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A interação corporal entre mães e filhos com deficiência : a dança como mediadora

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Academic year: 2021

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Faculdade de Educação Física

KEYLA FERRARI LOPES

A INTERAÇÃO CORPORAL ENTRE MÃES E FILHOS COM

DEFICIÊNCIA: A DANÇA COMO MEDIADORA

CAMPINAS

2018

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KEYLA FERRARI LOPES

A INTERAÇÃO CORPORAL ENTRE MÃES E FILHOS COM DEFICIÊNCIA: A DANÇA COMO MEDIADORA

Tese apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Educação Física, na Área de Atividade Física Adaptada.

Orientador: Paulo Ferreira de Araújo

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE

DEFENDIDA PELA ALUNA KEYLA FERRARI LOPES, E ORIENTADA PELO PROF. DR. PAULO FERREIRA DE ARAÚJO.

CAMPINAS 2018

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COMISSÃO EXAMINADORA

1

Prof. Dr. Paulo Ferreira de Araújo Orientador

Profa. Dra. Marina Brasiliano Salerno Membro Titular da Banca

Prof. Dr. João Frederico Da Costa Azevedo Meyer Membro Titular da Banca

Prof. Dr. Gustavo Luis Gutierrez Membro Titular da Banca

Prof. Dra. Josiane Fujisawa Filus de Freitas Membro Titular da Banca

1

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTO

Agradeço à Deus por me permitir a finalização desta etapa, mesmo após uma longa jornada de tratamento.

Ao meu querido orientador professor doutor Paulo Ferreira de Araújo pela sua dedicação, paciência, amizade, competência, saber e, sobretudo, sensibilidade, me faltam palavras...

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior? Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

À colega professora doutora Camila Lopes de Carvalho pelo seu carinho, doçura, disponibilidade e humanidade, eterna gratidão.

Aos membros da banca examinadora pelas contribuições valiosas para este estudo Professora Doutora Marina Brasiliano Salerno, Professor Doutor João Frederico Meyer, Professor Doutor Gustavo Luís Gutierrez, Professora Doutora Josiane Fujisawa de Freitas e Professor Doutor Luiz Seabra Junior.

Aos docentes e funcionários da FEF/ UNICAMP, especialmente à secretaria de pós-graduação.

Às professoras doutoras Mara Patrícia Chacon Mikail e Claudia Regina Cavaglieri pelo acolhimento e carinho.

Às mães e filhos deste estudo e também aos componentes da Escola e Cia de dança Humaniza, pessoas que me fazem ver a beleza da vida na graça dos pequenos e sublimes gestos.

À minha família por me auxiliar e compreender minhas ausências. A Maria Alice Cruz muito querida e companheira.

Ao meu amor por me ouvir em cada minuto que lutei para sentir-me viva apesar da dor física e emocional de quem busca a vida mesmo passando por um doloroso tratamento.

(6)

RESUMO

O presente estudo buscou identificar e analisar as interações corporais e expressivas entre mães e filhos com deficiência, permeadas pela vivência com a expressão corporal e a dança. Para tanto, foi feito um resgate da história e do cotidiano das interações e relações corporais entre a díade mãe e filho antes e após a prática da expressão corporal e dança, visando compreender os sentidos e significados dessa vivência para as mães e os filhos participantes. O estudo foi caracterizado como pesquisa qualitativa, contando com dois grupos de participantes; o grupo 1 composto por mães e filhos com deficiência físico-motora e/ou intelectual que possuíam experiência prática na área da expressão corporal e dança e realizavam espetáculos abertos ao público; e o grupo 2 por mães e filhos com deficiência físico-motora e/ou intelectual não praticantes de expressão corporal e dança. Como procedimentos, o estudo ocorreu em três fases: na fase 1 foram realizadas entrevistas com as mães dos grupos 1 e 2, de forma individual; na fase 2 as mães do grupo 1 se apresentaram com seus filhos para as mães e filhos do grupo 2, com coreografia fundamentada na metodologia de Contato e Improvisação, com seguinte entrevista individual com as mães de ambos os grupos; e, na fase 3, foi proposto um programa de atividades práticas com o movimento corporal e a dança por meio da adaptação da Metodologia de Contato e Improvisação, semanalmente, durante 4 semanas, finalizando com apresentação das mães do grupo 2 para as do grupo 1, e sequente roda de conversa conjunta. Os dados foram coletados por entrevista, diário de campo e grupo focal, e apreciados por análise de conteúdo. Como resultados,observamos que esse programa de atividades práticas trouxe benefícios para os dois grupos analisados: as mães e filhos do grupo 2, com a melhora na autoestima, coordenação motora, relacionamentos interpessoais, interação e vínculos afetivos; e para as mães do grupo 1, que desempenharam o papel de motivar o grupo 2 para as atividades práticas. Destacaram-se aspectos semelhantes entre as rotinas diárias e histórias de vida das mães de ambos os grupos. Os percursos, desenvolvimentos e percepções foram singulares das díades mãe e filho com deficiência na relação com o movimento corporal e a dança. Concluímos que a dança enquanto atividade mediadora aplicada a pequenos grupos de mães e filhos com deficiência proporciona interação, momentos ludicidade entre ás díades, além de contribuir significativamente para a expressão de sentimentos, reflexão, diálogo e inclusão das mães e filhos na sociedade.

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ABSTRACT

The present study sought to identify and analyze the corporal and expressive interactions between mothers and children with disabilities, permeated by the experience with body expression and dance. In order to do so, a history and daily life rescue of the interactions and corporal relations between mother and child dyad before and after the practice of corporal expression and dance was made, aiming to understand the meanings and meanings of this experience for the participating mothers and children. The study was characterized as qualitative research, counting on two groups of participants; group 1 comprised mothers and children with physically-motor and / or intellectual disabilities who had practical experience in the area of body expression and dance and performed spectacles open to the public; and group 2 by mothers and children with physically-motor and / or intellectual disability who do not practice body expression and dance. As procedures, the study took place in three phases: in phase 1 interviews were carried out with the mothers of groups 1 and 2, individually; in phase 2 the mothers of group 1 presented themselves with their children to the mothers and children of group 2, with choreography based on the methodology of Contact and Improvisation, with the following individual interview with the mothers of both groups; and in phase 3, a program of practical activities with body movement and dance was proposed through the adaptation of the Methodology of Contact and Improvisation, weekly, during 4 weeks, ending with presentation of the mothers of group 2 to those of group 1 , and the next round of joint talk. The data were collected by interview, field diary and focus group, and appreciated by content analysis. As results, we observed that this program of practical activities brought benefits to the two analyzed groups: the mothers and children of group 2, with the improvement in self-esteem, motor coordination, interpersonal relationships, interaction and affective bonds; and for the mothers of group 1, who played the role of motivating group 2 for practical activities. Similar aspects were emphasized among the daily routines and life histories of the mothers of both groups. Paths, developments and perceptions were unique to the mother and child dyads with disabilities in relation to body movement and dance. We conclude that dance as a mediator activity applied to small groups of mothers and children with disabilities provides interaction, moments of playfulness between the dyads, and contribute significantly to the expression of feelings, reflection, dialogue and inclusion of mothers and children in society.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Os sujeitos participantes desse estudo. ... 60

Figura 2 – Fases metodológicas do estudo. ... 65

Figura 3 – Primeiro momento de intervenção. ... 72

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Mães e filhos do grupo 1 ... 74

QUADRO 2 - Mães e filhos do grupo 2 ... 74

QUADRO 3 - Descoberta da deficiência ... 75

QUADRO 4 - Sentimentos após o diagnóstico da deficiência ... 78

QUADRO 5 – Atitudes ... 81

QUADRO 6 - Relação corporal mãe-bebê com deficiência ... 82

QUADRO 7 - Rotina de vida antes do nascimento ... 85

QUADRO 8 - Rotina de vida após o nascimento ... 85

QUADRO 9 - Rotina de vida atual ... 87

QUADRO 10 - Sentimento em relação ao corpo ... 89

QUADRO 11 - Brincadeiras com o corpo e o movimento ... 92

QUADRO 12 - sentimento em relação ao olhar do outro ... 95

QUADRO 13 - Percepções após o espetáculo ... 98

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 FAMÍLIA, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA ... 15

