiagudas e os instrumentos aratórios. Uns e outros são a antítese diairética do sulco ou da ferida feminizada.” (G. DURAND, 2002: 160).
A natureza das armas do herói tem seu papel e sua importância, visto que G. Durand
(2002: 164) apresenta que “Diel estabelece uma muito clara distinção simbólica entre as
armas cortantes e as armas contundentes, as primeiras sendo fastas, servindo para vencer
efetivamente o monstro, as segundas impuras e implicando o risco de fazer soçobrar o efeito
libertador (...)”.
1.1.1.7 Estrutura Esquizomorfa: Heróica
As Estruturas Esquizomorfas provêm do regime diurno das imagens e caracterizam-se
pela temática da ação heróica da personagem, elemento protagonista da dramatização no
Estas estruturas, são apresentadas por Y. Durand (1988: 83-91) em tipos distintos de
micro-universo mítico:
O micro-universo mítico heróico integrado – Nota-se claramente a temática
heróica, sem ambigüidades. Há a luta do personagem contra o monstro e os
demais elementos se integram a este tema de luta.
O micro-universo mítico heróico impuro – Embora centrado na temática
heróica, neste micro-universo mítico, pode-se encontrar elementos do regime
noturno das imagens, como a quietude e a vida apaziguada. “Os
micro-universos qualificados de ‘heróico impuro’ traduzem uma certa coexistência de
um universi heróico atualizado e de um universo místico mais ou menos
potencial. Entretanto este último não está dinamicamente ou funcionalmente
integrado no grupamento simbólico” (Y Durand, 1988: 87).
O micro-universo mítico super heróico – Neste micro-universo o combate tem
papel de necessidade vital para o personagem, sendo centrada a dramatização
na tríade montro-espada-personagem. Os nove elementos apresentam-se
incompletos, ou seja, os outros elementos propostos do teste podem não estar
representados e/ou estar desfuncionalizados na história sem ter uma relação
direta com a história, a qual supervaloriza o combate. Como registra Yves
Durand (1988:89), “estes micro-universos são incompletos no que concerne a
representação dos nove elementos propostos e freqüentemente se escondem
sobre o plano de execução gráfica e sobre o da narrativa”.
O micro-universo mítico heróico descontraído – Marcado pela coexistência de
um universo heróico atualizado em um universo místico potencializado. Nos
micro-universos heróicos distendidos/descontraídos nota-se o combate; os
espada próxima de si e continua sendo um herói; o monstro continua
representando perigo, no entanto, o combate não acontece. O monstro e o
personagem mantêm uma distância entre si, podendo ter uma delimitação de
território entre eles.
1.1.2 O Regime Noturno
O regime noturno abarca duas estruturas – mística e disseminatória – decorrentes das
dominantes digestiva e copulativa, onde, de acordo com G. Durand (2002: 58), a primeira –
antifrásica/mística – subsume “as técnicas do continente e do habitat, os valores alimentares e
digestivos, a sociologia matriarcal e alimentadora”, e a segunda – sintética/disseminatória –
agrupa “as técnicas do ciclo, do calendário agrícola e da indústria têxtil, os símbolos naturais
ou artificiais do retorno, os mitos e os dogmas astrobiológicos”.
Deve-se ainda trabalhar com a consciência de que “a tomada em consideração do
corpo é o grande sintoma da mudança de regime do imaginário”. Nota-se, de resto “que neste
processo a imaginação do corpo seja ao mesmo tempo sexual, ginecológica e digestiva: o
simbolismo do leite, das maçãs e dos alimentos terrestres alterna com fantasmas de involução
do corpo materno” (G. DURAND, 2002: 203).
Para G. Durand (2002: 203) “o processo reside essencialmente em que pelo negativo
se reconstitui o positivo, por uma negação ou ato negativo se destrói o efeito de uma primeira
negatividade”.
Como componentes representativos do regime noturno G. Durand (2002: 199)
apresenta os símbolos da inversão. Aqui G. Durand cita Bachelard ao descrever que “é por
um movimento ‘involutivo’ que começa toda a exploração dos segredos do devir”, sendo
“uma das razões pelas quais a imaginação da descida necessitará de mais precauções que a da ascensão. Exigirá couraças, escafandros, ou então o acompanhamento por um mentor, todo um arsenal de máquinas e maquinações mais complexas que a asa, o tão simples apanágio de levantar vôo. Porque a descida arrisca-se, a todo o momento, a confundir-se e a transformar-se em queda” (G. DURAND, 2002: 201).
