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Maria da Gloria Melo de Souza

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Academic year: 2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Setor de Pós-Graduação

Maria da Gloria Mélo de Souza

Análise Crítica do Ofício Divino das Comunidades

DOUTORADO EM TEOLOGIA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de Doutor em Teologia, sob a orientação do Prof. Doutor Valeriano dos Santos Costa

SÃO PAULO

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Banca examinadora

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____________________________________________

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Adoração e louvor ao Senhor da Vida, Deus de ternura e compaixão, ao seu Filho amado e nosso Irmão, e ao Espírito de amor!

Meus sinceros agradecimentos ao Pe. Valeriano dos Santos Costa, que contribuiu com suas observações e correções, e ao Pe. Gregório Lutz, dedicado e incansável orientador deste trabalho.

Obrigada a todos/as que elaboraram e divulgam o Ofício Divino das Comunidades, devolvendo ao povo o direito de celebrar o Mistério Pascal de Cristo na experiência diária do tempo.

Minha gratidão à Direção Geral da Congregação das Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing, de modo especial, na pessoa da Me. Ângela Strobel, por facilitar a minha dedicação exclusiva à elaboração desta tese.

Agradeço igualmente às minhas coirmãs e à minha família por acreditarem no meu trabalho e me incentivarem a concluí-lo.

Meu carinho especial a todos/as que em comunidade ou em particular celebram o Ofício Divino das Comunidades e aos/às que me ajudaram a elaborar a terceira parte desta tese, partilhando comigo

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é fazer a análise crítica do Ofício Divino das Comunidades,

que é uma proposta de Liturgia das Horas inculturada. A primeira publicação deste livro litúrgico brasileiro data de 1988, e o mesmo já se encontra em sua décima quarta edição (2007).

O Ofício Divino das Comunidades, ao longo de mais de duas décadas de existência, vem sendo uma referência de oração comunitária, que une as riquezas da antiga tradição da Oração das Horas da Igreja e as experiências de fé das comunidades eclesiais, em diálogo com a piedade popular. Este Ofício devolveu ao povo simples a possibilidade de celebrar no ritmo das horas, como o era nos primeiros séculos.

A motivação de fundo desta tese foi a constatação da necessidade de uma análise crítica mais profunda do Ofício Divino das Comunidades. Maria da Penha Carpanedo, que pertence à equipe que elaborou este Ofício, e se dedicou, desde o início, e continua se dedicando à divulgação do mesmo, se ocupou de seu estudo, em sua dissertação de Mestrado intitulada: “Ofício Divino das Comunidades, Liturgia das Horas inculturada” (2002). No presente trabalho, analisa-se criticamente este Ofício, levando também em consideração a sua prática celebrativa.

Especificando: na primeira parte, oferece-se uma visão de conjunto do Ofício Divino das Comunidades: recorda-se a sua história, apresenta-se brevemente as Horas deste Ofício, sua estrutura e elementos, seus gestos e ações simbólicas, a música, os ministérios na celebração do Ofício e os elementos de inculturação que nele se encontram.

A segunda parte, que é o corpo do trabalho, compõe-se de dois momentos: a descrição do instrumental de análise e a aplicação deste instrumental. O referencial teórico do primeiro momento é a tradição da Liturgia das Horas, a sua história ao longo dos séculos. No segundo momento, aplica-se o instrumental de análise ao Ofício Divino das Comunidades; confronta-se, compara-se a sua estrutura e os seus elementos com a tradição da Liturgia das Horas.

A terceira parte do trabalho é dedicada à práxis do Ofício Divino das Comunidades, à sua prática celebrativa: são apresentados alguns relatos de comunidades, grupos diversos e pessoas que celebram este Ofício em comunidade ou o rezam em particular.

Conclui-se que, verdadeiramente, o Ofício Divino das Comunidades é uma proposta valiosa de Liturgia das Horas inculturada, merecendo ser aprovado pela CNBB e reconhecido pela Sé Apostólica, como livro alternativo de Liturgia das Horas para o povo.

