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Manoel Lúcio e o processo de modernização da fabricação de redes

3. Memórias enredadas: a modernização na fabricação e seus agentes impulsionadores

3.2. Manoel Lúcio e o processo de modernização da fabricação de redes

São Bento é cenário de um processo de desenvolvimento da prática de fabricação das redes de dormir, na qual começou a evoluir seu pulsar modernizante a partir de 1940 com a introdução do tear de cia, como é mais conhecido pelos moradores da cidade. Mas o auge dessa modernização se tornou evidente a partir de aproximadamente 1958 quando o empresário Manoel Lúcio começou a trazer os teares batelões para sua fábrica.

O tear batelão, mais ágil, pois já tinha a capacidade de tecer o pano em sua largura padrão, foi capaz de aumentar a utilização de fios industriais, como também acarretou no processo de divisão especificada da fabricação. A começar pela introdução masculina de forma expressiva na produção, principalmente no processo de preparação do fio e no processo de tessitura do pano. Essas etapas eram antes atividades realizadas por mulheres, já que o chamado tear de três panos não exigia tanta força física por parte delas. (CARNEIRO, 2001).

Manoel Lúcio apresenta-se como o nome da modernização da fabricação de redes em São Bento, pudemos constatar isso através da historiografia, e até mesmo dos narradores que tiveram contato direto com o mesmo. Os depoimentos colhidos a respeito da pessoa de Manoel Lúcio, o evidenciam como um empresário otimista e inovador que estava sempre buscando novidades para sua tecelagem em São Bento, trazendo ferramentas mais avançadas de fora, até o trajeto dos teares mecânicos para a cidade a partir de 1958. Ele via que a fabricação tinha a capacidade de crescer e se desenvolver no setor têxtil.

Filho de agricultores, natural de São Bento, residia em Mossoró/RN onde já tinha uma tecelagem juntamente com seu irmão Lauro Lúcio. Entre as décadas de 1960 e 1970 começou a introduzir em sua fábrica os teares mecânicos. Empreendedor viu que podia intensificar a fabricação de redes em São Bento, introduzindo a tecelagem, devido à facilidade aos polos industriais do Nordeste no ramo têxtil, principalmente em fiação, como Fortaleza/CE, cajazeiras/ PB e Recife/PE. (ALVES, 2010).

Quem nos forneceu informações importantíssimas acerca da pessoa de Manoel Lúcio, como também do seu espírito empreendedor e modernizante foi Cícero Emídio. O já conhecido narrador relembra que em 1954 foi levado para Mossoró pelo mesmo, para morar na casa de seu irmão Lauro Lúcio. Os irmãos eram sócios de uma tecelagem que possuíam na referida cidade do Rio Grande do Norte. Cícero Emídio se estabeleceu em Mossoró por cerca de cinco anos, na volta para São Bento por volta de 1960, Manoel Lúcio já colocava em prática a modernização de sua filial em São Bento, e já expandia a modernização na fabricação dentre os demais produtores da cidade.

Na entrevista realizada com seu Cícero Emídio ele evidencia histórias relacionadas à vontade que Manoel Lúcio sentia em modernizar a fabricação. Uma delas é bastante interessante, pois expressa o pensamento de um conhecido o qual achava a introdução de máquinas uma atitude equivocada. Manoel Lúcio, por sua vez, via nessa possibilidade uma saída para a produção em grande escala, que já se via reprimida devido ao aumento do uso de fios industrializados que já existia a partir de 1930, mesmo que fosse de pequena escala.

O debate entre Manoel Lúcio e o senhor Antônio Cândido, mais conhecido como Toim Tumba, relatado por Cícero Emídio, que além de empregado, era amigo de confiança do primeiro, dá vida ao pouco que temos a respeito de Manoel Lúcio que se figurava dentre os demais da cidade como alguém a frente de seu tempo:

(...) De 60 pra 70 (...) Manoel Lúcio comprou seis tear elétrico, duas espuladeira e uma urdideira. (...) Manoel Lúcio via Toim Tumba pra comprar gado, pedaço de terra não é! Aí como Manoel Lúcio queria comprar essas máquinas, disse: “Toim Tumba eu vou comprar máquina pra fazer rede”. (...) Até que Toim Tumba Chamou ele de besta: “Eu pensei que você fosse mais sabido, mas eu já vi que você tá fazendo é uma grande besteira essa sua, comprar máquina elétrica, que nem energia tem”. Porque nesse tempo tinha um motor ligando até dez horas da noite não é! Ele disse: “Mas Toim, o operário tá precisando de fio, e nós temos que crescer a produção, e num tem como crescer, pra não arranjar máquina”. 23