2.1 A maternidade do filho com deficiência: atitudes e percepções ... 25

2.2 A maternidade do filho com deficiência no contexto social ... 32

3 INTERAÇÕES CORPORAIS, VÍNCULO E AFETIVIDADE ENTRE MÃE E BEBÊ COM DEFICIÊNCIA ... 37

4 DEFICIÊNCIA: CONCEITOS, TERMINOLOGIA E SIGNIFICADOS ... 46

4.1 Definições ... 46

4.2 Os modelos de deficiência e as percepções sociais ao longo dos tempos ... 48

4.3 Compreensão do conceito de deficiência ... 50

5 EXPRESSÃO CORPORAL E DANÇA: A INTERAÇÃO ENTRE MÃE E FILHO COM DEFICIÊNCIA ... 53

6 MÉTODOS ... 58

6.1 Tipo de pesquisa ... 58

6.2 Universo da pesquisa e sujeitos ... 59

6.3 Procedimentos metodológicos ... 61

7 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: ADAPTAÇÃO DA METODOLOGIA DE CONTATO E IMPROVISAÇÃO ... 66

7.1 Metodologia Contato e Improvisação ... 66

7.2 A adaptação da metodologia Contato e Improvisação ... 68

7.2.1 Dança Criativa ... 69

7.2.2 Objetos mediadores/ objetos cênicos: os estímulos criativos ... 70

7.3 Proposta de intervenção ... 72

8 RESULTADOS E DISCUSSÕES ... 74

8.1 Fase 1: entrevistas ... 75

8.1.1 Nascimento do filho com deficiência ... 75

8.1.2 Rotina de vida ... 85

8.1.3 Relação corporal consigo mesma e com o filho ... 89

8.1.4 Exposição ao público... 92

8.2 Fase 2: o primeiro encontro entre os grupos e entrevistas ... 98

8.3 Fase 3: intervenção com mães e filhos do grupo 2 e entrevistas ... 100

8.3.1 A intervenção com as mães e filhos do grupo 2 ... 100

8.3.2 Segundo encontro entre os grupos ... 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118

REFERÊNCIAS ... 121

APÊNDICE A – Roteiros das entrevistas semiestruturadas ... 134

APÊNDICE B – Respostas ... 137

APÊNDICE C – Diário de campo da fase 3 ... 157

ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido ... 159

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A ARTE DE CONVIVER NÃO ESTÁ NA ACEITAÇÃO TOTAL

DAS COISAS UM DO OUTRO E SIM NOS

COMPARTILHAMENTOS, POIS ISSO NOS DÁ O VERDADEIRO SENTIDO DO GRAU DE ENVOLVIMENTO.

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1 INTRODUÇÃO

A sociedade apresenta-se continuamente em transformação em relação às suas estruturas, funções e ideais. Em meio a essas reconstruções constantes, no mundo contemporâneo, cada vez mais os diversos constituintes familiares têm dividido as responsabilidades pela educação da família, mas a figura da mãe ainda permanece assumindo um papel relevante nos cuidados e no atendimento às necessidades dos filhos.

No que diz respeito às mães de crianças com deficiência, estas, ao assumirem o papel de responsável pelos cuidados da criança, têm se deparado com valores, crenças, rotinas e práticas sociais com nuances específicas.

O nascimento de uma criança com deficiência perpassa pela concepção e pelo significado da deficiência e como estas são vistas na sociedade atual. De acordo com Wanderer e Pedroza (2013), existe uma dificuldade em nossa cultura em conviver com a diversidade, transformando diferenças biológicas em características de menos valia social. As mesmas autoras entendem que essas concepções sociais negativas de baixa expectativa em relação às pessoas com deficiência influenciam pais e familiares.

De acordo com Welter et al. (2008), a deficiência dos filhos atinge as mães no que se refere à sua vida cotidiana e à organização de seu tempo, devido à atenção e ao cuidado que precisam dispensar aos filhos, sendo comuns os relatos de mães que passam a se dedicar inteiramente aos cuidados e acompanhamento dos filhos com deficiência em terapias, consultas médicas e atividades específicas para sua condição.

Neste sentido, observa-se também que estas mães têm poucas oportunidades e opções de atividades que envolvam o autocuidado e o lazer para si e em conjunto com seus filhos. Nos próprios locais comumente frequentados por essas mães para a realização das terapias e atividades de reabilitação ou inclusão de seus filhos com deficiência, ocorre pouca ou nenhuma participação destas como parte atuante nestes programas. Nestes cenários, o estudo de Bolsanello (1998) apontou que a mãe é orientada a permanecer na sala de espera enquanto seus filhos realizam suas atividades. A autora destaca ainda que, na visão de alguns profissionais, a mãe “atrapalha” ao permanecer com o filho durante as sessões e atividades individuais.

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Percebe-se, portanto, uma ausência de espaço para uma interação lúdica entre mães e filhos com deficiência, com escassez de propostas de atividades a serem realizadas entre a díade mãe-filho com deficiência que permitam interação, contato corporal, expressividade, diversão e relaxamento, em que a mãe possa ser incluída e beneficiada com seus filhos.

Com relação à interação corporal entre a díade mãe e filho com deficiência, Lopes e Araújo (2015, p.2) afirmam que “ninguém melhor do que a mãe é capaz de reconhecer e explorar as potencialidades do corpo de seu filho, visto que, desde a vida intrauterina, essa criança foi carregada e embalada pela mãe, ambas com seus ritmos e movimentos”. Se a criança possui uma condição de deficiência, na maioria dos casos, as mães se encontram em situações de contatos corporais fundamentais como carregar, manipular, posicionar e conduzir, para auxiliar estes filhos no caminhar de seu desenvolvimento, autonomia e realização de atividades cotidianas simples e complexas. Sendo assim, essas situações permitem na prática que essas mães desenvolvam um conhecimento sensível a respeito das potencialidades e limites de movimento, equilíbrio, postura e peso do corpo de seu filho.

Entretanto, não é comum para mães de filhos com deficiência utilizarem seus movimentos cotidianos e o conhecimento sensível sobre os corpos de seus filhos para realização de atividades corporais, expressivas e lúdicas como a expressão corporal e a dança realizada em pares. Desse contexto, surge a inquietação em explorar as possibilidades e possíveis benefícios da interação corporal e expressiva entre mãe e filho com deficiência. Assim, este estudo tem por objetivo resgatar, identificar e analisar a influência da dança e da expressão corporal nas relações corporais e expressivas entre mães e filhos com deficiência físico-motora ou intelectual.

O estudo foi estruturado em nove capítulos. Após a apresentação do mesmo por meio de um tópico de Introdução, no capitulo 1 foram abordados os temas da família, da sociedade, do nascimento da criança com deficiência e da maternidade neste contexto. A seguir, o capítulo 2 abordou os vínculos e as interações corporais entre as díades mãe e bebê com deficiência.

No capítulo 3, buscamos destacar o conceito de deficiência e como ele se faz presente no sentido funcional, educativo, social e legal, visto que a conceptualização da deficiência e seus efeitos permeiam toda a reflexão proposta

(14)

nesta investigação.

No Capítulo 4, apresentamos reflexões sobre o corpo, o movimento, a dança e os novos paradigmas sobre a dança realizada por diferentes corpos e habilidades na díade mãe/filho com deficiência.

Já no Capítulo 5, discorremos sobre os pressupostos metodológicos adotados neste estudo, os quais se sustentaram na abordagem qualitativa de caráter descritivo e interpretativo, uma vez que o interesse está centrado na interação corporal entre mãe e filho com deficiência permeada pela dança.

O Capítulo 6 foi composto pela apresentação de uma proposta de dança a ser aplicada entre mães e filhos com deficiência, a qual se pautou por meio da adaptação da Metodologia de Contato e Improvisação, além da inserção de elementos de expressão corporal e cênicos na mesma.

