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No ano de 1934, a dimensão científico-naturalista da filosofia que vinha sendo desenvolvida pelo norte-americano John Dewey (1859-1952) fez lançar o livro Arte como experiência. Nessa publicação, esse filósofo parte para uma argumentação que tenta revelar de que maneira as obras artísticas idealizam qualidades encontradas na experiência comum. Contrário às teorias que isolam tanto o processo criativo, como a apreciação de objetos artísticos, de outras modalidades do experimentar, Dewey (2008b, p. 17) também rivaliza seu pensamento contra os que tendem a espiritualizar a arte.

O propósito desta investigação, ao recorrer à filosofia da arte de Dewey, parte do interesse frente à experiência estética, seja no processo criativo do artista, seja na percepção de um fruidor. Dewey (2010, p. 323) afirma que “[...] o que se aplica à produção original se aplica à percepção apreciativa”. A partir dessa teoria, nota-se que ambas experiências apresentam algumas vertentes temporais que, de acordo com o selecionado do pensamento de Dewey, fica evidenciada a “vitalidade” das obras de arte. Tal condição, conforme será exposto a seguir, assegura fundamento para a argumentação sobre a temporalidade expressa na linguagem da pintura.

Desde quando publicou Experiência e natureza (1925), Dewey (2008a, p. 293) já indicava que a arte é, essencialmente, um dispositivo de experimentação. Aprofundando esse pensar, Arte como experiência defende que a experimentação estética não está estruturada em uma subjetividade encapsulada. Para essa situação, Dewey (2010) denomina como “produto artístico” o ponto focal objetivo da transação entre organismo e meio, este último traduzido a partir do termo enviroment. O artista é responsável apenas pela criação do produto. Essa atividade define o campo que Dewey considera como o “artístico”, ao passo que o “estético” tem relação com a resposta apreciativa. Assim, deve ser feita uma distinção, pois “obra de arte”, para esse filósofo, é o que o produto artístico faz com a experiência e na experiência. O produto é físico e potencial, como uma pintura, escultura etc. A obra de arte é ativa e com base na experiência. Os dois, produto e obra, configuram uma díade fundamental na filosofia da arte de Dewey, e o conhecimento desses conceitos será importante para compreensão da abordagem que segue.

Como propagado por Dewey (2010, p. 122), “[...] toda experiência é resultado da interação entre uma criatura viva e algum aspecto do mundo em que ela vive”. No caso da obra

de arte, fica ressaltada a constatação de que sua existência depende tanto da pessoa que reaja, como do produto artístico, sem excluir o contexto circunstancial da experiência, pois, nesse aspecto, Dewey mostra-se radicalmente contextualista.

Por outro lado, a distinção entre o artístico e o estético, ressaltada por Dewey, é por ele mesmo criticada, pois não deve ser levada como se eles estivessem separados. Lamenta ter que fazê-la para compreender a relação que eles mantêm entre si. Os dois estão tão interligados a ponto de Dewey (2010, p. 127) ter indicado que “[...] a perfeição na execução não pode ser medida ou definida em termos da execução; implica aqueles que percebem e desfrutam do produto executado”.

Coube a outro filósofo norte-americano, Abraham Kaplan (1918-1993), o papel de redigir a introdução de Arte como experiência, na qual esclarece:

Na concepção deweyana, a experiência estética não é a contemplação passiva de objetos inertes. É ativa e dinâmica, um fluxo padronizado de energia – em uma palavra, é viva. ‘Energia’ era uma categoria básica da ciência do fim do século XIX e início do século XX, tal como fora ‘matéria’ no século XVIII e como se tornou a ‘informação’ em nossa época. Na estética, o predomínio da ‘energia’, da ‘matéria’ e da ‘informação’ é ilustrado, entre os antigos, por Aristóteles, Lucrécio e Platão, respectivamente, tal como o é, entre os modernos, por Dewey, George Santayana e Benedetto Croce, também respectivamente. A teoria estética, declara Dewey, ‘só pode basear-se em uma compreensão do papel central da energia’. (DEWEY, 2010, p. 22-23).

