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A impermanência dos fenômenos da natureza na permanência da pintura de John Constable.

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EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA DA BAHIA – IFBA LABORATÓRIO NACIONAL DE COMPUTAÇÃO CIENTÍFICA – LNCC/MCT

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA – UEFS CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAI CIMATEC

VALTER LUIS DANTAS ORNELLAS

A IMPERMANÊNCIA DOS FENÔMENOS DA NATUREZA NA

PERMANÊNCIA DA PINTURA DE JOHN CONSTABLE

Salvador

201

8

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A IMPERMANÊNCIA DOS FENÔMENOS DA NATUREZA NA

PERMANÊNCIA DA PINTURA DE JOHN CONSTABLE

Tese apresentada ao Programa de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) como requisito para a obtenção do grau de Doutor em Difusão do Conhecimento.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek

Salvador

2018

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SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira

Ornellas, Valter Luis Dantas.

A impermanência dos fenômenos da natureza na permanência da pintura de John Constable / Valter Luis Dantas Ornellas. - 2018.

158 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek.

Tese (DoutoradoMulti-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador, 2018.

1. Constable, John - 1776-1837. 2. Pintura. 3. Natureza na arte. 4. Tempo na arte. 5. Estética. 6. Pintores paisagistas. I. Ponczek, Roberto Leon. II.

Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Programa de

Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento. III. Título.

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A IMPERMANÊNCIA DOS FENÔMENOS DA NATUREZA NA

PERMANÊNCIA DA PINTURA DE JOHN CONSTABLE

Tese apresentada ao Programa de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) como requisito para a obtenção do grau de Doutor em Difusão do Conhecimento.

__________________________________________________ Roberto Leon Ponczek – Orientador

Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal da Bahia

__________________________________________________ Maria Celeste de Almeida Wanner

Doutora em Artes Visuais pelo California College of Arts, Estados Unidos da América Universidade Federal da Bahia

__________________________________________________ Luiz Mario Costa Freire

Doutor em Projetos de Pintura pela Universidade Politécnica de Valencia, Espanha Universidade Federal da Bahia

___________________________________________________ Maria Inês Corrêa Marques

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal da Bahia

___________________________________________________ Wilson Nascimento Santos

Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal da Bahia

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Ao meu orientador, o Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek, pelos momentos em que dispensou atenção a esta pesquisa e o avanço de meus conhecimentos.

Ao Programa de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento, pelo acolhimento desta investigação.

Aos colegas de doutoramento, aqui representados, preciosamente, por Mariel Cisneiros, Bárbara Dultra, Helaine Souza, Lilian Lessa e Valuza Saraiva.

Ao Prof. Dr. Wilson Nascimento Santos, em especial, pela atenção e disponibilidade em momento posterior ao exame de qualificação.

A Vilma Bagdeve de Oliveira, por seu olhar do alto, pelo carinho... Suporte fundamental. Tem sido mais fácil e bonito com você.

A Adelmo Santos, gente do bem, eterna gratidão. A Marilu, razão de minha vida.

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proporcionadas por esse meio qualitativo, assegura o valor dessa linguagem como um produto que possibilita a geração de conhecimentos. Esta pesquisa seguiu movida por questionamentos direcionados ao saber se uma pintura poderia representar a impermanência da natureza, com recorte focal na produção pictórica do paisagista britânico John Constable, datada de finais do século XVIII e primeira metade do XIX. Trata-se de uma questão pertinente, pois é possível afirmar que o senso comum vem pensando cada exemplar da arte da pintura de paisagem como sendo representante de apenas um único e particular instante. Como objetivo geral, assume-se o propósito de identificar vertentes temporais na expressão artística de Constable, e a tese segue na defesa de que sua pintura é capaz de promover intuições de temporalidade, com destaque para a impermanência da natureza. O método investigativo utilizado tem um caráter especulativo, descritivo, exploratório, teórico e qualitativo. A empiria parte das pinturas de Constable apoiada por menções biográficas e pela pesquisa bibliográfica que reporta a investigações sobre a produção do artista, como também às críticas publicadas em periódicos da época. Como referencial teórico, explora-se a natureza do tempo, percorrendo trajetórias por diversos campos do saber. Nesse aspecto, a ênfase é dada em cinco marcos históricos da ciência e da filosofia sobre o tempo, a saber: Aristóteles, Newton, Kant, Einstein e Bergson. Além disso, segue-se particular interesse no empirismo de John Dewey, com foco na publicação Arte como experiência (1934). A filosofia da arte de Dewey contribui sobremaneira com o corpo da investigação, pois trata do fluxo contínuo da experiência estética como uma sequência temporal que se dá tanto na produção como na percepção de uma obra de arte.

Palavras-chave: Constable, John – 1776-1837. Pintura. Natureza na arte. Tempo na arte. Estética. Pintores paisagistas.

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provided by this qualitative medium, assures the value of this language as a product that enables knowledges generation. This research was followed by questions as to whether a painting could represent the impermanence of nature, with a focal cut in the pictorial production of the British landscape artist John Constable, dating from the late eighteenth and first half of the nineteenth century. This is a pertinent issue, since it can be said that common sense has been thinking of each exemplar of the art of landscape painting as representing only a single and particular moment. As a general objective, the purpose is to identify temporal aspects in Constable's artistic expression, and the thesis follows in the defense that his painting is capable of promoting intuitions of temporality, with emphasis on the impermanence of nature. The investigative method used has a speculative, descriptive, exploratory, theoretical and qualitative character. The empirical approach uses Constable's paintings, supported by biographical references and by the bibliographical research that reports to investigations on the artist's production, as well as to the criticisms published in periodicals of his time. The theoretical reference, follows several fields of knowledge. In this respect, the emphasis is given on five historical landmarks of science and philosophy about time, namely: Aristotle, Newton, Kant, Einstein, and Bergson. In addition, there is a particular interest in John Dewey's empiricism, focusing on the publication “Art as Experience” (1934). Dewey's philosophy of art contributes greatly to the body of inquiry, for it deals with the continuous flow of aesthetic experience, as a temporal sequence, which occurs both in production and in the perception of a work of art.

Keywords: Constable, John – 1776-1837. Painting. Nature in art. Time in art. Aesthetic. Landscape painters.

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posibilita la generación de conocimientos, sobre todo por el dinamismo de las informaciones proporcionadas por este medio cualitativo. Esta investigación se moviliza según los cuestionamientos enfocados a saber si una pintura podría representar la no permanencia de la naturaleza, con recorte en la producción pictórica del paisajista británico John Constable, datada de finales del siglo XVIII y primera mitad del XIX. Se trata de un asunto pertinente, donde se afirma que el sentido común piensa a cada ejemplar del arte de la pintura de paisaje, como representante de un solo y particular instante. Como objetivo general, se asume el propósito de identificar vertientes temporales en la expresión artística de Constable, y la tesis sigue con la defensa de que su pintura es capaz de promover intuiciones de temporalidad, com destaque para la impermanencia de la naturaleza. El método utilizado tiene carácter especulativo, descriptivo, exploratorio, teórico y cualitativo. La experiencia parte de observación de las pinturas de Constable, y se apoya en las menciones biográficas, la investigación bibliográfica que reporta a otras investigaciones sobre la producción del artista, así como a las críticas publicadas en periódicos de la época. Como referencial teórico, se explora la naturaleza del tiempo, recorriendo trayectorias por diversos campos del saber. En este aspecto, el énfasis se da en cinco marcos históricos de la ciencia y la filosofía sobre el tiempo, a saber: Aristóteles, Newton, Kant, Einstein y Bergson. Además, se sigue un particular interés en el empirismo de John Dewey, con foco en la publicación “Arte como Experiencia” (1934). La filosofía del arte de Dewey contribuye sobremanera con el cuerpo de la investigación, pues trata del flujo continuo de la experiencia estética, como una secuencia temporal, que ocurre tanto en la producción, como en la percepción de una obra de arte.

Palabras clave: Constable, John – 1776-1837. Pintura. Naturaleza en el arte. Tiempo en el arte. Estética. Pintores paisajistas.

