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Videodança autorreferente: dança-cinema em trânsitos híbridos no ciberespaço da web

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE DANÇA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA

ELISSON TIAGO BARROS AMATE

VIDEODANÇA AUTORREFERENTE: DANÇA-CINEMA EM

TRÂNSITOS HÍBRIDOS NO CIBERESPAÇO DA WEB

Salvador

2018

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ELISSON TIAGO BARROS AMATE

VIDEODANÇA AUTORREFERENTE: DANÇA-CINEMA EM

TRÂNSITOS HÍBRIDOS NO CIBERESPAÇO DA WEB

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Dança da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia como requisito para obtenção do título de Mestre em Dança.

Orientadora: Prof.ª Dra. Gilsamara Moura

Salvador 2018

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veja os vídeos no celular lin ear bag unç a

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Sistemas de Bibliotecas da UFBA

AMATE, Tiago.

Videodança autorreferente: dança-cinema em trânsitos híbridos no ciberespaço da web / Elisson Tiago Barros Amate – 2018

197pag.: il. sem anexos

Orientadora: Profª. Drª. Gilsamara Moura.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Dança, Salvador, Bahia, 2018.

1.Dança – arte híbrida . 2. Dança – dança contemporânea. 3. Cinema e dança – videodança. 4. Cinema autorreferente 5. Tecnologia – ciberespaço da web. I. Moura, Gilsamara. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Dança. III. Título.

CDD - CDU -

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VIDEODANÇA AUTORREFERENTE: DANÇA-CINEMA EM

TRÂNSITOS HÍBRIDOS NO CIBERESPAÇO DA WEB

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Dança da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia como requisito para obtenção do título de Mestre em Dança.

Orientadora: Prof.ª Dra. Gilsamara Moura Dissertação defendida em 4 de outubro

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Prof.ª Gilsamara Moura - orientadora

Doutora em Comunicação e Semiótica – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – (PUC-SP)

_______________________________________________________________ Prof.ª Daniela Maria Amoroso

Doutora em Artes Cênicas – Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia (UFBA)

_______________________________________________________________ Prof.ª Elianne Ivo Barroso

Doutora em Comunicação e Cultura – Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense (UFF)

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Esta lista pode ser um pouco mais extensa que o comum, mas servirá ao enaltecimento da passagem. Pessoas passam, cruzam caminhos e são muitas. Algumas ficam e dessas fazemos presentes; presença. Outras vão embora e nem sempre há tesão para um reencontro. Isso, contudo, não significa que não tenham passado. À passagem, sobretudo durante esse Mestrado em Dança na Universidade Federal da Bahia, onde se passaram dois anos, dedico este escrito. Quero agradecer ao que passou e aos que ficam. Agradeço à equipe da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia, onde fiz quase dois semestres de curso técnico, e aos muitos aprendizados empenhados ali. Agradeço também ao colegiado do Programa de Pós-graduação em Dança da UFBA e às três orientadoras que tive antes de consolidar esta pesquisa: Adriana Bittencourt, Ludmila Pimentel e Daniela Guimarães. Às três, obrigado pelos encontros, pelas perguntas e pela perspicácia, de alguma forma vocês também estão nesta pesquisa. Também agradeço a Lenira Rengel, pelos seus esforços para com o Programa de Pós-Graduação em Dança, inclusive nos acompanhando numa longa viagem de ônibus a Natal, naquele belíssimo Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança. Sou também grato à comunidade acadêmica da UFBA, seus trabalhadores, técnicos, professores e estudantes. Às queridas Simone e Val, em nossos rápidos encontros afetivos no Restaurante Universitário, que me preenchiam de esperança. Às contribuições carinhosas e disponíveis, que me auxiliaram em tantos momentos de dúvida, da bibliotecária Joceane Santos (Jo) e de Roberto Argolo na secretaria da Escola de Dança.

Sou infinitamente grato aos mestres e professores que pude encontrar no caminho e por isso mencionarei aqueles com quem as trocas foram maiores, profundas e inspiradoras. Na Funceb, grato às nossas manhãs juntos, Camila Chorilli, Ana Karla, Patrícia Leitão, Zultânia Sapucaia, Isis Carla e Clênio Magalhães. Este último, para além dos muros da instituição, agradeço às experimentações no projeto Dança Zero. Na UFBA, com enorme apreço, sou grato às provocações, pensamentos e danças que nunca esquecerei, com Jussara Setenta, Lúcia Matos, Rita Aquino, Lara Machado e a estimada Daniela Amoroso, que aceitou afetuosamente fazer parte desta banca. Agradeço também aos professores que não estavam em Salvador, mas têm contribuído aos avanços de minha pesquisa híbrida e à minha trajetória como pesquisador: a Sérgio Andrade, Maurício de Bragança e Elianne Ivo, a quem também agradeço a leitura desta dissertação.

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Finalmente, ao presente de encontrar Gilsamara Moura na UFBA e tê-la como orientadora definitiva deste projeto. Como teu aluno e integrante do Ágora, poderia enaltecer várias das tuas qualidades enquanto docente e, inclusive, os vários momentos inspiradores. Mas aqui me detenho a agradecer tua coragem, tua estima, teu afeto e, sobretudo, essa parceria que pretendo levar para a vida daqui em diante. Grato por nossas longas conversas e, mesmo nos momentos de dificuldade que temos enfrentado no nosso Brasil, pelos inúmeros incentivos a sempre reestabelecer a esperança a partir de um princípio de resistência. Algumas palavras de (des)ordem: diálogo, amor, sabedoria, movimento, alma, juventude, estrelas, bruxas, natureza...

Agradeço também aos queridos com quem dancei na Funceb, representados aqui por Camila Carvalho, Yasmine Ávila, Luiza Tavares, Jão Nogueira, Robson Ribeiro, Ruan Marcos e Ailane Meehan. Não seria possível citar todos neste pequeno espaço, mas estendo meu carinho e lembrança a nossas partilhas em manhãs de saudade e suor.

À galera do Conquista Ruas, Festival de Artes Performativas em Vitória da Conquista (interior do sul da Bahia) e alguns corações queridos que pude conhecer mais por lá, a Talita St, Carol Dias, Shirley Ferreira, Jéssica Lemos e Bela Amado.

Aos colegas de turma do Mestrado em Dança, com quem dividi minhas indagações, afetos e movimentos. Não podendo citar todos, mas recordando os abraços deliciosos e saudosistas a partir de Val Sousa, Ryan Lebrão, Jorge Oliveira, Olga Lamas Verônica Navarro, María Faustina, Nanda Andrade, Andréia Oliveira, Paola Ferraro, Andrea Sampaio, Maiara Santos, Leo Pereira e Eberth Vinicius. Da turma anterior, deixo também um abraço ao querido Kiran Gorki, e, da turma seguinte à nossa, a Tuti Luisão, Yuri Tripodi, além de uma gratidão especial ao apoio, afeto e torcida de Douglas Emilio. Às amigas que, dessas incursões acadêmicas, tive mais tempo para pensar em tantas coisas da vida. Àquelas com quem dancei meus experimentos e amores, Sílvia Rodrigues e Georgianna Dantas. A Dandara Baldez, pelas lindas aulas de capoeira e yoga. E, finalmente, a amiga Liana Gesteira, presente querido que o universo trouxe em tempos de indagação, danças noturnas e longas experiências filosóficas; da fenomenologia à metafísica, quando culminamos no misticismo. Amore, muito obrigado por também me reapresentar ao contato e improvisação em Olinda com pessoas tão queridas. Espero sempre retornar a Pernambuco, quem sabe até morar nessa terra de muito tesão! Haha

Às companhias que Salvador me trouxe em diferentes momentos da estada, algumas tão depressa mas com tanta intensidade, como Guillaume Lepine, Constanza Bulnes e Ana Montiaga, outras com mais tempo para beber muitas, comer acarajé,

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Flávia Aguiar e Leandro Stoffels.

A uma das minhas melhores amigas, Luana Luizy, por todo o companheirismo, amor verdadeiro, horas de conversa, apoio e força nos momentos mais difíceis. Por nossas horas de praia, pelas utopias que vivemos naqueles belos tempos entre nosso bar e nosso apartamento. Casa cheia, como tem de ser. Tempos felizes que farei questão de lembrar uma vida inteira e com a expectativa de que sempre iremos repeti-los a cada vez que morarmos juntos de novo ou nos visitarmos nesse mundão infinito. Lu, nem sei como te agradecer em palavras. Mas tu sabes como o coração pulsa. É ele quem dá o ritmo.