PALAVRAS-CHAVE

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ABSTRACT

The objective of this work is making a critical analysis of the Divine Office of Communities, which is a proposal for the Liturgy of the Hours inculturated.

The Divine Office of Communities, for over two decades of existence, has been a reference to communal prayer, which unites the richness of the ancient tradition of prayer of the Hours of the Church and the faith experiences of ecclesial communities, in dialogue with popular piety.

The background motivation of this work is the realization of the need for a deeper critical analysis of the Divine Office of Communities.

Specifying: the first part, offers an overview of the Divine Office of Communities, remembers its history, presents briefly the Hours of Office, its structure and elements, gestures and symbolic actions, music, ministries in the celebration of the craft and elements of inculturation found therein.

The second part, which is the body of work consists of two phases: the description of instrumental analysis and application of this instrumental.

The third part is devoted to the practice of the Divine Office of the Communities, their celebratory practice: some reports are presented to communities, groups and many people who celebrate this Office in the community or pray in private.

We conclude that, truly, the Divine Office of Communities is a valuable proposal for Liturgy of the Hours inculturated and deserve to be approved by CNBB and recognized by the Apostolic See, as an alternative book Liturgy of the Hours for the people.

KEYWORDS

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SIGLAS e ABREVIATURAS

BAC Biblioteca de Autores Cristianos CELAM Conselho Episcopal Latino Americano CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CCL Corpus Christianorum Series Latina DM Documento de Medellín

DP Documento de Puebla EM Evangelii Nuntiandi

GS Gaudium et Spes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...12

PARTE PRIMEIRA: VISÃO DE CONJUNTO DO OFÍCIO DIVINO DAS COMUNIDADES Introdução...15

1. História do Ofício Divino das Comunidades...15

2. As Horas do Ofício...21

2.1. Ofício de Vigília...22

2.2. Ofício da manhã...23

2.3. Ofício da tarde ...23

3. Estrutura e elementos do Ofício...24

3.1. Chegada...27

3.2. Abertura...27

3.3. Recordação da vida...28

3.4. Hino...28

3.5. Salmodia...29

3.6. Leitura bíblica...30

3.7. Meditação...30

3.8. Cântico evangélico...31

(8)

3.10 Bênção...32

4. Ritos, gestos, e ações simbólicas no Ofício...32

5. A Música no Ofício...35

6. Os Ministérios no Ofício...36

7. Elementos de Inculturação...37

Concluindo...42

PARTE SEGUNDA: ANÁLISE CRÍTICA DO OFÍCIO DIVINO DAS COMUNIDADES Introdução...43

2.1. Descrição do instrumental de análise...44

2.1.1. A tradição da Liturgia das Horas...44

2.1.1.1. A oração cristã no Novo Testamento e os seus antecedentes hebraicos...45

2.1.1.2. Rezar sem cessar: o ideal da comunidade primitiva...50

2.1.1.3. As horas da oração cristã no século III...51

2.1.1.4. A oração comunitária do século IV ao século VI...55

2.1.1.5. Sobrecarga e decadência do ritmo das Horas (século X-XVI)...59

(9)

2.1.2. Inculturação...68

2.1.2.1. No Judaísmo...70

2.1.2.2. No mundo grego-pagão...72

2.1.2.3. Época da formação da liturgia romana clássica...75

2.1.2.4. No mundo franco-germânico...77

2.1.2.5. Devoções populares...79

2.1.2.6. Época do Concílio Vaticano II...93

2.2. Aplicação do instrumental de análise...99

2.2.1. Análise crítica do Ofício Divino das Comunidades em sua estrutura e em seus elementos...100

2.2.1.1. Chegada...104

2.2.1.2. Aberturas...107

2.2.1.3. Recordação da vida...112

2.2.1.4. Hinos...115

Hinos do Tempo Comum na atual Liturgia das Horas...119

Hinos do ODC para o Tempo Comum...120

Hinos do ODC para o Ciclo do Natal...123

Hinos do ODC para o Ciclo da Páscoa...124

Hinos do ODC para Solenidades e Festas do Senhor...127

Hinos do ODC para Festas e Memórias da Santa Virgem Maria..129

Hinos do ODC para Festas e Memórias dos Santos e Santas...130

Hinos do ODC para a Memória dos Falecidos...132

Hinos do ODC para Circunstâncias Especiais...133

2.2.1.5. Salmos...134

Os Salmos, oração de ontem e de hoje...134

(10)

