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O procedimento de conclusão de acordos internacionais

No documento uniao europeia (páginas 87-95)

Os procedimentos decisórios

4. O procedimento de conclusão de acordos internacionais

4.1. Preliminares

Em matéria de conclusão de acordos internacionais, verificam-se diferenças substanciais entre o I Pilar, por um lado, e o II e o III Pilares por outro, tanto a nível da competência como a nível do procedimento. As razões de tais diferenças são, mais uma vez, a lógica de integração supranacional que preside ao I Pilar e a lógica de cooperação intergovernamental que preside ao II e ao III Pilares.

Isto significa, como se verá a seguir, que no âmbito do TCE há domínios em que a Comunidade Europeia dispõe de competência exclusiva para a celebração de acordos internacionais, ao passo que tal nunca sucede no âmbito do Título V e do Título VI do TUE. Além disso, no procedimento de celebração de acordos previsto pelo TCE, a Comissão, o PE e o TJ desempenham um papel de que estão totalmente privados no âmbito do TUE.

Há ainda a acrescentar que os dois principais artigos que o TCE dedica à competência e ao processo comunitários de conclusão de acordos internacionais – os actuais artigos 133.º e 300.º – foram profundamente revistos desde a sua versão originária. Sobretudo a partir do Tratado de Maastricht, têm-lhes sido aditadas novas disposições que em parte representam a codificação de regras pretorianamente fixadas pelo TJ e em parte constituem derrogações e modulações a essas mesmas regras,

queridas pelos Estados-Membros autores das sucessivas revisões. Por sua vez, algumas dessas regras já foram entretanto objecto de interpretação pelo TJ.

4.2. A competência da Comunidade Europeia para celebrar acordos internacionais: competência exclusiva e competência partilhada com os Estados-Membros

4.2.1. A Comunidade Europeia, dispondo de personalidade jurídica nos termos do artigo 281.º do TCE, pode vincular-se, e vincular os Estados-Membros, através de acordos internacionais. O artigo 300.º estabelece o correspondente procedimento, “nos casos em que as disposições do presente Tratado prevêem a celebração de acordos entre a Comunidade e um ou mais Estados ou organizações internacionais”. Ele constitui, por isso, uma base jurídica meramente procedimental.

No entanto, apenas três artigos do TCE atribuem expressamente tal competência à Comunidade: os artigos 111.º, n.º 3, 133.º, n.º 3, e 310.º, que se referem respectivamente aos acordos (a) relativos a questões monetárias ou ao regime cambial, (b) comerciais e (c) de associação. Nos restantes domínios materiais do TCE, a regra jurisprudencialmente estabelecida é a do paralelismo de competências: “nas relações externas, a Comunidade goza da capacidade de estabelecer vínculos contratuais com Estados terceiros em toda a extensão do âmbito dos seus objectivos definidos pelo Tratado” (acórdão de 31-3-1971, Comissão/Conselho, 22/70). Mais concretamente, “sempre que o direito comunitário confira às instituições comunitárias competências no plano interno com vista a realizar um objectivo determinado, a Comunidade é investida na competência para assumir as obrigações internacionais necessárias à realização deste objectivo, mesmo na falta de uma disposição expressa na matéria” (parecer 1/76, de 26- 4-1977).

O artigo 216.º, n.º 1, do TFUE vem codificar esta regra de origem jurisprudencial nos seguintes termos: “A União pode celebrar acordos com um ou mais países terceiros ou organizações internacionais quando os Tratados o prevejam ou quando a celebração de um acordo seja necessária para alcançar, no âmbito das políticas da União, um dos objectivos estabelecidos pelos Tratados ou quando tal celebração esteja prevista num acto juridicamente vinculativo da União ou seja susceptível de afectar normas comuns ou alterar o seu alcance”.

4.2.2. É igualmente de origem jurisprudencial a regra segundo a qual a Comunidade dispõe de competência exclusiva para celebrar acordos de direito internacional quando tal celebração (a) esteja prevista num acto legislativo comunitário; (b) seja necessária para lhe dar a possibilidade de exercer a sua competência interna; (c) seja susceptível (i) de afectar regras legislativas aprovadas pela Comunidade para dar cumprimento a uma política comum prevista pelo Tratado, ou (ii) de alterar o alcance das mesmas regras. Tal regra foi textualmente codificada, sem mais concretizações ou densificações pelo artigo 3.º, n.º 2, do TFUE. É, portanto, à jurisprudência do TJ que cabe a interpretação densificadora e concretizadora da mesma regra.