No Capítulo 7, apresentamos os resultados e as discussões obtidos com a aplicação da proposta de dança com as díades mães e filhos com deficiência.

Nas Considerações Finais, foram reunidos os principais apontamentos obtidos com a realização desse estudo.

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2 FAMÍLIA, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

Compreender o impacto do nascimento de uma criança requer pensar na diversidade, singularidade de cada família com suas dinâmicas próprias, valores e complexidade das relações interpessoais. Quando se trata do nascimento de uma criança com deficiência, as reflexões perpassam pela concepção e significado da deficiência e como estas são vistas pela sociedade.

Na sociedade atual, a busca pela perfeição, a competição e a eficiência ainda são valores considerados fundamentais, e o nascimento de uma criança com deficiência entra em rota de colisão com valores sociais, fazendo do cenário familiar o contexto principal em que ocorre a expressão de contradições, dúvidas e conflitos. Os conflitos nas relações familiares de pais que possuem filhos com uma condição de deficiência ficam evidentes, pois se trata de uma experiência inesperada, de mudança de planos e expectativas destes pais. Quando se consideram as famílias cujas crianças nascem com alguma condição de deficiência, a pesquisa de Fiamegini Jr. e Messa (2007) também mostrou diferenças em relação aos conceitos que são disseminados socialmente.

A sociedade costuma cobrar dos pais um conhecimento e um comportamento muito além do que eles podem apresentar quando se deparam com nascimento do filho com deficiência, que gera o luto pela perda da criança esperada.

De acordo com Wanderer e Pedroza (2013), existe uma dificuldade nas sociedades em geral ao conviver com a diversidade, transformando diferenças biológicas em características de menos valia social. As mesmas autoras entendem que as concepções sociais negativas de baixa expectativa em relação às pessoas com deficiência não influenciam apenas pais e familiares, mas também estão presentes no imaginário da sociedade e dos cientistas.

Para compreensão do conceito de deficiência, Welter et al. (2008) mostram que a deficiência nos mais variados contextos históricos esteve vinculada a sentimentos existentes na sociedade relacionados à inferioridade, anormalidade e diferença.

Na concepção de Amiralian (1986), excepcionalidade é um fenômeno que não reside somente em um indivíduo, mas envolve toda a família e, na comunidade, o indivíduo só pode ser compreendido quando a dinâmica das relações

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interpessoais é analisada, bem como, os conceitos e valores da sociedade em que está inserido. Para a autora, o aspecto físico e a força foram e ainda são características valorizadas pelo homem.

Na perspectiva de Silva e Dessen (2001), as relações entre pais e familiares são muito diversificadas, e seu funcionamento muda quando alterações ocorrem em um membro ou no sistema como um todo.

Na perspectiva de Crispim (2013), a família se constitui historicamente como o primeiro grupo decisivo no desenvolvimento de qualquer ser humano. Estruturalmente, ela é um conjunto de pessoas que se relacionam consanguineamente e se consolidam por meio da hereditariedade, outorgando-lhe um caráter de continuidade.

Para Pereira, Cesarini e Bilbao (2009), a família é muito importante para todas as pessoas, seja com ou sem deficiência, por ser a unidade social básica para o estabelecimento dos relacionamentos interpessoais que se constituirão como modelo.

Neste estudo, a autora se apropria da ideia de família como sendo um produto de formas históricas de organização entre os seres humanos, não se consistindo somente de referências biológicas e naturais. Sendo assim, pode-se entender que a formação da família vem se modificando em diferentes contextos sócio-históricos e culturais, dando visibilidade para diversas representações sociais em relação à constituição familiar. Embora as famílias atuais estejam sendo constituídas de maneiras a considerar a diversidade de gênero e relações, quando se pensa na unidade familiar dos sujeitos deste estudo, considera-se o casal marido e mulher, pai e mãe, ou seja, a família clássica ou nuclear como o esteio e estrutura da constituição de um núcleo familiar estabelecido em nossa sociedade.

Neste sentido, Fiamenghi Jr. e Messa (2007) diz que quando uma criança nasce, toda a rede de relacionamentos familiares é modificada em seu status, adquirindo uma dialética de diferentes e novos papéis.

Há uma transição para a parentalidade que envolve a mudança das identidades individuais para as de pais, assim como o relacionamento de casal muda para o de unidade familiar (DELMORE-KO et al., 2000).

Na perspectiva de Buscaglia (1997, p.93), os pais também são filhos ou filhas, maridos ou esposas, trabalhadores, cidadãos, que recebem um novo papel, e completa: “Ter um filho é apenas uma parte do complicado papel desempenhado por

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um indivíduo”.

A paternidade e a maternidade são, segundo Crispim (2013), condições constituídas a partir de papéis sociais atribuídos. Portanto, apenas se vive esta condição quando se tem um filho, o que vale dizer que se tornam pais a partir da experiência que esta condição exige.

Para este autor, a condição de paternidade–maternidade não diz respeito apenas a gerar ou adotar uma criança, mas também à continuidade da condição de pais por toda a vida.

De acordo com Bavin (2000, p. 19), o nascimento de uma criança com uma condição de deficiência representa ter que lidar com um filho diferente daquele que foi planejado e idealizado, alterando repentinamente a organização desta família, com seus sonhos e projetos.

Neste sentido, Pereira, Cesarini e Bilbao (2009) diz que o nascimento de uma criança com deficiência fará com que os pais assumam o papel de “pais especiais”, ao enfrentar desafios, sentimentos e atitudes oriundas dessa condição.

A família, que até determinado momento tinha segurança e sabia qual seu papel perante o nascimento de uma criança, quando se defronta com um diagnóstico de deficiência, começa a exprimir mudanças em seu comportamento e traz à tona uma série de complicações advindas de sentimentos de culpa, rejeição, negação ou desespero, modificando as relações familiares e sua própria estrutura.

Para Crispim (2013, p. 27), quando os pais tomam conhecimento que daquele momento por diante terão um membro com deficiência, inicia-se uma fase de preocupações, já que o futuro desta criança dependerá tanto de cuidados especiais que a família lhe dedicará quanto da aceitação da sociedade.

Autores como Krinski (1984), Amaral (1994) e Buscaglia (2006) salientam que a reação dos pais ao conhecimento das limitações intelectuais de um filho é muito variável, e fatores como a personalidade, crenças, valores são importantes influências.

Para Guerra et al. (2015), o nascimento de um filho com deficiência na família é, na realidade, o nascimento da diferença. Um problema real com o qual a mesma se depara, com inúmeras tentativas de negá-lo, embora não seja possível fazê-lo.

O nascimento do diferente, segundo Sá e Rabinovich (2006), leva à estigmatização. Também a família se sente estigmatizada, passando por uma

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desestruturação inicial, que terá sua intensidade diretamente proporcional ao estágio de desenvolvimento em que ela (a família) estiver na ocasião. Necessita, para se reestruturar, do apoio das pessoas de suas relações (parentes, amigos, vizinhos), que podem auxiliá-la a acreditar em seus próprios recursos, favorecendo sua autoestima e diminuindo seu estresse.

Ao complementar esta perspectiva, Crispim (2013) diz que no caso da deficiência, as dificuldades que envolvem o processo de paternidade– maternidade não residem apenas no estigma, mas podem ser constatadas em algumas demandas, cuidados e necessidades diferenciadas que um filho com deficiência requer. E também cita Amaral (1994), que aponta algumas dificuldades possíveis encontradas no cotidiano de pais de filhos com deficiência como a possibilidade de ruptura do cotidiano por eventuais internações hospitalares prolongadas da criança, a presença de múltiplas peculiaridades decorrentes de determinados tipos e graus de deficiência e de comportamentos diferenciados, distúrbios de sono e alimentação, ou ainda questões de relacionamento conflitivos entre irmãos, problemas nas férias, finais de semana, econômicos além da rotina semanal de terapias e acompanhamento de equipe interdisciplinar- fonoaudiologia, fisioterapia, Terapia ocupacional.