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Figura 1

Figura 2 A Windmill and Gleaners at Brighton (óleo sobre papel, fixado em tela, 1824)

66 Figura 3 A Windmill near Brighton (óleo sobre papel, 1824) 66 Figura 4 Winter Landscape (óleo sobre tela, de Jacob van Ruisdael, 1660) 69 Figura 5 Winter, after Jacob van Ruisdael (óleo sobre tela, 1832) 70 Figura 6 Thunderstorm over Dordrecht (óleo sobre tela, de Aelbert Cuyp,

1645) 71

Figura 7 Flatford Mill (Scene on a Navigable River) (óleo sobre tela, 1817) 74 Figura 8 Derwentwater (aquarela sobre papel, 1806) 75 Figura 9 Borrowdale, Twilight (aquarela sobre papel, 1806) 76 Figura 10 Malvern Hall from the Lake (óleo sobre tela, 1809) 77 Figura 11 Boat-building near Flatford Mill (óleo sobre tela, 1815) 78 Figura 12 Weymouth Bay with Jordan Hill (óleo sobre tela, 1816) 78 Figura 13 Weymouth Bay (óleo sobre madeira, 1816) 79 Figura 14 Wivenhoe Park, Essex (óleo sobre tela, 1817) 79 Figura 15 The White Horse (óleo sobre tela, 1819) 81 Figura 16 Branch Hill Pond (óleo sobre tela, 1819) 82 Figura 17 Stratford Mill (Óleo sobre tela, 1820) 83 Figura 18 A Cottage in a Cornfield (óleo sobre tela, 1817) 84 Figura 19 A Cottage in a Cornfield (óleo sobre tela, 1833) 85 Figura 20 Branch Hill Pond, Hampstead (óleo sobre tela, 1821) 86 Figura 21 Study of Clouds with Birds (óleo sobre papel, 1821) 88 Figura 22 Cloud Study (óleo sobre papel, 1822) 91 Figura 23 Cloud Study, Evening (óleo sobre papel, 1822) 92 Figura 24 Cloud Study (óleo sobre papel, fixado em madeira, 1822) 94 Figura 25 Study of Cumulus Clouds (óleo sobre papel, fixado em tela, 1822) 95 Figura 26 Study of Cirrus Clouds (óleo sobre papel, 1822) 96 Figura 27 View on the Stour near Dedham (óleo sobre tela, 1822) 97 Figura 28 The Hay Wain (óleo sobre tela, 1821) 98 Figura 29 Sketch for The Hay Wain (óleo sobre tela, 1821) 100 Figura 30 Salisbury Cathedral from the Bishop’s Grounds (óleo sobre tela,

1823) 102

Figura 31 Salisbury Cathedral (óleo sobre tela, 1823) 103 Figura 32 The Chain Pier Brighton (óleo sobre tela, 1827) 105 Figura 33 Branch Hill Pond, Hampstead Heath (óleo sobre tela, 1824-1825) 107 Figura 34 Malthouse Field, East Bergholt (óleo sobre tela, 1814) 107 Figura 35 The Leaping Horse (óleo sobre tela, 1825) 108 Figura 36 Sketch for Leaping Horse (óleo sobre tela, 1824-1825) 109 Figura 37 The Cornfield (óleo sobre tela, 1826) 110 Figura 38 Vale of Dedham (óleo sobre tela, 1828) 111 Figura 39 A Boat Passing a Lock (óleo sobre tela, 1825) 112 Figura 40 Hadleigh Castle (óleo sobre tela, 1829) 113 Figura 41 Old Sarum (óleo sobre cartão, 1829) 114 Figura 42 Cock Point, near Folkestone (aquarela sobre papel, 1833) 115 Figura 43 Salisbury Cathedral from the Meadows (óleo sobre tela, 1831) 116 Figura 44 Old Sarum (aquarela sobre papel, 1834) 117

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Figura 48 Barges on the Stour at Flatford Lock (óleo sobre papel, fixado em

tela, 1810-1811) 120

Figura 49 Harwich Lighthouse (óleo sobre tela, 1820) 121 Figura 50 Rain Storm over the Sea (óleo sobre papel, 1824-1828) 126 Figura 51 Study of Cirrus Clouds (óleo sobre papel, 1822) 130 Figura 52 Stonehenge (aquarela sobre papel, 1836) 132 Figura 53

Figura 54

Detalhe de Stonehenge (aquarela sobre papel, 1836) The Chain Pier Brighton (óleo sobre tela, 1827)

133 135 Figura 55

Figura 56

Detalhe de The Chain Pier Brighton (óleo sobre tela, 1827) Cloud Study, Evening (óleo sobre papel, 1822)

136 138 Figura 57 The Cornfield (óleo sobre tela, 1826) 141 Figura 58

Figura 59 Figura 60

Detalhe 1 de The Cornfield (óleo sobre tela, 1826) Detalhe 2 de The Cornfield (óleo sobre tela, 1826)

Seascape Study: Boat and Stormy Sky (óleo sobre papel, fixado em madeira, 1824-1828)

142 144 145

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1.1 Preâmbulo... 12

1.2 Percurso da tese... 15

2 VISADA TEÓRICA ATRAVÉS DE CINCO MARCOS HISTÓRICOS DA CIÊNCIA E DA FILOSOFIA SOBRE O TEMPO... 21

2.1 O tempo em Aristóteles: o movimento consciente... 22

2.2 O tempo absoluto de Newton: ciência moderna e filosofia natural... 27

2.3 O tempo no criticismo de Kant: uma razão a priori... 30

2.4 O espaço-tempo de Einstein: a relatividade da observação... 35

2.5 O domínio da qualidade na duração de Bergson... 38

3 JOHN DEWEY E A TEMPORALIDADE DA ARTE COMO EXPERIÊNCIA... 44

4 VISADA EMPÍRICA: UMA PROPOSTA APRECIATIVA... 53

5 A MULTIPLICIDADE DE TEMPOS NA PINTURA DE JOHN CONSTABLE... 63

6 INTUIÇÕES TEMPORAIS EM EXPERIMENTOS COM SETE PINTURAS DE JOHN CONSTABLE... 125

6.1 Rain Storm over the Sea... 126

6.2 Study of Cirrus Clouds... 129

6.3 Stonehenge... 131

6.4 The Chain Pier Brighton... 134

6.5 Cloud Study, Evening... 137

6.6 The Cornfield... 140

6.7 Seascape Study: Boat and Stormy Sky... 145

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 149

REFERÊNCIAS... 152

APÊNDICE A – Dimensões das pinturas citadas nesta tese, impressas a partir de reproduções fotográficas... 157

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1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, quero me reportar ao leitor, tentando indicar a peculiaridade das intenções básicas desta pesquisa. Para tanto, creio ser importante salientar que, apesar da minha formação acadêmica ter sido direcionada para as artes visuais, como um desafio, tomei a decisão por desenvolver esta tese, a qual não se restringe ao âmbito das artes. Neste aspecto multidisciplinar, devo admitir que a investigação teve partida na mente de um pesquisador que se lançou por campos do conhecimento estranhos à sua zona habitual de entendimento. Assim, a pesquisa buscou culminar com um conteúdo que não se direcionasse, com ênfase, para uma só área do saber.

Por outro lado, uma pesquisa no meio acadêmico exige um rigor normativo que, para um artista, construiria uma ideia de restrições de liberdades. Mas, se o empirismo desta investigação encontra-se na arte, a noção passaria a ser de um espaço de devaneios. Enfim, assumo que minhas intenções buscaram que a multidisciplinaridade desta tese termine por apresentar tanto uma trajetória de instantes com a solidez de um cientista, quanto momentos com a poeticidade de um artista.

Então, convido o leitor para continuar o trajeto, começando por uma espécie de memorial da fase embrionária da investigação.

1.1 Preâmbulo

Através de uma reflexão sobre os meus antecedentes no âmbito da pesquisa em artes visuais, percebo que meu interesse nunca esteve focado apenas nas práticas em ateliê e nas teorias correlatas. Nesse aspecto, as investigações valeram-se de incursões sobre teorias de outras áreas do conhecimento, a exemplo da filosofia e da física. A titulação como Mestre em Artes Visuais, pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, ocorrida em 2012, foi alcançada a partir de uma pesquisa cuja tônica acatava alguns encantamentos presentes em minha trajetória, a saber: a ordem geral da natureza, seus fenômenos e suas representações em artes visuais. Naquele momento, a linha da investigação se deu em processos criativos, os quais buscaram mobilizar minha sensibilidade e meu vocabulário visual a mover teorias e práticas em experiências artísticas com o vento, um fenômeno natural de presença recorrente em criações de minha autoria. Os trabalhos artísticos problematizaram a representação do vento em

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artes visuais, contemplaram sua impermanência e sua materialidade, propondo construir conhecimentos sensíveis sobre sua corporeidade.