Como naturalista, Dewey (2008b) considera a energia no âmbito biológico e, para ele, a experiência estética tem um carater ordeiro, o qual surge das interações que as energias desenvolvem harmoniosamente entre si. Dewey (2008b, p. 142, tradução nossa) define “a forma” na arte como “[...] a operação das forças que conduzem a experiência [...]” para sua realização integral, tal como uma encarnação de energias na matéria. Exemplifica, citando uma descrição de Henri Matisse (1869-1954), celebrado artista francês, sobre seu processo efetivo de pintar:

Digamos que eu tenha que pintar um interior; vejo um guarda-roupa diante de mim. Ele me dá uma vívida sensação de vermelho; ponho na tela o vermelho específico que me satisfaz. Estabelece-se então uma relação entre este vermelho e a palidez da tela. Quando, além dele, ponho um verde, e também um amarelo para representar o piso, entre esse verde e o amarelo e a cor da tela passa a haver mais outras relações. Mas esses tons diferentes diminuem uns aos outros. É preciso que os diferentes tons que utilizo se equilibrem, de tal modo que não se destruam mutuamente. Para assegurar isso, tenho de

ordenar minhas ideias; as relações entre os matizes devem ser instituídas de tal modo que eles sejam elevados, e não derrubados. Uma nova combinação de cores se sucede à primeira e fornece a totalidade da minha concepção. (MATISSE, 1908 apud DEWEY, 2010, p. 262-263).

Para Dewey (2010), o relatado por Matisse trata de um exemplo de busca pela forma, pela união qualitativa, baseada na harmonia e equilíbrio, pois a percepção deve ser dada de maneira seriada, favorecendo a apreensão do todo. Para evitar equívocos conceituais, esse filósofo estabelece que o “formato” ou a “figura” que se encontre no produto artístico seja bem distinguido da “forma” da obra de arte, pois somente a forma evidencia o que está implicado na experiência estética.

Em se tratando da organização das energias, a entrada de um elemento em um produto artístico desencadeia uma interação complexa. Nesse sentido, pode-se ter configurada uma autêntica obra de arte a partir da relação entre as forças estruturais do produto e as energias da experiência em si. A respeito da estrutura do produto, Dewey (2010, p. 314) esclarece:

[...] a interpenetração recíproca das partes e do todo, que vimos constituir um objetivo da obra de arte, realiza-se quando todos os componentes da obra, seja ela um quadro, uma peça teatral, um poema ou um prédio, mantêm uma ligação rítmica com todos os outros membros do mesmo tipo – a linha com a linha, a cor com a cor, o espaço com o espaço, a iluminação com a luz e a sombra em uma pintura –, e todos esses elementos distintivos reforçam uns aos outros como variações que constroem uma experiência complexa e integrada.

Quanto à ligação rítmica citada, devemos esclarecer que o ritmo estético é uma característica da percepção e, como uma teoria sempre se reporta a questões generalizadas, Dewey enxerga, nesse ponto, a dificuldade de elaborar uma filosofia da arte, abordar o estético, a forma individualizada. Para driblar esse embaraço, em Arte como experiência, o filósofo chega a ilustrar esquematicamente uma experiência diante de uma pintura que, no exemplo por ele criado, tem início com a atenção atraída verticalmente para o alto da cena representada. Dewey (2010, p. 319) afirma que esse primeiro indicador não significa que o participante da experiência tenha consciência dos ritmos verticalmente dirigidos, “[...] mas que, se ele se detiver para analisar, constatará que a primeira impressão dominante é determinada por padrões assim constituídos por ritmos”. Depois de relatar que a atenção segue transferida para o peso de elementos horizontalmente dispostos, o filósofo assegura que, caso a composição da pintura fosse ruim, uma ruptura na experiência ocorreria, em vez de um redirecionamento da

expectativa e do interesse. Na sequência temporal apresentada, segue-se um percurso por uma série de pontos, deixando escapar o desenho constituído pelas variações de cor, quando se tem, então, outros caminhos para os quais a atenção é dirigida, planos que recuam e se entrelaçam, e a impressão de profundidade, explicitada por uma “[...] ordem rítmica específica [...]” (DEWEY, 2010, p. 320). Além de tudo isso, em certo momento, uma cena ao longe é percebida por conta dos ritmos de luminosidade. Por fim, o autor pontua que a organização das energias na experiência é dada quando cada ritmo interage com os demais e admite que:

