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DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

ANO LECTIVO DE 2007/2008

O QUADRO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA E

O SEU FUNCIONAMENTO

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ÍNDICE

§ 1.º Aspectos gerais p. 3

1. Instituições, objectivos e “pilares” da União Europeia p. 3 2. Os meios à disposição da União Europeia p. 7 3. Os princípios fundamentais que regem a União Europeia p. 12

§ 2.º O sistema político da União Europeia p. 33

1. O Conselho Europeu p. 33

2. O Parlamento Europeu p. 35

3. O Conselho da União Europeia p. 41

4. A Comissão Europeia p. 47

§ 3.º Os procedimentos decisórios p. 56

1. O procedimento legislativo p. 56

2. O procedimento de aprovação de actos executivos p. 72

3. O procedimento orçamental p. 82

4. O procedimento de conclusão de acordos internacionais p. 87

§ 4.º O sistema jurisdicional da União Europeia p. 95

1. Considerações gerais p. 95

2. O Tribunal de Justiça p. 101

3. O Tribunal de Primeira Instância p. 111 4. O Tribunal da Função Pública Europeia p. 116 5. Os tribunais nacionais como tribunais da União Europeia p. 118

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§ 1.º

Aspectos gerais

1. Instituições, objectivos e “pilares” da União Europeia

1.1. De acordo com o artigo 3.º do Tratado da União Europeia (TUE), “a União dispõe de um quadro institucional único, que assegura a coerência e a continuidade das acções empreendidas para atingir os seus objectivos”, os quais se encontram enumerados no artigo 2.º.

As instituições, ou seja, os órgãos fundamentais que integram o quadro único da União, estão taxativamente previstas pelos artigos 4.º e 5.º do TUE. São elas: (1) o Conselho Europeu, (2) o Parlamento Europeu, (3) o Conselho da União Europeia, (4) a Comissão Europeia, (5) o Tribunal de Justiça (juntamente com o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal da Função Pública) e (6) o Tribunal de Contas.

As quatro primeiras são instituições de direcção política ou de governação, constituindo, portanto, os elementos nucleares do sistema político da UE. As últimas são instituições de controlo. O Tribunal de Justiça (TJ), bem como o Tribunal de Primeira Instância (TPI) e o Tribunal da Função Pública (TFP), têm natureza jurisdicional. Juntamente com os tribunais dos Estados-Membros formam o sistema jurisdicional da UE. O Tribunal de Contas (TC), apesar da sua designação, tem natureza administrativa, sendo competente para garantir o controlo das contas e a verificação da gestão financeira da UE.

A este elenco de instituições, o Tratado de Lisboa acrescenta o Banco Central Europeu, que pode ser qualificado como instituição político-administrativa independente, com algumas semelhanças com a antiga Alta Autoridade do Tratado CECA (artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, do TUE, na nova redacção dada pelo Tratado de Lisboa).

Por outro lado, o Tratado de Lisboa vem aprofundar a participação dos parlamentos nacionais no sistema político da UE, nos termos dos Protocolos relativos ao

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papel daqueles e à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade (ver infra, 3.2.2.).

1.2. Nos termos do artigo 1.º, terceiro parágrafo, do TUE, “a União funda-se nas Comunidades Europeias, completadas pelas políticas e formas de cooperação instituídas pelo presente Tratado”. Desde a extinção da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço em 24 de Julho de 2002, cinquenta anos depois de o Tratado que a instituiu ter deixado de vigorar, as Comunidades a que este artigo se refere são duas: a Comunidade Europeia (até 1992, denominada Comunidade Económica Europeia), de longe a mais importante, e a Comunidade Europeia da Energia Atómica. Ambas constituem o chamado I Pilar da UE.

As políticas e formas de cooperação que completam as duas Comunidades Europeias são, por um lado, a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), designada por II Pilar da UE e, por outro, a Cooperação Policial e Judiciária em matéria Penal, ou seja, o III Pilar da UE.

Os três pilares correspondem assim, grosso modo, a três “feixes de atribuições” da UE, para a prossecução das quais as instituições enumeradas em 1.1. dispõem de competências diferentes e funcionam de modo diferente consoante actuem no âmbito:

(1) da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (I Pilar da UE, regido, respectivamente, pelo TCE e pelo TCEEA), prosseguindo nomeadamente os objectivos de (a) promoção do progresso económico e social e de um elevado nível de emprego, a realização de um desenvolvimento equilibrado e sustentável, o reforço da coesão económica e social e o estabelecimento de uma união económica e monetária incluindo uma moeda única; (b) reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos seus Estados-Membros através da cidadania da União e (c) manutenção e desenvolvimento da União enquanto espaço de liberdade, segurança e justiça, em articulação com o III Pilar desta (artigo 2.º, primeiro, terceiro e quarto travessões, do TUE);

(2) da Política Externa e de Segurança Comum que inclua a definição gradual de uma política de defesa comum (II Pilar, regido pelo Título V do TUE),

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internacional, nomeadamente através da execução de uma tal política (artigo 2.º, segundo travessão, do TUE);

(3) da Cooperação Policial e Judiciária Penal (III Pilar, regido pelo Título VI do TUE), prosseguindo igualmente o objectivo de manutenção e desenvolvimento da União enquanto espaço de liberdade, de segurança e de justiça, em articulação com a Comunidade Europeia (artigo 2.º, quarto travessão, do TCE).

Assim, (1) a Comissão dispõe no I Pilar de um “monopólio de princípio” ou “quase monopólio” de iniciativa legislativa e de um poder de zelar pela boa execução do TCE (que inclui poder decisório próprio), sem paralelo com as competências, muito mais reduzidas, que lhe são atribuídas no âmbito do II e do III Pilares; (2) o Parlamento Europeu (PE) dispõe, em diversas matérias que relevam do I Pilar, de um poder de co-decisão legislativa com o Conselho, de todo ausente do II e do III Pilares; (3) no âmbito do I Pilar, cabe ao TJ, juntamente com o TPI, “assegurar o respeito do direito na interpretação do TCE” (artigo 220.º), ao passo que o Título V do TUE não atribui qualquer competência a estes tribunais, e o Título VI (artigo 35.º) confere, apenas ao TJ, competências substancialmente reduzidas em comparação com aquelas de que dispõe no I Pilar.

Exemplificando, enquanto no âmbito do I Pilar a competência para resolver qualquer diferendo entre os Estados-Membros relativo à interpretação ou aplicação do TCE é exclusiva do TJ (artigo 292.º, conjugado com os artigos 220.º e seguintes do TCE) – o qual pode, inclusive, condenar o Estado-Membro que não dê cumprimento aos seus acórdãos “ao pagamento de uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária” (artigo 228.º) –, no âmbito do III Pilar, é ao Conselho da UE (a seguir designado por Conselho) que cabe dirimir qualquer litígio entre os Estados-Membros, decorrente da interpretação ou da execução do Título VI do TUE e dos actos jurídicos adoptados com base nele. O TJ só poderá ser chamado a intervir se o litígio não for resolvido pelo Conselho dentro de um prazo de seis meses a contar da data em que lhe tenha sido submetido por um dos seus membros (artigo 35.º, n.º 7, do TUE), não dispondo do poder previsto pelo artigo 228.º do TCE.

Em nenhum caso, todavia, um Estado-Membro poderá permitir-se tomar unilateralmente medidas correctivas ou de defesa destinadas a sanar uma eventual

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violação, por outro Estado-Membro, das normas do direito da União (acórdão de 23-5-1996, Hedley Lomas, C-5/94, n.º 20).

1.3. A repartição de competências entre as instituições da União no âmbito do I Pilar faz-se de acordo com o chamado método comunitário, predominantemente baseado numa lógica de integração supranacional − em que o Conselho, representante (dos governos) dos Estados-Membros, partilha, em determinados termos, o seu poder decisório (em parte exercido por maioria qualificada) com o PE, representante dos cidadãos da União, e com a Comissão, “guardiã” dos Tratados de Roma, poder esse sujeito a um amplo controlo jurisdicional de constitucionalidade e de legalidade por parte dos tribunais da União.