Aos amigos que se mantiveram presentes, mesmo que as geografias tenham dificultado o contato diário por conta das correrias. A Letícia Oka, Filipe Pedroso, Luana de Moraes, Felipe de Oliveira (e ao nascimento de Rudá), Renata Nogueira (e à recuperação de Pedro), Luana Farias, Monique Sales, Flávia Araújo, Jéssica Vasconcelos, Robert Rojas, Igor Caldas, Bruna Guimarães, Isadora Lobo, Camila Pinto, Isabela Godoi, Rosa Caitanya, Kellma Simplício (e ao nascimento de João), Jéssica Barros, Lorraine Castro, Julia Fernandez, Johnatan Reis, Jéssica Gotlib e Ingridy Peixoto. E ao lindo casamento de Marcella e Eduardo em Brasília.

A minha família e à toda força que tive no processo, a Julia, Gabriel, Gabi, Leila, Vinicius, Thiaguinho, João Vitor e Manu. A Marília, Silvana, Nadinho, Tânia, Tônio, Valéria, João, Carlinhos, Samia, Elias e Antonízia. A minha mãe, Hortência, a minha vó, Lubélia, e a tia Renata, as pessoas mais importantes diante das dificuldades que encontrei em Salvador e no mestrado. Sem vocês eu não teria conseguido. Qualquer descrição ou agradecimento seria muito simples diante do amor, da confiança e da partilha sensível que tenho tido com todas, independentemente de onde meu corpo esteja no mundo.

Agradeço, enfim, ao Universo, deuses e/ou deusas, ícones, symbols, à experiência de estar vivo e poder dançar, ter várias ideias na cabeça, entre movimentos e filmes, inclusive estas que doravante se prolongam na dissertação. Poderia evocar nomes de diferentes matrizes espirituais, por onde passam o amor e a gratidão dos tempos, palavras, pensamentos sem dogma. À força de Ariel e Miguel, no acompanhamento da resistência: desapego, respeito e humildade. E, na receptividade de Salvador, ao acolhimento dos lindos mares de Iemanjá, das belas comemorações de Nosso Senhor do Bonfim, Oxalá. Agradeço à terra pela passagem, e aos afetos pela continuidade do caminho.

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Para voçês, o cinema é um espetáculo. Para mim, é quase uma concepção do mundo.

O cinema é o veículo do movimento. O cinema é a repulsa as literaturas. O cinema é o destruidor da estética.

O cinema é um esporte. O cinema é o princípio das ideias . Mas o cinema está doente. O capitalismo cegou seus olhos com um punhado de pó de ouro. Os hábeis empresários o levam às ruas pela mão. Amontanham dinheiro comovendo os corações com argumen tinhos chorosos. Isto deve acabar. Vladimir Maiakovski, em O manifesto do cinema

Dançar não por experiência, nem mesmo para se mostrar. Limite. Soul, espírito, heart – ah, que lindo! Dançar é cuidar muito, muito dele. A alma, minha alma, mamãe, as cerejeiras em flor, numa floração sufocante. Então há o sol, os planetas que giram. Indiferentes a tudo isso, estendam os braços, bem abertos.Não é ver, não é pensar com a cabeça. Se pensarem, tudo parecerá tolice e não se faz mais nada. Estendam os braços, bem abertos, sem pensar. Têm que ultrapassar a lógica e mergulhar assim, ligeiro, sabe ? Vivemos sobre a terra sem nos darmos co nta. Vivemos sem pensar.O sol, a mãe, o filho... Como estender os braços para tudo isso? Kazuo Ohno, em Treino e(m) poema

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UM RESUMO (IM)POSSÍVEL

Como a relação corpo-câmera tem repercutido nos experimentos em vídeo de corpos dançantes no ciberespaço da web, fora dos regimes de representação fílmica e cênica consolidados na cadeia de entretenimento? Se considerarmos a autorreferência nas audiovisualidades da cultura digital e as provocações do cinema experimental e do cinema de dispositivo, o que isso propõe em contraponto à forma cinema (PARENTE, 2007)? Se considerarmos as proposições filosóficas da dança contemporânea em seus trânsitos de linguagem e suas tensões com o paradigma cênico, o que isso nos aponta para além dos recursos de reprodução histórica da dançalidade (ROCHA, 2016)? Afinal, como os trânsitos em dança-cinema no ciberespaço da web podem adotar essas perspectivas críticas, específicas do campo do cinema e do campo da dança, para repensar o hibridismo da videodança, sem reiterar uma forma dança-cinema – algo que seja apenas a soma ou reprodução de recursos formais determinados pelo mercado artístico? Quais, então, seriam esses trânsitos híbridos apontados pela experiência de uma videodança cujas imagens autorreferentes têm se disseminado no ciberespaço da web?

Muito próximas das provocações dos cinemas de autor no pós-guerra, as práticas audiovisuais autorreferentes trazem um sujeito-autor que recusa a fixidez histórica de sua identidade. A fragmentação do realizador e sua implicação nas imagens evidenciam como o cinema autorreferente se baseia por uma relação corpo-câmera não linear, apresentando-as sob a ideia de um acontecimento fílmico. Ao trazer o debate sobre a espetacularização da intimidade na internet e da multiplicação de telas com os dispositivos portáteis, interessa pensar o que a videodança absorve desse regime de imagens no século XXI, como os experimentos em dança-cinema distribuídos no ciberespaço da web confrontam a hegemonia do mercado artístico e têm adotado uma perspectiva pós-estruturalista em seus processos de criação. Essas configurações estão disponíveis tanto em experiências estéticas do cinema experimental quanto nas composições e pensamentos em dança contemporânea. Assim, os filmes feitos para a internet têm adotado a imagem autorreferente como estratégia para tensionar, de forma híbrida, recursos estruturais de representação sobre as imagens em movimento e o corpo dançante, repercutindo na

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experiência virtual atos de resistência política às categorias disciplinares formatadas na linguagem da videodança (a encenação de uma dança e princípios narrativos do cinema).

Sob a direção do artista que dança para a câmera, as imagens em movimento ganham complexidade numa atmosfera que confunde vida e obra do artista, pois não há uma dissociação objetiva entre a ideia de “cena” e o regime do “real”, ou entre sujeito e objeto, distanciando, assim, a experiência do realizador da representação. Seriam, sobretudo, experimentos artísticos cujas provocações se opõem aos modelos causais e lineares do cinema, às formas cênicas da dança. A partir de projetos e obras que se aproximam da perspectiva autorreferente na videodança, serão analisadas algumas experiências virais de dança na internet, portfólios de artistas que dançam e dirigem seus próprios vídeos e, por fim, trabalhos experimentais em videodança na web, que se desenvolvem próximos ao debate da transbordança (AMATE, 2017). Estes últimos recusam as disciplinas históricas na relação corpo-câmera para fazê-la transbordar as interfaces utilitárias entre dança e imagens em movimento. Como artista-pesquisador desses hibridismos, apresentarei os fundamentos do projeto Aloka das Américas e suas contribuições práticas a um pensamento contemporâneo em videodança autorreferente. Palavras-chave: videodança; autorreferência; ciberespaço; forma cinema; dançalidade.

A(N) (IM)POSSIBLE ABSTRACT

How has the body-camera relation in video experiments of dancing bodies in web cyberspace? How has this happened outside the regimes of film and scenic representation currently consolidated in the entertainment chain? If we consider the self-reference in audiovisuality of a digital culture and the provocations between experimental cinema and cinema’s dispositif what does it propose in counterpoint to the cinema form (PARENTE, 2007)? If we consider the philosophical propositions of contemporary dance in its language transits and its tensions to a scenic paradigm what could point us beyond the resources of a historical reproduction of dance discipline (ROCHA, 2016)? After all, how dance-cinema transits in web cyberspace can adopt these critical perspectives organized specifically into cinema and dance studies to transform the hybridity in videodance language? But without reiterating what we denominate dance-cinema form - something that is only an amount or a reproduction of formal resources that are determined by artistic market. Then what will be these hybrid transits pointed out by the videodance experience whose self-referential images have spread itselves in web cyberspace?