Os pais de crianças com deficiência passam pelo dilema de conciliar trabalho, obrigação pessoal e cuidado maternal. Dilemas estes ocasionados pelas necessidades que conferem aos pais uma identidade constituída por meio desta reivindicação e nova ordenação como grupo social.

Os estudos de Ferrari, Zaher e Gonçalves (2010) chamam atenção para as questões emocionais que os pais enfrentam no nascimento de um filho com deficiência e ressalta o processo de idealização comum vivenciado pelos pais. De acordo com os autores, o nascimento de um bebê está acompanhado de um crescente processo de idealizações e expectativas, que se frustram quando a realidade impõe uma condição diferente daquela esperada.

Neste sentido, Tracey (2002) diz que os pais projetam no desejo de ter um filho suas fantasias, experiências e representações internas, idealizando uma criança em suas mentes e, desde o princípio da gravidez, fantasiam sobre o sexo do bebê, o desempenho na escola, a carreira e a orientação sexual que irão ter. O lugar da criança na família é determinado pelas expectativas que os genitores têm sobre ela.

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Os pais geralmente fazem planos para os seus filhos, idealizam a vida dos mesmos, no imaginário destes podem estar o filho médico, artista, engenheiro, poliglota, aquele que vai se destacar pela inteligência ou pela doçura, pela educação. Seu companheiro ou companheira, fonte de alegrias e orgulho.

Para Peterson (1988), os pais de bebês com deficiência vivenciam com os sentimentos de perda do bebê idealizado, uma desorganização psicológica com uma série de reações emocionais, simultâneas ou sucessivas das quais se destacam: choque inicial, incerteza enquanto não obtêm um diagnóstico definitivo, negação da existência da deficiência, culpabilidade e autorresponsabilização pela situação de deficiência, além de raiva acompanhada de um profundo sentimento de injustiça por serem eles os atingidos.

Na maioria das vezes, os pais não estão preparados para lidar com tal situação, então o nascimento daquele bebê, que era para ser um momento de celebração, passa a ser permeado por uma atmosfera de frustrações, angústias, dúvidas e receio (ALMEIDA, 2016).

As etapas que os pais geralmente estão sujeitos até a aceitação da deficiência do filho foram comparadas por Muller e Jung (2011) como similares às que acontecem quando ocorre a perda de alguém de que se gosta muito, ou seja, como um processo de luto.

Na perspectiva de Krinski (1984), Amaral (1994), Paniagua (2004) e Buscaglia (2006), os pais têm de renunciar à expectativa que todo pai alimenta de ter um filho sem nenhuma dificuldade; trata-se da perda do filho idealizado, idealização esta que é um revestimento universalmente presente na gestação e em todos os aspectos relacionados à maternidade/paternidade.

Ao complementar esta perspectiva, Guerra et al. (2015) diz que o sofrimento decorrente de uma perda é um dos processos mais difíceis e desafiadores da existência humana. Lidar com a morte do filho idealizado implica lidar com um sujeito que não se enquadra nos parâmetros socialmente pré-estabelecidos. Neste sentido podemos dizer que a sociedade estabelece o padrão para o corpo ideal e saudável, o filho ideal, habilidades ideais, desempenho acadêmico satisfatório e tantos outros aspectos da vida de um ser humano que faz com que os pais já tenham suas concepções pré-estabelecidas dentro destes padrões de crenças sociais.

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ideal e a realidade que se apresenta distante do sonhado. Para Almeida (2016), existem dois tipos de morte: concreta e simbólica. A morte concreta é quando uma pessoa morre e desaparece para sempre. A morte simbólica, ou morte em vida, são rupturas que ocorrem durante a vida do ser humano e deflagram o mesmo processo de luto da morte concreta. Entre as diversas formas de mortes simbólicas com as quais o ser humano depara, a morte do filho idealizado é destaque entre pais de filhos com deficiência.

É o processo de luto que vai ajudar os pais a ultrapassar, em parte, estes sentimentos, permitindo uma reorganização emocional e a posterior aceitação realista do seu bebê. Este processo é lento e frequentemente interrompido com o ressurgimento de alguns dos sentimentos anteriormente mencionados, caracterizando-se o estado emocional de alguns dos pais como de depressão crônica, com sentimentos intermitentes de inadequação, incompetência e ineficácia, que, segundo MacKeith (1978 citado por PETERSON, 1988), aparecem, sobretudo, no momento da confirmação do diagnóstico.

A depressão é destacada, de acordo com Peterson (1988), como um sentimento que permeia a vida dos pais, estando associado principalmente quando estes começam a ver o desenvolvimento do seu bebê a distanciar-se das outras crianças. Neste sentido, a autora relata que as crianças com deficiência possuem características específicas, variáveis de acordo com o tipo de deficiência. Estas características podem interferir no processo interativo e, posteriormente, na formação de vínculo com os pais, colocando a estes, maior responsabilidade no processo de interação e de adaptação mãe/pai-bebê, o que provoca nas suas famílias aumento da situação de stress, aumento dos sentimentos depressivos, maior dificuldade na expressão de sentimentos, aumento dos sentimentos de posse relativamente ao bebê, diminuição dos sentimentos de competência e menor prazer na interação com o bebê.

Compreender que um filho tem uma deficiência é um processo vai além de conhecer o fato. Da mesma forma, quando um acontecimento doloroso ocorre, a aceitação leva algum tempo, ficando algumas vezes incompleta.

Para Paniagua (2004), a compreensão de que um filho tem uma deficiência requer que os familiares não se fixem ao mero reconhecimento dos fatos. A aceitação desta realidade, muitas vezes inesperada, requer um tempo para se consolidar e, em algumas situações, ela nem mesmo chega a acontecer.

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A situação da deficiência também pode ser vivida de forma traumática pela família, sobretudo se houver desconhecimentos da deficiência e diagnósticos. Lefevre (1981) e Cunningham (1988) apontam para o desconhecimento da deficiência como causa de angústias e ansiedades.

Diante de cada situação, os pais buscam seus mecanismos próprios de lidar com a perda do filho idealizado, influenciados pelas perspectivas sociais que permeiam cada tipo de deficiência, mais ou menos negativa, de maior ou menor gravidade para a vida futura da criança e também pelos aconselhamentos de profissionais da saúde que acompanham e orientam os mais variados casos.

Naqueles casos em que um acidente ou uma doença atinge uma criança em seu curso de desenvolvimento “esperado”, infringindo algum tipo de deficiência, o sentimento de perda que os pais enfrentam não se deve apenas a uma representação idealizada do filho, mas às perdas de capacidades reais. Neste caso, os pais enfrentam um duplo desafio de elaboração de perdas reais e perdas idealizadas (PANIAGUA, 2004). Real ou imaginário, o sentimento de perda que acompanha o nascimento de uma criança com deficiência passa por fases.

Assim, de acordo com o Paniagua (2004), da constatação da deficiência até a aceitação, as reações se manifestam nas seguintes fases:

1. Fase de choque: no momento da constatação de que o filho tem algum tipo de deficiência, há um bloqueio, um atordoamento geral que pode comprometer a compreensão da mensagem que está sendo passada; esse choque pode durar de alguns minutos até vários dias;

2. Fase da negação: neste segundo momento, as reações dos pais passam por ignorar ou esquecer que o problema existe; os pais levam o dia a dia como se nada tivesse acontecido e chegam mesmo a confrontar e questionar o diagnóstico.

3. Fase de reação: nesta fase, os pais experimentam emoções e sentimentos os mais diversos; parece se instalar certa confusão e desorientação, mas apesar do aparente desajuste, este momento se faz importante porque constitui os primeiros passos em direção a uma adaptação menos ansiosa e mais realista. Os sentimentos mais comuns neste momento de reação são:

a. Irritação: a agressividade, a raiva e os estados de ânimo difusos voltam-se para os supostos culpados (médicos, familiares que

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possuem alguma doença, um castigo divino, etc.);

b. Culpa: a frustração originária da quebra do sonho de se ter um filho perfeito é muitas vezes direcionada para si mesmo, resultando em sentimento de culpa, o que leva muitos pais a buscarem nos supostos erros médicos ou descuidos durante a gravidez as causas de seus tormentos;

c. Depressão: esta fase, é caracterizada por profunda tristeza e pouco espaço para a expressão deste sentimento que ocorrem em momentos de dificuldade.