Para tanto, os fundamentos da reconhecida filosofia da natureza, Naturphilosophie, desenvolvida pelo alemão Friedrich Schelling,1 tornaram-se de profunda relevância para o

aprofundamento da investigação. A justificativa se deu pelas abordagens que esse filósofo também direcionou para o âmbito artístico, a exemplo de questões referentes à noção de representação do real. Em seu pensar, Schelling negava o alcance dos elementos naturais com fidelidade, atribuindo uma influente inclusão do sentimento do artista na tentativa de representação. Sua obra intitulada Da alma do mundo (1798) trata da influência da natureza na elaboração do projeto estético do romantismo alemão. Essa escola filosófica, apesar de sua origem como movimento na Alemanha do século XVIII, atingiu seu apogeu em toda a Europa nas primeiras décadas do século seguinte, tendo como um dos aspectos mais salientes o reconhecimento do valor estético do sentimento humano, instalando um período que veio a ser considerado como de um primado das paixões.

Eis que, durante o curso da dissertação, buscando conhecer o elenco de artistas que são identificados como românticos, a oportunidade fez saber sobre o paisagista britânico John Constable (1776-1837). No entanto, duas foram as razões para que um pintor de paisagens chamasse a minha atenção, a despeito do meu objeto de pesquisa, naquela época, não estar relacionado à pintura dos séculos XVIII e XIX, tampouco à paisagem da Inglaterra.

A primeira questão estava relacionada à tomada de conhecimento sobre a célebre série de estudos pictóricos de céus e nuvens, a qual Constable desenvolveu no período de 1820 a 1822. Coincidentemente, fazia poucos meses que havia desenvolvido, como co-autor, um artigo científico2 sobre a série “Equivalents” (1925-1934), de autoria do fotógrafo norte-americano

Alfred Stieglitz (1864-1946). Essa série, um memorável conjunto de fotografias nas quais eram representados, exclusivamente, céus e nuvens, datava de pouco mais de uma centena de anos depois da série de pinturas de Constable. Entretanto, desde quando compreendi estar na aparência impermanente do céu uma fácil percepção de movimentos na natureza, as séries de

1 Friedrich W. J. Schelling (1775-1854) fundamentou uma espécie de naturalismo organicista, instituindo um

conceito de força, fator que poderia conduzir à interpretação da natureza como um todo unificado em prol da resolução dos problemas colocados pelas ciências físicas da época. Entre suas obras mais célebres, destacam-se: Ideias para uma filosofia da natureza (1797), Da alma do mundo (1798), Investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana (1809) e Filosofia da arte (1859) – esta última, uma de suas publicações póstumas.

2 In: Caderno da 14ª Jornada de Estudos Peirceanos. São Paulo: Centro Internacional de Estudos Peirceanos -

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Stieglitz e de Constable incrementaram meu processo criativo sobre a temporalidade do fenômeno vento, objeto de representação naquele programa de pós-graduação em Artes Visuais.

O outro motivo para Constable atrair minha atenção deu-se quando da leitura do livro Paisagens sígnicas: uma reflexão sobre as artes visuais contemporâneas (2010), de autoria da pós-doutora em Artes Visuais, a brasileira Maria Celeste de Almeida Wanner. Em certo trecho dessa publicação, Constable é mencionado por conta de seu paisagismo de “[...] realismo sentimental, em que a presença do tempo não podia ser representada num espaço fixo como a tela.” (WANNER, 2010, p. 69). Em seguida, é afirmado que Constable percebia o movimento do passar do tempo e as mudanças de aparência da natureza, fenômenos vivenciados em sua dedicada rotina ao observá-la. Wanner (2010, p. 69) conclui dizendo: “E se não conseguia passar tudo isso para a tela, seu espírito se regozijava e se nutria desse constante desejo”. De posse desse conhecimento, ao saber do anseio de Constable pela representação da impermanência da natureza, uma justa identificação ativou meus interesses acerca daquele artista. Porém, como o foco de minha pesquisa no mestrado não contemplava a linguagem da pintura, resolvi reservar esse meu interesse para que viesse a estimular uma futura pesquisa.

Depois de finalizado o percurso acadêmico do mestrado em Artes Visuais, deu-se o rumo frente ao Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC). Considerando a linguagem da pintura artística como uma via de cognição, aproveitei o que havia cativado meu espírito investigativo em torno de Constable para elaborar uma proposta de pesquisa de doutoramento. O desenrolar deste projeto se deu ao estabelecer questionamentos motivados pelo conhecimento do desejo de Constable em imprimir, pictoricamente, suas sensações de movimentos e mudanças da aparência da natureza, cuja ocorrência se dava diante de seus olhos. De início, veio à mente refletir se a linguagem da pintura seria um meio estático, ou seja, fixo. Dando prosseguimento, meu pensar levou-me à dúvida de se uma pintura seria capaz de representar alguma temporalidade. Como o recorte focal da investigação estava se direcionando para a produção de Constable, meu problema de pesquisa se estabeleceu em saber se a pintura do artista poderia representar a impermanência da natureza. Trata-se de uma questão pertinente, pois pode-se afirmar que o senso comum vem pensando cada exemplar da arte da pintura de paisagem como sendo representante de apenas um único e particular instante.

Todavia, a experiência estética com pinturas artísticas, sobretudo pelo dinamismo das informações proporcionadas por esse meio qualitativo, assegura o valor dessa linguagem como

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um produto que possibilita a geração de conhecimentos. Muito embora vivamos um momento em que a comunicação esteja demasiadamente assentada com base em sistemas tecnológicos complexos, plenos de interatividade, a pintura, apesar de seu caráter tradicional e erudito, compõe o vasto elenco de linguagens contemporâneas, sendo uma das mais valorizadas em tempos de pluralismo no âmbito artístico.

Portanto, como consequência daqueles meus questionamentos, passei a refletir sobre uma provável multiplicidade de tempos, cuja percepção cogitei ter ocorrência em experiências estéticas frente a pinturas artísticas. Nesse ponto de vista, poderia mencionar a temporalidade da matéria pictórica, as tintas sobre suportes, seus processos químicos, a exemplo da oxidação, sujeitos a diagnósticos de carência por uma ação restauradora. Por outro lado, também caberia pensar nos aspectos da experiência de percepção visual de uma pintura, seu viés temporal, com base em teorias específicas, a exemplo da Gestalt3 e da semiótica moderna.4 Além dessas

abordagens, admito que as obras pictóricas podem oferecer um aspecto narrativo, representando trajetórias temporais de ocorrências, tanto de uma realidade histórica como ficcional.

Por fim, longe dessas maneiras de compreender a sensação de tempo na pintura, a investigação, que se iniciou para o doutoramento em Difusão do Conhecimento, apresentou outro direcionamento. Seguiu em busca de identificar intuições temporais na expressividade da produção pictórica de John Constable.

1.2 Percurso da tese

De início, retomei os estudos sobre a filosofia da natureza, preconizada por Schelling. Na sequência, veio a dedicação acerca do pensamento do escritor alemão Johann von Goethe (1749-1832), expoente literário do romantismo europeu que também operou como teórico das artes, dentre outras atividades. A razão para tal estava em buscar as bases que porventura tivessem construído lastros filosóficos para a produção artística de Constable. Para minha

3 A teoria da Gestalt é uma disciplina da psicologia criada por Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler

(1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940) no início do século XX através de princípios científicos extraídos de experimentos de percepção sensorial. Sua aplicabilidade nas artes visuais se funda no princípio da pregnância da forma, vista como resultado de relações. Segundo essa teoria, o que ocorre no cérebro funciona de maneira distinta de como se dá na retina; não se dá por pontos isolados, mas por extensão.

4 Baseada em princípios fenomenológicos, lógicos e cognitivos, a semiótica moderna foi fundada pelo filósofo

norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), que, enquanto lógico, matemático e cientista, desenvolveu a Teoria dos Signos. A semiótica trata, cientificamente, dos sistemas sígnicos e seus processos na cultura e na natureza.