Em contrapartida, no âmbito do II e do III Pilares, prevalece claramente uma lógica de cooperação intergovernamental, em que o poder decisório se concentra no Conselho deliberando em regra por unanimidade, e a competência das outras instituições é reduzida ou mesmo inexistente. O pilar mais intergovernamental nesta acepção é o II. O III Pilar, mantendo embora esta qualidade, está mais próximo do I Pilar, na medida em que é mais importante, como se viu, o papel que no seu âmbito desempenham as “instituições independentes” dos Estados-Membros, ou seja, o PE, a Comissão e o TJ, sem, no entanto, se poder ainda comparar com aquele que desempenham no âmbito do I Pilar.

1.4. O Tratado de Lisboa pretendeu suprimir a estrutura em pilares da UE nos termos acima descritos. Por isso, na redacção que deu ao artigo 1.º, terceiro parágrafo,

in fine, determina que a “União substitui-se e sucede à Comunidade Europeia”. Em

conformidade com esta disposição, redenomina o TCE como “Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia” (TFUE), e manda substituir em todo o seu articulado, com duas excepções, os termos “a Comunidade” ou a Comunidade Europeia por “a União”, os termos “das Comunidades Europeias” ou “da CEE”, bem como os adjectivos “comunitário”, “comunitária”, “comunitários” e “comunitárias” pela expressão “da União”.

Por outro lado, o Tratado de Lisboa transfere as competências actualmente abrangidas pelo Título VI do TUE para o Título IV da Parte III do TFUE. A supressão da Comunidade Europeia coincide assim com a extensão do “método comunitário”,

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atribuído a um quarto dos Estados-Membros nos domínios da cooperação policial, judiciária penal e administrativa, nos termos do artigo 76.º da versão consolidada do TFUE ) a todas as matérias da competência da UE, com a importante excepção da PESC – que continua sujeita ao método intergovernamental, nos termos do novo Título V do TUE.

O fim da estrutura em três pilares não corresponde, pois, à erradicação do método intergovernamental do âmbito da UE. Dificilmente poderia ser de outra maneira uma vez que os Estados-Membros continuam a considerar, compreensivelmente, que na definição e execução da PESC os órgãos que os representam (Conselho Europeu e Conselho da UE) devem ser os protagonistas em razão das implicações dessa política e que no âmbito dela não devem ser adoptados actos legislativos (ver infra, § 3.º, 1.1.2.).

2. Os meios à disposição da União Europeia

De acordo com o artigo 6.º do TUE, “a União dotar-se-á dos meios necessários para atingir os seus objectivos e realizar com êxito as suas políticas”. Tais meios são de natureza material, humana e orçamental.

2.1. A sede das instituições

2.1.1. Cada instituição da UE dispõe de instalações e de uma sede própria, por força do artigo 289.º do TCE, conjugado com o Protocolo relativo à localização das sedes das instituições e de certos organismos e serviços das Comunidades Europeias e da Europol, anexado pelo Tratado de Amesterdão ao TUE e ao TCE.

O PE tem sede em Estrasburgo, onde se realizam as doze sessões plenárias mensais, incluindo a orçamental; as sessões plenárias suplementares realizam-se em Bruxelas, onde se reúnem também as comissões parlamentares; o Secretariado-Geral e os seus serviços encontram-se no Luxemburgo. Nenhuma medida de auto-organização adoptada pelo PE pode pôr em causa esta repartição de locais de trabalho (acórdãos de 28-11-1991, Luxemburgo/Comissão, C-213/88 e C-39/89, e de 1-10-1997, França/Parlamento Europeu, C-345/95).

O Conselho, por seu lado, tem a sede em Bruxelas, realizando-se no Luxemburgo as sessões de Abril, Junho e Outubro.

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A Comissão tem igualmente sede em Bruxelas, encontrando-se no Luxemburgo alguns dos seus serviços.

O TJ (incluindo o TPI e o TFP) bem como o TC têm sede no Luxemburgo. 2.1.2. O protocolo em análise fixa ainda as sedes de determinados órgãos que apenas operam no âmbito da Comunidade Europeia ou no do III Pilar. Entre os primeiros, encontram-se, por um lado, o Comité Económico e Social e o Comité das Regiões, órgãos consultivos da Comunidade Europeia, que têm sede em Bruxelas, e, por outro lado, o Banco Europeu de Investimento, que tem sede no Luxemburgo.

O Instituto Monetário Europeu e o Banco Central Europeu, órgãos da União Económica e Monetária integrada na Comunidade, têm sede em Frankfurt.

Finalmente, o Serviço Europeu de Polícia (Europol), instância central de cooperação policial que releva do III Pilar, tem sede na Haia, bem como a Unidade Europeia de Cooperação Judiciária (Eurojust).

2.2. A função pública europeia

2.2.1. Os meios humanos ao serviço da UE estão, no essencial, organizados numa função pública europeia.

O estatuto dos funcionários públicos europeus e o regime aplicável aos outros agentes constam do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.º 259/68 do Conselho, de 20 de Fevereiro, sucessivamente alterado. Aí se prevêem nomeadamente as condições de ingresso, de progressão e de cessação na carreira de funcionário público europeu.

Tal regulamento foi substancialmente alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 723/2004, de 22 de Março, com vista a (1) garantir a unicidade da função pública europeia e a aplicação de normas comuns a todas as instituições, órgãos e agências da União e (2) a fomentar a cooperação entre estas em matéria de política de pessoal. Tratou-se igualmente de (3) reforçar o princípio da progressão da carreira com base no mérito, (4) regraduar o pessoal em novos grupos de funções de administradores (AD) e assistentes (AST), (5) facilitar a progressão de um grupo inferior para um grupo superior, por meio de um novo mecanismo de certificação, e de (6) estabelecer uma nova categoria de pessoal não permanente – os agentes contratuais – com responsabilidades mais limitadas, incumbida de trabalhar sob a orientação de

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Actualmente, são pouco mais de 32 000 os funcionários e agentes europeus, cerca de 22 500 dos quais estão afectos à Comissão (69,7% do total), 4 300 ao PE (13,2%), 3 000 ao Conselho (9,1%), 1 300 ao TJ, TPI e TFP (3,5%) e 600 ao TC. O orçamento da Comissão (3 500 milhões de euros) é inferior ao do Mayor de Londres. O orçamento do conjunto das instituições (5 210 milhões de euros) é menor do que o do

Maire de Paris.

2.2.2. Em 2005, por decisões conjuntas do PE, do Conselho, da Comissão, do TJ, do TC, do Comité Económico e Social, do Comité das Regiões e do Provedor de Justiça (Decisões 2005/118/CE e 2005/119/CE), de 26 de Janeiro, foi criada uma Escola Europeia de Administração. Ela é responsável, por conta e no quadro das orientações fixadas por aquelas instituições e órgãos, pela execução de acções de aperfeiçoamento profissional na óptica do desenvolvimento dos recursos humanos e do desenrolar da carreira. São exemplos dessas acções os cursos de gestão para os funcionários e agentes que podem ser chamados a exercer funções dessa natureza e os cursos de entrada em serviço para os novos membros do pessoal.

Tal organismo interinstitucional ficou administrativamente vinculado ao Serviço de Selecção do Pessoal da UE, instituído pela Decisão 2002/620/CE, aprovada conjuntamente pelas mesmas instituições e órgãos que criaram a Escola Europeia de Administração.

2.3. Os privilégios e imunidades da União Europeia

Tanto os meios materiais como os meios humanos ao serviço da UE gozam de um regime de privilégios e imunidades a que se refere o artigo 291.º do TCE. Tal regime encontra-se estabelecido pelo protocolo de Bruxelas de 8-4-1965, na redacção que lhe foi dada pelo Tratado de Amesterdão.