4. Fase de adaptação e de orientação: após ter vivenciado as situações acima descritas, a maioria dos pais chega a um nível de tranquilidade emocional que lhes permite avançar no sentido de um engajamento mais realista na problemática dos filhos; há uma conscientização mais profunda do que se passa e se começa a pensar em estratégias efetivas de enfrentamento das dificuldades.

Contudo, na visão deste autor, essas fases não podem ser consideradas retratos estáticos do processo pelo qual os familiares de uma criança com deficiência passam. Este processo não é linear e nem se manifesta com a mesma variação de tempo, mas apresenta nuances diferenciadas a depender das características das famílias, assim como de outros fatores que incidam sobre a dinâmica e a configuração familiar, tais como o contexto cultural e o modelo de sociedade vigente.

Neste sentido, o trabalho de Brown e Brown (1993, p. 89) chama a atenção para a individualidade das reações dos pais e para o carácter não exclusivo dos sentimentos que ocorrem e que frequentemente voltam a aparecer ao longo do processo de ajustamento, nas palavras destes autores: "Nem todas as pessoas sentem cada uma destas emoções e estas podem não seguir uma hierarquia específica. Não se acaba de sentir uma emoção para começar a sentir outra; em vez disso, diferentes emoções podem voltar em momentos diferentes, para, além disso, os diferentes membros da família podem vivenciar um leque variado de emoções e podem não ter os mesmos sentimentos ao mesmo tempo".

Para Matos (2009 p. 29), muitas mães e pais podem passar por todas estas etapas bem como paralisarem-se em uma delas ou apresentarem esporadicamente sentimentos anteriores ativados por eventos ou lembranças

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relacionadas ao filho. Estas reações dependerão da sua personalidade, das relações afetivas anteriores á ocorrência da deficiência, das crenças culturais e religiosas.

Omotte (apud CAMPOS, 2007) considera que o impacto familiar e seus sentimentos e vínculos dependem de algumas variáveis, tais como: dinâmica e história familiar, o sentido que a família atribui à deficiência em questão, o grau de comprometimento da criança, a forma como lhe é transmitida a notícia, nível socioeconômico familiar, expectativas em relação a este filho.

Entretanto, para Matos (2009), existe em muitas famílias uma discrepância entre a reação da família e as reais limitações da criança, sendo este comportamento resultado do significado que os familiares atribuem à condição e à reabilitação.

A resposta que a família dará a este desafio, de acordo com os estudos de Sá e Rabinovich (2006), dependerá das experiências passadas, da situação econômica, bem como dos antecedentes étnicos e das relações familiares, entre outras influências, o que, por sua vez, determinará se o desafio de criar, cuidar e educar sua criança será enfrentado. A família poderá apresentar dificuldades em cumprir seu papel social de educar indivíduos para participar ativamente da sociedade atual que enfatiza aspectos como eficiência e eficácia.

A família passa, então, por um longo processo de superação até chegar à aceitação da sua criança com deficiência: do choque, da negação, da raiva, da revolta e da rejeição, dentre outros sentimentos, até a construção de um ambiente familiar mais preparado para incluir essa criança como um membro integrante da família (SILVA; DESSEN, 2001).

Em outra perspectiva, Amiralian (1986) diz que atitudes positivas também ocorrem nessas situações e os pais conseguem ajustar-se satisfatoriamente à situação frustradora e assumem a atitude de aceitação, que é mais sadia e desejada tanto para a criança como para a relação familiar. Essa aceitação não deve ser confundida com passividade, mas sim como conhecimento real e objetivo das limitações e possibilidades da criança, buscando os recursos e ajuda necessários para ela.

De acordo com Silva e Dessen (2001), as estratégias mais utilizadas pelas famílias para enfrentarem as necessidades do filho são a procura por informações sobre a deficiência e sobre o progresso no desenvolvimento da criança. Essas iniciativas são de grande importância, uma vez que, segundo Oliveira et al.

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(2004), é na família que a criança com deficiência se sentirá segura para aprender e se desenvolver no sentido de superar suas limitações e executar diferentes tarefas.

Neste sentido, a família à qual pertence a criança com deficiência exerce importante papel contrapondo-se à sua marginalização. Tem a função de proporcionar a esta criança tornar-se sujeito desejante, uma pessoa que possa transformar seus desejos em realidade, buscando realizá-los dentro do quadro de suas limitações e diferenças e por meio dela.

Para Ackerman (1996), a família é a responsável pelo desenvolvimento e experiência, realização e fracasso, saúde e enfermidade. Ela é o primeiro grupo a que pertence o indivíduo, onde ele tem oportunidade de aprender por meio de experiências positivas (afeto, respeito, sentir-se útil) e negativas (frustrações, limites, tristezas, perdas), todas elas de grande importância para formação de sua personalidade.

Por meio das relações de cuidado, a família transmite valores como os de tolerância e respeito às diferenças, corroborando para um desenvolvimento adequado, especialmente quando os serviços sociais são inadequados e as políticas públicas insuficientes.

Para Fiamenghi Jr. e Messa (2007, p.241), a participação dos familiares, especialmente pais, de crianças com deficiência em grupos de intervenção e programas de auxílio pode ser de muita ajuda, pois estes auxiliam no incremento de informações, busca dos recursos disponíveis, enfrentamento da situação de dor e adaptação, gerando a possibilidade de compartilhar suas vivências com outras famílias que convivem com uma realidade parecida. Se houver dificuldades para lidar com o nascimento de um filho com deficiência, os pais devem procurar o auxílio que julgarem necessário para a adaptação à rotina da deficiência, visando à melhor qualidade dos vínculos familiares.

A rede de apoio familiar favorece a formação de vínculos e estruturação da vida da criança com deficiência ampliando suas possibilidades a partir da autoestima advinda da afetividade. Esta rede, não pode, portanto, ser ignorada no referente ao desenvolvimento e à socialização dessa criança.

Outro fator importante citado nos estudos de Casarin (1999) é quando há o apoio mútuo entre o casal. De acordo com o autor, a reorganização familiar fica mais fácil nestas condições, e o ambiente familiar pode contribuir para o desenvolvimento e o crescimento da criança com deficiência.

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Entretanto, cabe aqui ressaltar que em muitos casos de pais com filhos com deficiência, a mãe acaba assumindo a participação nos grupos de intervenção, terapias e visitas aos centros especializados para reabilitação e tratamento de seus filhos, pois a figura paterna acaba por necessitar cumprir com sua rotina de trabalho ao mesmo tempo em que assume o papel de provedor financeiro total desta família.

Neste sentido, se faz relevante para os objetivos deste estudo compreender a importância da maternidade e as vivências das mães em relação à deficiência de seus filhos, refletir sobre o seu papel na vida familiar e social bem como suas relações e percepções consigo mesmas e com seus filhos.

2.1 A maternidade do filho com deficiência: atitudes e percepções

A vivência da maternidade constitui uma importante e nova fase da vida de muitas mulheres. Embora existam estudos que compreendem a maternidade como um comportamento social que transcende o aspecto biológico e se ajusta a determinados contextos sócio-históricos, neste estudo entende-se a maternidade como um processo causador de transformações, tanto nos aspectos da vida individual das mulheres, quanto como um fenômeno coletivo, com implicações importantes no social. O termo maternidade, do vocábulo inglês motherhood, significa “o conjunto de processos psicoafetivos que se desenvolvem e se integram por ocasião da maternalidade” (BRAZELTON et al., 1987, p. 162).