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surpresa, depois de uma vasta pesquisa biográfica sobre Constable, tomei conhecimento de que, sobre sua vida, não existe nenhuma menção a leituras sobre a filosofia da natureza, nem à obra de Goethe, nem discussões de cunho filosófico, tampouco influências do movimento romântico alemão. As referências desta tese sustentam essas afirmações.

Pelo conteúdo de informações que acessei, posso afirmar que a ciência meteorológica foi a área do conhecimento que ocupou boa parte da atenção de Constable. Suas intenções objetivavam compreender a configuração natural da atmosfera de suas paisagens e, assim, possibilitar uma representação pictórica mais fiel às suas sensações, alcançadas pela observação da natureza.

Apesar de ter frequentado a Royal Academy of Arts de Londres, sua formação como pintor seguiu influência da pintura de paisagem neerlandesa, flamenga e francesa dos séculos XVI e XVII, muito distante de seu período de vida. Em suas palestras, Constable manteve suas abordagens direcionadas à qualidade da representação de céus expressa por aqueles paisagistas de outras épocas. Quando decidiu por mencionar a pintura de paisagem de seus contemporâneos ingleses, em muitas vezes, seguia por negar o conhecimento meteorológico de seus colegas. Entretanto, cedeu ao experimentar um tratado metodológico que tinha como finalidade o estabelecimento de uma escola de paisagistas na Inglaterra de seu tempo. Praticou com disciplina, mas, ao final, rejeitou aquele método. Além disso, Constable viveu em um período em que as descobertas científicas seguiam em busca de classificar a natureza, quando a interação entre a arte e a ciência passou a ser uma tendência no século XIX. Essas constatações serão mais pormenorizadas no quinto capítulo desta tese.

Portanto, passei a acreditar que a filosofia da natureza de Schelling não teve espaço nem influência sobre a mente de Constable. Para Schelling (2001, p. 141): “Na filosofia da natureza, as explicações têm tão pouco lugar quanto na matemática; ela parte de princípios certos em si mesmos, sem qualquer orientação que lhe seja prescrita pelos fenômenos [...]”. Constable não pensava assim. Ao proferir palestras, dava ênfase à aparência da paisagem na pintura e ressaltava o potencial da linguagem em sua capacidade de representar os fenômenos naturais. Passava longe de demonstrar encantamento com a ordem geral da natureza, bem como do entendimento de que ela serviria de guia para a conduta humana, como defendia Schelling. Constable também não se reportava ao papel do ser humano como mais um elemento natural. Em suma, no histórico de Constable, não foi encontrada qualquer aproximação que justificasse alguma identidade com a essência proposta pela filosofia da natureza.

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Enfim, o que é notório é que os interesses de Constable acompanharam questões em torno das técnicas artísticas e do conhecimento científico sobre as condições climáticas, tudo em prol de elaborar, na pintura, suas interpretações das paisagens do seu entorno. Ademais, não existem registros nem menções que indiquem qualquer viagem para fora do território britânico realizada por Constable, o que, para mim, sugere tratar-se de um artista preso a suas raízes.

Pelo exposto, em certa altura do curso da pesquisa, decidi que seria pertinente alterar o referencial teórico, excluindo as teorias de Schelling e Goethe, também por não encontrar, na filosofia deles dois, qualquer menção ao potencial da linguagem da pintura para sugerir vertentes temporais.

Dentro do que estava previsto, lancei-me por um percurso de estudo pela história da filosofia e da ciência sobre o tempo. Desse modo, fiz contato com conceitos e desdobramentos em torno da natureza do tempo, visando um referencial teórico que me proporcionasse lastros de conhecimento. Cumprida essa árdua missão, foram selecionados cinco marcos históricos da ciência e filosofia acerca do tempo, os quais serão o suporte para a avaliação das intuições temporais proporcionadas pela pintura paisagística de Constable. Nessa escolha, as teorias eleitas foram as de Aristóteles, Newton, Kant, Einstein e Bergson. O interesse mostrou-se por conhecer, na visão desses pensadores, a noção de tempo e sua existência, em alguns momentos, o dilema da reversibilidade, possível ou não.

Entretanto, em suas publicações, nenhum desses cinco teóricos teceu pensamentos, com uma direção enfática e exclusiva, a respeito do objeto artístico e da experiência estética em arte. Sendo assim, recorri à filosofia da arte de John Dewey (1859-1952), especialmente a publicação intitulada Arte como experiência (1934). Nessa obra, Dewey aborda a produção artística e sua percepção apreciativa e elabora conceitos que definem os elementos estruturais da arte, assim como os fluxos e ritmos da experiência estética, todos assegurando o aspecto temporal que a pintura sugere. Além disso, Dewey versa sobre o modo de pensar do artista em comparação com a investigação científica, um interessante fundamento para reflexões sobre a multirreferencialidade do método criativo de Constable.

Para esta investigação, como objetivo geral, assumi o propósito de identificar vertentes temporais sugeridas em experiências estéticas com a pintura de Constable. Para tanto, foi estabelecida uma série de objetivos específicos, a saber:

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1. promover uma revisão bibliográfica sobre a história de vida de Constable e sua produção artística, fundamentada em biografias e pesquisas já realizadas sobre sua arte, inclusive comentários da crítica especializada de sua época;

2. citar discursos referenciados de pesquisadores da historia da arte, de técnicas artísticas e da meteorologia, assim como de críticos de arte que tenham se referido à noção de impermanência na pintura de Constable, sobretudo a respeito dos fenômenos da natureza representados;

3. selecionar exemplares da pintura de Constable, ou suas reproduções fotográficas, para experiências estéticas que culminem por apresentar intuições de temporalidades;

4. realizar experiências estéticas com uma seleção de pinturas de Constable, ou com suas reproduções fotográficas, as quais produzam sensações temporais;

5. recorrer ao referencial teórico para fundamentar a percepção de intuições de temporalidades que tenham partida em experiências com a arte de Constable; 6. reproduzir imagens fotográficas de um elenco de pinturas de Constable para serem

inseridas à tese.

Desse modo, a tese segue na defesa de que a pintura de John Constable é capaz de promover intuições de temporalidade, com destaque para a impermanência da natureza. O método investigativo empregado tem um caráter especulativo, descritivo, exploratório, teórico e qualitativo. A empiria parte de experiências estéticas com as pinturas de Constable.

Depois do relatado, devo informar que a investigação prosseguirá no próximo capítulo, intitulado “Visada teórica através de cinco marcos históricos da ciência e da filosofia sobre o tempo”. Nesse capítulo, explora-se a noção de tempo com base nas teorias dos pensadores selecionados e, para tanto, desdobra-se em cinco seções. A primeira delas é denominada “O tempo em Aristóteles: o movimento consciente”. A segunda seção tem o título “O tempo absoluto de Newton: ciência moderna e filosofia natural”. Em seguida, a terceira seção ganhou o título “O tempo no criticismo de Kant: uma razão a priori”. A quarta apresenta-se como “O espaço-tempo de Einstein: a relatividade da observação”. Por fim, a quinta seção ficou denominada como “O domínio da qualidade na duração de Bergson”. Essas seções buscam descrever o fundamento do pensar de cada um desses notáveis acerca da natureza do tempo e das quebras de alguns paradígmas da filosofia e da ciência sobre esse tema.

O terceiro capítulo, “John Dewey e a temporalidade da arte como experiência”, ampara-se no empirismo desampara-se filósofo, com foco na publicação Arte como experiência (1934). Para

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mim, a filosofia da arte de Dewey contribui sobremaneira com o pensar sobre o processo criativo e a percepção apreciativa de uma pintura. Suas teorias tratam do fluxo contínuo da experiência estética como uma sequência temporal que se dá tanto na produção como na percepção de uma obra de arte. A maneira como ele ilustra os conceitos de ordenamento rítmico e organização das energias, em exemplos com experiências estéticas frente a uma pintura, asseguram a temporalidade que queremos esclarecer.