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The filmmaker fragmentation and its implication into images show how the self-referential cinema is based on a non-linear body-camera relation that presents itself under the idea of a filmic happening/event. Bringing a debate about the spectacularization of intimacy on internet and screen's multiplication with portable devices it's too much important to think about what videodance absorbs from this regime of images in XXI century. How have the dance-cinema experiments in web cyberspace confronted the hegemony of artistic market and adopted a post-structuralist perspective in their creative processes? These settings are available both in aesthetic experiences of experimental cinema and into contermporary dance compositions or researches. Thus films made for internet have adopted the self-referential image as a strategy to stress in a hybrid way structural resources of representation into moving images and the dancing body experiences. That perspective echoes in virtual space acts of political resistance to the disciplinary categories organized in videodance language (the staged dance and also narrativity and entertainment on cinema industry).

Under direction of an artist who dances for the camera, moving images gain complexity in an atmosphere that confuses the artist's life and work. There is no objective dissociation between an idea of "scene" and the regime of “reality”, or between subject and object. Both are distancing the director’s experience of a demand for representation. Would be artistic experiments whose provocations are opposed to the causal or linear models of cinema and to the scenic forms of dance. From some projects and artworks that are near to a self-referential perspective in videodance we'll analyze different viral experiences of dance on internet, portfolios of artists who dance and direct their own videos, beyond experimental works in web videodance. This last one will be designated by the concept of transbordança (AMATE, 2017). It refuses the historical disciplines in the body-camera relations to make it overflow the utilitarian interfaces between dance and moving images, without causes and effects. As an artist-researcher of these hybrids transits I will present the foundations of my project named Aloka das Américas for bring practical contributions to contemporary thinking in self-referential videodance.

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO: SOBRE UM PENSAMENTO QUE VEM

DANÇANDO E SE TORNA FILME 14

1.1 ISTO É UMA INTRODUÇÃO? ASPECTOS

TRANDISCIPLINARES DE UMA METODOLOGIA HÍBRIDA 24 2. ALOKA DAS AMÉRICAS: O ARTISTA-PESQUISADOR

E OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO EM DANÇA-CINEMA 45 2.1 TRÂNSITOS AMADORES NO HIBRIDISMO:

INDISCIPLINA E TENSÕES EPISTEMOLÓGICAS 54

2.2 ENTREVISTA E CONTRA-ENTREVISTA: DISSIDÊNCIAS

NO SUL DO MUNDO E MARGINALIDADE SUDACA 75

2.3 MANIFESTO EM DANÇA-CINEMA:

DESVIOS DA REPRESENTAÇÃO NA VIDEODANÇA 89

3. PROVOCAÇÕES PARA UMA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

HÍBRIDA: A VIDEODANÇA AUTORREFERENTE NA WEB 100 3.1 CORPOS DANÇANTES E IMAGENS VIRTUAIS EM

MULTITAREFA: AFRONTAS À DANÇALIDADE

E À FORMA CINEMA 113

3.2 AUDIOVISUALIDADES CONTEMPORÂNEAS: MUTAÇÕES ENTRE A FORMA DANÇA-CINEMA

E A VIDEODANÇA AUTORREFERENTE 127

3.3 ESTÉTICAS AMADORAS E TRÂNSITOS

TRANSDISCIPLINARES EM DANÇA-CINEMA NA INTERNET 148 3.3.1 VIRALIZAÇÃO DE VÍDEOS DE DANÇA NA REDES 149 3.3.2 PORTFÓLIOS DE VIDEOARTISTAS

DA INTERFACE DANÇA-CINEMA 154

3.3.3 TRANSBORDANÇA: TRÂNSITOS ESTÉTICO-

POLÍTICOS DA VIDEODANÇA AUTORREFERENTE 163 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS, OU DEVANEIOS PROGRESSIVOS

DE UMA DANÇA COMO PENSAMENTO FÍLMICO 178 4.1 E SE NÃO HOUVESSE CONCLUSÕES, HAVERIA O QUÊ? 183

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 186

REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS 191

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vejo as artes como um resíduo, aquilo que resta de uma série de coisas que o ser humano gosta de fazer para manter o seu espírito num determinado ponto de possibilidade. talvez não só de possibilidade como de interesse. um ponto em que é possível e interessante existir. Estas coisas que mantêm o espírito nesse ponto são coisas que algures, não sei se no tempo ou no espaço, estão espalhadas pela vida das pessoas, estão espalhadas pela existência em geral, e que aqui, ou agora, se confinaram a determinados locais, a determinados objetos, últimos redutos dessas coisas. Vera Mantero, no periódico português Elipse, primavera de 1998.

1. INTRODUÇÃO: SOBRE UM PENSAMENTO QUE VEM DANÇANDO E SE TORNA FILME

E se de repente começássemos pelo fim? Não numa conjectura especulativa, mas a partir de evidências estéticas. O audiovisual condicionado ao contexto autorreferente das imagens em movimento na internet – milhões de pessoas convivendo, neste século, com câmeras portáteis – e a dança em sua expansão transdisciplinar com outras linguagens artísticas.

Das conclusões prévias, a práxis, – aquilo que já existe e é continuamente provocado por artistas amadores e profissionais nos trânsitos em dança-cinema – imagens que circulam na internet sem que se determinem as limitações de distribuição, como antes no cinema analógico, ou as restrições ontológicas de uma dança disciplinada sobre o corpo em movimento, como se este pudesse ser definido por uma expectativa cênica. Afinal, não há nas palavras qualquer herança possível para a videodança. Por isso não estamos em busca de seu formalismo retórico, como se fosse viável anunciar regras ou modos de fazer, circunscrevendo a experiência híbrida à disciplina de linguagens formatadas historicamente no século passado. A videodança deve, muito mais, à indisciplina de artistas de vanguarda, aos flertes com as artes visuais e, sobretudo, ao cinema experimental e à dança contemporânea. Deve aos experimentos correntes e qualquer exercício de submetê-la à disciplina é quase uma ignomínia ao seu caráter estético. Trata-se de imagens em movimento, da experiência dançante, da interface corpo-câmera.

Assim, estamos a falar de uma introdução incomum. Uma introdução que é ao mesmo tempo introdutória e conclusiva. Pois não há questões a serem sanadas, mas filmes e corpos a serem vistos, apreciados esteticamente. Outros estados de consciência, que não mais se submetem a centralidade do logos no processo de realização. É do caos que estamos falando. Em se tratando de videodança, é o caos que nos interessa. Os múltiplos e possíveis encontros entre os corpos e as câmeras, suas configurações e acontecimentos. Vestígios de um pensamento que vem dançando e se torna filme... E se, de repente, esta introdução fosse tão

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completamente caótica, que reunisse apenas emaranhados de um pensamento complexo e residual onde nos deparamos com a videodança? Você conseguiria acompanhar?

A dança, ela não se manifesta sob a égide de um pensamento cartesiano. O caos, então, não seria apenas benvindo. ele remonta à série de coisas que restam para mantermos o espírito humano numa perspectiva de interesse e possibilidade. Acompanho o pensamento da coreógrafa Vera Mantero na epígrafe, a partir de ensaio publicado há exatos 20 anos – A

desfazer-se –, a fim de lhes apresentar como opera o conjunto de ideias, hipóteses e ações acerca

do estado da arte nesta breve dissertação. A arte como resíduo, como qualquer, enquanto descarte e situação inacabada, processo, precariedade, buraco sem fundo. E a videodança nos termos ambíguos de um estado entre vida e obra, autorreferente, e entre dança e cinema, híbrida. Uma experiência indisciplinada, em que se conjugam transitoriedades, desaparições.

Nesta primeira imagem, danço o ensaio literário de Vera Mantero no II Festival Conquista Ruas1. O experimento resultante é uma videodança que pode ser acessada a qualquer momento via celular pelo código disponível ao lado da fotografia2. As imagens em movimento

1 Festival de Artes Performativas que acontece na cidade de Vitória da Conquista, no interior da Bahia. Em sua segunda edição (2017), o projeto Aloka das Américas esteve em processo de residência com os artistas também participantes da programação do festival. As imagens são resultado de um processo híbrido em dança-cinema. 2 Serão utilizados códigos QR como forma de redirecionar o leitor aos vídeos e páginas da internet que integram esta investigação em dança-cinema. Como se tratam de imagens em movimento ou mesmo de hiperlinks no ciberespaço da web, é interessante que os materiais sejam vistos. Os links também estarão disponíveis de forma extensa (escritos), acompanhando a lista de figuras nas referências finais da pesquisa.