De acordo com tal jurisprudência, a competência exclusiva da Comunidade existirá necessariamente quando, por exemplo, os actos legislativos comunitários por ela adoptados incluam cláusulas relativas ao tratamento a dispensar aos nacionais de Estados terceiros ou harmonizem completamente uma determinada questão (parecer 1/94, de 15-11-1994).

Nestes casos, fica excluída a possibilidade de uma competência concorrente dos Estados-Membros, sendo qualquer iniciativa, a título individual ou colectivo, tomada fora do quadro das instituições comuns incompatível com a unidade do mercado comum e a aplicação uniforme do direito comunitário. Além disso, os Estados-Membros ficam, em princípio, obrigados a não manter em vigor anteriores compromissos internacionais que tenham assumido individualmente nos domínios que, pelos motivos supra- enumerados, passaram para a competência internacional exclusiva da Comunidade Europeia. Esta obrigação poderá levá-los a renegociar ou a denunciar os seus anteriores acordos internacionais que dêem expressão a tais compromissos (acórdão de 24-4-2007, Comissão/Países Baixos, C-523/04).

A competência exclusiva da Comunidade tem por objectivo a preservação da plena eficácia do direito comunitário, a sua aplicação uniforme e coerente e o bom funcionamento dos sistemas que ele institui. No entanto, uma vez que a Comunidade só dispõe de competência de atribuição, a existência de uma competência não expressamente prevista pelo TCE e, de mais a mais, de natureza exclusiva deve basear- se numa análise concreta da relação existente entre o acordo previsto e o direito comunitário em vigor. Dessa análise deverá resultar que a celebração, pelos Estados- Membros, de um tal acordo é susceptível de afectar as regras comunitárias ou de lhes alterar o alcance, na acepção da jurisprudência do TJ.

Em aplicação desta regra, é de concluir, por exemplo, que a existência, num acordo cuja celebração é encarada por um ou mais Estados-Membros, da chamada cláusula “de desconexão” – nos termos da qual tal acordo não afecta a aplicação, pelos mesmos Estados-Membros, das regras pertinentes de direito comunitário – não constitui garantia suficiente de que tais regras não sejam afectadas pelas disposições do acordo, através de uma delimitação do respectivo âmbito de aplicação. Pelo contrário, a existência de uma tal cláusula pode ser até um indício de que essas regras comunitárias são afectadas pelo acordo. Assim sendo, só a Comunidade será competente para o concluir (parecer 1/03, de 7-2-2006).

4.2.3. Em contrapartida, estar-se-á fora do âmbito da competência exclusiva da Comunidade para celebrar um acordo de direito internacional nos casos em que esta ainda não tenha exercido, ou só tenha exercido em parte a sua competência interna, seja ela de harmonização ou não, no domínio em causa. Mais concretamente, se a harmonização operada a nível comunitário no domínio de aplicação do acordo “só muito parcialmente abranger esse domínio”, haverá a concluir que “a Comunidade e os seus Estados-Membros possuem uma competência partilhada para a celebração do acordo” (parecer 2/00, de 6-12-2001, ênfase acrescentada).

De igual modo, se as regras comunitárias já adoptadas, bem como as do acordo internacional a celebrar assumirem a natureza de prescrições mínimas será, em princípio, de concluir que o domínio material em causa não constitui “um domínio já em grande parte coberto por regras comunitárias” e, por conseguinte, que a competência da Comunidade para concluir tal acordo também não será exclusiva, mas partilhada (parecer 2/91, de 19-3-1993).

São ainda expressamente qualificados pelo artigo 133.º, n.º 6, segundo parágrafo, do TCE como acordos de competência partilhada entre a Comunidade e os seus Estados-Membros os acordos no domínio do comércio de serviços culturais e audiovisuais, de serviços de educação, bem como de serviços sociais e de saúde humana. Por isso mesmo, nos termos da mesma disposição, a negociação de tais acordos requer “para além de uma decisão comunitária tomada nos termos do disposto no artigo 300.º, o comum acordo dos Estados-Membros”, devendo ser celebrados conjuntamente por estes e pela Comunidade.