Em seguida, no quarto capítulo, de título “Visada empírica: uma proposta apreciativa”, sugiro ao leitor uma breve experiência com 18 reproduções de pinturas de autoria de Constable. Meu desejo, com tal proposta, é que esta tese não seja tão dura com suas considerações, tendo em vista que a presença de verdades absolutas não é uma exigência no âmbito artístico. Entretanto, não tenho a pretensão de acreditar que o exercício proposto atinja resultados próximos dos que podem ser alcançados quando em uma visitação a um espaço expositivo, com autênticas obras de arte. Nunca uma imagem impressa de uma pintura consegue representar as qualidades desta última na íntegra. Portanto, peço que o leitor encare a experiência sugerida como um momento para si, um descanso por entre o texto ou, quem sabe, um primeiro contato, tendo uma ideia simplória do que Constable produziu.

Na sequência, no quinto capítulo, intitulado “A multiplicidade de tempos na pintura de John Constable”, descrevo parte da história de vida do artista e exploro suas considerações acerca da arte e da natureza. Além disso, cito discursos referenciados de investigações da historia da arte, de pesquisadores da meteorologia e de especialistas em técnicas artísticas, como também de críticos de arte sobre a produção artística de Constable. A tônica desses posicionamentos está na noção de impermanência, sobretudo a respeito dos fenômenos da natureza representados. A razão para dar crédito a esses pareceres vem como consequência de eu ter vivenciado, no âmbito acadêmico deste programa de doutoramento, situações em que fui interpelado para não construir a tese baseado apenas em minhas subjetividades. Na medida em que cito depoimentos publicados e referenciados, afirmando intuições temporais vivenciadas através de experiências com pinturas de Constable, creio que amplio a credibilidade da abordagem.

Com o título “Intuições temporais em experimentos com sete pinturas de John Constable”, segue o sexto capítulo, cujo desenvolvimento trouxe satisfação para mim, desde que, enquanto artista e pesquisador acadêmico, pude também mover minha veia poética, vivenciando experiências estéticas. Relatar minhas intuições temporais eclodidas de exercícios perceptivos com sete exemplares da pintura de Constable foi muito prazeroso. Ademais,

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conjugar esses sentimentos com as teorias que passei a compreender gerou um conteúdo de conhecimentos que dão corpo a esta tese.

Por fim, devo ressaltar que o valor de Constable para a história da arte está por sua produção ter antecipado, de forma pioneira, tendências artísticas internacionais. Além disso, a representação dos infinitos modos da natureza que ele imprime em suas pinturas tem um notável destaque. Entretanto, acredito que a relevância desta tese para o Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Difusão do Conhecimento encontra-se em favorecer a compreensão de que a experiência estética com pinturas assegura o valor desta linguagem como um produto que possibilita a geração de conhecimentos.

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2 VISADA TEÓRICA ATRAVÉS DE CINCO MARCOS HISTÓRICOS DA CIÊNCIA E DA FILOSOFIA SOBRE O TEMPO

O conceito de tempo vem sendo desenvolvido por diversas áreas do conhecimento. Mesmo os campos de atuação do pensar que não têm o anseio por definir o tempo manifestam vasto interesse e sentem-se permeados por questões em torno desse tema. É justamente neste segundo grupo em que se encontra o âmbito desta investigação. Nesse propósito, no sentido de ampliar considerações para além das teorias próprias das artes visuais, foram feitas incursões por outros domínios do saber, assegurando fundamentos para o enriquecimento desta abordagem multidisciplinar. Para tanto, o interesse na ciência e na filosofia mostrou-se pertinente, pois elas estabeleceram conceitos acerca do tempo e promoveram desdobramentos intrigantes.

Sabe-se que faz dois séculos que o filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) definiu os limites entre o campo do conhecimento científico e o da investigação filosófica. Desde esse marco, a filosofia passou a não acompanhar o progresso da ciência, a despeito da sua tradição em indagar o porquê de tudo. Em certo momento, reservou apenas aos seus especialistas, os epistemologistas, o estudo da atividade científica. Sobre as consequências dessa transição, um dos mais notáveis cientistas da atualidade, o físico britânico Stephen Hawking (1942-2018), considera sensíveis perdas na produção de conhecimento:

Até o momento, a maioria dos cientistas tem andado ocupada demais elaborando novas teorias para descrever o que o universo é para poder perguntar por quê. Em contrapartida, aqueles cujo ofício seria perguntar por quê, os filósofos, não foram capazes de acompanhar o avanço das teorias científicas. No século XVIII, eles consideravam a totalidade do conhecimento humano, incluindo a ciência, como seu campo de atuação e debatiam questões como se o universo teve um início. Entretanto, nos séculos XIX e XX, a ciência se tornou técnica e matemática demais para os filósofos, ou para qualquer um, com exceção de uns poucos especialistas. (HAWKING, 2015, p. 229, grifo do autor).

Sobre essa questão, o filósofo francês Bernard Piettre (1950) acredita que a integração entre a filosofia e a ciência tem muita validade, sobretudo para o crescimento da reflexão de questões comuns, como a natureza do tempo, em relação à história do universo. Nesse aspecto, Piettre (1997, p. 11) observa:

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O tempo é, certamente, um dos mais antigos enigmas, senão de interrogação humana, ao menos da filosofia [...]. Nada, ao mesmo tempo, é mais familiar, mais próximo de nossa experiência cotidiana, do sentimento mesmo de nossa existência; e também nada de mais estranho e mais inatingível.

Em concordância, esta pesquisa procurou se dedicar a fazer um percurso pela história da filosofia e da ciência, através de alguns dos conceitos e das teorias sobre o tempo. Porém, esta visada teórica, de tão vasto conteúdo, determinou a necessidade de ser deliberado um número reduzido de marcos históricos, os quais vieram a estruturar boa parte das questões desta tese, baseadas na produção de cinco pensadores, a saber: Aristóteles, Newton, Kant, Einstein e Bergson, os quais são apenas citados neste momento. Entretanto, no decorrer deste texto, serão mais detalhadamente apresentados.

Para o desenvolvimento da investigação, o fio condutor desta abordagem persegue a questão da existência do tempo, seu conceito. Em outros trechos, visa acompanhar as reflexões sobre a reversibilidade do tempo, segundo o pensar desse elenco de teóricos.

2.1 O tempo em Aristóteles: o movimento consciente

Segundo a fenomenologia moderna, para se perceber o tempo, ou seja, ter consciência do tempo, tem que haver uma temporalidade da consciência. Entretanto, nas sociedades humanas, para se afirmar a manifestação exterior da percepção do tempo necessita-se de medidas, ou seja, de referências comuns, tais como dia, mês e ano, início ou fim de acontecimentos etc. Para tanto, não necessariamente se tem a necessidade de alguma aparelhagem. Historicamente, sabe-se que muitos se guiaram pela percepção astronômica, culminando por terem sido configuradas diversas marcas temporais, as quais foram, inicialmente, desenvolvidas pelos babilônicos, gregos e romanos, a exemplo da posição do sol e de outros aspectos naturais. Dentre estes, destaca-se o primeiro pilar que estrutura a fundamentação desta tese: Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), considerado um dos fundadores da filosofia ocidental. Sua relevância para a história do estudo sobre o tempo é atribuída pela constatação de que esse filósofo grego permeia a produção dos pensadores que, ao longo da história, positiva ou negativamente, assumiram posicionamentos em relação à filosofia por ele desenvolvida.

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Retornando à questão das medidas que são estabelecidas para o tempo, deve-se levar em conta que estas, quase sempre, são numéricas. Nesse sentido, Aristóteles (apud REIS, 2007, p. 25) definiu que o tempo é o número do movimento, “segundo o antes e o depois”. Para se compreender de maneira ampliada o conceito de movimento ao qual se referiu Aristóteles, cogita-se haver relação com algum deslocamento de lugar ou com alguma alteração de qualidade, no sentido de haver mudança de aparência. Poderia, também, contemplar uma variação relacionada com o aspecto quantitativo, em se tratando de uma alteração de tamanho ou grandeza. Além do mencionado, poderia ter fundamento na essência, ou seja, na condição de algo vir a “ser”, na sua morte ou até no seu desaparecimento. Nesse pensar, para Aristóteles, não existe tempo onde não houver consciência de alguma mudança – para ele, movimento.

