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Do algodão ao tear: As experiências compartilhadas na prática de fabricação das redes de dormir em São Bento/PB

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES/CAICÓ

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA JOYCIANA DA SILVA MEDEIROS

DO ALGODÃO AO TEAR: AS EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS NA PRÁTICA DE FABRICAÇÃO DAS REDES DE DORMIR EM SÃO BENTO/PB

Caicó/RN 2015

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JOYCIANA DA SILVA MEDEIROS

DO ALGODÃO AO TEAR: AS EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS NA PRÁTICA DE FABRICAÇÃO DAS REDES DE DORMIR EM SÃO BENTO/PB

Monografia apresentada ao Curso de História do Centro de Ensino Superior do Seridó, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Caicó, como requisito básico para a obtenção do título de Bacharel em História.

Orientadora: Dra. Juciene Batista Felix Andrade

Caicó/RN 2015

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JOYCIANA DA SILVA MEDEIROS

DO ALGODÃO AO TEAR: AS EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS NA PRÁTICA DE FABRICAÇÃO DAS REDES DE DORMIR EM SÃO BENTO/PB

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel do Curso de História do Centro de Ensino Superior do Seridó, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela seguinte banca:

___________________________________________

Prof. Dra. Juciene Batista Felix Andrade (Orientadora) Departamento de História do Ceres – UFRN

________________________________________ Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade Departamento de História do Ceres – UFRN

_________________________________________ Prof. Dr. Ubirathan Rogerio Soares

Departamento de História do Ceres – UFRN

Caicó/RN 2015

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A Deus, que na nossa história é quem tece todas as tramas. E aos meus pais Josias e Marinete, a esta mulher de modo especial, eu dedico todas as vitórias do meu esforço, dela sempre recebi ânimo, coragem e todo vigor que por vezes vem a faltar.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por ter me permitido, através do dom da vida, primeiro presente que me concedeu a graça de conseguir iniciar e findar essa jornada acadêmica, não só isso, agradeço e devo a Ele toda força que tenho para seguir em busca dos meus ideais, e levantar nos momentos de queda, sem Tua força, nada disso teria acontecido.

A Ele eu também agradeço a bênção de ter ingressado na UFRN, no Centro de Ensino Superior do Seridó – CERES, instituição na qual durante quatro anos tive a oportunidade de ser instruída por um corpo docente competente, ético e qualificado, que me oportunizaram o vislumbrar de um horizonte superior, eivado pela acendrada confiança no mérito e na ética, aqui presentes.

Aos meus professores agradeço humildemente por terem me proporcionado o conhecimento não apenas racional, mas a manifestação de caráter e a afetividade no processo de formação profissional. Em especial, agradeço imensamente a contribuição da minha orientadora, a professora Juciene Batista Felix de Andrade, se a mesma não tem conhecimento, aproveito a oportunidade para externar que a tenho como modelo pessoal e profissional a ser seguido, desde o primeiro contato no primeiro período em 2012.1 nas aulas de Metodologia do Trabalho Científico, tanto admirei e me espelhei que segui sua linha de pesquisa e me encontro hoje a tendo como minha orientadora, nesta empreitada agradeço a ela pelas orientações que foram muitas, as palavras de força e coragem, as broncas que me proferiu nos momentos que fui acometida pelo desânimo e insegurança, muito obrigada professora.

Não posso deixar de agradecer ao professor Helder Alexandre Medeiros de Macedo, a este, tenho quase certeza que toda turma é imensamente grata, por ele ter se tornado uma espécie de guardião, nos acompanhado durante um ano, nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa Histórica em 2014.2 e na disciplina de Pesquisa Histórica em 2015.1, durante esse tempo, ele nos ajudou com as escolhas de tema para o trabalho de conclusão de curso e na elaboração de um projeto de pesquisa consistente que nos daria segurança na hora de escrever nosso trabalho, sua competência, conduta, dureza exigida pelo mérito, e sua sensibilidade perante o métier exigido de um historiador, me fez sempre ter a certeza que estava sendo bem encaminhada.

Sou bastante grata aos professores Ubirathan Rogerio e Tony Elíbio que foram os que suscitaram em mim as primeiras ideias a respeito da presente pesquisa durante a execução das disciplinas de História Moderna e História Contemporânea respectivamente. E aos demais

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Joel Andrade, Lourival Andrade, Muirakythan Macedo, Almir Bueno, Túlio Paz, Fábio Mafra, Rosenilson Santos, Hugo Romero (in memorian), Vanessa Spinosa, José Júnior, Rafael Scopacaza, João Quintino, e por último e não menos importante a professora Jailma Lima que para mim, foi mais que professora, foi aquela a qual tivemos a oportunidade de dividir tantas conversas e tantas gargalhadas que vou leva-la comigo como uma amiga que ganhei; a todos eles meus mais sinceros agradecimentos.

Agradeço singelamente a minha família em especial a minha mãe dona Marinete Medeiros, minha heroína eficaz, que me deu apoio e incentivo nas horas mais difíceis de desânimo е cansaço; e ao meu pai Josias Neto que apesar do seu jeito mais introspectivo, confia no meu potencial e me inspira toda vez que o ouço dizer que de mim se orgulha, devo ao meu pai o glossário deste trabalho, uma vez que retirei dos seus conhecimentos sobre fabricação das redes as definições para os termos técnicos usados nessa prática de trabalho.

Agradeço aos meus irmãos е sobrinhos, que nos diversos momentos da minha ausência dedicada ao estudo superior, sempre fizeram entender que о futuro é feito а partir da constante dedicação no presente!

Meus agradecimentos a todos os meus amigos que fizeram parte da minha formação e que vão continuar presentes em minha vida, em especial meu irmão de coração Rafael Ferreira, somos unidos pelo amor à História e ao companheirismo que criamos durante as idas e vindas de São Bento/PB à Caicó/RN compartilhando tantas experiências e aspirações, um sempre aconselhando o outro. A minha amiga Josiane Lúcio que durante esse ano se tornou presente em minha vida preenchendo os vazios de amizade que os compromissos acadêmicos formam, devido o tempo que a eles deve ser dedicado. A todos os meus colegas de curso pelos quais nutro imenso carinho e apreço, em especial Polianna Vale, minha querida parceira de trabalhos acadêmico e confidente preferida; Gleyze Soares, o que seria de mim se não fosse seu apartamento para me abrigar todas as vezes que necessitei permanecer em Caicó? E Arthur Anthunes meu colega sensível a todas as dores e solícito em todas as horas.

De forma especial agradeço a todos que fizeram parte da minha colônia de narradores, que contribuíram com suas memórias para a urdidura da minha pesquisa, Francisco Vieira da Nóbrega (Boqueirão), Cícero Clementino da Silva (Cícero Emídio), Jaci Severino de Sousa (Galego Sousa), Ana da Silva Medeiros (vovó) e Maria Silva Araújo Cunha (Maria de Edvar), os conhecimentos entre nós trocados me serviram para aperfeiçoar meu conhecimento sobre a prática da fabricação das redes de dormir e me engrandecer como pessoa, muito obrigada a todos vocês.

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Enfim, agradeço a todos que de forma direta e indireta contribuíram para que esse sonho fosse realizado, como se costuma dizer, o mérito da ajuda é deles, as eventuais falhas do produto final são minhas.