2.2.1.6. Cânticos do Antigo e do Novo Testamento...155

2.2.1.7. Leituras...160

2.2.1.8. Meditação - Responsos, Aclamações e Refrãos meditativos...162

2.2.1.9. Preces...166

2.2.1.10. Orações...168

2.2.1.11. Bênçãos...169

Concluindo...171

PARTE TERCEIRA: PRÁXIS DO OFÍCIO DIVINO DAS COMUNIDADES: RELATOS SOBRE A CELEBRAÇÃO DO OFÌCIO DIVINO DAS COMUNIDADES EM GRUPOS E/OU COMUNIDADES VARIADAS E EM PARTICULAR Introdução...173

3. 1. Uma experiência jovem...175

3. 2. A oração numa comunidade religiosa de formação...177

3. 3. A Novena de Natal...177

3. 4. A oração do Ofício numa paróquia da periferia...179

3. 5. A Oração da Comunidade dos Sofredores da Rua...181

3. 6. Observação participada da celebração do Ofício Divino das Comunidades...182

3.7. O Ofício Divino das Comunidades como Liturgia das Horas alternativa numa comunidade religiosa...187

3. 8. O uso do Ofício Divino das Comunidades no itinerário da vida consagrada e presbiteral...189

(11)

3. 10. Experiências com a oração particular do Ofício Divino das Comunidades...194

Concluindo...196

CONCLUSÃO FINAL...198

(12)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende ser um contributo científico para uma aproximação ao Ofício Divino das Comunidades (ODC), que é uma Liturgia das Horas inculturada, uma referência de oração comunitária, que une as riquezas da antiga tradição da Igreja e as experiências de fé de nossas comunidades em diálogo com a piedade popular. Sua primeira edição foi publicada em 1988, depois de três anos de um processo de busca e experimentação, e já se encontra em sua décima quarta edição (2007). Maria da Penha Carpanedo, que se dedicou e continua se dedicando à divulgação do ODC desde o início, se ocupou do estudo deste Ofício em sua dissertação de Mestrado (2002) intitulada: “Ofício Divino das Comunidades, Liturgia das Horas inculturada”.

A motivação de fundo que nos impulsionou a levar adiante a proposta desta tese foi a constatação da necessidade de uma análise crítica mais profunda do ODC. O presente trabalho analisa, pois, criticamente este Ofício, levando também em consideração a sua prática celebrativa. Especificando: na primeira parte, oferecemos uma visão de conjunto do ODC: recordamos a sua história, apresentamos brevemente as Horas deste Ofício, sua estrutura e elementos, seus gestos e ações simbólicas, a música, os ministérios na celebração do Ofício e os elementos de incuturação que nele se encontram.

A segunda parte, que é o corpo do trabalho, compõe-se de dois momentos: a descrição do instrumental de análise e a aplicação deste instrumental. O referencial teórico do primeiro momento é a tradição da Liturgia das Horas, a sua história ao longo dos séculos. No segundo momento, aplicamos o instrumental de análise ao ODC; confrontamos e comparamos a sua estrutura e os seus elementos com a tradição da Liturgia das Horas.

A terceira parte do trabalho é dedicada à práxis do ODC, à sua prática celebrativa: apresentamos alguns relatos de comunidades, grupos diversos e pessoas que celebram este Ofício em comunidade ou o rezam em particular.