Contudo, cabe ressaltar que o tempo não é o movimento em si, pois este último pode ter diversas formas. Em contrapartida, o tempo não apresenta variações, pois, segundo Aristóteles, é vinculado a um movimento astronômico específico, o do Sol em torno da Terra, tornando-se a medida uniforme de todos os outros movimentos. Para ele, a Terra, que se manteria imóvel no centro do sistema, configura um sistema geocêntrico. Porém, na medida da existência de um número variado de movimentos astronômicos, caso o movimento da Lua fosse eleito pelo espírito humano como base de sua referência, o resultado surgiria como um calendário lunar. Entretanto, seria imprescindível uma regularidade de movimento celeste, eleita pelo espírito humano, para que fosse atribuída uma medida universal do tempo. Essa questão parece ter dado dificuldades ao pensar de Aristóteles, na medida em que é o movimento que dimensiona os outros movimentos e, também, o tempo.

Por outro lado, segundo Aristóteles, o tempo não existe fora do espírito humano, ao passo que o movimento astronômico é dele independente. Sendo assim, considerando a existência do tempo no espírito e não na realidade, sua abstração fica evidente. Trata-se de uma existência matemática, levantada em um dos paradoxos do filósofo pré-socrático Zenão de Eleia

(490 a.C.-430 a.C.), ao pensar sobre uma flecha em movimento e os instantes que constituem o tempo decorrido em sua dinâmica. Para constituir realidade a um instante, a flecha deveria poder parar, mas, na impossibilidade de estar em repouso e móvel ao mesmo tempo, fica constatada a abstração, similar à efetiva composição de uma linha por uma infinidade de pontos. Ademais, cada instante seria um limite entre o anterior e o posterior. Em outras palavras, seria o fim do que era o anterior e o começo do que será o posterior. Portanto, o instante é uma abstração, tal como um ponto pertencente a uma linha.

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Nesse raciocínio, tem-se clareza de que os conceitos de anterior e posterior são noções temporais. E sobre essa questão, posteriormente, a filosofia aristotélica veio a ser criticada por Plotino (204/205-270), o mais notável dos neoplatônicos. Enquanto Aristóteles parte do movimento sensível para perguntar como o tempo aí surge, Plotino lança-se em outra direção, buscando o movimento da alma que fundamenta os movimentos sensíveis e identifica-o como o tempo.

Além disso, no sétimo tratado da terceira Enéada, Plotino (1954 apud REIS, 2007, p. 93) afirma que não é necessário que se meça o tempo para que ele exista, visto que “[...] tudo tem a sua duração, mesmo que essa duração não seja medida”. Diante da definição de Aristóteles do tempo como a numeração do movimento, medido conforme o anterior e o posterior, Plotino discorda, atribuindo tempo ao antes, que acaba no presente, e também no depois, que começa no instante presente. Portanto, pensa que o tempo é uma grandeza que pode permanecer indeterminada, ao passo que a percepção dele ocorre quando alguém se interesse em saber sua medida. Assim, considera essa existência como uma realidade em devir, sem materialidade, movida pela alma universal que anima o mundo físico, o qual, inacabado, não cessa em busca da perfeição, em direção ao futuro. Tal como os astros e outros viventes, os humanos também são seres incompletos na busca por suprir esta carência, configurando a experiência do tempo em um mundo onde a ordem e a estabilidade nos fazem atingir a eternidade.

Ao pretender que o tempo seja um número do movimento, Aristóteles confunde o numerado com o numerante, pois, como o tempo é uma medida do movimento que se dá em um tempo, poderia se concluir que o tempo mede o tempo. Plotino problematiza mais ainda ao sugerir que, se o tempo pudesse medir a grandeza de espaço percorrido, então estaria o tempo medindo o espaço. O que, para ele, é um absurdo, ressaltando que o que o tempo mede é a grandeza do tempo percorrido por um corpo que esteja em movimento.

Por intermédio de um estudo crítico sobre o pensamento dos antigos, com destaque para o teorizado por Aristóteles, Plotino desenvolveu sua filosofia, assegurando que o tempo é a dimensão ontológica do puro acontecer do movimento da alma, sucessivo e contínuo, abstraído da caracterização do antes, agora e depois, sem memórias ou previsões; em suma, o presente na sua continuidade.

Mais adiante, nos primeiros anos do cristianismo, o teólogo e filósofo Santo Agostinho (354-430) desenvolveu parte de sua doutrina dedicando-se ao estudo do tempo e da eternidade. A oposição dirigida à concepção cósmica de Aristóteles levou Santo Agostinho a defender uma

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concepção fenomenológica, na qual era acatada a possibilidade do tempo ser independente de movimentos astronômicos, a exemplo de quando ele cogitou que, caso os astros do céu viessem a parar, a passagem do tempo em nosso espírito seria possível, sendo medida a partir de cálculos dos giros da roda de um oleiro. Entretanto, para que nossa alma tivesse o tempo experimentado, seria necessário que ela fosse afetada por uma mudança externa a ela.

Além do mais, de posse dos conhecimentos desenvolvidos por Plotino, Santo Agostinho dedicou-se a refletir sobre a não existência do tempo fora do espírito. No livro XI de suas Confissões, Santo Agostinho questiona:

O que é então o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei. No entanto, posso dizer com segurança que não existiria um tempo passado, se nada passasse; e não existiria um tempo futuro, se nada devesse vir; e não haveria o tempo presente se nada existisse. De que modo existem esses dois tempos – passado e futuro, – uma vez que o passado não mais existe e o futuro ainda não existe? E quanto ao presente, se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, mas eternidade. Portanto, se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como poderemos dizer que existe, uma vez que sua razão de ser é a mesma pela qual deixará de existir? Daí não podermos falar verdadeiramente da existência do tempo, senão enquanto tende a não existir. (GARNIER-FLAMMARION, 1964 apud PIETTRE, 1997, p. 29-30).

A partir dessa citação, pode-se constatar que Santo Agostinho defendia que apenas a eternidade é. Além disso, afirmava que o modo de ser do tempo é um modo de não ser, pois o passado só existe quando seja o presente pela lembrança que se guarde. Em se tratando do futuro, ele é, na medida em que seja presente, pela ação da espera. Já a essência do presente está justamente na atenção que se dedique a ele. Assim, segundo esse influente teólogo e filósofo, não existiriam estes três tempos: passado, presente e futuro. Sua argumentação atribui a ocorrência deles apenas em nosso espírito. Consequentemente, o tempo seria a distensão dos movimentos de ir e vir da alma humana. De acordo com Santo Agostinho, a experiência do tempo está ligada ao nosso estado interior, ou seja, é de se considerar a inseparável ligação entre tempo e alma.

Para além do exposto, certas controvérsias conceituais do pensamento de Aristóteles devem ser destacadas, pois geraram conflitos a respeito do tempo que se estenderam pela Idade Média até a modernidade. As aporias aristotélicas permearam as reflexões sobre a existência do tempo, sua aparente subjetividade e a falta de elucidação sobre algum fundamento objetivo, sendo este último tópico tão peculiar às elaborações de caráter científico presentes na Física.

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Em meio a essas controvérsias, é pertinente ressaltar que, no século XII, o filósofo andaluz Averróis (1126-1198) mostrou intenção de abalar o discurso de Aristóteles. Sobre essas questões, o físico francês Pierre Duhem (1861-1916), notável historiador da ciência, relata que, para Averróis, perceber o tempo:

[...] não é perceber algum movimento captado por qualquer um de nossos sentidos, pois podemos sentir o tempo mesmo quando nos encontramos no escuro e que nenhum movimento nos alcance os sentidos; nós temos assim esta sensação unicamente porque sentimos, em nossa alma, qualquer movimento... Porém, no ensinamento de Aristóteles, nos deparamos com uma dificuldade que não é pequena.

Se o tempo não é consequência de um certo movimento que existe fora da alma, se é resultado de nossa imaginação... como então Aristóteles nos diz que o tempo é consequência do movimento celeste? Se o tempo resulta unicamente do movimento celeste, não deveria o cego ignorar o tempo, ele que jamais percebe o movimento celeste? Por outro lado, se o tempo resulta de qualquer movimento, haveria tantos tempos quantos movimentos, o que é impossível. Evidentemente, então, ou o tempo não tem existência fora da alma, ou se ele existe fora da alma, ele resulta de todo movimento, e os tempos são então múltiplos como os movimentos; ou então ele é a consequência de um só e único movimento e, assim, quem não percebe esse movimento não tem a sensação do tempo. Tudo isto é impossível. (DUHEM, 1956 apud PIETTRE, 1997, p. 66-67).