Durante a vida, algumas mulheres idealizam o momento em que se tornarão mães, criando expectativas em relação à função materna e ao filho que traz consigo as representações sociais da maternidade, a mudança de seus papéis na família e suas próprias realizações pessoais.

De acordo com Sales (2000), o desejo de ser mãe é construído social e culturalmente, e o desejo narcísico em ser mãe representa um compromisso para a mulher com a transmissão de sua história pessoal e da herança familiar.

A maternidade, de acordo com Maldonado (1997), constitui um momento existencial, de extrema importância no ciclo vital feminino, que pode dar à mulher a oportunidade de atingir novos níveis de integração e desenvolvimento da personalidade.

Para Bortoletti, Silva e Tirado (2007), a maternidade representa para muitas mulheres o auge de seu desenvolvimento psicossexual, sendo marco

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importante de sua vida, sedimentando sua identidade social e possibilitando condições favoráveis para seu desenvolvimento pessoal.

Para Falkenbach e Rosa (2009), quando as mulheres ficam sabendo da gravidez e se esta é desejada, são tomadas de grande alegria, sendo comum projetar o futuro do bebê.

Brazelton e Cramer (1992) salientam que no decorrer da gravidez, a mãe vai construindo uma imagem do futuro bebê baseada em seus desejos e fantasias.

Para Mannoni (1988), o nascimento de um filho vai ocupar um lugar entre os sonhos perdidos da mãe, na medida em que aquilo que esta deseja no decurso da gravidez é, antes de tudo, a recompensa ou a repetição de sua própria infância. A imagem idealizada do filho se sobrepõe à imagem real do mesmo. Esse filho sonhado nasce com a missão de fazer diferente o que na história da mãe foi julgado como não realizado, ou de retomar aquilo a que ela teve que renunciar. Para a mãe, o filho traz a oportunidade de ter um futuro diferente do que já havia sido programado na sua própria infância.

Sob o ponto de vista da mulher que dá à luz, Rosa et al. (2010) diz que o momento inicial após o parto é considerado a primeira oportunidade da mãe de ser sensibilizada pelo seu bebê e principiar o exercício social da maternagem. Para a genitora, este estreitamento serve, por assim dizer, como um arrematamento para o longo percurso gestacional recém-finalizado.

A mulher, ao ser mãe, depara com o fato de que esta situação envolve necessariamente reestruturações e reajustes, em várias dimensões sociais e psicológicas “as transições são marcos. Existe ainda a subjetividade feminina que envolve mudanças significativas, reorganizações e aprendizagens” (MALDONADO, 1997, p. 25).

A expectativa da maternidade pode ser abalada se a criança em formação não vier a suprir as expectativas projetadas para ela, pois, de acordo com os estudos de Bolsanello (1998), o maior receio enfrentado pela mãe no período gestacional é gerar um filho com deficiência.

Em perspectiva similar, os estudos de Maldonado (1997) dizem que as mães têm medo de ter um filho com problemas de saúde ou condição de deficiência e, de acordo com o autor, este medo é formado na infância no momento em que formamos uma imagem básica de nós mesmos como pessoas predominantemente boas ou ruins, sentimentos que podem se manifestar por meio de um pensamento

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de autopunição como um castigo de ter um filho com deficiência.

Os autores Brazelton e Cramer (1992) explicam que no instante do nascimento, se reunirão o bebê idealizado e o recém-nato real, o qual se pode olhar, ouvir e pegar nos braços.

Segundo estes autores, uma das grandes tarefas psicológicas que se impõem à mãe é a de chorar a perda do bebê imaginário e perfeito e reconciliar-se com o bebê real se adaptando a uma nova e inevitável realidade (BRAZELTON, 1988).

Neste sentido, segundo Bleichmar (1988), no nascimento de um filho, o bebê real exalta o narcisismo da mulher ao mais alto nível, comprovando que ela foi capaz de um ato de criação máximo: a vida. Entretanto, o encontro com o bebê real, que possui uma condição de deficiência, segundo Barbosa, Chaud e Gomes (2008), é permeado por sentimentos de decepção, levando-a a um sentimento de desapego à criança.

Quando a criança esperada não vem, a mãe terá de aceitar, em seu lugar, algo muito aquém de suas expectativas (PICCININI et al., 2008). Essa tomada de consciência traz consigo uma dor profunda e grande decepção para a mãe, que vive um conflito emocional e existencial.

Para Iungano (2009), há de se considerar também o fato de que o diagnóstico da deficiência no recém-nascido ocorre em um momento vulnerável, em que a mãe está se recuperando do nascimento de seu filho, está reorganizando sua identificação e seu papel na relação familiar.

Bruce e Schultz (1992) chamam atenção para o fato de que não é somente a expectativa do filho idealizado que é perdida, mas a mais fundamental expectativa da mãe perdida é a que seu filho um dia poderá realizar tudo o que sonhou para ele. Aqui há de se considerar os diferentes contextos em que esta descoberta pode ocorrer durante a gestação, logo após o nascimento ou no decorrer da primeira infância.

O impacto da presença de uma deficiência na criança tende a ser maior quanto maiores forem as expectativas da mãe sobre o nascimento do filho.

Neste sentido, Mannoni (1988) diz que o pressuposto de um filho ideal carregado de sonhos que por vezes não se confirmam, como no caso do nascimento de um bebê com algum tipo de deficiência, produz um choque na mãe. Há um impacto que esse filho provoca nas representações da maternidade. Para essa

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mulher-mãe, as representações de maternidade re-significam antes e depois do nascimento.

Segundo Soifer (1973), Lebovici (1987) e Meira (1999), o nascimento de uma criança com deficiência afeta profundamente a autoimagem materna, provocando uma severa diminuição nos sentimentos positivos, em relação a si mesma, vivenciados pela mulher. Para os autores o nascimento da criança fragilizada fere o narcisismo da mãe, a mesma pode sentir-se geradora de um ser imperfeito, incompleto, sentindo-se responsável pela anormalidade do filho que pode gerar sentimento de culpa frustrando todos os anseios, fantasias e devaneios maternos, produzindo uma dor insuportável e ocasionando uma profunda ferida narcisista de difícil e lenta recuperação.

Os estudos de Brunhara e Petean (1999) identificaram por parte das mães sentimentos de negação, tristeza, resignação e revolta frente à notícia de que seus filhos nasceram com algum tipo de deficiência. Esses estudos concluíram que tais reações são permeadas por tentativas de se encontrar ou mesmo construir explicações e justificativas para a deficiência do filho

De acordo com Buscaglia (2006), a dolorosa realidade de ser subitamente presenteado com uma criança com uma condição de deficiência permanente e o sentimento de total incapacidade para mudar a situação não são coisas fáceis de aceitar. Portanto, é esperado, a princípio, questionar, culpar, rejeitar e até mesmo odiar a si mesmos e a criança. É esperado tentar evitar a dor, expulsando-a da mente, fugindo ou disfarçando, negando a sua existência e fantasiando seu fim.

Miller (2002) diz que enfrentar a deficiência envolve muitas emoções desconfortáveis, como medo, confusão, culpa, vergonha e raiva. Isolar-se do convívio social também é um padrão típico deste processo adaptativo vivenciado.

O estudo de Guerra et al. (2015) considera o nascimento de uma criança com deficiência como um dos acontecimentos mais significativos para mãe, com mudanças em toda a sua estrutura familiar, psíquica e cotidiana que podem dificultar a relação mãe-criança. Nesta perspectiva, Iungano (2009) diz que é possível a mãe prematura, sentindo-se culpada, não estar preparada e não conseguir estabelecer uma vivência de comunicação satisfatória com o filho.

Os estudos de Pommé (2008) dizem que a história pessoal de cada mulher, sua cultura, suas relações familiares e com o pai da criança tem grande influência na aceitação desta criança e no tipo de vínculo que irá se estabelecer

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entre mãe e filho.