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RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade estudar as experiências compartilhadas da fabricação das redes de dormir em São Bento/PB, analisando o desenvolvimento da mesma através das narrativas dos são-bentenses que vivem o trato das redes desde a infância até a formação de suas próprias células familiares. O estudo terá um olhar voltado para uma história social à medida que através dessa dimensão historiográfica é permitido analisar os desdobramentos sociais dos diferentes grupos humanos e outro voltado para uma história cultural uma vez que esta é capaz de analisar tais desdobramentos considerando os valores, costumes e práticas que moldam o espaço conforme as peculiaridades distribuídas entre os homens e mulheres dispostos nos agrupamentos humanos. A realização da pesquisa se deu através da abordagem qualitativa usando-se do confronto entre a historiografia sobre o tema e entrevistas elaboradas através de roteiros individuais, que visam analisar o desenvolvimento da prática da fabricação de redes dentre os são-bentenses; os meios pelos quais foi possível desenvolver a prática de modo que se tornasse uma espécie de experiência compartilhada entre as gerações que a utilizam como conhecimento específico, gerando não só um desenvolvimento econômico, como também social e cultural; e os principais motivos que tornaram a mesma, símbolo de identidade do espaço em questão e das pessoas que o compõem.

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ABSTRACT

This work aims to study the experiences shared from the manufacture of nets in São Bento / PB, analyzing its development through the narratives of the “são-bentenses” that live the manufacturing of the nets from childhood to the formation of their own families. The study will take a look at the social history since through this historiographical dimension it is permitted to anylize the social consequences of different human groups and another facing a cultural history since it is able to analyze such developments considering the values, customs and practices that shape the space according to the peculiarities distributed among the willing men and women in human settlements. This research was made through the qualitative approach using the confrontation between the historiography on the subject and interviews elaborated through individual scripts, that aimes to analyze the development in the practice of manufacturing hanks among the “são-bentenses”; the means by which it was possible to develop the practice in a way that it became a kind of shared experience among generations that use it as specific knowledgement, creating not only an economic but also social and cultural development; and the main reasons that made it, symbol of identity of the space in question and the people who make it up.

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LISTAS DE FOTOS

FOTO 01: Os diferentes espaços utilizados na prática da fabricação das redes ... 33

FOTO 02: Tear batelão... ... 50

FOTO 03: Processo manual de urdidura do fio ... 52

FOTO 04: Utilização da urdideira elétrica para o urdimento do fio ... 53

FOTO 05: Tingimento de fio ... 54

FOTO 06: Homem fazendo desenho de rede na barcada. (Rolo que será acoplado ao tear elétrico) ... 54

FOTO 07: Espuladeira elétrica ... 55

FOTO 08: Homem tecendo em tear elétrico ... 55

FOTO 09: Processo de costura da rede (passar o ponto) ... 56

FOTO 10: Feiteira caseando rede ... 57

FOTO 11: Feiteira fazendo mamucaba ... 57

FOTO 12: Homem empunhando redes ... 58

FOTO 13: Homem colocando o caré ... 58

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

CAPÍTULO I ... 22

1. Urdindo práticas, tecendo histórias: constituição das redes da identidade são-bentense ... 22

1.1. Redes de experiências compartilhadas entre os são-bentenses ... 22

1.2. Redes de subterfúgio: uma prática econômica sazonal dos primórdios são-bentense ... 33

CAPÍTULO II ... 40

2. Redes de transmissão da prática artesanal da fabricação entre os são-bentenses ... 40

2.1. O artesanato das redes ... 40

2.2. O limiar histórico da transformação do artesanato das redes de dormir ... 47

2.3. O processo de fabricação das redes de dormir ... 51

CAPÍTULO III ... 61

3. Memórias enredadas: a modernização na fabricação e seus agentes impulsionadores ... 61

3.1. São Bento e a „construção‟ do industrioso ... 61

3.2. Manoel Lúcio e o processo de modernização da fabricação de redes ... 67

3.3. O protagonismo do redeiro e a formação das práticas de comercialização ... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75

FONTES CONSULTADAS ... 77

REFERÊNCIAS ... 78

APÊNDICES ... 80

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INTRODUÇÃO

A curiosidade movida pela vivência pessoal em determinado espaço, possibilita formações de problemas que aguçam os sentidos, fazendo com que um simples questionamento observado desde a infância, se torne futuramente objeto de pesquisa científica. O interesse inicial do presente estudo concentra-se justamente, nos questionamentos de infância e adolescência da autora do mesmo, acerca do curioso „modo de trabalho familiar‟ no processo de fabricação das redes de dormir em São Bento/PB 1, meio, responsável pela maior parte dos trabalhos e da renda da cidade.

Viver em um ambiente no qual, as barulhentas batidas de teares elétricos sempre atrapalharam o momento de lazer dos sábados de uma criança, a qual, tudo que mais desejava era passar aquele dia, assistindo toda programação de desenhos animados da TV Manchete, longe das exigências escolares entre os anos de 1995 a 2000, já suscitava questionamentos como: “Por que essa cidade não escolheu um trabalho menos barulhento para realizar?” ou então, “Por que nossos pais colocam teares nos fundos das nossas casas e não piscinas, como as casas das crianças dos filmes rodados na Sessão da Tarde?”. Questionamentos como esses funcionaram, essencialmente, para a autora um estímulo inicial para o segmento da pesquisa. O ingresso na universidade no Curso de História na UFRN culminou no aumento de embasamento científico para levantar questionamentos acerca do modo de trabalho familiar da fabricação de redes de dormir na cidade em questão. As aulas de História Moderna ministradas pelo professor Ubirathan Rogerio Soares respectivamente no segundo semestre de 2013 e primeiro semestre de 2014, foram cruciais para observações inquietantes.

Mas, foi nas aulas de História Contemporânea, ministrada pelo Professor Antônio Manoel Elíbio Junior, no segundo semestre de 2014, principalmente nos momentos de explicações sobre a indústria familiar têxtil na Inglaterra, durante o desenvolvimento da Revolução Industrial, que um leque de possibilidades de pesquisas começou a se abrir, e configurar no que faltava para o segmento de uma pesquisa que visasse compreender, os desdobramentos do processo e divisão de trabalho na „indústria doméstica‟ em São Bento, símbolo da economia e das malhas de envolvimento social e cultural da cidade.

O objetivo do presente estudo concentra-se em analisar as experiências compartilhadas da prática de fabricação das redes, desde seu modo artesanal e manufatureiro

1 Visando uma estética textual coerente, optamos por delimitar o estado brasileiro no qual está concentrado o

espaço estudado, ou seja, a cidade de São Bento, unicamente nesta ocasião, por não haver no trabalho, a menção de nenhuma outra cidade com o mesmo nome. Nos demais momentos que a mesma for citada, não conterá a sigla PB.

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até o processo de modernização da indústria. Buscamos realizar isso verificando que a prática de fabricação das redes, não consistiu em um mero espírito vocacional para o empreendedorismo dos são-bentenses, mas que a partir das raízes indígenas, que são os principais transmissores dessa tradição no que confere ao dormir no leito balouçante, e da prática no que compete ao aperfeiçoamento que os são-bentenses configuraram para tornar a fabricação algo dinâmico à medida que se tornou um meio comum de sobrevivência entre esses povos.

Não nos compete dar um limiar cronológico da fabricação de redes na cidade, mas sim, entender, o porquê, de essa fabricação ter se tornado parte integrante da vida social desse povo, perpassando o ambiente de trabalho e adentrando na família, na cultura, nos grupos sociais, na educação, entre tantas outras áreas.

É fundamental o olhar antropológico e etnográfico, para fazer as análises sobre o início da produção de redes no Brasil e no mundo, seu desenvolvimento, os povos que iniciaram sua fabricação, a necessidade prática desses povos pelo uso das redes de dormir, os caminhos que esse artigo têxtil percorreu, até se tornar, desde 1570, as camas do Brasil. (CASCUDO 2003).