Entre os privilégios e imunidades considerados necessários para o cumprimento das missões atribuídas à União contam-se, nomeadamente (1) a inviolabilidade dos seus locais, construções e arquivos, que não podem, por conseguinte, ser objecto de busca, requisição, confisco ou expropriação (artigos 1.º e 2.º do Protocolo); (2) a isenção de quaisquer impostos directos e direitos aduaneiros (artigos 3.º e 4.º); (3) o tratamento idêntico ao das missões diplomáticas no território dos Estados-Membros (artigo 6.º); (4) a imunidade de jurisdição dos seus funcionários e agentes, no que diz respeito aos actos

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por eles praticados na sua qualidade oficial, incluindo as suas palavras e escritos (artigo 12.º).

Os bens e haveres da União não podem, por força do artigo 1.º do Protocolo, ser objecto de qualquer medida coerciva, administrativa ou judicial, sem autorização do TJ. Em contrapartida, esta disposição não versa sobre a repartição de competências entre o TJ e os órgãos jurisdicionais nacionais em matéria de responsabilidade extracontratual da União. Por conseguinte, a simples circunstância de um acto alegadamente lesivo de terceiros ter sido praticado nos locais de uma instituição da União não confere ao TJ competência para conhecer de uma acção de responsabilidade extracontratual intentada contra a União por causa de tal acto (acórdão de 22-3-1990, Jean-Marie Le Pen e Front National, C-201/89).

2.4. O orçamento da União Europeia

2.4.1. A UE dispõe de um orçamento relativamente modesto quando comparado com o dos Estados-Membros. Por isso mesmo, ele não pode cumprir nem uma função de estabilização das economias nem a função de redistribuição do rendimento e da riqueza, normalmente atribuídas aos orçamentos estaduais.

Para o período de 2000-2006, o limite máximo dos recursos próprios atribuídos às duas Comunidades Europeias e destinados a assegurar o financiamento do orçamento geral da UE foi estabelecido ao nível de 1,24% do total dos rendimentos nacionais brutos (RNB) dos Estados-Membros a preços de mercado. O Conselho Europeu de 15 e 16 de Dezembro de 2005 concluiu que este limite máximo deveria manter-se no seu actual nível. Isto significa que o orçamento português é apenas 25% menor do que o orçamento da UE e que este apenas corresponde a dois terços do orçamento espanhol.

O orçamento da UE rege-se actualmente (1) pelos artigos 268.º e seguintes do TCE; (2) pela Decisão 2007/436/CE, Euratom do Conselho de 7 de Junho de 2007, adoptada ao abrigo do artigo 269.º, segundo parágrafo, que produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios da UE; (3) pelo acordo interinstitucional concluído em 17 de Maio de 2006 entre o PE, o Conselho e a Comissão, sobre a disciplina orçamental e a boa gestão financeira (2006/C 139/01), em vigor desde 1 de Janeiro de 2007, de onde constam, nomeadamente, o quadro financeiro plurianual 2007-2013 (alterado pela Decisão 2008/29/CE do PE e do Conselho de

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18-relativas à boa gestão financeira dos fundos da UE; (4) pelo Regulamento (CE) n.º 1605/2002 do Conselho de 25 de Junho de 2002 – regulamento financeiro aplicável ao orçamento geral da União, desde 1 de Janeiro de 2003 (alterado, por último, pelo Regulamento (CE) n.º 1525/2007, de 17-12-2007, JO L 343/9 de 27-12-2007).

Segundo o acordo interinstitucional de 17 de Maio de 2006, as prioridades para o período de 2007-2013, são, em primeiro lugar, o crescimento sustentável (383 591 milhões de euros, que vão de 51 267 para 2007 a 58 256 para 2013), em segundo lugar, a preservação e gestão dos recursos naturais (369 837 milhões de euros, que vão de 53478 para 2007 a 51 161 para 2013) e, em terceiro lugar, a cidadania e o espaço de liberdade, segurança e justiça (10 770 milhões de euros, que vão de 1 199 para 2007 a 1.988 para 2013).

Em matéria de despesas de administração estão previstos 49 800 milhões de euros que vão de 6 633 para 2007 a 7 610 para 2013.

2.4.2. Nos termos da Decisão 2007/436/CE, Euratom constituem recursos próprios da União as receitas provenientes:

(a) dos direitos, prémios, montantes e quotizações estabelecidos pelas instituições comunitárias sobre as trocas comerciais com Estados terceiros no âmbito da política agrícola comum e da organização comum de mercado no sector do açúcar, representando apenas 1,2% dos recursos próprios no orçamento de 2006;

(b) dos direitos da pauta aduaneira comum, que são os direitos cobrados sobre as trocas com Estados terceiros, constituindo 11,5% daqueles recursos no orçamento de 2006;

(c) da aplicação de uma taxa uniforme, válida para todos os Estados-Membros, à matéria colectável harmonizada do IVA, de onde resultaram, no orçamento de 2006, 14,2% dos recursos da União;

(d) da aplicação de uma taxa à soma dos rendimentos nacionais brutos de todos os Estados-Membros, que não pode ser superior a 1,24% do respectivo total, de onde resultaram, no orçamento de 2006, 72% dos recursos da União.

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Esta última receita constitui o principal recurso da UE, representando cerca de três quartos do seu orçamento. De recurso próprio só tem o nome, uma vez que se trata na realidade, tal como os recursos proveniente do IVA, de uma entrega efectuada pelos Estados-Membros a partir das suas próprias receitas.

2.4.3. Nenhuma destas receitas é directamente cobrada aos contribuintes. Trata-se antes, como Trata-se disTrata-se, de transferências efectuadas pelos Estados-Membros em benefício do orçamento da UE. O financiamento da União não é, pois, imediatamente perceptível para o contribuinte europeu.

Quanto aos dois primeiros recursos, são os Estados-Membros, através das suas administrações fiscais e aduaneiras, que cobram os direitos integrados na política agrícola comum e na organização comum de mercados do açúcar, assim como os decorrentes da pauta aduaneira comum. Fazem-no de acordo com o seu próprio direito, adaptado, quando necessário, às exigências da regulamentação comunitária. No que toca aos dois últimos, são os próprios Estados-Membros que colocam à disposição da Comissão os correspondentes recursos (artigo 8.º, n.º 1, da Decisão 2000/597/CE).

2.4.4 No que toca às despesas, as principais no orçamento de 2006 foram as seguintes: (1) despesas agrícolas (com a Política Agrícola Comum), que representam 45,5% das despesas totais; (2) despesas com acções estruturais (v.g., Fundo de Coesão), constituindo 31,6% daquela totalidade; (3) despesas com políticas internas (7,9%); (4) despesas administrativas (5,9%); (5) despesas com acções externas (4,8%).

No orçamento para 2008, a Política Agrícola Comum já não representa a maior fatia das despesas orçamentais, mas sim o crescimento sustentável e a competitividade da economia da UE.

3. Os princípios fundamentais que regem a União Europeia

3.1. O princípio da competência de atribuição

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encontra especificamente expressão no artigo 5.º, primeiro parágrafo, do TCE, nos termos do qual “a Comunidade actuará nos limites das atribuições que lhe são conferidas e dos objectivos que lhe são cometidos pelo presente Tratado”.

A ideia fundamental é a de que a União, ao contrário de um Estado, não tem competência para definir a sua própria competência, ou seja, não tem, como este, a “competência das competências”. Por isso mesmo, deve actuar sempre com base nos Tratados em que se funda e concretamente nas normas de competência (explícita ou implícita) que estes elencam. Por outras palavras, qualquer acto da União deve sempre poder ser reconduzido a uma norma de competência que, na economia daqueles Tratados, constitui simultaneamente uma norma que determina o procedimento a seguir pelas instituições para o exercício dessa competência.

A norma de competência implícita mais emblemática do TCE, sem paralelo nos outros dois pilares, é o artigo 308.º, nos termos do qual “se uma acção da Comunidade for considerada necessária para atingir, no curso de funcionamento do mercado comum, um dos objectivos da Comunidade, sem que o presente Tratado tenha previsto os poderes de acção necessários para o efeito, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu, adoptará as disposições adequadas”. Segundo uma jurisprudência constante do TJ, o recurso a este artigo como base jurídica de um acto da Comunidade só é legítimo se nenhuma outra disposição do Tratado previr a competência necessária para a adopção desse acto (acórdãos de 26-3-1987, Comissão/Conselho, 45/86, e de 2-5-2006, Parlamento/Conselho, C-436/03).