Figura 1

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no vídeo manifestam algumas das provocações da coreógrafa portuguesa que estão materializadas na investigação de mestrado: os resíduos. Considerando a constante desaparição do corpo que dança (pois este nunca é capturado estaticamente) e seu vínculo com a ideia de acontecimento, o experimento resulta numa improvisação que provém da interface em corpo-câmera. Nela, assinala-se a miríade de resíduos que se dão no espaço-tempo da experiência estética e que não são organizáveis num formato lógico, linear ou mesmo narrativo-cênico. A fragmentação de ideias (em que constam os trechos do ensaio de Mantero) e a experiência do corpo em movimento (sou eu mesmo quem dança) conjugam-se a partir daquilo que resta e, portanto, não pode ser capturado em sua mais valia – num formato mais palatável a espetacularização ou entretenimento –. Esse processo se manifesta (ou poderia ser traduzido) pela segunda imagem, em que um cavalo rabiscado representa o processo ilógico de conclusão de etapas. O desenho não se materializa da maneira esperada: entre seu planejamento e concretização existem uma série de acontecimentos que condicionam o processo de criação.

Ainda sobre o cavalo do desenho, poderíamos dizer que se, ao contrário, tivéssemos um formato completamente verossímil, representando perfeitamente o animal, estariam negligenciados os resíduos desse processo, que operam entre a ideia e a matéria. O acontecimento e o interlúdio, então, estariam transfigurados num formato satisfatório ao consumo, sem que os incômodos transformassem o resultado final naquilo que ele ainda é: um conjunto de processos. Se pensarmos na videodança, por exemplo, criar a partir da expectativa cênica sobre um corpo que dança para a câmera, ou mesmo de linearidade/narratividade sobre a montagem do filme, não seria o mesmo que desenhar um cavalo perfeito? Essa disfunção entre o cavalo perfeito e o cavalo pueril demonstra metaforicamente as distâncias entre o sistema de representação na experiência estética e o experimento em sua precariedade/ processualidade. A imagem do cavalo também corrobora o estado da arte nesta dissertação. Ao trazer as expectativas de uma pesquisa que se propõe abrangente sobre a videodança, diversos fatores estéticos e epistemológicos transformam a expectativa ideal de uma investigação universalista numa ênfase aos resíduos e fragmentos de sua processualidade.

O cavalo desenhado, que frustra as expectativas do sistema de representação, também é uma resposta aos princípios logocêntricos que ainda se mantêm hegemônicos não apenas nas pesquisas acadêmicas de artes, mas também profissionais. A exigência por um estado equânime ou harmônico evidencia uma verdadeira indisposição epistemológica ao caos nos estudos formalistas e/ou práticos. Essa segunda imagem, que também possui um link redirecionando-a para uma publicação disponível na plataforma Facebook, aborda de forma cômica as expectativas de diversos pesquisadores em diferentes áreas do conhecimento. Materializa as

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expectativas não realizadas, como se estas tivessem de se cumprir de forma lógica um percurso com início, meio e fim. Dessa maneira, ao pensarmos uma proposição não logocêntrica à pesquisa em artes e, neste caso, ao hibridismo em dança-cinema e suas variações cibernéticas, estamos na contramão das exigências formalistas. Trazer essa perspectiva no processo de escrita é uma estratégia estético-política que manifesta não só a ausência de sincronia entre os experimentos em corpo-câmera e algum tipo de organização sobre seus significados, mas uma indisposição às instituições que detêm poder e, consequentemente, ao discurso legitimado para definir quais experiências estéticas são aceitáveis ou não.

A pesquisa em artes, num contexto que se aprofunda em hibridismos de linguagem, não pode excluir a precariedade de sua processualidade, muito menos as investiduras de seus experimentos. Como determinar uma experiência em videodança enquanto algo ideal? Como avalia-la? Essa é a lógica desempenhada pelo mercado, que já o faz de maneira predatória em circuitos legitimadores burgueses, responsáveis por excluir de forma antidemocrática quaisquer vestígios de precariedade e resistência que derformem uma suposta idealidade. Nesse sentido, epistemologicamente torna-se inviável e incoerente reproduzir um esquema de mais valia a partir das especulações lógico-utilitárias sobre a experiência estética de que trata esta pesquisa. A videodança de que falamos não serve ao mercado e suas formas. Não se trata de representar alguma coisa, mas de um acontecimento. A ideia de uma experiência que se aproxima ao conceito de acontecimento, como assinala o filósofo Jacques Derrida em Pensar em não ver, não prevê seus resultados, muito menos culmina numa finalidade. Quando Derrida aprofunda suas especulações sobre os rastros do visível, o filósofo francês endossa a ideia do acontecimento como algo invisível. “Um acontecimento é o que vem; a vinda do outro como acontecimento só é acontecimento digno desse nome, isto é, um acontecimento disruptivo, inaugural, singular, na medida em que precisamente não o vemos vir”. (DERRIDA, 2012: 70).

Segundo Derrida, se antecipamos um acontecimento este já não o é mais. A antecipação de sua finalidade acaba por neutralizá-lo. E não é disso que tratamos nesta pesquisa, muito pelo contrário, pois as imagens de um corpo em improvisação com a câmera não podem ser previstas, e, desta forma, preditas. O estado de que Derrida fala é similar ao de um desenhista. E este debate, quando repercute nas artes visuais e espaciais, apresenta as artes do visível, aquelas que formam imagens, numa poética de imprevisibilidade. Ao provocarmos essa aproximação com experimentos em dança-cinema, existe o desejo de incidir sobre as múltiplas coisas que se dão num encontro não predito entre as imagens em movimento e o corpo dançante. Por isso, esta dissertação também não se insere num esquema ontológico subjugado às formas de avaliação estética. Não é histórica, muito menos compulsivamente lógica. Este texto também

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é, portanto, um experimento que aprofunda a ideia de pensar a experiência da práxis em corpo-câmera, sem que esse pensamento seja lógico e/ou planejado. A ideia anteriormente aprofundada, da imagem de um cavalo inacabado como metáfora de uma tese, serve tanto ao texto aqui descrito quanto ao tema proposto (o hibridismo dança-cinema).

A questão de que tratamos até aqui, “ver e pensar, pensar-ver, ver-pensar”, é, portanto, primeiramente, a questão do acontecimento, da experiência do acontecimento, e do que é o desenho, a relação entre o desenho e o acontecimento. Que relação pode ter o desenho com o que acontece? Ou com quem chega? O que no desenho pode dar conta dessa irrupção imprevisível do que (de quem) acontece/chega? O desenhista é alguém, e temos aqui uma grande testemunha disso, alguém que vê vir, que pré-desenha, que trabalha o traço, que calcula, etc., mas o momento em que isso traça, o movimento em que o desenho inventa, em que ele se inventa, é um momento em que o desenhista é de algum modo cego, em que ele não vê, ele não vê vir, ele é surpreendido pelo próprio traço que ele trilha, pela trilha do traço, ele está cego. É um grande vidente, ou mesmo um visionário que, enquanto desenha, se seu desenho constitui acontecimento, está cego.” (DERRIDA, 2012: 71)

A cegueira aqui constitui uma potência à imprevisibilidade. Pensar em não ver é, de fato, um exercício que privilegia o acontecimento. É uma surpresa, uma dimensão do imprevisível que repercute a partir da cegueira disponível de sua testemunha. Entretanto, na medida em que nossos olhos sempre se projetam ao horizonte, como quando vemos algo vindo em nossa direção, horizontalmente Derrida diz que nada de fato nos acontece. “Não devemos vê-lo vir e, portanto, o acontecimento não tem horizonte; só há acontecimento ali onde não há horizonte. [...] não vem diante de nós, ele vem verticalmente: pode vir de cima, do lado, por trás, por baixo, ali onde os olhos não têm alcance” (DERRIDA, 2012: 71). Essa perspectiva pode nos fazer pensar tanto numa provisão divina, que acontece de cima para baixo, do “altíssimo”, quando numa imersão rumo ao inconsciente, que vem daquilo que não decido, do outro, etc. (e, nesta pesquisa, retomar o inconsciente é necessário para pensar, enfim, o acontecimento). Ao pensar nessas palavras, recupero o prazer de uma aula na Universidade Federal Fluminense. Uma professora falava sobre o acontecimento a partir da beleza que a surpresa conduz às imagens. Ela considerou a ideia engraçada de pessoas caindo na rua.