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A relevância de nosso trabalho reside, sobretudo, no fato de a elaboração do ODC haver-se fundamentado no princípio geral do Concílio Vaticano II sobre a inculturação da liturgia, válido também para o Ofício Divino (cf SC 37-40). O ODC tem a mesma teologia e espiritualidade, os mesmos elementos e estrutura básica da Liturgia das Horas, embora mais simples e com muitos elementos da cultura popular. O ODC expressa a teologia do jeito como é pensada na América Latina, em diálogo com a realidade vivida pelas comunidades dos pobres, sujeito eclesial e lugar teológico por excelência. Levando a sério a relação entre a fé e a celebração, conforme a inversão do axioma Lex orandi – Lex credendi, propõe que os avanços da teologia, que se crê, faça parte da fé que se celebra.

Em sua organização, associa às horas da manhã e da tarde/noite, às lutas cotidianas dos pobres em defesa da vida, sinais da Páscoa de Jesus. Trata-se de um jeito de celebrar em profunda relação com a vida e com a história.

O ODC está destinado às comunidades eclesiais, especialmente ao povo simples, para ser expressão da aliança de Deus com o povo. Para que, de fato, o povo pudesse reconhecer na celebração a expressão da sua fé no Senhor, o ODC entendeu realizar a “mútua fecundação” entre liturgia e religião popular. Não apenas incorporou elementos externos, mas procurou corresponder à piedade e ao “fervor espiritual” do povo; aos anseios de oração e de vida cristã que se podem comprovar no Brasil e na América Latina de um modo geral.

No ODC levou-se muito em conta a cultura oral do povo, de modo que a assembléia possa participar sem depender de papel. O estilo de repetição aparece em várias partes do Ofício; o próprio rito com seus elementos, que voltam em cada hora e em cada tempo correspondem muito bem a esta cultura oral.

(14)

Podemos afirmar que o ODC responde ao imperativo do Concílio Vaticano II de tornar a Liturgia das Horas “oração pública e comum do povo de Deus” (IGLH 1). Era o grande desafio que se impunha depois do Concílio: a adaptação da liturgia ao povo simples. No Brasil, além da tradução do texto da Liturgia das Horas, foi necessário um trabalho de adaptação às nossas comunidades para garantir que o Ofício Divino chegasse a ser celebrado pelo povo de Deus, especialmente pelas comunidades pobres, “os grupos populares” com sua cultura oral e simplicidade de vida.

Mais: “textos e ritos devem ordenar-se de tal modo que, de fato, exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, na medida do possível, e também participar ativamente da celebração comunitária” (SC 21). E ainda: que as ações litúrgicas “resplandeçam de nobre simplicidade, sejam claras na brevidade” e estejam à altura da compreensão dos fiéis de modo a “não precisar, em geral, de muitas explicações” (cf SC 34).

Enfim, como Liturgia das Horas inculturada, o ODC é ação memorial, celebração da Aliança de Deus com o seu povo, no ritmo antropológico de alternância entre dia e noite, que marca profundamente a nossa existência. O sol que “morre” e “ressuscita”, a cada dia, torna-se, no Ofício Divino, símbolo do Cristo morto e ressuscitado, Sol da justiça, Sol que não tem ocaso, Luz do mundo, que orienta e ilumina diariamente nossa vida pessoal e social com seus altos e baixos, com seus êxitos e fracassos, com suas esperanças e desilusões, na saúde e na doença, nos momentos de alegria e de tristeza. O Ofício acompanha também o ano litúrgico com a celebração dos diferentes mistérios do Senhor. Na celebração da Oração das Horas, fazendo memória da morte e ressurreição de Cristo, somos atingidos pela força transformadora de sua Páscoa. Somos levados a fazer de nossa vida uma experiência pascal, a “trazer sempre em nosso corpo a morte de Jesus para que também sua vida se manifeste em nossa carne mortal” (2 Cor 4, 10-11), na expectativa do Dia sem fim, do Reino de Deus realizado em plenitude.