Comentários como o citado fizeram de Averróis um decisivo influenciador para a difusão do aristotelismo no Ocidente. Averróis aprofundou a reflexão, afirmando que cada movimento conduz, indiretamente, à sensação do tempo. Fala que existe um movimento único e primeiro: o celeste. Quando algum outro movimento for percebido, a percepção do tempo será um efeito meramente acidental do movimento ocorrido no céu. Esse pensamento deriva do de Aristóteles, quando este cogitou a hierarquia dos movimentos celestes e seus subordinados, os movimentos sublunares.

Outro ponto que merece destaque para compreender o percurso filosófico e científico sobre o tempo é saber que, para Aristóteles, o lugar de um corpo deve ser visto como uma qualidade vinculada a esse corpo, por ser seu limite exterior. Ao se deslocar, esse corpo passa a assumir um novo lugar. Mas acreditar que o lugar deixado por esse corpo passa a ser um espaço vazio e homogêneo não teve acolhimento pelo pensar de Aristóteles. Segundo ele, o espaço deixado é imediatamente ocupado por outro corpo. Por conseguinte, o dilema da existência, ou seja, do “ser” e do “não ser”, segue, na Antiguidade, com a defesa de que não haveria ser que não fosse limitado. Então, para Aristóteles, o infinito tem uma existência potencial, sem um caráter de realidade efetiva. Já o tempo, que surge em consequência do

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movimento, assim como o lugar, ambos são atributos possíveis de uma substância, porém não seriam substância.

2.2 O tempo absoluto de Newton: ciência moderna e filosofia natural

Em se tratando da Renascença, seu período inicial ficou caracterizado mais pelo florescimento artístico do que pelas discussões em torno do âmbito das ciências. Somente em meio aos séculos XV e XVI, a história atribui o propagado termo “renascimento científico” e, em sua consequência, a denominada “ciência moderna” devido às célebres teorias, impulsionadas por astrônomos e matemáticos. Dentre eles, o polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) havia concordado com o pensar de Aristóteles, na medida em que ambos acreditavam que, para medir o tempo, deveria ser levada em consideração a velocidade relativa de um movimento, referindo-se a um corpo que estivesse em repouso. Por outro aspecto, a teoria heliocêntrica de Copérnico defendeu que o corpo em repouso seria o Sol, em oposição à teoria geocêntrica de Aristóteles, que sugeria a Terra como centro do sistema celeste.

Outro expoente da ciência moderna, o italiano Galileu Galilei (1564-1642) trouxe novas concepções, sugerindo que a Terra apresentava um movimento uniforme, que não existiam corpos em repouso e que o movimento de um desses era relativo a outros corpos em movimento. Além disso, convivendo com relógios pouco precisos, Galileu passou boa parte de sua vida estudando o isocronismo dos pêndulos, chegando a cogitar uma adaptação para relógios, aperfeiçoados somente 15 anos depois de sua morte. Assim, teve-se assegurada uma maior precisão à medida do tempo, definida de acordo com o espírito humano, sem conformidade com questões celestes, mas baseada em apuro técnico.

A partir da revolução causada por Copérnico e dos avanços de Galileu, o espaço passa a ser dos matemáticos e, portanto, mais ilimitado à custa da abstração. Da mesma forma, a concepção de um tempo indiferenciado, similar para todos os corpos, ganhou força. Nesse contexto, esta tese considera o inglês Isaac Newton (1643-1727), filósofo, cientista, teólogo e astrônomo, como o segundo pilar, marco de destaque na evolução do pensamento sobre o tempo, cuja relevância será descrita em seguida, com alguns tópicos de suas teorias.

No século XVII, sobretudo pela mecânica desenvolvida por Newton, os fundamentos da física clássica encontraram na matemática a possibilidade de representar experiências vividas, estabelecendo leis que abstraíssem questões acidentais, em prol de analogias constantes

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entre fenômenos. Esses avanços, indo de encontro às formulações de Aristóteles, reconduziram pensamentos à convicção da existência de uma ordem eterna do mundo, que, atribuída de uma inteligibilidade não sensível, seria a regente dos fenômenos, ao invés dos astros.

Considerado como uma das mentes mais brilhantes e influentes da história da ciência, Newton alcançou sua imortalidade com a repercussão de sua obra mais significativa, lançada em 1687 e intitulada, em tradução para a língua portuguesa, Princípios matemáticos da filosofia natural. Nessa publicação, Newton promove a unificação dos corpos celestes e terrestres através de um conjunto de equações capazes de prever como um corpo se movimentaria sob o impulso de uma força definida. Assim, seria possível predizer o curso dos acontecimentos, desde os corpos de grandes dimensões até os mais leves átomos. Por conseguinte, nada passaria a ser incerto, pois o futuro, à semelhança com o passado, estaria presente aos seus olhos. Tornou-se possível a descrição trajetórias por meio de funções matemáticas, a partir do desenvolvimento de equações sobre um conceito fundamental para a mecânica clássica, a velocidade, que relaciona o tempo com a variação da posição no espaço.

Ocorre que o teorizado por Newton rompe as fronteiras da física experimental, na medida em que escapa para o campo da metafísica. Para ele, as investigações filosóficas devem abstrair o perceptível pelos nossos sentidos e considerar as coisas em si mesmas. Como sua motivação é filosófica, ele sugere afastar o modo aparente e comum de considerar o espaço e o tempo, passando a vê-los em sua natureza própria. Decerto está que Newton configura a existência de um tempo relativo, porém apenas como uma medida sensível e externa. Entretanto, a fluidez do tempo absoluto não se altera e nem tem relação com nada externo. Igual para todos os referenciais, independentemente da posição dos observadores, o tempo absoluto é verdadeiro e matemático.

O rito de passagem da física newtoniana para a metafísica se dá pela constatação de que sua notável lei da gravitação universal, para ser consequente, tem a necessidade de se basear em referenciais absolutos, ou seja, na existência da fluidez de um tempo uniforme e, também, de um espaço sem variações. Sem conseguir aplicar experiências materiais demonstrativas de sua teoria, Newton abandonou o empirismo para manter a universalização do sistema proposto. Ademais, um aspecto mostra-se bem conservador e fundamental na metafísica de Newton quando é, por ele, atribuída a existência para um meio etéreo, uma noção que serve à propagações de ondas, preconizada desde os antigos pensadores gregos, cujo alcance serviu para justificar fenômenos como a eletricidade e o magnetismo. Essa herança parece ter sido

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acatada como um suporte para a carência experimental de certas considerações newtonianas, obrigando-o à recorrer à metafísica para compor argumentações da física.

Por outro lado, cientistas e filósofos contemporâneos à Newton, porém com fortes vínculos religiosos, desenvolveram críticas ferrenhas aos Princípios matemáticos da filosofia natural. Essas oposições surgiram devido a alguns posicionamentos ali descritos, em que se poderia perceber certo descrédito quanto à intervenção de Deus, nos quais a mecânica define a independência do espaço e do tempo, infinitos e absolutos.

As teorias de Newton forneceram solidez à física clássica; entretanto, o senso comum levava a um paradoxo para sua mecânica. Uma experiência sempre impõe uma ordem de sucessão, ou seja, a condução de uma anterioridade e de uma posterioridade dos fenômenos. A sequência do nascer, envelhecer e morrer vale tanto para os seres vivos como para os planetas e as estrelas. Algo tão banal passou ao largo pela mecânica newtoniana. Suas equações produzem resultados que vão de encontro à intuição comum, pois permitem considerar uma simetria no tempo, mantendo-o como reversível, coadunando com o rol de proposições que foram estabelecidas desde a física aristotélica. Nesse aspecto, segundo Newton, o fluxo do tempo não tem um sentido preferencial, levando à conclusão de que não se pode distinguir passado e futuro. Portanto, desde o fim da Idade Média até as formulações newtonianas, não se cogitou nem a irreversibilidade do tempo, nem seu sentido orientado, de acordo com o devir do universo.