G. Durand ressalta que “o que distingue afetivamente a descida da fulgurância da
queda, como de resto do levantar vôo, é a sua lentidão”. (G. DURAND, 2002: 201).
G. Durand (2002: 203) lembra que “é uma transmutação direta dos valores da
imaginação que a descida nos convida” e como isso fala em “definir uma tal inversão
eufemizante como um processo de dupla negação (...), processo revelado por numerosas
lendas e contos populares onde aparece o ladrão roubado, o enganador enganado”. Assim,
através deste redobramento da dupla negação, chega-se aos fantasmas como o do engolidor
que é engolido, numa inserção clara dos papéis destes elementos.
Com isso chega-se às fantasias da miniaturização, às lendas liliputianas e aos
pequenos polegares, em que se tem no pequeno a força, “a potência do pequeno”. É
importante ressaltar a perspectiva sexual sobre estes elementos, especialmente que os
processos de gulliverização podem estar relacionados á infantilização dos órgãos masculinos e
que
“denotaria um ponto de vista psicanaliticamente feminino exprimindo o medo do membro feminino e da efração do coito. De tal modo que este fantasma minimizador se projeta algumas vezes no símbolo do pássaro privado de asas, materializado, reduzido ao seu puro aspecto teriomórfico de pequeno animal e que já não está, então, muito longe dos numerosos e malignos ratos que povoam todos os folclores” (G. DURAND, 2002: 213).
“O grande arquétipo que acompanha esses esquemas do redobramento e os símbolos
da gulliverização é o arquétipo do continente e do conteúdo. O peixe é símbolo do continente
2002: 201). Basta lembrar que o peixe se presta aos aspectos de variação de tamanho e de
encaixes, podendo ser uma minúscula piaba até o gigante “peixe” baleia (ignorando aqui o
aspecto biológico de que baleia é um mamífero), quanto à questão do tamanho; e podendo um
ser engolido por outro, quanto à questão dos encaixes. E deve-se notar que “o primordial e
supremo engolidor é, sem dúvida, o mar.” (G. DURAND, 2002: 225).
1.1.2.2 Os Símbolos da Intimidade
G. Durand (2002: 236) apresenta que “o complexo do regresso à mãe vem inverter e
sobredeterminar a valorização da própria morte e do sepulcro”. A inversão do sentido natural
da morte é que permite o isomorfismo sepulcro-berço, onde “a terra torna-se o berço mágico e
benfazejo porque é o lugar do último repouso” (G. DURAND, 2002: 237).
Em inúmeros povos primitivos o lactente é deixado, abandonado, na terra, sendo o
abandono o redobramento da maternidade. Já “o sepulcro, lugar da inumação, está ligado à
constelação ctônico-lunar do regime noturno da imaginação, enquanto os rituais uranianos e
solares recomendam a incineração” (G. DURAND, 2002: 238). Com a prática da unumação
tem-se o desejo de perpetuar, de manter, os despojos carnais, como um certo resquício pela
carne.
O gosto pela morte, a fascinação romântica pelo suicídio, muitas vezes encontrado nas
artes, “relaciona-se com as valorizações positivas da morte e remete a inversão do regime
diurno numa verdadeira e múltipla antífrase do destino mortal” (G. DURAND, 2002: 240).
“É a um estudo sistemático dos continentes que estes dois pólos psíquicos nos
convidam, estes dois marcos fatais da representação que são o sepulcro e o ventre materno”
(G. DURAND, 2002: 241). G. Durand (idem) ressalta que
conjunto caverna-casa, hábitat e continente, abrigo e sótão, estreitamente ligado ao sepulcro materno, quer o sepulcro se reduza a uma caverna (...), quer se construa como uma morada”
Assim, pode-se considerar que “toda imagem da caverna se carrega de uma certa
ambivalência. Em toda ‘gruta maravilhosa’ subsiste um pouco da ‘caverna medonha’. É
necessária a vontade romântica da inversão para chegar a considerar a gruta como que um
refúgio, como o símbolo do paraíso inicial” (G. DURAND, 2002: 241).
1.1.2.3 Os Símbolos Cíclicos
Na organização dos símbolos cíclicos do regime noturno do imaginário, G. Durand
(2002:282) apresenta que
“de um lado teremos os arquétipos e os símbolos do retorno, polarizados pelo esquema rítmico do ciclo, do outro arranjaremos os arquétipos e símbolos messiânicos, os mitos históricos em que manifesta a confiança no resultado final das peripécias dramáticas do tempo, polarizados pelo esquema progressista que, como veremos, não passa de um ciclo truncado”.