Só à Comunidade Europeia é que o TCE atribui algumas (raras) competências

exclusivas, essencialmente nos domínios da união aduaneira, da concorrência e das

políticas monetária (para os Estados-Membros cuja moeda é o Euro) e comercial comum. Só, portanto, nestes domínios é que a União, através do seu I Pilar, se substitui realmente aos Estados-Membros, privando-os da sua capacidade decisória. Estes só poderão adoptar actos jurídicos vinculativos se habilitados pela própria União, ou para dar execução aos actos por ela adoptados.

Na generalidade dos casos, as competências da UE são concorrentes (ou partilhadas) com as dos Estados-Membros. E são bastante diminutas nos domínios da saúde pública, segurança social, emprego e educação.

Quando os Tratados atribuem à União competência concorrente com os Estados-Membros em determinado domínio, tanto aquela como estes podem legislar e adoptar

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actos juridicamente vinculativos no domínio em causa. Os Estados-Membros exercem ou voltam a exercer a sua competência na medida em que, respectivamente, a União não tenha exercido a sua ou tenha decidido deixar de a exercer. Esta última situação ocorre quando as instituições competentes da UE decidem revogar um acto legislativo para melhor garantir o respeito dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade analisados a seguir. Em todo o caso, quando é a União a exercer a sua competência concorrente ou partilhada num determinado domínio, só em relação aos elementos regidos pelo acto da União em causa, e não em todo esse domínio, é que os Estados-Membros deixam de poder exercer a sua. Tais regras de origem jurisprudencial integram o conceito de preempção.

3.1.2. O novo artigo 2.º, n.º 2, do TFUE, vem codificar as regras acabadas de enunciar, complementado por um Protocolo relativo ao exercício das competências partilhadas, anexado ao TUE e ao TFUE pelo Tratado de Lisboa e pela Declaração n.º 18 sobre a delimitação de competências, anexada à Acta Final da CIG que aprovou o mesmo Tratado. O Protocolo precisa que “quando a União toma medidas num determinado domínio [de competência partilhada], o âmbito desse exercício de competências apenas abrange os elementos regidos pelo acto da União em causa e, por conseguinte, não abrange o domínio na sua totalidade”. A Declaração n.º 18, para além de salientar no seu primeiro parágrafo, por inspiração do X Aditamento à Constituição norte-americana, que “pertencem aos Estados-Membros as competências não atribuídas à União pelos Tratados”, prevê no segundo parágrafo que o Conselho, por iniciativa de um ou mais dos seus membros e em conformidade com o artigo 241.º do TFUE, pode solicitar à Comissão que apresente propostas com vista à revogação de actos legislativos, tendo esta instituição declarado que “prestará especial atenção a tais pedidos”. Revogados tais actos – o que configura uma situação em que a União decide deixar de exercer a sua competência nos correspondentes domínios – os Estados-Membros podem voltar exercer as suas.

Por outro lado, na sua nova redacção, o artigo 3.º do TFUE vem elencar expressamente as competências exclusivas da UE: às já indicadas no ponto anterior, limita-se a acrescenta o domínio da conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas e a “codificar” a regra de fonte pretoriana nos termos da qual a União dispõe de competência exclusiva para “celebrar acordos

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necessária para lhe dar a possibilidade de exercer a sua competência interna, ou seja susceptível de afectar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas” (ver infra § 3.º, 4.2.2.).

O artigo 4.º, por seu turno, enumera entre os “principais domínios de competência partilhada” entre a UE e os Estados-Membros os seguintes: mercado interno; coesão económica, social e territorial; ambiente; defesa dos consumidores; transportes; redes transeuropeias; energia; espaço de liberdade segurança e justiça. O artigo 6.º autonomiza a “competência da União para desenvolver acções destinadas a apoiar, coordenar ou completar a acção dos Estados-Membros”, nela abrangendo, designadamente, os domínios da protecção e melhoria da saúde humana, da indústria, da cultura, do turismo e da cooperação administrativa.

Finalmente, há a registar que o supracitado artigo 308.º do TCE (artigo 352.º do TFUE) é objecto de diversas alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa, globalmente de sentido limitativo do seu âmbito de aplicação, algumas algo supérfluas. Assim, em primeiro lugar, ele deixa de se aplicar apenas “no curso de funcionamento do mercado comum”, para passar a alargar-se genericamente “ao quadro das políticas definidas pelos Tratados”, com excepção da PESC. Em segundo lugar, a Comissão deve alertar os parlamentos nacionais para as propostas nele baseadas, no âmbito do processo de controlo do princípio da subsidiariedade a seguir examinado. Em terceiro lugar, as medidas nele baseadas “não podem implicar a harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros nos casos em que os Tratados excluem tal harmonização”.

Além disso, o artigo 352.º do TFUE é objecto de duas declarações anexadas à Acta Final da CIG que aprovou o Tratado de Lisboa. De acordo com a primeira (n.º 41), uma acção baseada em tal dispositivo não pode visar unicamente os objectivos definidos no artigo 3.º, n.º 1, do TUE (a promoção da paz, dos valores da UE e do bem-estar dos seus povos). Por força da segunda declaração (n.º 42), inspirada designadamente na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, o artigo 352.º “não pode, em caso algum, servir de fundamento à adopção de disposições que impliquem em substância, nas suas consequências, uma alteração do Tratados que escape ao processo previsto por estes para esse efeito”.

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3.2.1. O princípio da subsidiariedade rege o exercício das competências não exclusivas da União e vem previsto pelo artigo 5.º, segundo parágrafo, do TCE, conjugado com os artigos 1.º, segundo parágrafo, in fine, e 2.º, último parágrafo, do TUE. A orientação fundamental é a seguinte: nos domínios de competência concorrente, a União intervém apenas se e na medida em que (1) os objectivos da acção encarada, pela sua dimensão ou pelos seus efeitos, não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros no quadro dos respectivos sistemas constitucionais, tanto ao nível central como ao nível regional e local, e (2) possam, por isso mesmo, ser melhor alcançados por meio de uma acção da União (acórdão de 12-7-2005, Alliance for Natural Health e National Association of Health Stores, C-154/04 e C-155/04, n.º 103 e ss).

Os critérios de aplicação deste princípio são precisados pelo Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao TCE, no quadro do qual assumem especial relevância. Aí se lê (n.º 3) que o princípio da subsidiariedade “permite alargar a acção da Comunidade, dentro dos limites das suas competências, se as circunstâncias o exigirem e, inversamente, limitar ou pôr termo a essa acção quando ela deixe de se justificar”. Tal princípio determina, por outro lado, que o legislador comunitário (1) em igualdade de circunstâncias, ou seja, sempre que a adopção de normas legislativas se afigure necessária, opte por directivas em vez de regulamentos e por directivas-quadro em vez de medidas pormenorizadas; (2) deixe às instâncias nacionais uma margem de decisão tão ampla quanto possível; (3) respeite a organização e o funcionamento dos sistemas jurídicos dos Estados-Membros (n.ºs 6 e 7).

É de mencionar ainda que, na declaração n.º 43, respeitante ao protocolo em análise, recorda-se que, também por força do princípio da subsidiariedade, a aplicação do direito comunitário no plano administrativo cabe, em princípio, aos Estados-Membros, nos termos dos respectivos ordenamentos constitucionais.

A determinação jurisdicional concreta da conformidade de uma medida da União com o princípio da subsidiariedade é feita a dois níveis. Em primeiro lugar, há que analisar se o objectivo de tal medida podia ser melhor atingido no plano da União. Em segundo lugar, há que verificar se a intensidade da medida não excedeu o necessário para atingir o objectivo pretendido (acórdão de 10-12-2002, British American Tobacco, C-491/01, n.ºs 180 e 184).