Talvez o que foi dito aqui pareça exagerar o aspecto temporal da percepção. Não há dúvida de que estendi elementos que costumam ser mais ou menos compactados. Mas de modo algum pode haver percepção de um objeto senão em um processo que se desenvolva no tempo. Meras excitações, sim, mas não um objeto tal como percebido, em vez de apenas reconhecido como algo de natureza familiar. [...] Nada é percebido a não ser quando os diferentes sentidos trabalham relacionados uns com os outros, a não ser quando a energia de um ‘centro’ é comunicada a outros, sendo incitadas novas modalidades de respostas motoras que, por sua vez, instigam novas atividades sensoriais. A menos que essas várias energias sensório-motoras se coordenem entre si, não há cena nem objeto percebido. Mas, igualmente, não há percepção quando – por uma condição impossível de realizar na realidade – um único sentido entra em ação. Quando o olho é o órgão primordialmente ativo, a qualidade da cor é afetada por qualidades de outros sentidos, francamente ativos em experiências anteriores. Desse modo, ela é afetada por uma história: há um objeto com um passado. E o impulso dos componentes motores envolvidos efetua uma extensão para o futuro, uma vez que se prepara para o que virá e, de certo modo, prevê o que está para acontecer. (DEWEY, 2010, p. 320-321, grifo do autor).

Em suma, a percepção estética ocorre quando existe liberação de energia em sua mais pura forma, ou seja, estando organizada e, consequentemente, rítmica. Mas, para aguçar a experiência estética e enriquecer seu conteúdo, mostra-se interessante também contemplar uma obra de arte notando os modos como certas regras são atendidas na metodologia particular de cada artista. Um exemplo que Dewey utiliza para facilitar a compreensão do exposto está na maneira em que os pintores delimitam ou não os elementos representados em suas composições. Uns abdicam do delineado para aplicar fusões de cores em gradações sutis, a exemplo do celebrado pintor holandês Rembrandt H. van Rijn (1606-1669) e do expoente da pintura flamenga Peter Paul Rubens (1577-1640). Esse método foi muito cultuado no que veio a ser considerado o ressurgimento da pintura em pleno século XIX. Para Dewey, esses artistas conseguem evidenciar as relações e aumentar a energia provocada sem prejuízo para a individualização das figuras. Longe de desmerecer o caráter de obra de arte de certos produtos

artísticos que, de acordo com seus fins, apresentam contornos mais definidos, o que Dewey defende é a necessária instauração de relações no espaço da pintura, ajudando a constituir a forma e a organização das energias na experiência perceptual.

Nas diversas modalidades de experiências, a criatura viva que reaja ao objeto experimentado pela observação é um organismo cujas tendências seguem moldadas por experiências pregressas. Em certos casos, partindo de uma observação automática, puramente adquirida, o conteúdo do passado fica subordinado e ausente da consciência. Em outras situações, o material do passado é conscientemente empregado como um recurso que contribui para a operação de problemas atuais, ou seja, com uso específico para servir a um propósito do presente. Por outro lado, em uma rememoração pura, para não distorcer a lembrança, torna-se fundamental manter as atitudes do presente destacadas da experiência pregressa. Entretanto, em se tratando de experiências investigativas, a exemplo das de âmbito científico, o conteúdo do passado assume o status de garantia do fundamento, sugere hipóteses e guia a ação do momento. Em contrapartida, na experiência estética, a arte constrói uma condição diferente. Merece atenção a maneira peculiar pela qual o conteúdo de experiências passadas, conectando- se com o material fornecido por meio dos sentidos, é transposto para as atitudes do presente. Para evidenciar a distinção frente às situações expostas no parágrafo anterior, recorremos à Dewey (2010, p. 241, grifo do autor), que explicita:

Na experiência estética, ao contrário, o material do passado não ocupa a atenção, como na rememoração, nem é subordinado a um fim especial. É fato que uma restrição é imposta àquilo que surge, mas ela é a da contribuição para o material imediato da experiência vivida no momento. O material não é empregado como uma ponte para uma experiência adicional, mas como um aumento e individualização da experiência atual. O alcance de uma obra de arte é medido pelo número e variedade de elementos de experiências passadas que são organicamente absorvidos na percepção do aqui e agora. Eles lhe dão corpo e sugestividade. Não raro, provêm de fontes obscuras demais para serem identificadas em uma lembrança consciente, e com isso criam a aura e a penumbra em que fica imersa a obra de arte.