Newton sugere que a realidade do espaço e do tempo são exteriores aos corpos e ambas funcionam como meios nos quais os fenômenos ganham ocorrência. Quanto ao espaço, credita um caráter de substância vazia, apta para conter matéria; portanto, também uma realidade absoluta. Segundo suas teorias, o tempo encadeia as sucessões de acontecimentos e o espaço desenvolve a coexistência deles. Em suma, ao atribuir realidade a eles, Newton os considera como referenciais ontológicos, absolutos, adotando o espaço como imensidão divina e o tempo como duração eterna, em uma abordagem mais filosófica que científica. Para a física newtoniana, não se deve hesitar em conceder caráter de realidade a conceitos matemáticos, como o tempo comum a todos os atores do universo. De igual maneira, o espaço, ambos absolutos.

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2.3 O tempo no criticismo de Kant: uma razão a priori

O criticismo do filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) aparece, nesta investigação, eleito como o terceiro marco memorável na história da produção de conhecimento sobre o tempo. Para tratar de sua filosofia, consideram-se o viés racionalista e o crédito dado ao papel da experiência na argumentação de saberes. Kant refletiu sobre as fontes do conhecimento, levando a exaltar que a prática das ciências objetiva o incondicionado, em um interesse metafísico da razão. Inclusive, defendeu que, investigando a natureza, todo cientista busca conhecer o que está além da experiência.

Kant causou espanto com o lançamento da Crítica da razão pura, em 1781, cujo ponto de vista instalou a vertente do criticismo. Ao tentar escolher uma atitude que melhor exprimisse a peculiaridade dessa obra, o filósofo brasileiro Vinícius de Figueiredo (2005, p. 8, grifo do autor) diz que “[...] a revolução que ela promove se baseia em um recuo da razão diante de si mesma. Com a Crítica, a razão se torna reflexiva”. Vai mais além, quando afirma que, reduzindo o poder da metafísica clássica em benefício do autoconhecimento da razão, Kant não intencionou disputar sobre a verdade das coisas com outras correntes filosóficas. Pelo viés epistemológico, quis apenas, e tanto, revelar os limites da razão e suas disposições naturais. Afinal, de acordo com Figueiredo (2005, p. 22), “[...] em sua investida contra a metafísica clássica, Kant permanece sendo um racionalista. É em nome da razão que o tribunal da crítica é instituído”.

No século XVII, o filósofo britânico David Hume (1711-1776) havia preconizado o empirismo como princípio filosófico, inclusive refletindo sobre a origem da ideia de espaço, encontrada na experiência da coexistência, em que o sujeito vivencia a localização variável de objetos em relação ao seu corpo. Por outra vertente, a origem da ideia de tempo estaria na experiência de sucessão perceptível de objetos mutantes. Entretanto, a revolução, causada pela Crítica da razão pura no século seguinte, seguiu caminho distinto do que Hume havia construído acerca do princípio de causalidade. Para Hume, não era o entendimento, mas a imaginação sobre a regularidade apresentada pela natureza que responderia pela ideia de causalidade. A metafísica clássica havia considerado essa regularidade como uma ordem necessária do universo, subordinando a experiência a uma cosmologia racional. Em contrapartida, Hume foge desse caráter especulativo, atribuindo o conhecimento acerca da natureza às impressões fornecidas por experimentação, acompanhadas por raciocínio indutivo.

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Para ele, todo saber estaria a posteriori da experiência. Esse condicionamento, segundo Hume, credita conhecimento na contingência, e não em uma necessidade.

Na Crítica da razão pura, ao defender que o mundo não é mais do que uma simples ideia da razão, Kant (2005) assegura que o nosso saber sobre a natureza está distante de ser uma verdade absoluta, mostrando-se dependente da estrutura que compõe nossa faculdade de conhecer e que antecede a experiência. Ele considera que o dado empírico tem validade, mas nunca uma verdade apodítica, ou seja, que se valha de modo necessário. Segundo Kant (2005), não alcançamos o conhecimento de nada do mundo em si. O que podemos ficar cientes abrange apenas os fenômenos de nossas experiências. Para ele, a definição de fenômeno envolve aquilo que nos aparece apresentado em uma experiência.

A título de estruturar a ordem interna de sua epistemologia, Kant articulou, no corpo da Crítica da razão pura, a “estética transcendental”, conceito que retoma a relação etimológica entre aisthesis e sensação. Ela se incumbe da maneira como somos afetados pelos objetos em nossa sensibilidade, quando, intuitivamente, através de fenômenos, elaboramos representações. Outro destaque tem a denominação de “analítica transcendental”, cuja abrangência define o modo como o que nos é dado, a partir dos sentidos, vem a ser pensado como objeto. Nesse âmbito, o que podemos conhecer procede das nossas faculdades de conhecimento, a saber: sensibilidade, entendimento e razão. Em outras palavras, o conhecimento ocorre, muitas vezes, como o resultado que surge de uma atividade do entendimento aplicada sobre os fenômenos que sejam dados à nossa intuição.

Apesar do quão se mostre interessante acompanhar a amplitude da Crítica da razão pura, sobretudo por sua parcela de contribuição à epistemologia, é de se admitir que, de acordo com os objetivos deste capítulo, o foco encontra-se em oferecer uma síntese de como Kant desenvolveu seu pensar sobre o tempo. Por conseguinte, a abordagem, prudentemente, deve se voltar para a estética transcendental.

No âmbito dessa estética, em uma experiência, tem-se que toda percepção ocorre em uma organização, tanto sob forma espacial como sob uma sucessão temporal. Embora as sensações nos atinjam a posteriori, os fenômenos aparecem, em nossa mente, regidos pelo que Kant considera como as duas formas puras das intuições sensíveis, o espaço e o tempo, dadas a priori e que não correspondem a nada real. Por não serem realidades materiais, espaço e tempo não podem ser considerados como conteúdo de nenhuma experiência. É patente que ambos apresentam uma condição intangível e isenta de visibilidade; portanto, nem um pouco sensível.

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Ademais, Kant (2005) assegura que seja possível excluir os elementos materiais de uma experiência, enquanto defende a impossibilidade de fazer o mesmo tanto com o espaço como com o tempo. Em uma representação, caso se abstraia o conteúdo material, restará uma representação de um tempo e de um espaço vazios. Espaço e tempo são, na arquitetura da estética transcendental, formas necessárias para cada representação. Dessa maneira, diferindo do modo de pensar de Hume, que defendia que o espaço e o tempo eram derivados da experiência, Kant os via como condição prévia, como fundamentos a priori. Assim, o que ocorre fora de nós é observado no espaço, ou seja, na forma necessária de representação de uma experiência externa. Por outro lado, o que se passa em nós é situado no tempo, considerado como uma forma necessária da experiência interna, em que simultaneidade, sucessão etc. ficam passíveis de percepção.

Portanto, a partir de fenômenos, espaço e tempo qualificam todo discurso sobre a natureza, permitindo a elaboração de representações que não passam de meras ideias em discursos relativos às aparências subjetivas, e não às coisas como são em si mesmas. Em se tratando de ciência, suas verdades serão estabelecidas sempre sobre o fundo de uma aparência, que exige retornos incessantes, renovando a convicção de que a finalidade da natureza é apenas uma ideia da razão.

Segundo Kant (2005), todo conceito é desenvolvido pela inteligência para agrupar elementos constitutivos de um conteúdo heterogêneo e diverso, generalizando-os sob uma mesma definição, por força de suas características comuns, subsistentes no tempo. Portanto, para esse filósofo, espaço e tempo não são conceitos empíricos, nem lógicos e, ao invés de serem conteúdos materiais, são dados formais de uma intuição pura, a priori, que se impõem à nossa inteligência, sem compor um caráter de realidade. Nesse raciocínio, certas propriedades de elementos nos são induzidas por suas ocorrências no espaço, e não são logicamente deduzidas por conceitos e definições que possam se impor à experiência.

Em se tratando do tempo, outra imposição surge quando se constata que a assimetria entre o passado e o futuro não assegura sua reversibilidade. Pois, quando uma experiência revela uma ordem de sucessão entre dois fenômenos, descobre-se que a causa é anterior ao seu efeito. Para Kant, somente a partir da experiência, pode-se evidenciar essa ordem de ocorrência, opondo-se à relação clara de necessidade lógico-matemática, passível de reversibilidade.

Nesse caminho filosófico, sob influência de Hume, Kant (2005) defende que qualquer conceito estabelecido pela ciência só tem validade quando for suscetível de aplicação experimental. Por essa razão, segundo Kant, a metafísica clássica não atingiu valor de ciência,

Referências

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