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Em estreita ligação com o princípio da subsidiariedade está o princípio da proporcionalidade, previsto pelo terceiro parágrafo do artigo 5.º do TCE, de acordo com o qual a acção da Comunidade não deve exceder, nem no conteúdo nem na forma, o necessário para atingir os objectivos do Tratado. Mis concretamente, a violação do princípio da proporcionalidade pressupõe que o acto comunitário imponha aos sujeitos de direito uma obrigação que excede os limites do que é adequado e necessário para atingir o objectivo visado por esse acto (acórdão de 14-4-2005, Bélgica/Comissão, C-110/03, n.º 61).

Em cumprimento de ambos os princípios, o Protocolo determina ainda que a Comissão Europeia (1) proceda normalmente a amplas consultas antes de apresentar uma proposta legislativa, a fim de se certificar da relevância dessa proposta e poder justificar estritamente a necessidade dela à luz de tais princípios e (2) tenha na devida conta a necessidade de assegurar que qualquer encargo, de natureza financeira ou administrativa, que incumba à União, aos governos nacionais, às autoridades locais aos agentes económicos e aos cidadãos, seja o menos elevado possível e proporcional ao objectivo a alcançar. A garantia destes princípios exige pois à Comissão Europeia, no exercício do seu direito de iniciativa legislativa, consultas e justificações mais intensas do que aquelas que eram feitas antes da consagração formal dos mesmos princípios nos Tratados da UE – e que, sendo caso disso, devem ter em conta a dimensão regional e local das acções consideradas.

3.2.2. O Tratado de Lisboa vem associar mais estreitamente os parlamentos nacionais à garantia do princípio da subsidiariedade. Com efeito, o Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, que aquele tratado anexou, em nova versão, ao TUE e ao TFUE, habilita qualquer parlamento nacional ou qualquer das câmaras de um desses parlamentos a dirigir aos presidentes do PE, do Conselho e da Comissão um parecer fundamentado em que exponha as razões pelas quais considera que uma proposta de acto legislativo “não obedece ao princípio da subsidiariedade”.

No caso de tal parecer representar, pelo menos, a maioria simples dos votos atribuídos pelo Protocolo aos parlamentos nacionais (dois votos por cada um deles), no âmbito do procedimento legislativo ordinário (de co-decisão), Comissão deve reanalisar a proposta. Se decidir mantê-la, “deverá especificar, em parecer fundamentado, a razão pela qual entende que a mesma obedece aos princípio da subsidiariedade”. No entanto,

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se por maioria de 55% dos membros do Conselho ou por maioria dos votos expresso do PE, a proposta for considerada incompatível com o princípio em questão, cessa o correspondente processo legislativo (artigos 6.º e 7.º). Tratando-se de procedimentos legislativos especiais, os limiares de votos dos parlamentos nacionais susceptíveis de desencadear a reanálise do projecto de acto legislativo reduzem-se a um terço e a um quarto, consoante os casos.

Além disso, qualquer parlamento nacional ou câmara desse parlamento pode, através do respectivo Estado-Membro, interpor recurso de anulação perante o TJ de um acto legislativo com fundamento em violação do princípio da subsidiariedade (artigo 8.º).

3.3. O princípio do equilíbrio institucional

3.3.1. Por força do princípio do equilíbrio institucional, consagrado no artigo 5.º do TUE e, especificamente para a Comunidade, no artigo 7.º, segundo parágrafo, do TCE, cada instituição deve actuar nos limites das competências que lhe são confiadas pelos tratados e, por conseguinte, no pleno respeito das competências das restantes instituições, sendo-lhe vedado “retirar às outras instituições uma prerrogativas que lhes é atribuída pelos próprios Tratados” (acórdão de 10-7-1986, Wybot, 149/85, n.º 23). As eventuais infracções a este princípio devem ser sancionadas com a invalidade dos actos que as consubstanciarem (acórdão de 21-5-1990, Parlamento/Conselho, 70/88).

Em estreita ligação com o princípio do equilíbrio institucional está o princípio da autonomia institucional, cujo efeito essencial é o de permitir que cada uma das instituições da União se auto-organize da forma mais adequada ao desempenho das suas atribuições. Este princípio manifesta-se, antes de mais, no poder de aprovar o seu próprio regimento ou regulamento interno. O poder de auto-organização deve ser exercido no respeito pela repartição de competências, quer entre a União e os Estados-Membros, quer entre as instituições da União.

3.3.2. É, sem dúvida, no âmbito do I Pilar da União que o princípio do equilíbrio institucional assume maior relevância, devido ao complexo sistema de repartição de competências entre órgãos representantes dos (governos dos) Estados-Membros e órgãos independentes. A título de exemplo, é este princípio a vedar, em última análise,

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todos aqueles casos em que o TCE imponha tal consulta, ou o exercício directo de competências de execução sem fundamentar circunstanciadamente na especificidade do caso concreto a não delegação dessas competências na Comissão. É igualmente o mesmo princípio que fundamenta a proibição de princípio de o Conselho, num acto legislativo que adopte em conformidade com o procedimento previsto para o efeito pelo TCE, criar “bases jurídicas derivadas” que permitam disciplinar certos aspectos da matéria versada por esse acto através de um procedimento legislativo diferente (acórdão de 6-5-2008, Parlamento/Conselho, C-133/06, n.ºs 56 e 57). É ainda o mesmo princípio a proibir a Comissão de, no exercício da sua competência delegada de execução dos actos legislativos da Comunidade, exceder a delegação contrariando ou desnaturando os elementos essenciais destes actos (ver infra, § 3.º, 2.1. e 2.2.).

Mas, no quadro institucional único da União, o efeito deste princípio não pode deixar de irradiar para o II e sobretudo o III Pilar, onde apesar da preponderância dos primeiros órgãos, os órgãos independentes não deixam de dispor de uma (reduzida) margem de actuação própria [por exemplo, o PE é obrigatoriamente consultado pelo Conselho antes de este adoptar os actos jurídicos previstos pelo artigo 34.º, n.º 2, alíneas b), c) e d), do TUE].

3.4. O princípio da cooperação leal

O artigo 10.º do TCE impõe aos Estados-Membros um dever de cooperação leal com as instituições da União, que se desdobra fundamentalmente em três tipos de obrigações, positivas e negativas, para aqueles: (1) a de tomar todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes daquele Tratado ou dos actos das instituições da Comunidade; (2) a de facilitar à Comunidade o cumprimento da sua missão; (3) a de se abster de quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do TCE. Mais concretamente, por força do princípio da cooperação leal, incumbe a todas as autoridades dos Estados-Membros assegurar o respeito das normas de direito comunitário no âmbito das respectivas competências (acórdão de 12-2-2008, Kempter, C-2/06, n.º 34).

A jurisprudência do TJ veio estender tal dever de cooperação leal às instituições da União, quer perante os Estados-Membros (acórdão de 27-9-1988, Grécia/Conselho, 204/86), quer nas suas relações mútuas (acórdão de 30-3-1995, Parlamento/Conselho, C-65/93). Para além disso, o mesmo tribunal veio estender o dever de cooperação leal

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dos Estados-Membros perante as instituições ao âmbito do III Pilar, com o fundamento de que seria difícil à União cumprir eficazmente a sua missão se tal princípio “não se impusesse igualmente no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, integralmente fundada na cooperação entre os Estados-Membros e as instituições” (acórdão de 16-6-2005, Pupino, C-105/03).

No âmbito das relações interinstitucionais, o princípio da cooperação leal constitui um corolário do princípio do equilíbrio institucional, impondo às instituições que se relacionem entre si de modo a garantir que os diversos procedimentos decisórios em que participam se desenrolem da melhor forma. Quando se detecta um domínio em que as relações entre as instituições não estão reguladas pelo TCE, o princípio da cooperação leal fornece uma base jurídica para a celebração de acordos interinstitucionais entre o PE, o Conselho e a Comissão, no respeito daquele tratado e com vista a facilitar a sua aplicação. De acordo com uma declaração aprovada juntamente com o Tratado de Nice, “esses acordos não podem alterar nem completar as disposições do Tratado e só podem ser celebrados com o assentimento daquelas três instituições”.