Buscamos tecer essa trama com o auxílio da historiografia sobre o tema, e das possibilidades que o saber historiográfico permite, para analisarmos as lacunas que o conhecimento popular fornece, devido à escassez de registro, ou seja, de documentação escrita.

A falta de fontes documentais torna-se geralmente um problema para historiadores que tentam estudar as experiências comuns entre grupos diversos dos seres humanos, por isso, cada vez mais se tem recorrido ao uso da História Oral, que embora muitas vezes não sejam objetivas, nos permite chegar bem mais perto das vivências e práticas das pessoas tidas como inferiores. (THOMPSON, 1998).

Utilizar da História Oral nos permite juntar os conhecimentos sobre a gênese das redes de dormir, para termos ciência de sua origem e desenvolvimento, com a análise do discurso das fontes vivas que residem na cidade de São Bento construída como „capital mundial das redes‟: os fabricantes de redes mais antigos da cidade, seus familiares, antigos redeiros⃰, os donos de algumas fábricas têxteis, mulheres que se envolveram no processo de fabricação artesanal dentro das suas famílias, enfim, pessoas „comuns‟ que podem, através de suas experiências, transmitir-nos, a causa de a rede assumir papel tão importante na vida do povo dessa cidade.

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O trabalho enfoca uma metodologia de análise que consiste na comparação da historiografia sobre o tema, com os registros orais daqueles que vivem o trabalho da fabricação das redes desde a sua infância até a velhice, a fim de compreender como a prática, popularizada em São Bento, se transformou numa espécie de vivência social simbólica da mesma, caracterizando-se como parte integrante da identidade do povo são-bentense.

Quanto à utilização das fontes orais para a elaboração da pesquisa, nos baseamos nas informações e normas do manual de História Oral de Verena Alberti, que define esse método de pesquisa como:

Um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica, etc.) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo (2005, p. 18).

As pesquisas em História Oral realizadas para este trabalho ocorreram deliberadamente, através de várias etapas de produção de documentos até que estes se tornassem fontes. Primeiramente houve a elaboração do projeto de pesquisa para requisito parcial de nota no componente curricular Pesquisa Histórica, ministrada pelo professor Helder Alexandre Medeiros de Macedo, na UFRN, no primeiro semestre de 2015. Este projeto de pesquisa foi fundamental para que pudesse haver uma orientação sobre o que de fato seria tratado neste trabalho, serviu também como método de pesquisa pormenorizada sobre o tema, que a partir da formulação deste, veio a dar um caminho mais seguro acerca da formação da colônia de narradores que serviriam para o colhimento de depoimentos.

Durante a elaboração do projeto de pesquisa, citado anteriormente, tivemos a oportunidade de formar a colônia de narradores, realizando os primeiros contatos, que serviria para familiarizá-los com a proposta do estudo e informa-los sobre a importância dos mesmos para o desenvolvimento da pesquisa.

Realizada esta etapa, nos limitamos posteriormente a formular os roteiros individuais de entrevistas, os quais foram feitos com base nos primeiros contatos informais entre entrevistado e entrevistador. As perguntas variaram de acordo com a realidade de cada um no convívio e experiências adquiridas pelos mesmos dentro da prática de fabricação das redes em São Bento. Os roteiros individuais de entrevistas foram colocados neste trabalho em um apêndice a fim de direcionar o leitor quanto ao foco da pesquisa, e os resultados que a mesma possibilitou.

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As entrevistas foram realizadas no período de 27 de agosto até 15 de outubro de 2015, contamos com sete narradores, com aproveitamento para a pesquisa de cinco e o descarte de dois, as mesmas entrevistas foram transcritas, no período de 10 de setembro até 15 de outubro de 2015, concomitantemente ao processo de entrevistas e transcrições foi realizado o processo de escrita do presente trabalho.

Observaremos no decorrer do texto, que a especificidade do assunto e a maneira pela qual tratamos de grupos de pessoas de um local específico, que usam de práticas, costumes e experiências próprias, se mostram nas narrações com o desenrolar de um vocabulário particular, mesclado pelas palavras existentes dentro de uma variação linguística regional utilizada pelos mesmos, e também a utilização de termos técnicos voltados para a prática da fabricação, que tem seus significados expostos unicamente na experiência dos mesmos com a vivência dentro da fabricação. Esses termos técnicos e palavras usuais entre os narradores que serviram como fontes orais, encontram seus significados e atribuição exemplificados em um glossário ao final do presente trabalho, a fim de envolver o leitor nessa vivência, uma vez que não poderíamos distorcer o debate nu e cru dos narradores.

O uso da História Oral nos foi muito importante para as pesquisas acerca do movimento cotidiano dos são-bentenses com a fabricação das redes de dormir, tais como: a produção, a venda, mas também o envolvimento familiar e o envolvimento social com a fabricação das redes imbuído em uma cidade no Sertão da Paraíba, na qual essa fabricação se tornou um segundo meio de sobrevivência, até se tornar parte importante na sociedade e na identidade desse povo, regradas por um misto de experiências singulares entre si na fabricação desse artigo, que consiste em uma arte de fazer dentre os são-bentenses.

O trabalho se justifica sob um ponto de vista social, pelo fato de que, o modo de trabalho familiar das redes de dormir nessa cidade, não está apenas engajado em um patamar econômico de produção, mas também social e cultural para os moradores da mesma, de modo que, a fabricação de redes, envolve, além da ocupação salarial principal do povo de São Bento, também o envolvimento entre os membros das famílias são-bentenses, quase que de forma geral no município.

A corrente historiográfica chamada de Nova História deu-nos o arcabouço fundamental para caminharmos por campos diferentes, mas que, curiosamente podem mesclar-se na incessante busca pelo desvendamento das experiências humanas no tempo e em determinado espaço.

Hoje, estudar uma História Econômica significa, por exemplo, aprofundar a perspicácia científica nos movimentos sociais para verificar as nuanças e modificações do

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estilo de vida, e do modo de pensar de trabalhadores de determinada parte do mundo. Nesse intuito, juntamos os conhecimentos econômicos à História Social, já que esta consiste na dimensão historiográfica que examina os desdobramentos de uma sociedade.

A chamada Nova História é praticada pela Escola dos Annales e formou um grupo de historiadores heterogêneos quanto formadores de problemas, o uso das diversas fontes, a utilização do método historiográfico e o diálogo entre as formas de abordagens históricas.

Na Terceira Geração dos Annales encontramos a justificação de problematizar o uso da prática de fabricação das redes de dormir como símbolo das experiências compartilhadas entre um determinado grupo de pessoas, que acabam por formar e caracterizar um espaço de acordo com o uso de suas peculiaridades. Primeiramente com o distanciamento da economia, depois na tentativa de relacionar passado e presente, em uma discussão que se encontra dentro dos parâmetros de uma „história do presente‟, já que a historiografia se encontra em um combate com as fontes vivas que narram acontecimentos e desdobramentos do processo histórico da fabricação das redes, que tem sua cronologia marcada por períodos ainda bem próximos do atual.

Nessa fase da escola francesa a história passa a utilizar da interdisciplinaridade, associando-se a outros segmentos das ciências sociais como: antropologia, literatura, sociologia, dentre outras. Ocorre também um aumento expressivo na utilização de novas técnicas de pesquisa: o uso de computadores, de aparelhos de captação de som e imagem; as técnicas tornaram-se essenciais para uma renovação no método historiográfico como, por exemplo, o uso da História Oral como fonte de análise, método extremamente sensível às interrogações do presente. (REIS, 2000).