Aqui se tem que todos os símbolos da medida e do domínio do tempo vão ter
tendência para seguir o fio do tempo, e “serão quase sempre mitos sintéticos que tentam
reconciliar a antinomia que o tempo implica: o terror diante do tempo que foge, a angústia
diante da ausência e a esperança na realização do tempo, a confiança numa vitória sobre ele”
(G. DURAND, 2002: 282).
G. Durand (idem) chama a atenção para o fato de deixar de existir distinção entre
tempo e espaço pela “simples razão de o tempo ser espacializado pelo ciclo”, sendo o
calendário, a representação do tempo em uma estrutura periódica, circular, como o ano, uma
forma de se determinar o recomeço dos períodos temporais, propondo assim uma
A lua aparece como a primeira medida do tempo, possuindo a lua, em muitas línguas,
o sentido relacionado à medição, mensuração. A lua sugere um processo de repetição, de
início, fim, e um recomeço, que pode ser medido pelas suas fases, pela sua aparência no céu.
“Na animalidade, a imaginação do devir cíclico vai procurar um triplo simbolismo: o
do renascimento periódico, o da imortalidade ou da inesgotável fecundidade, garantia do
renascimento, e enfim, por vezes, o da doçura resignada ao sacrifício” (G. DURAND, 2002:
313). G. Durand apresenta ainda que no Bestiário da lua encontram-se lado a lado os animais
mais heteróclitos: Dragão monstruoso ou modesto caracol, urso ou aranha, cigarra, lagostim
de rio ou cordeiro e serpente.
G. Durand (2002: 313) descreve o caracol como um símbolo lunar privilegiado: “não
só é concha, ou seja, apresenta o aspecto aquático da feminilidade e, talvez, possui o aspecto
feminino da sexualidade, como também concha espiralada, quase esférica”. O
polissimbolismo do ato de mostrar e esconder alternadamente seus chifres o leva a integrar
uma verdadeira teofania lunar. A concha espiralada possui um simbolismo, reforçado por
especulações matemáticas, que fazem dela o símbolo do equilíbrio no desequilíbrio, da
ordem, do ser no meio da mudança. O crescimento aparente que a espiral inspira representa a
permanência do ser através das flutuações da mudança.
Outros animais apresentam o semantismo lunar. O urso, por exemplo, é assimilado à
lua pelas populações siberianas e do Alasca porque desaparece no inverno, quando hiberna, e
reaparece na primavera.
G. Durand (2002: 314) lembra, entretanto, que “no animal lunar, como no ritual
sacrificial, a confusão do passivo e do ativo acontece constantemente: o animal lunar pode ser
o monstro sacrificador tal como a vítima sacrificada”. “Os insetos e os crustáceos, os
batráquios e os répteis, com as suas metamorfoses bem definidas ou as longas latências
Ainda no papel dos símbolos lunares, a serpente é um dos símbolos mais importantes
da imaginação humana, sendo que G. Durand (2002: 316) a descreve como “triplo símbolo da
transformação temporal, da fecundidade e, por fim, da perenidade ancestral”.
“Os instrumentos e os produtos da tecedura e da fiação são universalmente simbólicos
do devir” G. DURAND (2002: 321), simbolismo originário, em muitos aspectos, do
movimento alternativo e rítmico produzido pelo pedal da roda, pela roca em si, pelo
movimento circular do fuso. Sem desconsiderar o papel do tecido que, tal como o fio, é um
elemento ligador, uma ligação tranqüilizante, símbolo da continuidade.
1.1.2.4 Estrutura Antifrásica: Mística
A Estrutura Antifrásica se caracteriza pela centralização no elemento-estímulo refúgio
o qual pode ser apresentado como ambiente acolhedor, sem perigo, de paz, harmonia e
equilíbrio. Podem, no entanto, ser representadas de forma positiva ou negativa.
Neste universo o personagem não é um herói e vive uma vida pacata, sem combate.
Pode ser representado, por exemplo, por um camponês, tendo um papel contemplativo ou
próprio ao ambiente, como um pastor de ovelhas tendo como atividade pastoreá-la.
Batista (2002:21-22)3 apresenta a subdivisão destes micro-universos, desta estrutura
mítica em:
Micro-universo mítico super místico – Neste tipo de micro-universo o monstro
e/ou a espada são escotomizados, atenuando os valores funcionais e simbólicos
destes elementos.