3.5. O princípio da abertura ou transparência

3.5.1. Nas suas relações com os cidadãos, as instituições da União funcionam de acordo com o princípio da abertura ou transparência, enunciado logo no artigo 1.º do TUE, nos termos do qual as decisões são tomadas de uma forma tão aberta quanto possível. Em cumprimento deste princípio, o artigo 255.º do TCE confere a todos os cidadãos da União e a todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado-Membro o direito de acesso aos documentos do PE, do Conselho e da Comissão, sob reserva de determinadas condições e limites impostos por razões de interesse público ou privado. O artigo 15.º, n.º 3, quarto parágrafo do TUE, na redacção do Tratado de Lisboa, vem especificar que o TJ, o Banco Central Europeu e o Banco Europeu de Investimento “só ficam sujeitos à correspondente obrigação “na medida em que exerçam funções administrativas”.

Constituindo o direito de acesso aos documentos um verdadeiro direito fundamental, retomado pelo artigo 42.º da Carta dos Direitos Fundamentais, fica vedado ao legislador da União regular o seu exercício por forma a privá-lo do seu conteúdo

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3.5.2. No entanto, o princípio da transparência e do arquivo aberto só se tornou plenamente aplicável à UE com o Tratado de Amesterdão. Até à entrada em vigor do Tratado de Maastricht o regime era o da confidencialidade. A viragem iniciou-se precisamente com a declaração n.º 17 incorporada na acta final deste tratado, nos termos da qual “a conferência considera que a transparência do processo decisório reforça o carácter democrático das instituições e a confiança do público na administração. Por conseguinte, a conferência recomenda que a Comissão apresente ao Conselho, o mais tardar até 1993, um relatório sobre as medidas destinadas a facilitar o acesso do público à informação de que dispõem as instituições”.

Em 6 de Dezembro de 1993 foi aprovado o primeiro instrumento da UE destinado a pôr em prática o princípio da transparência: o código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão, que enunciava o seguinte princípio geral: “o público terá o acesso mais amplo possível aos documentos da Comissão e do Conselho”. Todavia, o código de conduta continuava a consagrar a chamada “regra do autor”, ao estabelecer que “sempre que o documento na posse de uma instituição tenha como autor uma pessoa singular ou colectiva, um Estado-Membro, outra instituição ou órgão comunitário ou qualquer outra organização nacional ou internacional, o pedido [de acesso] deve ser dirigido directamente ao autor do documento”.

Uma vez que a regra do autor, qualquer que seja a sua qualificação, estabelece uma limitação ao princípio geral da transparência, ela deve ser interpretada e aplicada restritivamente, de forma a não pôr em causa a aplicação de tal princípio (acórdão de 19-7-1999, Rothmans, T-188/97, n.º 55).

3.5.3. O actual regime do acesso do público aos documentos consta do Regulamento (CE) n.º 1049/2001, do Parlamento e do Conselho de 30 de Maio de 2001. O regulamento estabelece, para cada instituição, o dever de colocar à disposição do público um registo de documentos cujo acesso se faça por meios electrónicos. A regra é a de que todos os documentos das instituições da União devem ser acessíveis ao público (artigo 2.º).

Entre as excepções (previstas pelo artigo 4.º) encontram-se (1) os documentos cuja divulgação possa prejudicar a segurança pública, a defesa ou as relações internacionais; (2) os documentos cuja divulgação possa prejudicar a protecção da vida

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privada e da integridade do indivíduo, nomeadamente nos termos da legislação da União relativa à protecção de dados pessoais; (3) os documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares da instituição em causa, caso a sua divulgação seja susceptível de prejudicar gravemente o processo decisório, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

No que toca a documentos de terceiros, o artigo 4.º, n.º 4, obriga a instituição solicitada à divulgação a consultar os terceiros em causa, tendo em vista avaliar se alguma das excepções enumeradas é aplicável, “a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado”.

A disposição do artigo 4.º cuja interpretação se tem revelado mais controversa é a que consta do seu n.º 5, nos termos do qual “qualquer Estado-Membro pode solicitar à instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado-Membro sem o seu prévio acordo”. O mero teor literal da disposição não exclui a sua interpretação no sentido de que, quando um Estado-Membro faz uso da faculdade nele prevista, isso traduz-se numa injunção à instituição da UE no sentido de não divulgar o documento em questão, sem poder examinar se essa não divulgação se justifica, designadamente, por razões de interesse público. Nesta perspectiva, o n.º 5 do artigo 4.º constituiria uma regra especial em relação ao n.º 4 do mesmo artigo, que apenas reconhece a outros terceiros, que não os Estados-Membros, o direito de serem consultados pelas instituições, a fim de determinar se o documento que por eles lhes foi transmitido está abrangido por alguma das excepções previstas pelos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo. O artigo 4.º, n.º 5, revelar-se-ia, assim, uma manifestação pontual da supra-enunciada “regra do autor”, genericamente excluída do Regulamento n.º 1049/2001.

Esta interpretação do artigo 4.º, n.º 5, que redunda no reconhecimento de um direito de veto absoluto dos Estados-Membros sobre o acesso do público aos documentos por eles transmitidos às instituições da UE, foi, de resto, sufragada pelo TPI (ver o acórdão de 30 de Novembro de 2004, IFAW/Comissão, T-168/02, n.ºs 57 a 62).

Mas, para além de não encontrar apoio inequívoco na letra do artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento n.º 1049/2001 – na realidade, não é aí especificado em que medida as instituições são obrigadas a respeitar o parecer negativo de um Estado-Membro quanto à divulgação de um documento dele emanado –, tal interpretação não é conforme com o

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do público aos documentos na posse das instituições da UE – incluindo os que lhe são transmitidos pelos Estados-Membros, e com base nos quais elas tomam um grande número de decisões – um direito fundamental ligado aos princípios da democracia e da abertura ou transparência.

3.5.4. No acórdão de 18-12-2007 (Suécia/Comissão, C-64/05 P), o TJ, seguindo as conclusões do advogado-geral, anulou o citado acórdão do TPI, declarando que o artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento n.º 1049/2001 não deve ser interpretado no sentido de que investe o Estado-Membro de um direito de veto geral e incondicional que lhe permita opor-se discricionariamente à divulgação de documentos que dele emanam e que estão na posse de uma instituição da UE, de tal maneira que o acesso a esses documentos deixaria de ser regido pelas disposições do referido regulamento para passar a depender unicamente das disposições do direito nacional. O artigo 4.º, n.º 5, só autoriza o Estado-Membro a opor-se à divulgação de documentos que dele emanem com base nas excepções enunciados nos n.ºs 1 a 3 e fundamentando devidamente a sua posição a este respeito. Apenas em tal caso a instituição se encontra obrigada a indeferir o pedido de acesso.

Ao invés, quando, apesar do convite expresso nesse sentido dirigido pela instituição da UE ao Estado-Membro em causa, este último continuar a não lhe fornecer tal fundamentação, a referida instituição deve, se considerar, por sua vez, que não se aplica nenhuma das referidas excepções, dar acesso ao documento solicitado. Uma decisão negativa da própria instituição deverá igualmente ser fundamentada (n.ºs 87 a 90).

3.6. Os princípios fundamentais do artigo 6.º do Tratado da União Europeia

3.6.1. O artigo 6.º do TUE constitui uma disposição estruturante, nos termos da qual “a União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de Direito, princípios que são comuns aos Estados-Membros” (n.º 1). O princípio do Estado de Direito exige que nem os Estados-Membros, nem as instituições da União, se subtraiam ao controlo jurisdicional da conformidade dos seus actos com a carta constitucional de base formada pelo TUE e pelo TCE (acórdão do TJ de 23-4-2006, Partido Ecologista “Os Verdes”/Parlamento, 294/83, n.º 23).