Por outro aspecto, a atuação dos sentidos está predisposta ao organismo inteiro. Existe uma tendência intrínseca de cada sentido a se expandir. Em Arte como experiência, Dewey (2010) se aproveita da experimentação estética promovida pelos pintores que aplicavam o

recurso técnico do pontilhismo5 para tecer comentários sobre a participação do aparelho visual.

Nessa peculiaridade, a fusão dos pontos de cor, que se encontram fisicamente destacados uns dos outros na superfície da tela, promove a percepção de objetos. Porém, não é apenas a visão que interage com a pintura e que se torna responsável por aquela compreensão. O aparelho visual tem o papel de passagem, através da qual a totalidade da configuração ganha ocorrência em que as cores são expressivas por serem emocionalmente qualificadas. Cada cor é qualificada por interações de muitos órgãos, em uma ressonância do organismo inteiro. Visando explorar um pouco mais essa organização, Dewey (2010, p. 242-243)assegura:

O órgão que a investigação, usando o conhecimento anatômico e fisiológico para auxiliá-la, revela ser causalmente primário no condicionamento da experiência pode, na experiência em si, ser tão discreto quanto as vias cerebrais, que estão tão envolvidas quanto o olho, mas das quais apenas o neurologista especializado tem conhecimento – e das quais nem mesmo ele tem consciência quando está absorto em ver alguma coisa. Ao percebermos, por meio dos olhos, como auxiliares causais, a liquidez da água, o frio do gelo, a solidez das pedras, a nudez das árvores no inverno, é certo que outras qualidades além das da visão são conspícuas e controladoras na percepção. E é tão certo quanto pode ser que as qualidades ópticas não se destacam por si, mas ficam com as qualidades táteis e afetivas agarradas à sua saia.

Entretanto, as experiências de processos criativos também envolvem modificações no material físico do produto, a exemplo do cinzelamento do mármore em uma escultura, da interação dos pigmentos em uma pintura e das palavras que sejam reunidas em um poema. Dewey vai mais além quando trata dos materiais “internos”, aqueles de experiências pregressas, do imaginário da mente:

Eles também são progressivamente remoldados; eles também tem de ser geridos. Essa modificação é a construção de um ato verdadeiramente expressivo. A impulsão que fervilha como uma comoção, exigindo ser enunciada, precisa ser submetida a tanta e tão cuidadosa administração quanto o mármore ou as tintas, as cores ou os sons, para receber uma manifestação eloquente. E tampouco existem duas operações, uma praticada com o material externo, outra com o material interno e mental. (DEWEY, 2010, p. 168-169).

5 O pontilhismo é caracterizado pela aplicação de pontos e manchas com tintas de cores distintas, as quais se

fundem, ilusoriamente, durante a experiência estética de uma pintura artística. Derivado do impressionismo, o pontilhismo teve seu grande impulso em meados do século XIX, com destaque para a produção de Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935).

Essas mudanças partem de transformações que se dão em uma única operação. As sensações são ordenadas ao mesmo tempo em que as tintas são aplicadas sobre o suporte. Ou seja, “[...] o processo físico desenvolve a imaginação, enquanto a imaginação é concebida em termos de materiais concretos.” (DEWEY, 2010, p. 169).

Nesta tese, a reflexão ganha corpo por acompanhar o pensar de Dewey, concordando que se deve atribuir à experiência estética, tanto de produção quanto de percepção apreciativa, essa organização, movida pela integração progressiva entre os materiais externos e os internos. Deste modo, os fluxos a que Dewey se refere, os quais fazem a forma da obra de arte ganhar evidência, trazem à lembrança os conceitos aristotélicos e seus desdobramentos na filosofia e na ciência sobre o tempo. Conforme visto no capítulo anterior, caso exista consciência de alguma mudança, a presença do tempo se faz patente, mesmo que esteja presente apenas em nosso espírito. O próprio Dewey (2010, p. 374) afirma que, “[...] como entidade, o tempo não existe. O que existe são as coisas que atuam e mudam, e uma qualidade constante de seu comportamento é temporal”.