Micro-universo mítico místico integrado – Caracterizado pela vida pacata do
personagem, eufemização do monstro e pela desfuncionalização da espada que
também pode ser emblematizada. Os nove elementos apresentam ligações entre
si e boa distribuição no espaço do desenho.
Micro-universo mítico místico impuro – Assim como no heróico impuro, é
evidenciada a coexistência entre o místico e o heróico. Neste caso o heróico
apresenta-se desfuncionalizado e simbolicamente desintegrado.
Micro-universo mítico místico lúdico – Mantendo a simbólica mística a espada
e o monstro se integram num cenário lúdico, de brincadeira, de jogo.
1.1.2.5 Estruturas Disseminatórias: Sintéticas
Com base em Y. Durand (1988), Batista (2002: 22) afirma que “os micro-universos
sintéticos caracterizam-se por apresentar as seqüências heróica e mística atualizadas e
integradas numa estrutura mais abrangente”. Assim, eles variam de acordo com a organização
temporal das seqüências que podem ser simultânea ou sucessiva culminando em dois tipos: o
existencial e o simbólico e que, como afirma Batista (2002: 22) com “as características da
vivência mística, que podem estar próximas do engajamento existencial cotidiano ou ser uma
tentativa de compreensão simbólica da existência humana”.
Assim, têm-se os micro-universos existenciais que se subdividem4 em:
Micro-universo mítico sintético existencial diacrônico – “Neste micro-universo
a personagem vive, sucessivamente, dois episódios existenciais: um heróico e
um místico”, (BATISTA, 2002: 22), ao que Y. Durand designa de DUEX
diacrônico.
Micro-universo mítico sintético existencial sincrônico – Nele os episódios
existenciais ocorrem simultaneamente podendo ser de dois subtipos de acordo
com a representação do personagem. Sendo do subtipo redobrado quando o
personagem realiza ambas ações; e do subtipo desdobrado quando se desdobra
em dois personagens/sujeitos (um que realiza a ação heróica e outro que realiza
a ação mística). DUEX sincrônico.
Os micro-universos sintéticos simbólicos de forma diacrônica se subdividem5 em:
Micro-universo Mítico Sintético Simbólico da Evolução Cíclica – Conforme
Batista (2002: 23) temos, neste micro universo, “a formulação da existência
humana apresentada em fases que se repetem a modo de um ciclo, figurando o
retorno, a evolução”.
Micro-universo Mítico Sintético Simbólico da Evolução Progressiva – Nele, “a
ação desenrola-se por fases lineares diacronicamente distribuídas,
evidenciando progressão ou progresso e tendo em vista um alvo, um objetivo”
(BATISTA, 2002: 23).
Já os micro-universos sintéticos simbólicos de forma sincrônica apresentam a seguinte
subdivisão6:
Micro-universo do Dualismo – Neste micro-universo os conteúdos
contraditórios, opostos, as antíteses, são organizados no espaço geométrico e
no relato.
Micro-universo da Mediação – Caracteriza-se pela presença de uma
bipolarização mítica onde o personagem se presta à função de mediar, de
escolher uma das duas perspectivas existenciais apresentadas.
1.1.2.6 Não-estruturas ou Estruturas Defeituosas
Conforme Rocha Pitta (apud LOUREIRO, 2004: 28) as estruturas defeitosas são 4, a
saber:
“desestruturados reais (onde os elementos são desenhados e enumerados ou descritos por eles mesmos, sem nenhuma ligação); subgrupos não estruturados (não ligados entre si, mas podendo ser estruturados como subgrupos); pseudo-desestruturados (os elementos parecem espalhados, mas a história os junta, na sua maioria, ou mesmo todos, numa síntese, em que cada elemento comporta um valor simbólico, senão alegórico). Quando não se desenvolve um mecanismo de defesa, apesar da angústia se expressar, a categoria será: unificada, mas de estrutura temática não formulada.”
Em seu livro Y Durand (1988: 132) nos diz que o desenho se apresenta, “explodido,
cada elemento está desenhado separadamente e por um discurso analítico, não exprimindo
nenhum cenário, nenhum agrupamento entre os elementos”. Estes elementos são desenhados
aleatoriamente sem manter nenhum tipo de ligação entre si. O mesmo ocorre com o relato, ele
é analítico e apresenta desconexão dos elementos citados. Portanto não apresenta uma
constelação de imagens nem coerência mítica evidente.