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O artigo 6.º, n.º 1, determina assim que, a nível dos princípios de base, haja congruência estrutural entre a União e os Estados-Membros, na medida em que todos estão estritamente vinculados ao respeito dos mesmos princípios. Tal vinculação constitui, de resto, uma condição objectiva indispensável para que qualquer Estado europeu se possa tornar membro da União, nos termos do artigo 49.º do TUE.

Por outro lado, a União está vinculada pelo artigo 6.º, n.º 3, a respeitar as identidades nacionais dos Estados-Membros, reflectidas nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo, por conseguinte, as modulações e variantes concretas assumidas por aqueles princípios comuns (acórdão do TJ de 14-10-2004, Omega, C-36/02, n.ºs 37 e 38).

3.6.2. O princípio do respeito dos direitos fundamentais é objecto de um preceito específico, constante do n.º 2 do mesmo artigo. Aí se dispõe que “a União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário”.

Trata-se da consagração expressa, a nível do próprio TUE, de uma disposição de génese e evolução jurisprudencial, que remonta ao acórdão do TJ de 12-11-1969, Stauder, 29/69. Na ausência de um catálogo de direitos fundamentais próprio da então Comunidade Económica Europeia e para colmatar essa lacuna, o TJ considerou-se desde então competente para garantir “os direitos fundamentais da pessoa compreendidos nos princípios gerais do direito comunitário”. Em acórdãos posteriores o mesmo tribunal declarou que, para o efeito, se inspirava nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem em que os Estados-Membros cooperaram ou aderiram, com especial destaque, precisamente, para a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (acórdão de 13-12-1979, Hauer, n.º 15).

Actualmente (e desde 7 de Dezembro de 2000), a União dispõe de uma Carta de Direitos Fundamentais própria, aprovada em 7 de Dezembro de 2000. A Carta, todavia, não dispõe de eficácia jurídica vinculativa, por imposição de alguns Estados-Membros. Não deixa, ainda assim, de ter relevância jurídica, tal como vem sendo comprovado pelos tribunais da União: estes invocam-na como instrumento que reafirma os princípios

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do artigo 6.º do TUE (ver, por último, o acórdão do TJ de 3-5-2007, Advocaten voor de Wereld, C-303/05, n.º 46).

Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Carta dos Direitos Fundamentais, com as adaptações introduzidas em 12 de Dezembro de 2007, em Estrasburgo, adquirirá os mesmo valor jurídico que os Tratados em que se funda a União, por força do artigo 6.º, n.º 1, do TUE na sua nova redacção. Mesmo assim, o n.º 3, segundo parágrafo, do artigo em questão manterá o essencial da fórmula de génese pretoriana (actualmente constante do n.º 2): “Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros”.

Além disso, a adesão da própria UE a tal convenção ficará expressamente prevista no primeiro parágrafo do n.º 3 do artigo 6.º. Isto significa, entre outras coisas, que uma vez tornada Parte Contratante na Convenção Europeia, por virtude do acordo de adesão a concluir para o efeito, a própria UE ficará directamente sujeita ao escrutínio do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no que toca à conformidade dos actos dos seus órgãos e instituições, incluindo os do TJ, com tal Convenção. Para além disso, a UE deverá poder nomear um juiz para aquele tribunal.

Tanto o n.º 1 como o n.º 2 do artigo 6.º do TUE, na nova redacção dada pelo Tratado de Lisboa são objecto de protocolo anexo: o Protocolo relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais à Polónia e ao Reino Unido, no primeiro caso, e o Protocolo respeitante à adesão da UE à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no segundo caso.

De acordo com o primeiro protocolo, os direitos da Carta só são susceptíveis de serem invocados perante os tribunais da Polónia e do Reino Unido “na medida em que estes países tenham previsto tais direitos na respectiva legislação nacional (artigo 1.º, n.º 2). Por outro lado, as disposições da Carta que façam referência às legislações e práticas nacionais só são aplicáveis à Polónia ou a ao Reino Unido na medida em que os direitos e princípios nelas consignados sejam reconhecidos na legislação ou nas práticas desses países (artigo 2.º).

O segundo protocolo (corroborado pela Declaração n.º 2) obriga o acordo relativo à adesão da UE à Convenção Europeia dos Direitos do Homem a incluir cláusulas que preservem as características próprias da União e do seu direito (artigo 1.º) e a assegurar que a adesão da União não afecte as suas competências nem as atribuições

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das suas instituições (artigo 2.º). A decisão de celebração desse acordo deverá ser adoptada pelo Conselho deliberando por unanimidade, após aprovação do Parlamento Europeu e só poderá entrar em vigor após a sua aprovação por todos os Estados-Membros, em conformidade com as respectivas normas constitucionais (artigo 218.º, n.ºs 6.º e 8.º do TFUE).

3.6.3. Em aplicação do actual artigo 6.º, n.º 2, do TUE, os direitos fundamentais constituem, em primeiro lugar, parâmetros de validade dos actos de direito secundário

da União que se destinem a produzir efeitos jurídicos perante terceiros,

independentemente da respectiva natureza ou forma (acórdão de 27-2-2007, Segi e. a., C-355/04 P). A observância do parâmetro de validade que os direitos fundamentais constituem, por parte de tais actos, é garantida pelos tribunais da União, tendo em conta a estrutura e os objectivos desta.

Em segundo lugar, os direitos fundamentais garantidos pelo artigo 6.º, n.º 2, também constituem parâmetros de validade dos actos jurídicos dos Estados-Membros que (1) executem o direito comunitário (acórdão de 13-7-1989, Wachauf, 5/88, n.º 17) e (2) restrinjam as liberdades fundamentais de circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais garantidas pelo TCE, com base (i) nas cláusulas derrogatórias – relativas, essencialmente, à ordem pública, segurança pública e saúde pública, cuja garantia constitui uma competência estadual – expressamente previstas pelos artigos 30.º, 39.º, n.º 3, 46.º, n.º 1, e 55.º do TCE, ou então (ii) em exigências imperativas de interesse geral não recondutíveis àquelas cláusulas derrogatórias (eficácia dos controlos fiscais, lealdade das transacções comerciais, defesa dos consumidores, manutenção do pluralismo de imprensa, etc.).

Ambas as categorias de actos estaduais (legislativos, regulamentares e administrativos) podem, portanto, ser sujeitas a escrutínio do TJ quanto à sua conformidade não só com o princípio da proporcionalidade, mas também com os direitos fundamentais garantidos a nível da UE (acórdão de 26-6-1997, Familiapress, C-368/95, n.ºs 19 e 24).

3.6.4. O sistema de vias processuais previsto pelo TUE e pelo TCE conhece, no entanto, lacunas que têm impossibilitado, nalguns casos, uma tutela jurisdicional efectiva dos particulares perante actos jurídicos da União. Tal é mais evidente no âmbito

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no Título V estão a priori subtraídos ao controlo jurisdicional dos tribunais da União. Mas casos semelhantes também não podem considerar-se excluídos do âmbito do III Pilar – onde, devido ao sistema de vias processuais previsto pelo artigo 35.º do TUE, “as competências do Tribunal de Justiça (…) são menos amplas do que ao abrigo do Tratado CE”. E mesmo no âmbito deste há, pelo menos, a registar como caso de tutela jurisdicional deficiente a impossibilidade, constatada pelo próprio TJ (acórdão de 1-4-2004, Comissão/Jégo Quéré, C-263/02 P, n.º 34) de os particulares impugnarem, perante os tribunais da União, qualquer acto comunitário que os afecte directamente sem necessidade de medidas de execução, designadamente com fundamento em violação de direitos fundamentais.

Tal como o TJ tem dado a entender, a desejável superação destas lacunas na tutela jurisdicional efectiva dos particulares perante actos da União passará pela reforma do sistema de vias processuais estabelecido pelos Tratados, através da revisão destes, de acordo com o disposto no artigo 48.º do TUE (acórdão Segi, cit. n.º 50). Mas enquanto tal revisão não for levada a cabo, o TJ não pode considerar-se isento do dever de actuar como o tribunal constitucional da UE e, por conseguinte, de garantir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais a que esta se encontra vinculada – desde logo, o direito à tutela jurisdicional efectiva (ver as conclusões do advogado-geral proferidas em 23-1-2008 nos processos C-402/05 P e C-415/05 P, n.ºs 37 e 55).