O fim da década de 1950 funcionou para Manoel Lúcio como um processo de especulação. O primeiro tear mecânico que ele introduziu em sua fábrica foi advindo da região Sudeste, até os posteriores no decorrer das décadas de 1960 e 1970. Esses teares eram de segunda mão e ao que parece, era provenientes da substituição do maquinário de grandes tecelagens de São Paulo, que necessitava realizar as trocas dos teares mais rudimentares por

23 Entrevista concedida por SILVA, Cícero Clementino da. Entrevista I. (set. 2015). Entrevistador: Joyciana da

outros mais avançados. Eram essas máquinas substituídas que Manoel Lúcio comprava por um baixo preço e começou a introduzir em sua tecelagem em São Bento. (ALVES, 2010).

No limiar dessas duas décadas, que também foram lembradas por Cícero Emídio, Manoel Lúcio já havia empregado seis teares elétricos, duas espuladeiras que agilizava o processo de enchimento de fios em espolas que são responsáveis pelos fios que compõem a trama vertical do pano, como também fazia uso da urdideira rudimentar de madeira.

O interessante no diálogo exposto é notar a audácia de Manoel Lúcio em introduzir teares elétricos na cidade mesmo enquanto a mesma nem se provia de energia elétrica, esse recurso só chegou de fato ao município em 1968, com a instalação da rede de energia elétrica SAELPA, hoje denominada Energisa. Até então a cidade só utilizava de energia elétrica por parte de um gerador que só era ligado até às 22h00min da noite, e claro, havia falhas no fornecimento dessa energia no decorrer do dia. (SILVA, 2010).

Com a introdução dos teares mecânicos nas demais fabricas de redes, a produção começou a crescer rapidamente, englobando cada vez mais trabalhadores de acordo com o aumento das fábricas. O desenvolvimento vertiginoso da fabricação culminou no maior êxodo dos moradores da zona rural para a zona urbana da cidade, uma vez que essa nova categoria de produção foi capaz de aumentar o nível da produção. A atividade tendeu a ganhar ainda mais intensidade na década de 1970, quando começou a chegar a São Bento, os teares mecânicos usados, e já fora de uso das modernas indústrias têxteis do Sudeste brasileiro. (FRANCO; RAPOSO, 2000).

Na análise do discurso das fontes orais, é nítido observar a atribuição que os narradores dão a Manoel Lúcio como agente impulsionador da modernização da fabricação de redes de dormir em São Bento, como podemos ver na fala do senhor Boqueirão: “(...) De

1959 foi aumentando a produção, e de 1960-62 por aí, começou a fabricação de rede na Fábrica São José de Manoel Lúcio, foi a primeira fábrica, bem organizada de São Bento (...).24”.

Galego Sousa também atribui esse desenvolvimento a pessoa de Manoel Lúcio, ele expressa essa atribuição em sua narração: “(...) A história de Manoel Lúcio aqui na

fabricação de rede, teve uma grande contribuição também com o crescimento da cidade na época. No início a fábrica dele era ali no centro, uma fábrica enorme não é! (...) 25”.

24 Entrevista concedida por NÓBREGA, Francisco Vieira da. Entrevista. (ago. 2015). Entrevistador: Joyciana

da Silva Medeiros. São Bento/PB, 2015. 1 arquivo. Mp3 (03h 10min 43s), p. 5.

25 Entrevista concedida por SOUSA, Jaci Severino de. Entrevista. (set. 2015). Entrevistador: Joyciana da Silva

A figura de Manoel Lúcio está tão intimamente ligada ao processo de desenvolvimento da modernização da fabricação de redes, que até mesmo a prática de vendê- las fora da cidade, em outros estados da federação, foi impulsionada por ele. Manoel Lúcio foi quem primeiro começou enviar seus funcionários em carros que transportavam vendedores com redes para serem vendidas e assim aumentar a produção na cidade, como averigua Galego Sousa:

(...) Quem na época começou a mandar caminhão de rede lá pra fora foi realmente Manoel Lúcio. Foi um grande empreendedor, eu lembro era, Nelson Pedro naquela época, Zé Careca, Inácio Mulato que hoje ainda é vivo não é! Eles começaram aqui por perto, pra o Ceará, é... Pra Bahia, Pernambuco e depois foi se expandindo pra outras regiões. Eles começaram na região Nordeste aqui pelo Rio Grande do Norte e tal. (...) Manoel Lúcio foi na minha opinião o maior fabricante de rede aqui de São Bento porque na época as coisas eram muito mais difícil do que hoje não é! E ele fazia tudo aquilo com recurso próprio, o que ele ganhava ele investia na fábrica, e a fábrica a cada ano ia se renovando, ia crescendo, o número de funcionário ia aumentando, e assim quando ele começou a estocar a mercadoria foi quando ele começou a botar os caminhõezinhos pra vender lá fora. Aí foi ele o incentivador pra que o povo de São Bento começasse a sair por esse Brasil a fora, foi ele que iniciou toda essa trajetória do corretor, do vendedor do caminhãozinho da rede lá fora, ele tinha condição já na época e investiu, e teve investimento não é! Isso deu condição do redeiro partir por esse Brasil a fora e ele fabricando e dando suporte também, atendendo na medida do possível a todos é... Que ali estavam trabalhando junto com ele. 26