A dificuldade em aceitar o filho e a sua deficiência, segundo Rocha (1987 apud FIGUEIREDO, 2007, p.24):

[...] gera conflitos internos na mãe que acabam se refletindo no comportamento da mesma em lidar com a criança. Para a autora, a mãe, inicialmente, pode passar por um período de negação, para a rejeição até adquirir uma postura de superproteção do filho.

De acordo com Barbosa e Gomes (2008), a mãe luta com seus próprios sentimentos, opostos e contraditórios, sentindo inicialmente uma aversão física. O sentimento de raiva também pode aflorar e se manifesta para com o filho e para si mesma, por sentir-se responsável pela gestação de uma criança deficiente. Este sentimento se confronta com a culpa e a preocupação em ocultar tal desejo, uma vez que ela se percebe incompreendida pelas pessoas que a cercam e, por isso, muitas vezes prefere não manifestá-lo.

Para as autoras, enfrentar esse momento coloca em jogo as emoções e os sentimentos da mãe, que, embora vivenciando uma situação adversa, almeja em meio a esse turbilhão de sentimentos dar continuidade a seu ser-mãe de uma criança com deficiência buscando alternativas de adaptação a essa realidade. Ela se percebe precisando viver o período de luto para poder superar a perda do bebê idealizado e, dessa forma, aceitar o filho deficiente.

De acordo com Miller (2002), no desenvolvimento normal, a relação mãe e filho atravessa uma série de etapas que culminam na independência psíquica da criança e, mais tarde, na autonomia do filho que atinge a adolescência e idade adulta. Porém, quando o parâmetro para essa relação é permeado pela deficiência, estes aspectos se diferenciam.

De acordo com autora, as famílias, mais especificamente as mães, passam por quatro fases, que não são delimitadas, mas sim inter-relacionadas, sendo integradas e ultrapassadas com a convivência diária com a criança e suas necessidades. Miller (2002) observa ainda em seus estudos que nítidas mudanças no senso de controle sobre a própria vida, na autoconfiança e habilidades no papel materno aconteceram com estas mães. Denomina essas mudanças por fases de adaptação, que são elas: sobrevivência busca, ajustamento e separação. Estas fases ocorrem geralmente nesta ordem, porém não de forma linear, mas sim concomitantes, circulares e dinâmicas. Conforme uma fase se encontra em primeiro

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plano, dependendo dos acontecimentos, outra pode ser ativada ou revivida.

1. Fase de sobrevivência – seria a primeira e marca o estágio em que a mãe sente-se totalmente desamparada devido ao fato da ocorrência de algo totalmente fora de seu controle, o nascimento do filho com deficiência. Essa fase pode durar semanas ou anos. Alguns sentimentos podem permanecer durante toda a vida, enquanto outros podem surgir por meio de eventos ou lembranças. Sobreviver significa reagir e enfrentar a situação, o que envolve inúmeros sentimentos e emoções como medo, confusão, culpa, vergonha e raiva (MILLER, 1995).

2. Fase de busca – esta segunda fase pode ser externa ou interna. A busca externa corresponde ao período de procura do diagnóstico e de serviços de saúde, a busca interna remete ao questionamento da mãe sobre o porquê de tal fato ter ocorrido com ela, o que estaria errado, se teria formas de remediar e o que isso irá significar na vida da mãe e na do filho. É neste período que os pais tentam encontrar uma identidade enquanto pai e mãe de uma criança com necessidades especiais. O período de busca se inicia ainda na fase de sobrevivência e cada um dos pais reage a sua maneira e muitos sentimentos se modificam e se deslocam no transcorrer da vivência (MILLER, 2002).

3. Fase de ajustamento – esta fase marca a mudança de atitude e acomodação dos sentimentos diante do vivido. Neste sentido, compõe o equilíbrio e a conciliação entre as necessidades do filho e a vida cotidiana da mãe. A mãe passa a compreender que as mudanças levam tempo e que ela está lidando com um processo de vida, que se tiverem outros filhos estes necessitam também de sua atenção e a considerar que opções como voltar a trabalhar ou estudar possam ser possíveis (MILLER, 2002).

4. Fase da separação – esta é a quarta e última fase, na verdade se inicia desde o nascimento do filho e se acentua conforme a criança cresce, mas no caso de pais de crianças com deficiência, esse processo normalmente ocorre de forma alterada e mais gradativa, pois crianças com limitações físicas ou cognitivas têm a autonomia e a independência para realização das atividades de autocuidado, como higiene e alimentação, prejudicadas. A aprendizagem para realização destas atividades pode ser mais

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demorada necessitando de uma maior assistência por parte dos pais. A separação evoca sentimentos já vividos na fase de sobrevivência, como a culpa, o luto e o tumulto emocional. Separar-se consiste na mãe soltar-se do filho, permitindo que este possa realizar suas atividades cotidianas sozinho, da maneira apropriada para ele (MILLER, 1995).

Para Monteiro, Matos e Coelho (2002) o processo de adaptação psicológica da mãe ao seu filho com deficiência é muito complexo, uma vez que experienciam níveis de estresse mais elevados do que mães de crianças sem a dada condição. É necessário que a mãe expresse e elabore sentimentos para conseguir assumir seu filho com sua deficiência.

Ao complementar esta perspectiva, a autora Figueiredo (2007) diz que a mãe da criança com deficiência, sendo capaz de ver o filho como ele é, se torna capaz de perceber seus próprios sentimentos contraditórios, pois se de um lado ela sofre pela incapacidade do filho e de seus possíveis fracassos, acarretados pelo fato de ter nascido com deficiência, por outro, ele é o seu bebê esperado e amado, o que a alegra. A autora acredita que o processo interrelacional mãe-bebê possibilita o crescimento interno da mãe, como condição essencial, para que o filho possa crescer. A mãe necessita deixar de lado a ansiedade que a leva a buscar certezas em respostas absolutas e se esvaziar, aceitando respostas relativas, para então encontrar respostas novas, que contribuam para que ela e o filho construam, conjuntamente, outras possibilidades para uma convivência harmoniosa e criativa. Somente desta forma a mãe estará ajudando o filho com deficiência, ao assumir o caminho de sua própria maturidade pessoal, ela encontrará meios de estimular o filho, para que ele venha a ser tudo aquilo que realmente for capaz de ser.

Apesar das dificuldades geralmente encontradas no relacionamento e na adaptação das mães e seus filhos com deficiência, o estudo de Dellabrida (2000) descreve relatos destas mães, e a maioria das entrevistadas aponta a experiência da maternidade como algo sublime que redirecionou suas vidas, ensinando valores essenciais para a existência e a compreensão da condição humana. De acordo com este autor, de maneira consciente ou inconsciente, tentam acreditar que suas experiências transcendem o esperado, tentando aplacar toda a dificuldade existente na convivência diária com o filho. Estas mães buscam lidar com os sentimentos e os conflitos internos e, ao mesmo tempo, dar conta do papel social de mãe especial, buscando atender as mais variadas demandas de sua nova rotina de vida de seus

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filhos com deficiência.

2.2 A maternidade do filho com deficiência no contexto social

Ao considerar a singularidade das relações entre mãe-filho-família-sociedade e as transformações e conflitos vivenciados na fase pós-natal, observa-se que a compreensão do fenômeno da maternidade está profundamente implicada na dinâmica social e inserida na atmosfera cultural. Pensar a criança com deficiência e a maternidade impõem, de imediato, observar o contexto social atual em que se inserem as mães de filhos com deficiência.

A maternidade, tal como é entendida hoje, não é um modelo imutável seguido por todas as sociedades, nem tão pouco algo natural, inerente à mulher. A maternidade é construída socialmente de acordo com os padrões de cada sociedade, podendo mudar conforme o passar do tempo.

Coutinho e Menandro (2009) afirmam que de acordo com a construção sócio-histórica da maternidade e da feminilidade, tende-se a formar ideias do senso comum que fundem numa só personagem os papéis de mãe, esposa e o ser mulher e nesta tendência o cuidado com o marido, e a vida doméstica seriam práticas que definiriam a essência da mulher.