As pessoas que caem na rua são surpreendidas pela queda, pelo riso alheio, pelos olhares e chamadas de preocupação. É um acontecimento. E a professora, em suas divagações sobre a imagem, ainda disse: “Se pudesse, eu tiraria fotos daqueles rostos surpresos”. No mesmo instante, veio até mim a curiosa imagem de uma pessoa completamente vulnerável numa queda. Um rosto assustado, como eu mesmo senti o meu ao cair algum dia. Você consegue imaginar seu rosto no instante de uma queda? Ele talvez demonstre o que estamos aqui a falar: a dimensão do acontecimento. Surpreso com a queda, o rosto reage de qualquer forma, menos daquela prevista pelo andar comum, ainda determinado pela ideia de uma previsão ou continuidade de

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uma caminhada. A interrupção, a queda, nos interessa para o caminhante na mesma medida que o inconsciente e o experimento para o artista. É risível, sublime, supérfluo, arriscado, inútil...

A queda aqui se traduz pelos experimentos que, nesta dissertação, acompanham de forma abrupta, por vezes incoerente ou intraduzível, as diversas tentativas de racionalizar e esquematizar as experiências que se dão entre um corpo e uma câmera. Acontecimentos que se manifestam como um procedimento de escrita favorável ao aprofundamento do tema, sem que este seja um “objeto” sobre o qual se debruça. Ou seja, sem expectativas de uma conclusão ou de um trajeto definitivo. Escrevo objeto entre aspas na medida em que, nesta pesquisa, a ideia de objeto é demasiado fajuta, pois sou artista-pesquisador daquilo que escrevo: um verdadeiro

insider, segundo a experiência etnográfica. Faço experimentos em dança-cinema e algumas

destas divagações também estarão investidas de forma material nas páginas, a partir de imagens, divagações, desenhos, filmes. A fim de garantir a imprevisibilidade do conjunto de ideias e ações que constitui a aproximação entre a dança contemporânea e o cinema autorreferente, por vezes utilizarei enunciados fragmentados de artistas, que aqui não figuram necessariamente como citações formais. Recorro à sujidade de Vera Mantero e sua dança-pensamento, aos devaneios de Kazuo Ohno e o corpo espiritualizado no butoh, à poesia violenta e suja do cinema de Rosemberg Filho, bem como aos manifestos e teorias sobre o cinema não hegemônico, a partir de Glauber Rocha e Maya Deren.

Palavras soltas ou concatenadas, que servem de imersão numa pesquisa que privilegia epistemologias dadaístas e anarquistas. Nos manifestos de Tristan Tzara e Hugo Ball endossa-se a perspectiva de uma arte que não precisa endossa-ser legitimada pelos pares (em suas expectativas pequeno-burguesas), assumindo a partir do dadá a “nadificação” da arte, na variação dos múltiplos significados incoerentes que essa palavra ganha: um cavalo de madeira, a cauda de uma vaca sagrada, etc. Os ready-mades como a materialidade da epistemologia dadaísta. Afinal, se todos temos “razão”, (pois os indivíduos costumeiramente acham que podem explicar suas vidas e escritos racionalmente), então abandonemos uma dependência da razão e da sistematização do conhecimento que serve à burguesia. Uma filosofia do qualquer, que também se manifesta sob a égide anarquista da Zona Autônoma Temporária (TAZ)3, concebida por Peter

Lamborn Wilson a partir de seu heterônimo Hakim Bey. A TAZ surge influenciada por resistências anárquicas e piratas, recuperadas de forma virulenta em suas intervenções sobre as tecnologias de informação e transporte desenvolvidas na história da humanidade. Um espaço indefinido e invisível, onde se dá um exercício de confronto com a linguagem e a humanidade

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histórica. A TAZ é, sobretudo, um espaço de ação. Zona de autonomia e insurgência, estado de rebelião ao simulacro e ao espetáculo: pirataria.

Em resumo, não queremos dizer que a TAZ é um fim em si mesmo, substituindo todas as outras formas de organização, táticas e objetivos. Nós a recomendamos porque ela pode fornecer a qualidade do enlevamento associado ao levante sem necessariamente levar à violência e ao martírio. A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la. Uma vez que o Estado se preocupa primordialmente com a Simulação, e não com a substância, a TAZ pode, em relativa paz e por um bom tempo, "ocupar" clandestinamente essas áreas e realizar seus propósitos festivos. Talvez algumas pequenas TAZs tenham durado por gerações - como alguns enclaves rurais – porque passaram desapercebidas, porque nunca se relacionaram com o Espetáculo, porque nunca emergiram para fora daquela vida real que é invisível para os agentes da Simulação (BEY, 2001: 13).

A TAZ, portanto, vai ao encontro de algumas das provocações de Tzara e Ball, na medida em que seus propósitos festivos estão em reação cautelosa às instituições cujo poder se materializa de forma violenta na vida cotidiana: neste caso, especialmente o Estado, instância armada da experiência civil. Assim, ao pensarmos numa epistemologia anarquista e dadaísta, que negligencia o Estado, a família, o mercado a Igreja, bem como a perpetuação das opressões sobre os corpos em movimento (por meio da moral), convoco à convergência os artistas mencionados anteriormente, a partir de suas práticas de resistência, como agentes de uma contracultura estabelecida (mas invisibilizada) em dissonância à sociedade do espetáculo e da disciplina. Uma rebelião que se manifesta no teor dos experimentos deles (a serem doravante transcritos, indicados ou rabiscados nestas páginas) e de suas divagações estéticas, contribuindo para que as reflexões em dança-cinema nesta dissertação não sejam estanques, puristas ou mesmo excludentes das diversas processualidades precárias e transitórias que podem existir na interface corpo-câmera. Afinal, não haveria sentido algum em endossar a lógica do mercado sobre uma perspectiva experimental, isso seria impor o sistema de representação à experiência estética. E a videodança está em fuga disso. Estamos a falar das coisas de que Vera Mantero lembra em seu ensaio: “virando de vez em quando as coisas ao contrário, desorganizando e reorganizando” (MANTERO, 1998: 4), pois “é preciso olear o espírito, olear o ser” 4...

4 A partir deste trecho as aspas usadas na intervenção continuam respeitando a referência: (MANTERO, 1998: 4)

“É preciso não esquecer

que há uma coisa que se

chama êxtase, é preciso

entrar no êxtase...”

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A livre associação do pensamento a que Mantero se refere, bem como seus abismos e vazios, vai ao encontro de uma filosofia da dança que dispõe o corpo ao nível de seus acontecimentos (in)conscientes. Da mesma forma, quando a pesquisadora Thereza Rocha asserta sobre a dança enquanto metáfora do pensamento, está a falar de um pensamento que não necessariamente precisa ser sério, ranzinza. “Pensamento e diversão não são autoexcludentes” (ROCHA, 2016: 82). Ou seja, tudo pode acontecer. É divertido. Haveria algum problema nisso?... Afinal, qual o limite da escrita acadêmica para uma tese em artes? Quais os limites impostos à escrita sobre a dança e seus trânsitos de linguagem? Certa vez ouvi a pesquisadora Lucia Santaella opinar numa banca de doutorado, cuja pesquisa, inclusive, era em dança-cinema, que as universidades brasileiras ainda precisam avaliar as distâncias entre a academia e a experiência estética, pois esta última consistiria um verdadeiro imbróglio à prospecção estritamente lógica. Concordo em parte, pois não há de se solucionar as lacunas da obra de arte num exercício constativo. Mas as artes, infiltradas numa arqueologia cujos saberes são legitimados pelas instituições do Estado, pode, quem sabe, implodi-la. Um movimento de dentro para fora, que expõe as fragilidades da estrutura logocêntrica em detrimento da ciência. Quando retomo o tema desta dissertação feito há dois anos, à época ainda intitulada “Videodança e autoficção: subjetividades dos corpos dançantes no ciberespaço”, percebo não apenas as transições conceituais que levaram esta pesquisa a se chamar “Videodança autorreferente: dança-cinema em trânsitos híbridos no ciberespaço da web”, mas uma

“... no inconsciente,

na perda,

no esvaziamento,

no desprendimento,

na queda

...”