A geração de Braudel, J. Le Goff, E. Le Roy Ladurie e M. Ferro irá concentrar o olhar historiográfico para os gestos cotidianos, os costumes, em uma perspectiva de „longa duração‟, as vivências sociais, as experiências compartilhadas acompanhadas de suas mudanças e continuidades, tudo isso visando uma história mais descritiva e menos quantitativa, e sem perder de vista a importância do problema na pesquisa histórica.

Com o enfraquecimento científico da história dita positivista do século XIX contada a partir das elites, as pessoas “comuns” passam a ganhar voz e vez no debate historiográfico. É o advento da chamada „história vista de baixo‟, embrião da Nova História Política do século XX “que começa a se consolidar a partir dos anos 1980 passa a se interessar também pelo „poder‟ nas suas outras modalidades”. (BARROS, 2008, p. 107).

A “História Vista de Baixo” preocupa-se tanto com as massas anônimas, quanto com o „indivíduo comum‟, esse olhar historiográfico permite que, homens e mulheres que tinham

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suas histórias ignoradas passem a serem considerados importantes, e tornem-se passíveis à problematizações historiográficas. (BARROS, 2008).

O intenso diálogo entre a História Social e a “História Vista de Baixo” são praticamente inevitáveis. As relações de socialização dos “indivíduos comuns” faz com que essa especialidade historiográfica seja o fio condutor para as análises que visam os mecanismos das organizações, movimentos, agrupamentos e classes sociais.

A formação dos grupos humanos e os processos resultantes de suas relações encontram-se no cerne das pesquisas que se enquadram na dimensão historiográfica denominada de História Social. Recorremos a esta dimensão em busca de sanar os questionamentos levantados nesse estudo, já que a mesma expõe explicitamente uma ênfase na análise dos comportamentos e da dinâmica social. (CASTRO, 1997).

É com esse olhar que analisamos as relações que estruturam a movimentação do fazer a rede em São Bento, com suas peculiaridades nas mudanças e continuidades dessa experiência trocada entre uma parcela majoritária da população, que fez dessa prática não só um meio econômico, mas uma face das relações sociais entre os são-bentenses de classes distintas.

A “História Vista de Baixo”, a partir do olhar de E. P. Thompson procura dar ênfase aos desdobramentos sociais antes deixados de lado pelos historiadores, procurando colocar as noções de experiência e cultura nas análises acerca da ação social, concentrando-se na compreensão da experiência das pessoas comuns, no passado e de suas reações a esta própria experiência. (CASTRO, 1997).

Implica em agregar toda carga de conhecimento adquirido da vivência cotidiana nesse recanto do Brasil, com suas disparidades, seus benefícios econômicos, o engajamento das pessoas nessa prática, o envolvimento dos são-bentenses de todas as esferas sociais, para analisarmos as brechas dos emaranhados de fios da história da experiência social e cotidiana da fabricação de redes, fazendo da tessitura dessas experiências uma análise da vivência do homem „comum‟, analisado por Thompson como a massa esquecida (1998).

O trabalho está dividido em três capítulos que tem o intuito de responder como as experiências compartilhadas na prática de fabricação das redes de dormir em São Bento, tornaram-se fundamentais para a transmissão da mesma dentre as gerações. Também, como esse trabalho específico adentrou na vida social, cultural e econômica dos são-bentenses, de modo que os mesmos aperfeiçoassem a técnica que consistia apenas em uma tradição, até tornar-se o principal meio econômico e de interação social dentro do espaço discutido.

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O primeiro capítulo tem como objetivo, demonstrar através de explorações etnográficas, econômicas e socioculturais, que a utilização das redes de dormir em São Bento, como também sua fabricação, não consiste apenas em uma prática que surgiu naturalmente de um contexto vocacional dos seus habitantes para o empreendedorismo, haja vista que a tradição da fabricação das redes está presente no Brasil desde as remotas origens indígenas, e que a utilização desse artigo entre os índios ou caboclos que habitaram as margens do rio Piranhas foi um forte fator que culminou na transmissão do saber artesanal de produzir redes de dormir, seguida de sua utilização contínua. Realizamos essa etapa através dos estudos de Câmara Cascudos acerca da fabricação e utilização das redes de dormir, através de sua obra

Rede de dormir uma pesquisa etnográfica.

O modo de fabricação das redes e as peculiaridades envolvidas nessa prática serão analisados ainda nesse capítulo, através do conceito de experiências compartilhadas avaliadas por E. P. Thompson, ou seja, através de um olhar historiográfico preocupado com as ações dos seres humanos. Partindo do pensamento do historiador britânico sobre os costumes e seus compartilhamentos, analisaremos as narrações de modo a observar a prática da fabricação e o lugar onde ela está inserida, tendo como arcabouço principal o exercício da memória, que nos possibilitará neste capítulo, elucidar as nuance das mudanças e continuidades imbuídas nessa prática ao longo da história.

Neste capítulo tentamos mostrar através do debate acerca das chamadas „artes de fazer‟ avaliadas por Michel de Certeau que essa prática adentrou diretamente na vida cotidiana de São Bento. Aqui, utiliza-se de um discorrer de informações sobre a fase inicial da fabricação no município ainda na zona rural e seu status de atividade econômica secundária que servia para sanar os períodos de estiagem, ou seja, períodos fracos para a agricultura, funcionando assim como um subterfúgio econômico.

O segundo capítulo faz uma análise acerca do desenvolvimento da prática inicialmente artesanal; o envolvimento da família no processo de fabricação que era realizado de forma rudimentar; com o uso de ferramentas simples e com a utilização e preparação do fio para a urdidura, feita pelos próprios membros dos núcleos familiares produtores de redes, que nessa fase eram realizados por mão de obra essencialmente feminina com a ajuda efetiva dos filhos maiores e menores de idade de ambos os sexos.

Em seguida tentamos analisar esse desenvolvimento da fase artesanal manufatureira, através da substituição dos chamados teares de três panos primeiramente pelo chamado tear

de cia, que teve sua introdução necessária devido o início da utilização do fio industrializado

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foi capaz de transformar a prática modificando o trabalho familiar de modo que a presença masculina se efetivasse no processo. E como ela foi capaz de diversificar a produção, dividindo o trabalho agora entre todos os membros da família.

Por último discutiremos como está atualmente dividido o processo de fabricação de redes, levando em consideração a comparação entre o período atual com o período em que a fabricação se dava primeiramente de forma artesanal, levantando as especificidades dos espaços da realização da fabricação em seu modo artesanal que geralmente ocorria na zona rural da região de São Bento, que ainda antes de emancipada, já utilizava desse produto para venda e troca.

O terceiro capítulo discute o processo de modernização da fabricação e seus agentes impulsionadores através unicamente da narrativa das fontes orais, que analisam a construção do „industrioso‟ associado ao nome da cidade de São Bento como polo industrial. As narrativas nesse caso funcionam como um método de averiguar, mediante a experiência dos narradores na fabricação, como a mesma ainda se encontra dividida entre o trabalho artesanal e o trabalho industrial.

Buscamos nesse capítulo discorrer sobre a forma pela qual, esses dois meios interagem entre si e formam um emaranhado de interações sociais dentro do trabalho que utiliza de diversos espaços para seu desenvolvimento que não se limitam apenas em espaços industriais. Como essas transformações aconteceram, sem que as peculiaridades existentes na prática de fabricação fossem esquecidas pelos são-bentenses que lidam em sua maioria com o trato das redes, e sem deixar que essa prática, perdesse o caráter de atividade repassada entre as gerações através da circulação da tradição que passou adquirir uma categoria de norma dentre eles, e exigir uma pedagogia particular para a transmissão da prática.