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Parte Primeira: Visão de conjunto do Ofício Divino das Comunidades

Introdução

Quando queremos contemplar uma paisagem ou apreciar uma pintura, nada melhor que afastar-nos, tomar certa distância para, assim, obter uma visão panorâmica da paisagem ou uma visão mais ampla do quadro. Algo semelhante acontece quando devemos iniciar um estudo sobre determinado tema: é preciso, primeiro, “sobrevoá-lo”, conhecer suas linhas gerais, seu traçado, ter uma visão de conjunto do mesmo, sem entrar nos detalhes, e, sobretudo, não ter pressa em emitir juízos sobre o assunto.

É isto que faremos na primeira parte do presente trabalho: partindo da gênese, da história do ODC, obter uma visão de conjunto deste Ofício, passando pelas Horas ou momentos de oração, observando sua estrutura e elementos, os ritos, gestos e ações simbólicas, que se encontram no Ofício, a música, os ministérios assumidos na celebração, e finalmente, os elementos de inculturação que há no presente Ofício, que se propõe a ser justamente uma

proposta inculturada da Liturgia das Horas.

1. História do Ofício Divino das Comunidades

Falar da história1 do Ofício Divino das Comunidades (ODC) é transportar-nos necessariamente aos anos que seguiram o Concílio Vaticano II (mais ou menos 1970), e situar-nos no Nordeste do Brasil, precisamente na Comunidade Eclesial de Ponte dos Carvalhos, distrito pertencente ao município do Cabo (região metropolitana do Recife), localizado no litoral-mata, do estado de Pernambuco, na Paróquia Nossa Senhora do Bom Conselho, onde este Ofício nasceu e se desenvolveu. Lá encontramos o Pe. Geraldo Leite Bastos que, motivado pelo desejo de encontrar um outro jeito de rezar que não fosse só missa e também por dar-se conta, devido ao contato com a comunidade de Taizé, na França, onde ele viveu por alguns meses, e cuja experiência de oração era diferente daquela do Mosteiro de São Bento (Olinda – PE), que o Ofício poderia ser rezado pelo povo. Místico, liturgo, pastor, artista e compositor, o Pe. Geraldo Leite já não suportava ficar, como ele mesmo o confessa, até a madrugada, rezando mal o Ofício, lendo toda aquela salmodia, como se fosse mera desobriga, bem longe de ser a

1 Esta parte que trata da origem do ODC se baseia no depoimento do Pe. Geraldo Leite Bastos numa entrevista que concedeu, antes

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voz da Esposa que ressoa para o Esposo, a voz do próprio Cristo que canta ao Pai (cf. SC 84). Nestas circunstâncias, veio-lhe a inspiração de criar um “breviário simplificado”, popular: assim, ficaria sanada a sua dificuldade de rezar sozinho e haveria uma melhor maneira de rezar esta oração, ou melhor, de celebrar o Ofício com o povo.

A primeira experiência propriamente dita do ODC realizou-se em Ponte dos Carvalhos. No entanto, conforme a opinião do próprio Pe. Geraldo Leite, foi em Escada (município situado na zona da mata do estado de Pernambuco), talvez por seu ambiente mais rural, que o ODC tenha tido mais aceitação. Duas vezes por dia, pela manhã e à noite, durante pelo menos uma hora, as pessoas se reuniam para a oração. Desde o início, esta oração é chamada de Ofício, sem o preconceito que existe em alguns ambientes e pessoas marcadas negativamente pelo legalismo oficial e pela rigidez das estruturas eclesiásticas2,termo inspirado no tradicional e popular Ofício de Nossa Senhora, bem conhecido no Brasil. E o Pe. Geraldo Leite explicou ao povo o motivo por que aquela oração é um Ofício: do mesmo modo que há o ofício de pedreiro, de carpinteiro e outros, os cristãos têm o ofício de orante. É o trabalho de louvar, de bendizer, de dar graças ao Senhor porque Ele é bom.

Este Ofício adquiriu uma forma mais organizada na Quaresma para a qual o Pe. Geraldo Leite compôs salmos penitenciais e responsos, que foram distribuídos em uma semana. Era um salmo e um responso para cada dia. De um modo simples, pouco a pouco, aquela oração, que articulava elementos da tradição com os elementos da vida, foi-se tornando mais sistematizada. O povo aprendia de cor os salmos e responsos, pois não havia livro. Verdadeira tradição oral cujo elemento principal é a memória.