NA PORRA

TODA!

"gosto sempre de citar um pedacinho da marguerite duras que diz assim: 'nada se passa na televisão. ninguém fala na televisão. falar como falar. quer dizer: a partir de qualquer coisa, de seja o que for, um cão atropelado, por ex., repor em marcha o imaginário do ser humano, a sua leitura criadora do universo, esse estranho génio, tão espalhado pelo mundo, e isto a partir de um cão que foi atropelado"

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multiplicidade de experiências estéticas que modificaram a epistemologia aplicada, bem como suas estratégias de investigação. A mudança de autoficção para autorreferência, por exemplo, diz respeito a incidência das imagens em movimento numa experiência não necessariamente narrativa, a qual estariam circunscritos os estudos autoficcionais (provenientes da literatura). A autorreferência diz respeito, sobretudo, ao regime de imagem em que se insere o realizador do filme: ele, o sujeito, se torna imagem autorreferente. Dessa maneira, os trânsitos híbridos em dança-cinema, ao serem friccionados/tensionados com a experiência cênico-narrativa que os formatos hegemônicos de videodança consolidaram no século XX, priorizam aqueles acontecimentos que se dão entre o corpo, a câmera e a montagem. Não necessariamente a partir de um olhar narrativo. Devido a essas tensões, que se manifestam tanto a partir da práxis quanto da análise de filmes produzidos nessa linguagem, tornou-se viável repensar o conceito.

O mesmo acontece em relação aos conceitos “subjetividade” e “corpos dançantes”. Durante o processo de escrita e imersão nas disciplinas do Programa de Pós-graduação em Dança, fui confrontado com diferentes perspectivas de um corpo dançante e com a incidência dos estudos pós-estruturalistas acerca dos processos de subjetivação. “O regime de signos mudou, portanto: sob todos esses aspectos, a operação do ‘significante’ imperial dá lugar a processos de subjetivação; a servidão maquínica tende a ser substituída por um regime de sujeição social” (DELEUZE, GUATARRI: 2008, 148). A ideia é de que o Estado moderno passa a operar sobre o sujeito não mais a partir de um regime de submissão à máquina técnica, mas de sujeição. Substitui-se a escravidão ou a experiência feudal pelo regime de mercado, em que o capitalismo constitui o que, em Mil Platôs, Gilles Deleuze e Felix Guatarri vão chamar de empresa mundial de subjetivação. A subjetividade está fadada então à sujeição maquínica. Mas é bem a reinvenção de uma máquina da qual os homens são as partes constituintes, em vez de serem seus trabalhadores e usuários sujeitados. Se as máquinas motrizes constituíram a segunda idade da máquina técnica, as máquinas da cibernética e da informática formam uma terceira idade que recompõe um regime de servidão generalizado: "sistemas homens-máquinas", reversíveis e recorrentes, substituem as antigas relações de sujeição não reversíveis e não recorrentes entre os dois elementos; a relação do homem e da máquina se faz em termos de comunicação mútua interior e não mais de uso ou de ação. (DELEUZE, GUATARRI: 2008, 158).

Na época, esse confronto teórico se deu numa lógica quase que de esvaziamento dos devaneios emancipatórios para um sujeito cujo corpo dançante está disponível em imagens virtuais na rede mundial de computadores. A tensão, no entanto, rendeu novos embates estéticos com a cibernética, a informática e a videodança. A ideia de realizar filmes, em que a experiência de corpo-câmera se qualifica como axiomática, não pode excluir as sujeições a que esse processo de criação implica para o artista, especialmente na imagem digital – fadada ao

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mercado especulativo global –, imperialista. Ou seja, tanto o cinema, a história ocidental da dança, quanto a internet são experiências fundadas no seio do capital e suas hierarquias de poder. Por isso, modificar a perspectiva desta dissertação diz respeito a também observar os experimentos segundo essas provocações conceituais. Mas não apenas qualificando-os por meio dos estudos pós-estruturalistas, representados aqui por Deleuze e Guatarri, pois os corpos sujeitados à máquina, seus experimentos artísticos, não são determinados pela técnica.

No caso da videodança distribuída no ciberespaço da web, configuram-se diferentes e incalculáveis experiências híbridas em dança-cinema na internet. Muitas delas anarquistas, virulentas, abstratas, etc. Nesse sentido, a ideia de um corpo dançante per si apenas foi substituída pela noção de corpo-câmera na medida em que é notável a interferência das interfaces com as máquinas para os processos de subjetivação de realizadores na internet. Isso não significa que o corpo-câmera em movimento não possa confrontar a reprodutibilidade do esquema de representação. A dança está implicada e é, deve ser, fundamento do processo criativo desse tipo de filme. Nisso consiste o corpo dançante da videodança: ele é o vírus que acompanha os processos de subjetivação no filme, uma resistência aos princípios de normalização da vida cotidiana. A ruptura com a mímica social na espacialidade de um corpo em movimento se dá na experiência da dança como metáfora do pensamento: a improvisação. Este devaneio obtuso não pode ser capturado e determinado em sua totalidade. E é nesta disposição que reside o acontecimento indiscernível ao modelo macroeconômico adotado pelo Estado moderno. A experiência do corpo dançante, quando não capturada e sintetizada pelo mercado, convoca a inúmeras fissuras na sociabilidade de confinamento, normalidade e controle. Resiste ao utilitarismo. Assim, mais uma vez o movimento da arte se constitui de

dentro para fora, como um vírus expondo fragilidades da estrutura logocêntrica em detrimento

não apenas da ciência, mas de um sistema macroeconômico cujo poder está na biopolítica. É a disrupção da disciplina numa sociedade de controle... uma erupção vulcânica!

somos híbridas somos trans parecemos invisíveis? ou seria o acontecimento entre meu vírus e seus poros?

“Acho difícil dançar com a mente vazia...”

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A imagem de mim dançando (ótimo)

Começar falando sobre a experiência residual e de como essa miscelânea de coisas abarca uma complexidade infinita de fatores: o cavalo completamente perdido. Os memes da internet. Uma experiência residual e dadaísta, virulenta, um cavalo de troia, aqui talvez o dadaísmo se encontre com algumas perspectivas anarquistas.

E se eu começasse pelo final? Ou esta introdução fosse conclusiva? Como mexer com as estratégias logocêntricas da academia diante de uma experiência estética que, per si, não carece de avaliação. Por isso PENSAR EM NÃO VER, seguir como pessoas que caem na rua, surpreendidas pelo movimento involuntário diante do acontecimento.

Aliás é o acontecimento uma das principais perspectivas a serem trabalhadas aqui.

Apresento então a metodologia:

E como vera, precisamos entrar no inconsciente, na queda na porra todaaaa

1.1 ISTO É UMA INTRODUÇÃO? ASPECTOS TRANDISCIPLINARES DE UMA METODOLOGIA HÍBRIDA

Situada entre campos do saber, a experiência estética em artes híbridas demanda abordagens que desafiem o conhecimento disciplinar. A multiplicação de especialidades, estudos e programas na história da arte nos direciona a diferentes caminhos de investigação. E, “considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante, que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia pela eficácia” (CARTA DE TRANSDICIPLINARIDADE, 1994: 1), resta desconfiar de qualquer iniciativa global de totalização do conhecimento humano e de sua inscrição a uma realidade única, decifrável e centralizadora. O trecho em aspas, que integra a carta aberta de Edgar Morin, Basarab Nicolescu e Lima de Freitas no I Congresso Mundial de Transdiciplinaridade5 anuncia um preâmbulo crítico sobre o atual estado das disciplinas humanas a fim de erigir princípios fundamentais à comunidade daqueles que nomeiam como “espíritos transdisciplinares”. Ao adotar essa carta como pilar do pensamento metodológico que vai guiar a organização híbrida de uma pesquisa em dança-cinema, conjuro as instâncias de um pensamento complexo e multifocal.