Analisaremos duas figuras essenciais para o processo de modernização da prática de fabricação das redes, a primeira, que se concentra na pessoa de Manoel Lúcio, que de acordo com as fontes orais foi aquele que a partir de 1958 começou a introduzir teares mais modernos em sua recém-formada tecelagem. Manoel Lúcio foi responsável por trazer os primeiros teares mecânicos para São Bento, por volta das décadas de 1960 e 1970 aumentando a produção a ponto de começar a expandir a comercialização das redes produzidas em sua tecelagem, para fora das fronteiras da cidade e do estado da Paraíba.

Mostraremos aqui que a inovação de Manoel Lúcio não só de mecanizar a produção, mas também de enviar seus funcionários para outras cidades vender as redes de sua tecelagem, influenciando a outros fabricantes que passariam a utilizar dessa nova forma de comercialização, para aumentar a produção. Essas inovações de Manoel Lúcio, tanto na

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fabricação, quanto na comercialização das redes daria a ele um lugar na memória dos são-bentenses como o principal agente impulsionador do processo de modernização da fabricação, sendo ele o responsável pelo aceleramento da mecanização, e o impulsionador da segunda etapa da modernização, que seria a figura do redeiro.

A partir da iniciativa de Manoel Lúcio, o redeiro se tornou ao longo do tempo, o principal símbolo do escoamento da produção de redes da cidade, e aquele que espalha a particularidade do artigo nela produzido com relação às produzidas em outras cidades brasileiras.

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CAPÍTULO I

1. Urdindo práticas, tecendo histórias: constituição das redes da identidade são-bentense.

1.1. Redes de experiências compartilhadas entre os são-bentenses

As experiências compartilhadas entre os diferentes grupos humanos geram uma gama de saberes coletivos, de constituição de práticas desenvolvidas entre os mesmos, as quais são continuadas através do tempo em que esses grupos mantêm vivas tais experiências e as tornam partes integrantes do meio nas quais elas são geradas participando assim ativamente de sua vivência e por sua vez influenciando nos contextos social e cultural.

As relações que estruturam a prática do fazer de redes em São Bento, com suas peculiaridades nas mudanças e continuidades dessa experiência trocada entre uma parcela majoritária da população, é o que permeia esse estudo. Essas relações fazem da prática não só um meio econômico, mas uma face das relações sociais entre os são-bentenses de classes sociais distintas, e responsáveis pelas mais diversas formas de agrupamentos.

A noção de prática, neste caso ultrapassa o significado de rotina ou hábito, assume um significado mais amplo de vivência e compartilhamento das experiências que moldam um lugar e seus determinados partícipes. A prática da produção de redes, por exemplo, está presente dentro dos costumes de grupos indígenas que as usavam como leito apropriado para as noites quentes das regiões mais temperadas da América do Sul, como também servia de proteção contra os animais rasteiros das matas. O fato é que tal costume foi, ao longo do tempo, sendo utilizado por outros, como os colonizadores, que disseminaram através de um processo histórico, mas também cultural, o costume de dormir suspenso no ar a partir do século XVI. (CASCUDO, 2003.).

O costume se torna prática à medida que os seres humanos, que são os agentes da história, passam a utilizar do mesmo como um fator de agregação entre eles, formando um elo de comunhão, que por algum motivo os fazem compartilhar dessa prática que passou a ser peça fundamental para o desenvolvimento do cotidiano entre povos. Em São Bento, esse costume se transformou em prática a partir do momento que os são-bentenses viram na rede não só uma espécie de leito diferente das famosas camas, mas viram e desenvolveram uma prática econômica que serviriam para sanar os períodos de dificuldades enfrentados entre eles com a questão agropecuária na região.

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A prática que gera experiência passou a ser compartilhada entre os demais que são capazes de aprimorar a mesma e torná-las peças integrantes da vivência de um grupo, desta forma, os moradores de São Bento fizeram da prática da fabricação de redes um trabalho tão eficaz e presente, a ponto de se diferenciar no seu processo e nos usos das técnicas, mas sem perder seu caráter de pertencimento com o lugar e seu povo.

No caso particular da fabricação de redes, tratamos de um meio social no qual mantém a prática em constante movimento através de um plano de ensinamento da mesma entre os mais velhos e os mais novos em uma espécie de pedagogia da fabricação de redes que se configura no meio de trabalho que se popularizou na cidade, e se tornou o principal meio econômico da mesma.

O interessante nesse debate é analisar como esse saber é repassado, como essa experiência se mantém importante para o meio social em questão e, do mesmo modo que a prática é repassada através da oralidade, e não através de manuais prontos onde os ensinamentos das mesmas estão inseridos. É desta mesma forma, através da memória expressa por meio do exercício oral, que buscamos o desenrolar e engajamento dessa prática dentre os são-bentenses ao longo de sua história.

Michael Pollak averigua que a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente próprio da pessoa (1992). Porém o mesmo rebate que em meados das décadas de 1920-1930 Maurice Halbwachsjá havia mencionado que os fatos memorialísticos devem ser entendidos como um fenômeno coletivo e social, e que por serem construídos coletivamente são submetidos a transformações e mudanças constantes. Isso ocorre porque o fato de serem coletivos, não impede que a forma a qual os variados seres que os compartilham sejam diferenciados de acordo com a sua vivência com determinado fator relembrado pelo exercício da memória. Contudo, é importante frisar que, na urdidura e na tessitura da memória em forma de relatos de „histórias‟, ela pode e vai funcionar em sua maioria como fatos que contém marcos ou pontos relativamente invariantes e imutáveis entre si.

O que nos depararemos nas narrativas sobre a prática da fabricação das redes de dormir em São Bento é justamente o ajuntamento desses relatos imutáveis que funcionam como uma espécie de memória herdada. Aquela que não se deixa arquivar-se pela ação do tempo, mas que permanecem como símbolo de aprendizado contínuo que repassam um saber, havendo a transferência de uma experiência que passará a fazer parte do leque de identidades que os agrupamentos sociais possuem e compartilham entre si.

Segundo Stuart hall a identidade costura os sujeitos à estrutura (2014) os estabilizando aos mundos culturais nos quais estão inseridos. Desta forma o sentimento de

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identidade torna-se reciprocamente unificado e comum entre ambos. Se a fabricação de redes em São Bento não tivesse se tornado parte da identidade deste povo, muito dificilmente as narrações teriam significados tão parecidos entre os diferentes narradores que compuseram o limiar da pesquisa. Ainda segundo o teórico cultural, o mesmo nos elucida que a sociedade moderna é definida como àquela que vive em constante mudança. Vemos que ainda assim, ela não vai deixar de coexistir com as tradicionais que usam do passado como símbolo que contém e perpetuam a experiência vivida entre as gerações.

Esse misto de práticas e experiências compartilhadas, vão garantir o meio de lidar com o tempo e o espaço inserindo as mesmas na continuidade do passado e do presente, que serão, por sua vez, estruturados por práticas sociais recorrentes.

A fabricação das redes de dormir está presente em São Bento desde fins do século XIX, até os dias atuais (SILVA, 2010). Sem o intuito de fornecer informações precisas a respeito do início da fabricação, buscamos fazer um percurso historiográfico sobre boa parte do que se tem da experiência da mesma. Conseguinte comparar os tais estudos com os registros orais, daqueles que vivem o trabalho da fabricação de redes, desde a sua infância até a velhice.