Neste caso, por força do princípio da competência de atribuição da Comunidade, para o acordo com tal objecto poder ser validamente concluído, ele deverá configurar-se como um acordo misto, em que, de um lado, estarão como Partes Contratantes a Comunidade e os Estados-Membros (suprindo estes a parcial falta de competência da Comunidade para o celebrar) e, de outro lado, a organização internacional ou o(s) Estado(s) terceiro(s). Em tais circunstâncias, importará assegurar uma cooperação estreita entre os Estados-Membros e as instituições comunitárias, tanto no processo de negociação e de celebração, como na execução dos compromissos assumidos.

4.2.4. Por outro lado, é o próprio artigo 133.º, n.º 5, último parágrafo, a determinar que, nos domínios do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual, sem prejuízo da competência atribuída à Comunidade, os Estados-Membros têm “o direito de manter ou celebrar acordos com países terceiros ou com organizações internacionais, desde que esses acordos respeitem o direito comunitário e os outros acordos internacionais pertinentes”. O mesmo vale para os domínios da passagem das fronteiras externas [artigo 62.º, n.º 2, a línea a)] e da política de imigração [artigo 63.º, n.º 3, alínea a)], por força, respectivamente, do Protocolo relativo às relações externas dos Estados-Membros no que respeita à passagem das fronteiras externas e da Declaração n.º 18, anexos ao TCE.

É, pois, o próprio TCE a afastar expressamente uma competência exclusiva da Comunidade em tais domínios, e isto, aparentemente, mesmo que as regras comunitárias já aprovadas não se limitem “a abrangê-los só muito parcialmente”, ou a conter apenas “prescrições mínimas”, na acepção da jurisprudência do TJ supracitada. Estar-se-á aqui em presença de uma espécie de “competência subordinada” dos Estados-Membros para concluir individualmente acordos de direito internacional, face à competência prevalecente, mas não exclusiva, da Comunidade Europeia.

4.2.5. Finalmente, o primeiro parágrafo do n.º 6 do artigo 300.º, contém um preceito que delimita negativamente a competência externa da Comunidade, vedando- lhe a celebração de acordos “que incluam disposições que excedam as competências internas da Comunidade, tendo nomeadamente por consequência uma harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros num domínio em que o presente Tratado exclua essa harmonização”.

Nas palavras do TJ no citado parecer 1/03, (n.º 132), “se um acordo internacional contiver disposições que pressuponham uma harmonização das disposições legislativas ou regulamentares dos Estados-Membros, num domínio em que o Tratado exclua essa harmonização, a Comunidade não dispõe da competência necessária para celebrar esse acordo. Estes limites da competência externa da Comunidade respeitam à própria existência dessa competência e não ao seu carácter exclusivo”.

4.3. O desenrolar do procedimento comunitário de conclusão de acordos internacionais

4.3.1. O procedimento comunitário de conclusão de acordos de direito internacional é normalmente desencadeado pela Comissão através da apresentação de recomendações ao Conselho e desenrola-se em três fases:

(a) a negociação, que é conduzida pela Comissão, representante da Comunidade nas relações externas, mediante prévia autorização do Conselho, normalmente acompanhada de directrizes de negociação, susceptíveis de serem alteradas a qualquer momento. No exercício dessa competência, a Comissão é assistida por comités especiais designados pelo Conselho, que por ela devem ser consultados. O facto de a Comissão dispor de poder decisório interno numa determinada matéria não lhe confere o direito de concluir sozinha um acordo de direito internacional nessa matéria (acórdão de 9-8-1994, França/Comissão, C-327/91). Só os acordos puramente administrativos podem ser negociados e concluídos exclusivamente pela Comissão;

(b) a assinatura, que tem lugar terminada a negociação e é igualmente autorizada pelo Conselho. Tal formalidade é cumprida quer pela Comissão quer pela presidência do Conselho e, mais frequentemente, por ambos. A assinatura pode determinar a aplicação provisória do acordo;

(c) a celebração, que vincula a Comunidade e os Estados-Membros ao acordo definitivo, é da competência do Conselho.

O acto que autoriza a assinatura do acordo internacional e aquele que decreta a sua celebração constituem dois actos jurídicos distintos, que criam obrigações fundamentalmente distintas para as partes interessadas, não constituindo o segundo, de modo nenhum, uma confirmação do primeiro (parecer 2/00, cit.). O acto de celebração do acordo assume normalmente a forma de uma decisão do Conselho.