“Para o pensamento clássico, a transdisciplinaridade é um absurdo porque não tem objeto. Para a transdisciplinaridade, por sua vez, o pensamento clássico não é absurdo, mas seu campo de aplicação é considerado como restrito” (NICOLESCUL, 1999: 11). As restrições de que fala o físico Basarab Nicolescu em seu ensaio Um novo tipo de conhecimento:

transdisciplinaridade, dizem respeito às finalidades dos estudos disciplinares, circunscritas à

manutenção ou fixação do objeto segundo a inesgotabilidade de seu campo, mesmo que o problema de pesquisa esteja fragmentado em outras áreas de conhecimento. A medida do fragmento não é suficiente para evocar as relações externas à disciplina, pois esta emprega uma totalidade de compreensão segundo a perspectiva adotada pelo pesquisador. Contudo, a transdisciplinaridade não nega a existência ou necessidade dos campos, bem como o emprego da disciplina sobre determinadas áreas do conhecimento. A transdisciplinaridade apenas não se restringe à especialização da ciência moderna e “como o prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento” (NICOLESCUL, 1999: 11). Dessa forma, o que está entre os campos interessa mais do que aquilo que pode ser localizado pela disciplina específica.

5 Congresso realizado entre 2 e 7 de novembro de 1994 no Convento da Nossa Senhora de Arrábida, localizado no distrito português de Setubal. A carta está traduzida para o português, disponível em para download em: < http://cetrans.com.br/assets/docs/CARTA-DA-TRANSDISCIPLINARIDADE1.pdf > Acesso em: 26/02/2018

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A estrutura descontínua dos níveis de Realidade determina a estrutura descontínua do espaço transdisciplinar, que, por sua vez, explica porque a pesquisa transdisciplinar é radicalmente distinta da pesquisa disciplinar, mesmo sendo complementar a esta. A pesquisa disciplinar diz respeito, no máximo, a um único e mesmo nível de Realidade; aliás, na maioria dos casos, ela só diz respeito a fragmentos de um único e mesmo nível de Realidade. Por outro lado, a transdisciplinaridade se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de Realidade ao mesmo tempo. A descoberta desta dinâmica passa necessariamente pelo conhecimento disciplinar. Embora a transdisciplinaridade não seja uma nova disciplina, nem uma nova hiperdisciplina, alimenta-se da pesquisa disciplinar que, por sua vez, é iluminada de maneira nova e fecunda pelo conhecimento transdisciplinar. Neste sentido, as pesquisas disciplinares e transdisciplinares não são antagonistas, mas complementares. (NICOLESCUL, 1999: 12)

Os diferentes níveis de realidade aos quais se debruça esta investigação elucida algumas das interfaces entre o corpo e as tecnologias digitais na rede mundial de computadores. Diferente da compreensão das ciências exatas sobre o conceito de “realidade”, esta é entendida segundo a multiplicidade da experiência estética que, nesta pesquisa, se circunscreve ao ato de dançar com a câmera e de se relacionar com as imagens resultantes desse hibridismo na internet. Como o corpo dançante se manifesta na experiência de autorreferência audiovisual, no contexto do ciberespaço da web? Como surge a videodança nesse processo múltiplo? Ao optar por uma pesquisa transdisciplinar no contexto das práticas artísticas contemporâneas, configuro um pensamento mais suscetível às variáveis epistemológicas de um quadro estético híbrido. A pretensão é não excluir as idiossincrasias de estudos avançados sobre a relação do corpo-câmera e da imagem-tela no contexto do ciberespaço da web, evitando o senso comum das visões holísticas e a invisibilidade de importantes contribuições disciplinares, que, nesta pesquisa, estão circunscritas aos estudos em dança, cinema, comunicação, artes visuais, filosofia e ciências sociais. Dessa forma, a adoção de um pensamento de complexidade pretende atribuir à reunião de diferentes métodos de pesquisa um ponto comum ou simbiótico (e não excludente) entre as disciplinas e seus entrelugares.

Segundo Nicolescul, a transdisciplinaridade possui pelo menos três princípios metodológicos que norteiam sua organização interna: os níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade (ou pensamento complexo). Sobre os níveis de realidade, esta pesquisa não deflagra exatamente o conceito de realidade da física, mas se interessa pelos variados níveis de organização do corpo segundo a experiência estética. “Os níveis de organização correspondem a estruturações diferentes das mesmas leis fundamentais. Por exemplo, a economia marxista e a física clássica pertencem a um único e mesmo nível de Realidade” (NICOLESCUL, 1999: 18). Em contraponto à perspectiva de Nicolescul que, inclusive, atribui a uma realidade unitária o “R” maiúsculo, como forma de se referir a uma “totalidade” das experiências socioculturais, refuto o conceito de “Real” empregado sob o

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regime das leis fundamentais das ciências exatas diante da própria condição ambígua da imagem cinematográfica e sua reprodutibilidade técnica, capaz de multiplicar realidades espaço-temporais nas telas. Refuto-o também a partir das variações espaço-temporais do corpo em movimento (atualizações da improvisação que se dá entre os atos de pensar e mover) ou de suas interfaces híbridas com as tecnologias digitais. A experiência estética, então, traduz uma multiplicidade de realidades em sua manifestação com diferentes dispositivos.

Ao artista, esse conceito de realidade com “R” maiúsculo ainda está circunscrito ao sistema de representação reproduzido por experiências estéticas hegemônicas, que separam vida e “fantasia” a partir de um pensamento cartesiano especialista em recusar a multiplicidade de contextos entre corpo e dispositivos. Nessa perspectiva, a arte apenas imitaria a “Realidade”, ainda sem provocar disrupções às formas de pensar o mundo. Em se tratando desta uma pesquisa em arte híbrida, no entanto, os níveis de realidade são entendidos sob as manifestações da experiência estética entre artistas e seus interlocutores. Dançar, filmar e relacionar-se a exibição das imagens na rede mundial de computadores evidencia múltiplas experiências, de diferentes qualidades, que se aliam a um ponto comum (resultado/processo) em constante mutação: a videodança autorreferente na web. As mutações vêm de reconfigurações que a relação corpo-câmera ganha na internet, quando outros corpos não apenas assistem, mas gravam, compartilham, comentam a obra e, além de tudo, devolvem respostas audiovisuais na rede, com experiências estéticas cuja interface também está baseada na relação corpo-câmera. Este é o caso, por exemplo, do projeto Une minute de danse par jour, da artista francesa Nadia Vadori-Gauthier, que tem incentivado os espectadores das videodanças a enviar vídeos pessoais para sua página na internet. Essas complexas redes de interesse e criação deflagram-se no conjunto de vídeos que aos poucos deflagram-se forma, a partir das experiências estéticas da artista.

Observando os outros dois princípios da investigação transdisciplinar, é possível se orientar também pela perspectiva de um terceiro incluído, quando “os opostos são antes

contraditórios: a tensão entre os contraditórios promove uma unidade que inclui e vai além da

soma dos dois termos” (NICOLESCUL, 1999: 24). A arte híbrida apresenta em suas contradições a coexistência de dois ou mais campos cujas experiências estéticas não necessariamente estão em dissonância para cumprir uma expectativa coesa sobre a disciplina das áreas do conhecimento em relação. Ou seja, o terceiro-incluído é um princípio que se dá num axioma não contraditório, na medida em que o resultado da combinação de dois conceitos não necessariamente elimine os dois anteriores ou tenha como consequência uma soma: “com a condição de que as noções de ‘verdadeiro’ e ‘falso’ sejam alargadas, de tal modo que as regras de implicação lógica digam respeito não mais a dois termos (A e não-A), mas a três termos (A,

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não-A e T), coexistindo no mesmo momento do tempo” (NICOLESCUL, 1999: 24). Ou seja, no hibridismo dança-cinema no ciberespaço da web, a simbiose entre as diferentes linguagens artísticas envolvidas coexiste com o conceito de videodança autorreferente, mas não se limita a ele, como se esta fosse sua síntese. A relação corpo-câmera prevê suas variáveis isoladas (o corpo e a câmera), que se deslocam em suas especificidades ao ponto comum (a videodança) sobre o qual esta pesquisa se desenvolve. Tais condições fragmentadas não se anulam mesmo que venham a manifestar algum tipo de contradição, mas demonstram os avanços que as pesquisas em dança e em cinema, isoladamente, trouxeram à arte contemporânea em sua crítica à representação, contribuindo para a adoção deste mesmo pensamento à videodança.