As redes de dormir consistem em uma espécie de leito balouçante, feito de tecido, suspenso pelas extremidades, terminadas em punhos, que por sua vez, são suspensos em ganchos geralmente pregados em paredes. O artigo, que hoje é característico da indústria têxtil começou a ser utilizado mantendo um caráter utilitário para as noites de sono de alguns grupos indígenas. Não existe registro escrito sobre as redes anterior à observação europeia na América do Sul durante a colonização no século XVI, ou seja, o leito suspenso no ar era desconhecido até então.

Devido à inexistência de registro escrito anterior a colonização das Américas, os elementos característicos da cultura indígena, seus usos e costumes, somente se tornaram visíveis a partir do momento em que „o outro‟, assume o papel de escrever sua vivência, valores, práticas, ritos, crenças e saberes. É praticamente impossível saber ao certo a origem da rede, mas, segue-se o traço da pena portuguesa, para analisarmos, o percurso da sua apresentação gráfica nas terras que viera a ser o Brasil, para o mundo.

Segundo Câmara Cascudo 2, a rede no sertão é herança indígena (2003). Uma pesquisa etnográfica sobre o uso das redes de dormir no mundo, seguidamente no Brasil, não

2

Etnógrafo, folclorista, historiador, memorialista e cronista, o autor do monumental Dicionário do folclore brasileiro (1952), nasceu no dia 30 de novembro de 1898, em Natal/RN, onde passou grande parte de sua vida se dedicando aos estudos da cultura brasileira. Exímio pesquisador das manifestações culturais brasileiras é

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poderia deixar de ser alvo dos estudos do intelectual que, descobre na rede um misto de significados deste artigo que no Brasil e, principalmente nas regiões sertanejas, são de uso comum e diário para milhares de pessoas.

Em sua pesquisa sobre a origem etnográfica das redes de dormir, o folclorista faz um balanço dos documentos mais antigos nos quais, esse artigo têxtil é mencionado verificando que a primeira citação nominal do leito datava de abril de 1500, no qual Pero Vaz de Caminha denominava a hamaca sul-americana de rede, devido sua semelhança com a rede de pescar, em sua descrição dos Tupiniquins.

Os levantamentos de Cascudo acerca do uso das redes resultaram num interessante estudo sobre as origens desta. A obra intitulada Rede de dormir: uma pesquisa etnográfica, o resultado de seus estudos nos possibilitou percorrer a história e a geografia da rede, e nos baseamos nestes dados para analisarmos os caminhos desse artigo a partir do século XVI, que servia para diferentes grupos indígenas amenizar o incômodo das noites de calor de algumas regiões sul-americanas, e protegerem-se durante o sono, dos animais rasteiros das selvas, sempre acompanhada de um luzeiro de fogo, para espantar insetos e animais selvagens.

Fazendo um percurso sobre os registros mais remotos, o folclorista potiguar, observou através de Gandavo na sua obra História da Província de Santa Cruz, a existência das redes de dormir dentre os grupos indígenas no Brasil em 1573. Ele relata esse artigo como as camas em que dormem os nativos, e especifica as características físicas da rede de dormir:

As camas em que dormem são umas redes de fio de algodão que as índias tecem num tear a sua arte, os quais têm nove ou dez palmos de comprimento e apanham-na com uns cordéis, que lhe rematam nos cabos, em que fazem uma azalha de cada banda, por onde as penduram de uma parte a outra. (GANDAVO, 1964 apud CASCUDO, 2003, p. 53).

Trazendo a citação de Gandavo para o debate acerca da utilização das redes de dormir em São Bento, verifica-se em Genival Soares da Silva um levantamento em que a „indústria‟ de redes na cidade em questão teria surgido naturalmente de um contexto

bastante citado em diversos campos de estudos ligados às ciências sociais, no entanto, ficou mais conhecido através de seus livros dedicados ao folclore brasileiro.

Desde a década de 1930 o pesquisador fora imbuído por diversos questionamentos sobre a realidade brasileira, tais inquietações se traduziram no rol de obras que expressam à pluralidade cultural do Brasil. A relação de Cascudo com as chamadas „coisas brasileiras‟ foram muito fortes na vida e obra do mesmo.

Profundo pesquisador dos fenômenos cotidianos de nossa vida popular via as manifestações das experiências compartilhadas entre determinados grupos e as práticas por eles estabelecidas, como verdadeiras fontes históricas.

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vocacional dos seus habitantes para o empreendedorismo durante as décadas de 1910 e 1920 (2010, p. 244). Historicamente, tal evento não ocorrera tão simplesmente sem a existência de uma malha de fatores e desdobramentos étnicos, sociais, culturais e econômicos, que foram responsáveis pela introdução da prática de fabricação de redes de dormir em São Bento e a proliferação dessa prática entre os são-bentenses.

Todavia, o mais provável de se pensar é que a rede seja expressamente mais remota que 1500, e que bem anterior a essa data ela tenha se tornado um artigo de uso pessoal e indispensável. Comum entre povos, experiências anteriores a esse período já ofereciam a ela esse status para os ameríndios. Essas experiências é que oferecem a rede de dormir, como também outros elementos, para fazer parte da tradição dos povos do território americano, que dificilmente, escapará de algum aspecto cultural e étnico, dos nativos do nosso continente.

Por assim dizer, ela passou não mais a ser apenas de uso do índio, mas também do colonizador, um pouco mais tarde, do senhor de engenho, do escravo, do capataz, do fazendeiro, do coronel, do cangaceiro, do tropeiro, dos deputados-gerais, dos senadores do Império e da República e do homem sertanejo.

O homem sertanejo, ao longo de sua história, fora àquele que fez da rede, sua cama apropriada para o descanso noturno do trabalho no campo, a sesta do meio dia e acolhida calorosa para os que vêm de fora. Por volta de 1910, na região sertaneja do Nordeste, foi se transformando em meio econômico que serve para suprir as necessidades enfrentadas na agricultura e na pecuária nos períodos de estiagem, permanecendo em algumas localidades até os dias de hoje.

A tradição da fabricação de redes presente nas origens do Brasil indígena nos fornece subsídios necessários para avaliarmos a existência da rede em si, dentre os índios ou caboclos que habitaram as margens do rio Piranhas. A existência desse rio na região funcionou como um fator de agregação populacional, oferecendo vantagens para os seus habitantes na área da agricultura e da pecuária. (BEZERRA, 2013, p. 12).

Tal afirmativa sugere que foram desses povos a herança artesanal das redes de dormir dos moradores do município de São Bento. Do ponto de vista etnográfico, tal assertiva já abole uma suposta natureza de espírito vocacional para o empreendedorismo, já que seus ancestrais indígenas já às fabricavam em um contexto de produto utilitário para usufruto próprio.

A fabricação utilitária das redes de dormir pelos indígenas foram passadas para os futuros habitantes da região, transformando a cidade no cenário de um processo de formação

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histórico-social da produção de práticas artesanais, que consiste no modo de trabalho familiar da fabricação das redes.

As práticas comuns do fabrico das redes entre os membros das famílias estabeleceram um no „modo de fazer‟ o artigo, implicando diretamente na vida cotidiana daqueles que a fabricam, gerando um saber compartilhado entre todos e transmitido entre as gerações.

Esse estabelecimento se afirma como uma construção do saber coletivo que, se transformou em um misto de peculiaridades próprias entre os participantes desse cotidiano que, vivem a fabricação das redes em quase todas as esferas da vivência social. Michel de Certeau avalia essas práticas como „arte‟. São assim „as artes de fazer‟:

Toda arte tem sua especulação e sua prática: sua especulação, que nada mais é que seu conhecimento imperativo das regras da arte; sua prática, que outra coisa não é senão o uso habitual e não reflexivo das mesmas regras. A arte é, portanto, um saber que opera fora do discurso esclarecido e que lhe falta. Mas ainda esse saber-fazer precede, por sua complexidade, a ciência esclarecida (2014, p. 129).