Ainda explorando o movimento na experiência estética, Dewey (2010, p. 370-371, grifo do autor) complementa:

Há um outro envolvimento importante do tempo e do movimento do espaço. Este é constituído não só por tendências direcionais – acima e abaixo, por exemplo –, mas por aproximações e afastamentos mútuos. Perto e longe, próximo e distante, são qualidades de importância pregnante, amiúde trágica – tal como vivenciados, entenda-se, e não apenas como enunciados pela mensuração na ciência. Significam afrouxar e apertar, expandir e contrair, separar e compactar, empertigar-se e murchar, elevar-se e cair, o dispersivo e espalhado e o suspenso e meditativo, a leveza insubstancial e o impacto maciço. Tais ações e reações são a própria matéria de que são feitos os objetos e acontecimentos que vivenciamos. Podem ser descritas na ciência porque nela se reduzem a relações que só diferem matematicamente, visto que a ciência está interessada no remoto e idêntico, ou nas coisas repetidas que são condições da experiência real, e não da experiência em si. Na experiência, entretanto, elas são infinitamente diversificadas e não podem ser descritas, enquanto, nas obras de arte, são expressadas. É que a arte é uma seleção do significativo, rejeitando no mesmo impulso aquilo que é irrelevante, e por isso o significativo é condensado e intensificado.

Por meio das mudanças qualitativas, disponibilizadas por uma obra de arte, torna-se possível caracterizar sua expressividade. Na citação anterior, Dewey considera acatar a subjetividade do artista, quando este seleciona o que pensa ser significativo para compor o produto de sua criação, configurando seu modo de expressão. Não é sem inspiração que esse

filósofo menciona o sentimento particular do artista. Como será visto a seguir, muitas de suas reflexões inspiram-se no romantismo proposto na Europa do século XIX, período do primado das paixões humanas. Tanto assim que, no texto de Arte como experiência, Dewey (2008b) cita, por quatro vezes, a pintura do romântico John Constable, artista que motiva e é objeto desta tese.

Retornando ao tema das fases consecutivas do fluxo contínuo da experiência estética, esta tese ressalta a maneira com que, em Arte como experiência, o autor desenvolve o pensamento sobre esta sequência temporal. Segundo Dewey (2010, p. 82), as consumações cumulativas configuram que “[...] o passado reforça o presente e [...] o futuro é uma intensificação do que existe agora”. Além disso, o que vem antes mostra-se relevante para o que vem em seguida, porém não é um determinante de seu sucessor. O ordenamento dessa sequência deve levar o percurso até sua consecução e, para Dewey (2010, p. 110), “[...] seu encerramento é uma consumação, e não uma cessação”. Para valorizar esse entrelaçamento, Dewey recorre a um dos fundadores do romantismo na Inglaterra, o poeta britânico Samuel T. Coleridge (1772-1834), quando este sugere que “[...] o leitor deve ser levado adiante [...] não pelo desejo irrequieto de chegar à solução final, mas pela atividade prazerosa do percurso em si.” (COLERIDGE, 1881 apud DEWEY, 2010, p. 62).

Ademais, outro aspecto da filosofia da arte de Dewey encontra-se na diferenciação entre a percepção estética e o reconhecimento. Este último, exemplificando, é similar a uma experiência comum que se tem ao ver uma pessoa conhecida em um espaço público. Para evitá- la ou apenas cumprimentá-la, não nos detemos nas qualidades que a outra criatura apresente no momento. Como uma percepção refreada antes de se desenvolver com ampla liberdade, o reconhecimento é o início de um ato de percepção, bloqueado antes da consumação de um perceber pleno. A percepção estética se difere do reconhecimento por se entregar mais ao que está para ser percebido. Dewey (2010, p. 91) defende que, na arte, a percepção “[...] não identifica algo presente em termos de um passado desvinculado dele mesmo. O passado se transpõe para o presente, expandindo e aprofundando o conteúdo deste último”. Enquanto o reconhecimento prejulga, na percepção artística, são construídas expectativas, que, ampliadas, ficam passíveis de rupturas e, em seguida, são reelaboradas para uma nova estruturação em um todo. Em uma percepção estética, o fruidor tem que criar sua própria experiência, com uma metodologia similar à vivenciada pelo artista, no sentido de aplicar uma organização de energias e um ordenamento rítmico, porém com seus interesses particulares e o material interno peculiar