Seja como for, o Tratado de Lisboa procurou remediar estas situações através da introdução de três novas disposições, as duas primeiras no TUE e a terceira no TFUE. Assim, o novo artigo 19.º, n.º 1, segundo parágrafo, do primeiro Tratado vincula os Estados-Membros a estabelecer as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efectiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Por seu lado, o novo artigo 24, n.º 1, segundo parágrafo, in fine, prevê expressamente a competência do TJ, quer para garantir que a execução da PESC não afecta as restantes competências atribuídas à UE pelo TFUE, quer para fiscalizar a legalidade das decisões que estabeleçam medidas restritivas contra pessoas singulares ou colectivas adoptadas pelo Conselho em execução da PESC. Finalmente, o artigo 263.º, quarto parágrafo, do TFUE vem permitir expressamente que os particulares interponham recurso de anulação “contra os actos regulamentares que lhes digam directamente respeito e não necessitem de medidas de execução”. Não lhes permite, no entanto, a interposição de recurso contra os actos legislativos nas mesmas condições.

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3.6.5. O respeito dos princípios do artigo 6.º, n.º 1, do TUE pelos Estados-Membros está ainda sujeito ao mecanismo de garantia política previsto pelo artigo 7.º.

Nos termos deste, o Conselho, com a participação da Comissão e do PE, (1) pode verificar “a existência de um risco manifesto de violação grave” de algum daqueles princípios por parte de um Estado-Membro e dirigir-lhe “recomendações apropriadas” e (2) pode verificar “a existência de uma violação grave e persistente” de algum dos mesmos princípios, por parte de um Estado-Membro. Neste último caso, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, poderá “suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação do presente Tratado ao Estado-Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado-Membro no Conselho”. O Estado-Membro em causa permanecerá, de qualquer modo, vinculado às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (artigo 7.º, n.º 3).

Por seu lado, o artigo 309.º, n.º 1, do TCE especifica que, “se for decidida a suspensão do direito de voto do representante do Governo de um Estado-Membro, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Tratado da União Europeia, esse direito será igualmente suspenso no que se refere ao presente Tratado”. E o n.º 2 do artigo 309.º contempla a possibilidade de, verificada, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do TUE, a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos princípios enunciados no artigo 6.º, n.º 1, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação do TCE – e isto, mesmo que não tenha decidido a suspensão do direito de voto do Estado-Membro em causa, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 3, do TUE.

3.6.6. O artigo 6.º, n.º 1, “irradia” ainda especificamente para a dimensão externa da UE, devendo marcar decisivamente a sua acção na comunidade internacional.

Por um lado, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, quinto travessão, do TUE – incluído no seu Título V, que contém as disposições relativas à política externa e de segurança comum –, um dos objectivos desta política é precisamente “o desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de Direito, bem como o respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais”.

Por outro lado, as políticas em matéria de cooperação para o desenvolvimento e de cooperação económica, financeira e técnica com os países terceiros, prosseguidas pela União no âmbito do I Pilar (Títulos XX e XXI da Parte III do TCE), em coerência

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“contribuir para o objectivo geral de desenvolvimento e de consolidação da democracia e do Estado de Direito, bem como para o respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais” (artigos 177.º, n.º 2, e 181.º-A, n.º 1, segundo parágrafo). Isto significa, mais concretamente, que ambas as políticas devem adaptar-se a tal objectivo – o que implica necessariamente o estabelecimento de um certo vínculo de subordinação a ele.

Em especial, a inclusão, nos acordos de cooperação para o desenvolvimento e de cooperação económica, técnica e financeira, celebrados entre a União e os países terceiros, de uma cláusula vinculando estes países ao respeito dos direitos humanos e dos princípios democráticos constitui “um factor importante para exercer o direito de obter, por força do direito internacional, a suspensão ou a cessação” de qualquer desses acordos quando o país terceiro não tenha respeitado tais direitos ou princípios (acórdão de 3-12-1996, Portugal/Comissão, C-268/94, n.ºs 23-27).

3.7. O princípio da diversidade linguística da União Europeia

3.7.1. Uma vez que a(s) língua(s) fazem parte da identidade nacional dos Estados-Membros, o princípio da diversidade ou pluralidade linguística da União pode ser considerado um corolário do artigo 6.º, n.º 3, do TUE, por força do qual “a União respeitará as identidades nacionais dos Estados-Membros”. Tal princípio implica a sujeição da União a um regime linguístico com características muito próprias.

A este respeito, há a fazer uma distinção consoante estejam em causa os

Tratados em que se funda a UE, ou as instituições desta.

Os Tratados são obrigatoriamente redigidos em todas as 23 línguas oficiais dos Estados-Membros, que, por isso mesmo, são línguas oficiais da União, a saber: o alemão, o búlgaro, o checo, o dinamarquês, o eslovaco, o esloveno, o espanhol, o estónio, o finlandês, o francês, o grego, o húngaro, o inglês, o irlandês, o italiano, o letão, o lituano, o maltês, o neerlandês, o polaco, o português, o romeno e o sueco. Qualquer das 23 versões linguísticas desses Tratados faz fé (artigos 53.º do TUE e 314.º do TCE).

Na redacção dada pelo Tratado de Lisboa, o novo artigo 55.º, n.º 2, do TUE, para o qual remete o novo artigo 358.º do TFUE, prevê que ambos os Tratados podem também ser traduzidos “em qualquer outra língua que os Estados-Membros determinem,

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de entre aquelas que, de acordo com o seu ordenamento constitucional, gozam de estatuto oficial na totalidade ou em parte do seu território”.

O regime linguístico aplicável às instituições da União e aos seus actos encontra-se previsto no Regulamento n.º 1/1958, de 15-4-1958, adoptado pelo Conencontra-selho, deliberando por unanimidade nos termos do artigo 290.º do TCE, e alterado, por último, pelo Acto de Adesão da Bulgária e da Roménia. De acordo com o artigo 1.º de tal regulamento, são 22 e não 23 as actuais línguas oficiais e de trabalho das instituições da União. Isto porque a Irlanda renunciou a que a língua irlandesa (primeira língua oficial deste Estado-Membro, sendo o inglês a segunda) se tornasse língua oficial e língua de trabalho nas instituições, não a mencionando assim aquele artigo.

Por força do Regulamento n.º 1/1958, na sua actual redacção, os regulamentos e os outros actos jurídicos de carácter geral são redigidos nas 22 línguas oficiais das instituições, e o Jornal Oficial da União Europeia é publicado em todas essas línguas.

Tal regulamento determina ainda que (1) os documentos dirigidos às instituições por um Estado-Membro ou por uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado-Membro são redigidos numa das línguas oficiais da UE, à escolha do expedidor, e a resposta é dada na mesma língua; (2) os documentos dirigidos pelas instituições a um Estado-Membro ou a uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado-Estado-Membro são redigidos na língua oficial desse Estado; (3) nos Estados-Membros em que existam várias línguas oficiais previstas pelo Regulamento n.º 1/1958, a utilização delas neste contexto é determinada pelo próprio Estado interessado, de acordo com as regras gerais vigentes no seu ordenamento.

O artigo 14.º do regulamento interno do Conselho determina que, “salvo decisão em contrário, tomada por unanimidade e fundamentada em questões de urgência, esta instituição só delibera e decide com base em documentos e projectos redigidos nas línguas previstas no regime linguístico em vigor”.

Com o reconhecimento do búlgaro como língua autêntica dos Tratados e como língua oficial e de trabalho utilizada pelas instituições da UE, o alfabeto cirílico passou a ser, juntamente com o latino e o grego, um dos três alfabetos oficialmente utilizados na União, acentuando-se também por esta via o princípio da diversidade linguística e cultural na acepção aqui tomada.

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