Galego Sousa expressa que Manoel Lúcio começou a enviar carros equipados e, carregados com redes para serem vendidas fora da Paraíba, inicialmente nos estados vizinhos como Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Em sua narrativa ele lembra o nome de alguns dos primeiros vendedores ambulantes de redes e cita-os.

Podemos observar através de seu discurso, assumindo a pessoa de redeiro, o narrador atribuir esse desenvolvimento modernizante a Manoel Lúcio, pelo fato de o mesmo ter desenvolvido a prática de enviar os vendedores, que viriam a se titular mais tarde de redeiros. Os dois processos de desenvolvimento precisaram um do outro para de fato acontecer. Primeiro a fábrica de Manoel Lúcio teve que crescer contratar mais funcionários para o aumento da produção, seguidamente estocar mercadoria, para assim dar início a prática dos redeiros, à medida que ele incentivou seus funcionários a saírem nos carros de sua fábrica para vender suas redes. Outros donos de tecelagens se viram também incentivados a empreender essa mesma prática, tornando-a popular.

O depoimento de Cícero Emídio também revela que o início da venda ambulante de redes fora de São Bento saiu da fábrica de Manoel Lúcio. O mesmo relata como começou, já

que, era funcionário do mesmo, e também assumiu o ofício de redeiro durante o início da prática dentre os são-bentenses:

O que aconteceu em São Bento, é que os homens foram vendo que só vendendo rede em São Bento, não ia dar pra jogar a mercadoria fora. (...) Agora o primeiro carro que foi encapotado aqui em São Bento, o primeiro carro que saiu ambulante com mercadoria daqui foi de dentro da fábrica de Manoel Lúcio, uma fordinha verde com o teto branco. Nós botemo a capota dela que foi feita lá. (...) Tinha rede que ele vendia até por três preço lá fora, três valor daqui não é! Aí foi aonde tanto fazia quanto vendia, aí foi passando carro, foi copiando, copiando, aí começaram a comprar carro (...) e eu fazendo capote e eles jogando em cima de carro não é! Aí daí foi aonde correu mais ligeiro, porque quanto mais mercadoria fizesse ia poder passar pro freguês não é! E ficava fabricando. 27

O próprio Cícero Emídio saiu por alguns estados do nordeste vendendo as redes da fábrica de Manoel Lúcio. Ele observa que a necessidade de passar a vender redes fora da cidade era notória, uma vez que a produção crescia vertiginosamente, portanto o acúmulo de mercadoria não seria viável. Usando das palavras do narrador „jogar fora‟ seria fundamental.

Cícero Emídio ainda conta detalhadamente como ocorreu tal desenvolvimento, de forma bem rudimentar, fazendo um capote para acoplar nas carrocerias do automóvel onde seriam colocadas as redes para o transporte e ao mesmo tempo abrigar os redeiros até os respectivos destinos. O narrador inclusive lembra o modelo do primeiro carro, e lembra que o primeiro capote e os demais que começaram a serem feitos para o início da prática, eram todos feitos por ele.

A comercialização nos outros estados ocorria de forma bem ousada, vendendo redes até três vezes mais do valor que se era comercializado na cidade, isso ocorre até os dias atuais. Da mesma forma como alude Galego Sousa, Cícero Emídio é categórico em evidenciar que Manoel Lúcio influenciou os demais donos de tecelagens para enviar vendedores de redes para outras localidades.

A fabricação de redes em grande escala alavancou também a renda do povo são- bentense, como também a fama da cidade conhecida popularmente como „capital mundial das redes‟. A qualidade dessa alcunha se dá pelo desenvolvimento que a cidade adquiriu através da produção, também devido à popularidade do produto levado aos quatro cantos do país pelos redeiros, como também para outros países da América do Sul, que além de popularizar o produto, populariza também o nome da cidade de origem.

27 Entrevista concedida por SILVA, Cícero Clementino da. Entrevista II. (set. 2015). Entrevistador: Joyciana da