A prática do fazer a rede primeiramente permitiu a elaboração do costume de usá-las para dormir, este se prolifera dentre os demais de acordo com a sua viabilidade. As causas para a introdução do costume de dormir em redes no Nordeste são diversas, desde o clima propício para esse tipo de dormida, até a baixa renda desses povos para comprarem camas, leitos geralmente usados por aqueles mais abastados, descendentes de senhores de engenho, coronéis, dentre outras figuras.

O conhecimento gerado sobre o meio o qual está inserido gera involuntariamente as regras da arte, que no caso particular das redes de dormir, se configuram na prática de sua fabricação, que adquire um status de regra em sua confecção, elas se manifestam e tornam-se unas, praticadas habitualmente.

O discurso esclarecido dentre aqueles que comungam de determinada prática, constitui e elabora a caracterização de uma arte de fazer que, tenha seus valores centrados no compartilhamento das ciências geradas por determinados grupos humanos, através da complexidade de cada local e seus determinados partícipes.

Foi através do discurso elaborado através da prática do fabricar a rede que, a mesma pode se estabelecer na origem dos moradores da cidade que hoje chamamos São Bento, que

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conta hojecom a idade de 56 anos e, foi gestada como cidade no dia 29 de abril de 19593. A mesma desmembrou-se da cidade vizinha Brejo do Cruz/PB e tem sua origem semelhante à de outras cidades dos sertões do Brasil, seu processo de formação teve a participação efetiva da família Oliveira Ledo, responsável pela ocupação das terras do sertão da Paraíba. (SILVA, 2010, p. 32).

De acordo com Genival Soares da Silva, a zona rural tivera grande importância para o desenvolvimento e crescimento das cidades dos sertões brasileiro. Em São Bento, seus habitantes residiam na sua maioria na zona rural, o povoado era pouco habitado e a pequena porção que nele se concentrava se deslocavam durante o dia para os seus serviços na roça retornando ao fim da tarde.

O início do artesanato das redes se deu na zona rural do município. Através da historiografia regional nota-se a predominância dos seus primeiros habitantes na zona rural como vimos anteriormente, São Bento esteve em suas origens voltada para o desenvolvimento das atividades agropecuárias.

Com base nessas informações avaliamos a fabricação de redes em sua fase inicial artesanal, com o uso de rudimentares teares de madeira, partindo do campo, como uma atividade secundária nessa região, que “se desenvolve e torna-se dominante no contexto econômico local, colocando em segundo plano na cidade em questão as atividades típicas do semiárido nordestino.” (CARNEIRO, 2001, p. 82).

A tradição oral nos foi muito cara para as análises a respeito do envolvimento dos são-bentenses de esferas sociais diversas com as redes. Somente a partir da oralidade, puderam-se angariar informações acerca do envolvimento dos mesmos em determinada prática comum, adquirida através da vivência cotidiana e da necessidade. Esta, por sua vez, tem seus valores sociais e culturais calcados nos contextos e situações em que homens e mulheres estão inseridos (NEGRO; SILVA, 2001).

Levando em consideração o confronto entre as necessidades e a existência dos grupos, levantados por Thompson. Antonio Luigi Negro e Sergio Silva atestam:

Contudo, no interior e por baixo desse arco, há um sem-número de contextos e situações em que homens e mulheres, ao se confrontar com as necessidades de sua existência, formulam seus próprios valores e criam sua cultura própria, intrínsecos ao seu modo de vida. (2001, p. 261).

3 Data que a Emancipação Política da cidade fora garantida pela Lei 2.073, de autoria do Deputado Estadual

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O arco das experiências está moldado de uma série de contextos e situações que o forma de acordo com as necessidades. É importante avaliar, seguindo a ideia da citação acima, que a prática da fabricação das redes, não está presente em São Bento de forma única, esse tipo de trabalho específico é desenvolvido em muitas cidades sertanejas ainda hoje. O que podemos retirar dela para a realidade do espaço em questão é que, através do modo de vida da população são-bentense que encontrou na fabricação das redes a obrigação de uma sobrevivência, puderam assim transformar essa prática, de modo que, oferecesse seu cotidiano juntamente com os valores que permeiam o envolvimento mútuo dos mesmos, para uma troca de conhecimentos práticos e coletivos. Tal envolvimento, transformou uma prática comum dentre outras cidades, em uma cultura própria, à medida que modelou a mesma a partir do seu modo de vida.

A partir de diálogos com os narradores, observou-se que todos atribuíram que, a fabricação das redes de dormir se iniciou na zona rural, e que aos poucos foi adentrando no povoado. Esses relatos são base dos testemunhos de seus pais e muitas vezes avós, que ficaram guardados na memória do povo são-bentense.

Os narradores relatam o início dessa fabricação realizada ainda no campo, por seus pais, no antigo processo de fabricação das redes no âmbito familiar. Um dos nossos entrevistados o senhor Francisco Vieira da Nóbrega, mais conhecido na cidade como Boqueirão, relata-nos seus conhecimentos, transmitidos de geração em geração, sobre o início da fabricação artesanal de redes ainda no século XIX:

Quanto ao início da fabricação, São Bento pelo o que a gente vê, até na história aí, que em 1877, um pessoal aqui dos Pintos já teciam rede. Era a rede bem simples que era com três panos, pra juntar os três, pra poder dar uma rede na largura, chamavam o tear de três panos, que era um tearsinho de pau. Naquela época o pessoal preparava o próprio fio, eles pegavam o algodão, descaroçava o algodão, tudo manualmente, e faziam tal, usando lá um sistema, que deixava o fiosinho e tecia a rede (Informação verbal) 4.

O senhor Boqueirão como é mais conhecido na cidade em questão, tem 68 anos, é agricultor, criador de gado e fabricante de redes em São Bento. O entrevistado é membro da tradicional família Vieira, considerada como a primeira que se estabeleceu em São Bento, no

4 Entrevista concedida por NÓBREGA, Francisco Vieira da. Entrevista. (ago. 2015). Entrevistador: Joyciana da

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sítio Boqueirão pelo patriarca da família na cidade o senhor Antônio José da Cruz apelidado deCatonho.

O narrador nos fornece esse relato quando ainda mencionava que considera o trabalho com a rede, um serviço quase totalmente artesanal. Desse modo, ele incrementa seu argumento, trazendo para a entrevista, a forma usual da fabricação de uma rede simples, no período a qual era totalmente artesanal, desde a preparação do fio, que ia do descaroçar do algodão, sem uso de descaroçadora 5, até a urdidura do fio e tessitura do pano.

É notória na fala do narrador a intimidade que ele tem com o processo ao falar nas ferramentas utilizadas durante a fabricação, como por exemplo, ao chamar o tear de tearsinho, o fio de fiosinho. Até mesmo a máquina descaroçadora de algodão, ganha uma interpretação linguística própria na fala dos narradores ao se referir a mesma como descaroçadeira⃰.

Os próprios membros da família realizavam esse processo, a partir da retirada da lã, iniciando a partir daí um mecanismo de preparação do fio, e torcendo o mesmo para render uma fibra apropriada. Posteriormente juntava essas fibras de fio em carretéis para a urdidura do mesmo.

Quando o senhor Boqueirão fala em „rede bem simples que era com três panos‟, ele se refere aos tipos de redes mais antigas que se tem registro memorial entre os são-bentenses. Consiste na rede tecida em um tear de madeira que, fabricava o pano com 60 cm de largura. Todavia, uma rede convencional precisa atingir seu tamanho padrão de 1,80 m, deste modo, tinham que ser tecidos três panos com no máximo 60 cm de largura cada, para em uma fase posterior do processo, juntar os três em uma costura também manual para formar uma rede de tamanho padrão.