Os acordos celebrados nestes termos são vinculativos não só para as instituições da UE mas também para os Estados-Membros, por força do n.º 7 do artigo 300.º.

4.3.2. No âmbito do procedimento ordinário de conclusão de acordos internacionais pela Comunidade, o Conselho delibera em regra por maioria qualificada e após consulta do PE (artigo 300.º, n.º 2, primeiro parágrafo).

O Conselho delibera, porém, por unanimidade sempre que (i) o acordo seja relativo a um domínio no qual se exija a unanimidade para a adopção de normas internas, (ii) no domínio da política comercial comum, se tratar de um acordo que incida em aspectos em que a Comunidade não tenha ainda exercido, através de normas internas, a sua competência (artigo 133.º, n.º 5, segundo parágrafo); (iii) se tratar de um acordo de carácter horizontal abrangido pelo artigo 133.º, n.º 5, segundo parágrafo, ou que verse sobre comércio de serviços culturais e audiovisuais, de serviços de educação, bem como de serviços sociais e de saúde humana; (iv) se tratar de um acordo de associação.

Igualmente em derrogação à regra geral, o PE não é consultado sobre a celebração de acordos em matéria de política comercial comum ao abrigo do artigo 133.º, n.º 3, inclusive quando o acordo seja relativo a um domínio para o qual se exija o procedimento da co-decisão para a adopção de normas internas (artigo 300.º, n.º 3, primeiro parágrafo).

Em contrapartida, é exigido parecer favorável do PE tratando-se da celebração de (i) acordos de associação, bem como os demais acordos que criem um quadro institucional específico mediante a organização de processos de cooperação; (ii) acordos com consequências orçamentais significativas para a Comunidade e (iii) acordos que impliquem a alteração de um acto adoptado em procedimento de co-decisão (artigo 300.º, n.º 3, segundo parágrafo).

4.3.3. No quadro do procedimento de conclusão de um acordo internacional pela Comunidade, o TJ pode, ao abrigo do artigo 300.º, n.º 6, ser solicitado pelo PE, pelo

Conselho, pela Comissão ou por qualquer Estado-Membro a emitir parecer prévio sobre a compatibilidade do correspondente projecto de acordo com o TCE. Se o parecer for negativo, tal acordo não poderá entrar em vigor sem que o TCE seja previamente revisto, nos termos do artigo 48.º do TUE, de modo a ultrapassar as incompatibilidades verificadas pelo TJ.

Mas nem todas as revisões do TCE serão juridicamente possíveis com vista à superação de tais incompatibilidades (pareceres 1/91 e 1/92). Por outras palavras, há limites materiais (implícitos) à revisão do TCE.

4.4. A conclusão de acordos internacionais no âmbito do II e do III Pilares da União

A competência para celebrar acordos de direito internacional em aplicação do Título V do TUE está prevista pelo seu artigo 24.º, n.º 1, e, em aplicação do Título VI, pelo artigo 38.º.

O procedimento previsto para a celebração de tais acordos, estabelecido pelo artigo 24.º – e para o qual remete o artigo 38.º –, contrasta em aspectos substanciais com o previsto pelo artigo 300º, supra-analisado, na medida em que nele prevalece claramente uma lógica de cooperação intergovernamental.

Assim, no procedimento do artigo 24.º (a) é a presidência do Conselho que recomenda a celebração de tais acordos e é ela que os negocia, “eventualmente assistida pela Comissão”, mediante autorização do Conselho; (b) este delibera em regra por unanimidade, sem consulta ao PE, e só excepcionalmente por maioria qualificada (quando o acordo se destina a dar execução a uma acção comum ou a uma posição comum, no âmbito do Título V, ou incida numa questão em relação à qual seja exigida a maioria qualificada para a adopção de decisões ou medidas internas, no âmbito do Título VI); (c) o TJ não desempenha qualquer papel neste contexto; (d) os acordos celebrados vinculam as instituições da UE mas não o Estado-Membro “cujo representante no Conselho declare que esse acordo deve obedecer às normas constitucionais do respectivo Estado”.

§ 4.º

No documento uniao europeia (páginas 87-95)