Na perspectiva de Badinter (1985), a maternidade amorosa e abnegada não é intrínseca à constituição feminina, não está no seu gene. Os atributos da maternidade incondicional, na realidade, estão atrelados às demandas sociais, econômicas e políticas do contexto em que a mulher se inscreve, ou melhor dizendo, em que é “inscrita”.

Para a autora, a maternidade ainda está relacionada ao amor materno que é algo acrescido à experiência de ser mulher e não algo inerente à natureza feminina, como uma qualidade inata.

O amor materno foi explicado como um sentimento que pode ou não existir na mulher, que pode aparecer e desaparecer ao longo da vida, e que pode ainda ser forte e dominante para algumas e débil e frágil para outras, tudo dependendo da singularidade de cada uma. É a partir de sua história de vida que a mulher constrói a postura de mãe, segundo a autora, o papel da mãe é algo adquirido de acordo com os valores e necessidades sociais, pois “o comportamento materno sofre influência da classe social, em virtude de suas necessidades,

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problemas, imposição ou opção de vida” (BADINTER, 1985, p. 314).

Ao observar o comportamento das mães de crianças com deficiência, estudos de Negreiros e Féres-Carneiro (2004), Welter et al. (2008) e Guerra et al. (2015) descrevem que a dedicação integral a estes filhos baseadas na identidade social das mulheres mães de antigamente predominam, ao mesmo tempo em que há um sentimento de amor abnegado existente na maioria delas que as torna cuidadoras em potencial.

Neste sentido, com relação à maternidade da criança com deficiência, Negreiros e Féres-Carneiro (2004) dizem que a identidade da mulher, antigamente baseada no exercício da maternidade e dedicação ao lar e aos filhos, parece se manter neste contexto: é ela quem acaba assumindo esse papel de cuidadora do filho com deficiência, dedicando-se totalmente a ele, ou seja, o papel social designado à mãe no contexto familiar é o de detentora do cuidado integral, aquela que não mede esforços para proporcionar o melhor aos filhos, especialmente quando este apresenta alguma deficiência.

Ao complementar esta perspectiva, pode-se citar os estudos de Mannoni (1988), Carter e Mcgoldrik (1995), realizados na década de 1980 e 1990, que comprovaram que mesmo nas classes sociais menos favorecidas, as mulheres têm a representação de que, na família são elas que entendem mais de saúde e doença, sendo os maridos incapazes de desempenhar tais tarefas.

O estudo de Mannoni (1988) ainda observou que a mãe é quem geralmente vai travar uma batalha contra a inércia ou a indiferença social, cujo alvo é a saúde de seu filho com deficiência, saúde que ela reivindica mantendo uma moral de ferro em meio à hostilidade e ao desencorajamento.

Diante desse contexto, estudos mais recentes de Guerra et al. (2015) dizem que estas mães passam a sofrer uma imposição social para exercer esse papel de forma imperiosa, muitas vezes, tendo que abdicar de sua própria vida pessoal, social e profissional, a fim de contribuir da melhor maneira para o desenvolvimento saudável dos filhos. Além de cuidar de toda família, a mãe vai à busca de conhecimento, para melhorar a qualidade de vida e aprender de quais cuidados diferenciados uma criança com deficiência precisa.

Os estudos de Petean e Murata (2000) acrescentam que culturalmente, é atribuída muito mais importância à relação entre mãe e filho do que a qualquer outro tipo de relação que a criança possa ter, assim os cuidados com a criança com

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deficiência ficam sob o encargo da mulher, devido às expectativas culturais sobre gênero, relações familiares, trabalho doméstico e criação de crianças. Essa experiência é estressante para elas, afetando quase todos os aspectos de suas relações, muitas vezes levando-as ao isolamento.

Sabendo-se que a responsabilidade da maternidade é delegada com maior frequência à mulher, é preciso atentar para o que considera Welter et al. (2008, p.119), quando refere que:

[...] gerar filhos numa sociedade organizada a partir da visão em que cabe à mulher a educação dos filhos, e principalmente e/ou preferencialmente filhos “normais” e saudáveis, o contrário acaba por trazer para a mulher/mãe uma responsabilidade ainda maior no que diz respeito às relações/condições familiares e, quando a mulher gera filhos com deficiência, a responsabilidade se amplia.

Entre as diversas responsabilidades que recaem sobre as mães de filhos com deficiência, o estudo de Miller (2002) aponta para o fato de que estas mães podem enfrentar problemas com seus outros filhos, que se sentem abandonados e, a sua maneira, cobram sua falta de atenção.

O excesso de preocupações e afazeres da mãe podem ainda desencadear ou mesmo agravar problemas conjugais, uma vez que a deficiência do filho agora também é sentida como da mãe e esta se identifica de forma simbólica com a criança (BEGOSSI, 2003).

O abandono de seus projetos de vida e de suas profissões também são destaques no estudo de Begossi (2003), podendo gerar prejuízos de ordem econômica para a família, principalmente quando a mulher abre mão de seu trabalho para se dedicar integralmente aos cuidados exigidos pelo filho com deficiência.

Na perspectiva de Araújo e Duarte (2012), é preciso destacar ainda que a mulher/mãe enfrenta alguns desafios no mundo capitalista e globalizado, como a ausência da igualdade e o desequilíbrio de poder que se instala no convívio social. Tanto entre parceiros quanto no plano dos papéis e responsabilidades a serem assumidos, estas são vistas como as maiores dificuldades encontradas pela mulher, o que ocasiona a segregação dos seus filhos com deficiência e consequentemente dessas mães.

Para Welter et al. (2008), deve-se buscar romper paradigmas socialmente construídos, que colocam a mulher/mãe geradora de um filho com uma condição

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deficiência como principal responsável pelos cuidados e sobrevivência deste ser. Entretanto, nem sempre será possível romper com estes paradigmas, pois além das cobranças sociais há o amor materno altruísta envolvido neste contexto.

Neste sentido, Guerra et al. (2015) diz que em virtude do amor das mães envolvido na relação com seus filhos, há uma relação de dependência e necessidade de serem cuidadoras em potencial, atitude imposta pela sociedade que marginaliza e exclui, assim o descomprometimento destas mães com o autocuidado. Isto se torna evidente, uma vez que elas projetam suas maneiras de viver em virtude da deficiência que seus filhos apresentam e, por isso, são levadas ao sofrimento e ao esquecimento de si próprias desde o momento do nascimento dos filhos, prolongando-se por toda a vida.

Desta forma, o esquecimento de si, vivenciado por essas mães, demonstra a distância que elas tomaram de sua condição de ser mulher, por se perceberem apenas mães de um filho com deficiência.

De acordo com Ribeiro et al. (2014), estas mães, devido a diversos fatores, como cobranças sociais, falta de suporte financeiro, social e emocional, veem seu projeto de vida totalmente modificado pela necessidade de cuidado dos filhos e tendem a se sentir menos satisfeitas com a vida.

Esta condição também se explica nos estudos de Sloper et al. (1991), Dyson (1997), Lamb e Billings (1997) e Ribeiro et al. (2014), que destacam níveis altos de estresse em mães de criança com deficiência, apresentando níveis superiores aos dos pais, devido ao fato de as mães ficarem, geralmente, responsáveis pela maior parte dos cuidados adicionais dispensados à criança com deficiência. De acordo com os autores, o excesso de cuidados exigidos pela criança com deficiência traz como consequência a diminuição de seus tempos livres, alteração na situação profissional, no autocuidado, sobrecarga financeira elevada, além dos aspectos emocionais fragilizados e restrição de participação social.

O estudo de Miller (apud MATOS, 2009) mostra que é tão forte a situação da maternidade de um filho com deficiência que se pode falar dos sonhos e dos projetos das mães antes do nascimento desta criança em contraposição aos sonhos e aos projetos depois deste acontecimento.

Neste sentido, em muitos casos, as mães podem envelhecer e ainda continuarem a ser as cuidadoras em potencial de seus filhos, ainda que seu corpo físico e saúde estejam fragilizados por conta de sua idade avançada.

Referências

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