Em outra entrevista, temos uma confirmação fidedigna ao relato anterior sobre o processo de fabricação das redes em seu modo genuinamente artesanal. O senhor Cícero Clementino da Silva, bastante conhecido na cidade como Cícero Emídio, agricultor e ainda fabricante de redes em São Bento, com a idade de 76 anos, é um dos moradores da cidade com maior experiência na fabricação de redes. Tendo começado ainda na sua infância com o tratamento do fio para o tear de sua irmã mais velha dona Ana, primeiramente no sítio Boqueirão de Baixo, posteriormente no sítio Xique-Xique.

Atualmente devido a sua idade já avançada, e por problemas auditivos, sua fábrica está sob a administração dos seus filhos Milton e Wilson. Seu Cícero Emídio nos relata como

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era feita a fabricação manual das redes de dormir entre sua família, na zona rural de São Bento, por volta de 1948:

(...) A gente começou a pegar em fio, daquelas redinha que Ana fazia não é? (...) Juntava pra botar três redes num tear de três panos, três panos era assim... (...) O tearsinho era dela, era um tear que só tinha a queixa⃰, a grade, (...) num tinha aquele negócio de bater no pente⃰ pra vir não, porque o rolo⃰ era preso, não é? Pra vir era preciso rodar o tear em baixo e empurrar a queixa em cima num pau. Tá entendendo? (...) Pra dá a distância de continuar tecer de novo não é! (...) Se ela botasse três redes num tear era nove panos, era um sacrifício. Era urdido nuns torninho enfiado nas brecha do tijolo, no oitão⃰ da casa. Tá entendendo? (Informação verbal) 6.

Nota-se que o saber a respeito do processo artesanal inicial da fabricação é compartilhado entre os dois primeiros entrevistados da pesquisa. Eles assumem também um misto de saberes, ritos e linguagens comuns entre si, aspectos que garantem justamente um lugar da prática de fabricação das redes de dormir em São Bento na memória.

A explicação do senhor Cícero Emídio se apresenta com mais detalhamento, até mesmo com relação ao chamado tear de pau, ou seja, tear de madeira, que não fabricava uma rede em seu tamanho normal como já explicamos anteriormente. O narrador também detalha-nos o mecanismo manual usado no trato com o tear em questão, que não possuía nenhuma tecnologia elétrica para a tessitura.

Todo processo como podemos notar, era realizado em um mecanismo de pura atenção nos diferentes elementos técnicos dispostos no tear (a queixa, a grade, o pente, o rolo) para que não errasse nenhuma etapa e o pano viesse a ser perdido. A linguagem utilizada na atribuição dos termos técnicos dá vida a uma forma de variação linguística regional, da qual, determinadas palavras se inserem dentro da convivência e experiência compartilhadas dentre as pessoas que a utilizam.

Determinadas palavras, não encontram significados específicos, sendo possível atribuir que as mesmas foram elaboradas por aqueles que disseminaram a prática da fabricação, e prosseguida por aqueles que deram continuidade a mesma, organizando assim um verdadeiro vocabulário particular. Esse vocabulário encontra-se mesclado com palavras que possuem significados conhecidos, como por exemplo, as palavras, grade, pente, rolo, que consistem em elementos que fazem parte do mecanismo do tear e que, espera-se, que foram

6 Entrevista concedida por SILVA, Cícero Clementino da. Entrevista I. (set. 2015). Entrevistador: Joyciana da

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assim denominadas devidas suas semelhanças com objetos de nome, definição e aparência já conhecidos. Também com palavras como queixa, da qual seu significado só pode ser desvendado depois de uma série de pesquisas orais, a fim de entender o significado de tal elemento e sua função no mecanismo do tear.

Mesmo o primeiro entrevistado só tendo começado sua produção a partir de 1987, apresenta conhecimento preciso a respeito da fabricação se comparado com o relato do segundo, que é mais velho, e começou a preparar o fio ainda em fins da década de 1940 e início da década de 1950. Isso ocorre devido às duas experiências consistirem em um saber que está inserido na memória dos são-bentenses, dos mais velhos aos mais novos, um „fazer‟ coletivo, realizado por quase toda parcela da população e repassada mesmo aos que mais recentemente não tiveram ou não têm mais nenhum contato com o processo de fabricação das redes.

Neste caso particular, a memória possui uma dimensão pedagógica à medida que é passada com o máximo de clareza para aqueles que irão dar prosseguimento a prática da fabricação. Também podemos analisar determinada dimensão, a partir da fala do narrador que nos expressa não só sua vasta experiência no processo de fabricação, como também explica-nos, com uma notória preocupação se realmente está passando seu saber com precisão, já que está sempre a perguntar se o entrevistador „está entendendo‟.

Assim como eram feitas as rudimentares redes artesanais, a memória comparativamente funciona como diversos panos costurados infindas vezes uns aos outros, num sentido de que, a partir dessa junção, aqui representado pelas falas dos narradores, fixe-os em unidades de memórias conectadas em uma ou mais narrações.

1.2. Redes de subterfúgio: uma prática econômica sazonal dos primórdios são-bentense.

A fabricação das redes de dormir em São Bento nasce no seio familiar, se moderniza a partir dos avanços técnicos da indústria em meados de 1960, sem perder o caráter de produção familiar que vai se estender por um longo período. Sendo a base dessa prática advinda da zona rural, e adentrada na vida dos moradores do povoado, mais tarde transformado em cidade.

As experiências adquiridas e compartilhadas entre um grupo familiar pode, segundo Barros ser examinada por um viés social. (2008, p. 119). A História Social como subespecialidade historiográfica se tornou importantíssima para fazermos a ligação entre os desdobramentos sociais entre os homens e mulheres „comuns‟ do espaço em questão.

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Analisamos suas peculiaridades através do olhar thompsoniano, ou seja, um olhar que intercala uma História que permeia o social, mas também que evoca a dimensão de uma prática cultural. (NEGRO; SILVA, 2001).

Assim, possuímos uma dupla possibilidade de reflexão tomando como ponto de análise do lado social, o envolvimento dos são-bentenses de forma maciça na prática da fabricação de redes, de modo que ela adentre na sociedade em diferentes ramos como na educação do povo desse lugar, os quais desde pequenos aprendem os primeiros passos do trato com essa prática.

Socialmente falando, ela ainda permeia as esferas econômicas da cidade, nas diversas formas de interação social que modelam a imagem da cidade e a prática da fabricação de uma forma singular. As relações de troca e venda o envolvimento entre trabalhadores artesãos que usam de todo e qualquer meio espacial para dar sua parcela na produção, como as calçadas, suas próprias casas, gerando assim um fluxo de interação social que perduram durante a história dessa prática na cidade.

FOTO 01: Os diferentes espaços utilizados na prática da fabricação de redes.

FONTE: Joyciana da Silva Medeiros, outubro 2015.

Do ponto de vista cultural a reflexão se torna possível uma vez que essa dimensão nos possibilita adentrar nos costumes, valores, tradições, práticas e suas representações que se envolvem, nos diversos contextos dos grupos sociais através das práticas discursivas partilhadas pelos mesmos.

O cotidiano dos são-bentenses envoltos no desenvolver da prática da fabricação das redes de dormir, respondem a um dos pontos da História Cultural no qual analisa que toda vida cotidiana está inquestionavelmente mergulhada no mundo da cultura. O ser humano

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