O pensamento complexo surge dessa coexistência de variados princípios de análise, na medida em que não estimula suas contradições, mas a conjugação que os saberes possam ter em seus hibridismos. “A complexidade nutre-se da explosão da pesquisa disciplinar e, por sua vez, a complexidade determina a aceleração da multiplicação das disciplinas. A lógica binária clássica confere seus títulos de nobreza a uma disciplina científica ou não-científica.” (NICOLESCUL, 1999: 19). Portanto, o pensamento complexo tenta se envolver com essa ambígua complexidade, não para multiplicar as especializações e seus títulos de “nobreza”, sob perspectivas binárias que ainda replicam um sistema colonial de conhecimento no ocidente: “Isto é ou não é ciência?”. Para a arte, por exemplo, essa pergunta inquisitória foi refutada há algumas décadas, desde as manifestações dadaístas na década de 1910. Aos estudos em arte híbrida não interessa a legitimidade dos circuitos artísticos, suas disciplinas hegemônicas ou mesmo a ideia de um “valor científico”, mas o processo crítico de seu desenvolvimento múltiplo e transdisciplinar. Trata-se de uma busca por conhecimento cuja complexidade desordenada revela dúvidas sobre sua própria constituição. Apresenta-se entre uma possibilidade de ausência de sentido, diante da análise disciplinar objetiva e, ao mesmo tempo, se insere em novas formas de organização, quando investiga a propriedade de suas variações. Neste caso, as experiências estéticas híbridas constituem essas variáveis à disciplina, e podem se reordenar em novas configurações artísticas, bem como em diferentes processos de criação, instalando uma complexa organização de conhecimentos que se relacionam.

O pensamento complexo tenta religar o que o pensamento disciplinar e compartimentado disjuntou e parcelarizou. Ele religa não apenas domínios separados do conhecimento, como também – dialogicamente – conceitos antagônicos como ordem e desordem, certeza e incerteza, a lógica e a transgressão da lógica. É um pensamento da solidariedade entre tudo o que constitui a nossa realidade; que tenta dar conta do que significa originariamente complexus: ‘o que tece em conjunto’, e responde ao apelo do verbo latino complexere: ‘abraçar’. O pensamento complexo é um pensamento que pratica o abraço (MORIN, 1997: 11).

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Na teia da complexidade, os sistemas de conhecimento não ficam submetidos às injunções de paradigmas hegemônicos, logo quando aderem ao tecido mutável de suas contribuições a fim de movimentar as incertezas sobre a investigação. “A complexidade, é bom que se diga sempre, não nega a especialização, mas pretende ir além dela” (ALMEIDA, 2012: 7). Dessa forma, a perspectiva transdisciplinar se manifesta em complementaridade às disciplinas, não se opondo a suas especificidades, mas as reunindo numa pretensa metamorfose. O pensamento complexo contém tal diversidade, segundo o antropólogo e filósofo Edgar Morin, e se aproxima da conjugação de conhecimentos, antes separados ou fragmentados pelo pensamento cartesiano e as derivações do método científico: o “conhecimento transdisciplinar requer instrumentos conceituais que ligue saberes dispersos, ou seja, instrumentos de um pensamento complexo” (MORIN, 2012: 11). Observando o hibridismo de linguagens artísticas para um pensamento em dança-cinema, anuncia-se a complexidade de experiências estéticas que criticam as formas hegemônicas e seus sistemas de representação disciplinar, constituindo as mutabilidades e incertezas de que trata a transdisciplinaridade.

A fim de organizar as variáveis que assinalam este processo de investigação, apresentam-se alguns elementos constitutivos do pensamento complexo, na coexistência de metodologias de diferentes campos do saber. Estas metodologias se orientam, entretanto, pela aplicabilidade de uma escrita performativa, a partir de “um pensar que se dá com a dança, ou ainda, um pensamento que vem dançando” (ANDRADE, 2016: 13). A complexidade em que imerge esta pesquisa, a partir dos trânsitos híbridos em dança-cinema, demanda um pensamento que se aproxima das provocações que Jacques Derrida em Pensar em não ver (2012), também quando questiona a ordenação pensante segundo a pureza da razão, refutando a redução do pensamento às categorias do saber ou da consciência. Em seus diálogos com o filósofo alemão Martin Heidegger a partir da obra Was heißt Denken (1964) 6, Derrida reitera que o pensamento não é redutível à ciência, à razão ou mesmo à filosofia. De acordo com o filósofo franco-argelino, a inflexão feita por Heidegger, ao mudar o tom de sua pergunta em alemão, desvia o entendimento para “O que o pensamento chama?” ou “O que o pensamento convida?”, esboçando o ato de pensar sob uma outra perspectiva, não determinada pela razão. “Trata-se, portanto, de convidar, de prometer. O pensamento é também pensável em um movimento pelo qual ele chama a vir, ele chama, ele nos chama, mesmo que não saibamos de onde vem o chamado, o que significa o chamado, ele chama." (DERRIDA, 2012: 75). Esse convite apela

6 O título pode ser traduzido por “O que significa pensar”. Em Pensar em não ver, a pergunta foi traduzida por “O que que quer dizer pensar?” e “O que chamamos pensar?” (DERRIDA, 2012: 74)

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não apenas à consciência, mas às imagens e relações que formamos no ato de pensar e que integram outras formas, dissonantes à filosofia.

Pois a palavra pensar é uma das mais obscuras, das mais enigmáticas. O que se entende por pensar? O pensamento não se reduz nem à razão, nem ao saber, nem à consciência; há pensamento inconsciente, há um pensamento irracional, há um pensamento sem conhecimento: Kant distingue muito rigorosamente entre a ordem do pensável e a ordem do cognoscível. Posso pensar, denken, muitas coisas que posso não conhecer. Kant identificava essa ordem do pensável com a ordem das ideias da razão pura, mas não somos obrigados a acompanhá-lo nesse terreno. Em todo caso, o que é certo é que "pensar", essa zona, esse ponto cego do nosso vocabulário, "pensar" a priori não se reduz nem ao saber, nem ao conhecimento, nem à consciência, nem à razão. E de uma língua a outra, o que traduzimos por pensar tem um alcance semântico diferente. (DERRIDA, 2012: 74)

Tecendo diálogos com esses exatos pontos de Derrida, esmiuçados em sua tese de doutorado, o pesquisador Sérgio Andrade intenta uma aproximação entre dança e pensamento. Nesta pesquisa, sua contribuição acaba por ampliar o ato de pensar à exorbitância, à vacância, ao movimento, à divagação e suas experiências conscientes e inconscientes, refutando o controle logocêntrico da filosofia. Quando exploramos a “singularidade de um pensamento que

vem dançando... ou melhor, um quando a dança vem. Essa vinda já cega, já pensamento, já

dança e mesmo quando já, um já também atrasado. A abertura e a disjunção injuntiva provocadas na turbulência de uma dança (ANDRADE, 2016: 15)7. Uma dança, portanto, entendida em sua experiência de acontecimento, cujos experimentos e rastros ultrapassam, inclusive, a ideia de obra de arte (em seu princípio utilitário de mercado, na servidão cênico-narrativa do espetáculo) ou a autoridade fenomenológica da filosofia e do método científico. Dançando, o pensamento se dá em suas dinâmicas espaço-temporais, constituindo turbulências e fragmentações à linearidade descritiva que recai nas operações do logocentrismo.

“Pensar é somente um outro modo (ROCHA, 2016: 84)

Quando o pensamento vem dançando, “não se trata de uma abordagem linear nem previsível” (FERNANDES, 2008: 4). Aliam-se, então, a uma escrita performativa, caminhos de experimentação cujo ato de pensar foge às marcas logocêntricas, pois não necessariamente organiza seus procedimentos de investigação sob um aparato racional, mas leva em consideração, sobretudo, a experiência do corpo em suas manifestações espaço-temporais. No

7 Os grifos em itálico são originais do autor.

de fa ze r d anç a”

Referências

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