1.2
O Arquétipo Teste de Nove Elementos (A.T. – 9), de Yves Durand
Proposto por Yves Durand (1988), trata-se de um teste projetivo que valida, com o
que ele chamou de Modelo Experimental de Pesquisa, a arquetipologia geral das Estruturas
Antropológicas do Imaginário de Gilbert Durand. O teste é um instrumento capaz de
conhecer/levantar os enxames de imagens individuais que se organizam num todo,
evidenciando um micro-universo mítico quando do imaginário do sujeito e um universo
mítico quando do imaginário do grupo, tornando evidente dados profundos relacionados com
a interferência externa no trajeto antropológico (Loureiro, 2004: 23)
Composto por um desenho, uma historia, um quadro-síntese e um pequeno
estimulantes arquetípicos. Estes elementos foram colocados no teste, por seu criador,
considerando seus significados reais profundos e servem de motivação para a construção
gráfica e discursiva de uma cena criada/imaginada pelo sujeito, a qual é a representação
simbólica de seu imaginário.
Com funções diferenciadas, os elementos arquetípicos fazem emergir imagens que
compõem um pequeno arquipélago que representa um micro-universo mítico, quando
agregados a um “nó” polarizador, a uma energia psíquica demonstrativa de uma estrutura e
um regime.
Yves Durand propõe os seguintes nove elementos no teste: queda, espada, refúgio,
monstro devorante, algo cíclico, personagem, água, animal e fogo. Através deles o
indivíduo/sujeito é estimulado a deixar aflorar, em imagens, o seu imaginário; este processo
será chamado de emergência imagética, evidenciada nas representações mítico-simbólicas.
1.2.1 Os Elementos do Teste
A seguir, cada elemento do teste será comentado. Vale ressaltar neste momento que os dados apresentados são referentes à pesquisa realizada por Y. Durand em 1988 de forma que, ao se realizar a pesquisa com o grupo de idosos que freqüenta as oficinas dos jogos teatrais de Viola Spolin, tais resultados servem como parâmetros de comparação e indicação de caminho a seguir no processo de análise, porém não são equivalentes em sua totalidade, pois se trata de grupos diferentes, com diferentes histórias, características, perspectivas, entre outras.
1.2.1.1 A Queda
“pode ser considerado o primeiro arquétipo da vivência agonizante experimentada pelo indivíduo humano. E se extrapolar, pode-se assimilar ao nascimento - o trauma do nascimento - a uma queda vivenciada. Nós observaremos que o termo de sua existência terrestre é, também, vivenciada pelo homem segundo a imagem metafórica da queda”.
Ela representa “um esquema fundamental, uma metáfora realmente axiomática e
constitui a consciência, a composição dinâmica do movimento e da temporalidade” (Y.
Durand 1988:51).
Yves Durand realiza uma pesquisa com protocolos do teste AT-9 e nesta pesquisa
encontra situações/relações entre os elementos, suas representações, funções e simbolismos de
onde se pode antever estas situações em outras pesquisas. Por exemplo, chamada de “qualquer
coisa que cai” no trajeto antropológico, a queda "se encontra”, na pesquisa de Y. Durand,
“muito freqüentemente associada a um dos outros oito elementos do modelo, em particular, a
água e o personagem” (Y. Durand, 1988: 147) mas também pode estar relacionada a tema
abstrato, a outros diversos e em alguns protocolos, esse elemento é omisso.
A queda pode estar exercendo funções correspondentes a: papel decorativo (de
adorno), apenas contribui para formar um rio, sem papel mais isomórfico sendo um lugar
para a pesca (onde tem utilidade de combate para o personagem); perigo real para o
personagem, queda que pode ser uma oportunidade útil ao monstro; pode mostrar,
simbolicamente, fraqueza do homem e/ou do monstro; pode estar sem papel/função; etc.
Na pesquisa anotada de Y.Durand (1988: 173), “a função decorativa da queda d’água
figura em quase metade das produções. Entretanto, a queda d’água pode ser utilitária ou
inversamente representar um perigo para o personagem. Isso ocorre da mesma forma para a
queda de objetos (naturais ou fabricados)”.
Em suas pesquisas Y. Durand observou que os homens exprimem mais visivelmente
do que as mulheres, um simbolismo de passividade pela queda.
Segundo ele (Y. Durand, 1988: 198), “a queda num impacto angustiador faz referência