Com sua sensibilidade, o Pe. Geraldo Leite percebeu que esta oração necessitava de um espaço diferente, mais íntimo e aconchegante, que não dispersasse as pessoas, como a nave da igreja, mas as unisse, e por isso o grupo se reunia na capelinha do Santíssimo para celebrar o Ofício.

Como já acenamos acima, foi na Quaresma que o Ofício tomou uma forma mais organizada. Em Escada, o Ofício quaresmal foi introduzido após um curso de liturgia e teve uma grande aceitação. Como narra o Pe. Geraldo Leite, em sua entrevista a Reginaldo Veloso, já às 4 horas da manhã, o sino tocava convocando o povo, e às 4:30, com a igreja cheia, o Ofício

iniciava.Vale notar a importância do horário desta oração, de madrugada: é uma reminiscência das Santas Missões e é também um momento em que há silêncio, pois a cidade ainda não está invadida pelos ruídos do dia. Este silêncio material conduz ao silêncio do coração, à consciência

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de estar na presença de Deus, que revela a sua face e a sua salvação. O amanhecer carrega em si seu simbolismo: é o sol que desponta e dá forma e beleza a todas as coisas. Além disso, há também uma razão prática para que o Ofício seja celebrado tão cedo: é o horário que o povo trabalhador tem disponível.

Ao falar da edição popular do ODC que estava, então, sendo elaborada, o Pe. Geraldo Leite disse ter medo de que o mesmo se tornasse uma mera simplificação da Liturgia das Horas e que se elaborasse um Ofício muito esquematizado e clerical, quando o que ele queria era um Ofício popular. Interrogado pela estrutura do Ofício, o Pe. Geraldo Leite disse que se começasse sempre com o silêncio, que é uma tradição na Igreja, e tem o seu valor. Este silêncio, que prepara a oração e a ela predispõe, é favorecido pela penumbra, e algumas pessoas sentem a necessidade de entrar na capelinha sem sapatos para evitar qualquer ruído, completa o Pe. Geraldo Leite.

Neste ambiente silencioso, inicia, de mansinho, o toque do tambor, como que unificando, integrando, concentrando, antes mesmo de começar o canto. É do silêncio que brota o convite à oração: Irmãos, vinde à oração... ou: Vinde, meu Senhor... Com sua intuição e sensibilidade, o Pe. Geraldo Leite sabia que o tambor e a percussão estão ligados à prática religiosa do povo, e que, no Brasil, nas cidades afastadas, fenômenos religiosos conservaram o tambor. E mais: neste Ofício, dizia ele, seria preciso levar a sério os instrumentos do povo e se reconciliar com a África, cuja cultura milenar fora transportada para o Brasil. O Pe.Geraldo Leite tem a coragem de dar passos bem concretos na inculturação, que muitas vezes vem ligada à opção pelos pobres: o tambor é instrumento dos pobres. E questiona por que os instrumentos, - como, por exemplo, o órgão -, que são usados nos festins das classes dominantes, são adotados na liturgia... Pergunta também por que assumimos a cultura européia ou da América do Norte e receamos tanto assumir os valores e riquezas do povo negro...

Continuando a falar sobre a estrutura do ODC, diz o Pe. Geraldo Leite que o hino vem depois do convite à prece e situa a comunidade em relação à hora, - manhã, tarde... - à luz, ao sol que se levanta ou se põe, símbolos das realidades espirituais, bem como ao mistério do tempo ou da festa.

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função; por exemplo, que haja entre uma estrofe e outra uma pausa na qual só os instrumentos atuam, pois isto favorece a interiorização do salmo e leva a uma verdadeira experiência de oração.

Falando ainda da estrutura, o Pe. Geraldo Leite diz que após a salmodia, vem a leitura da Palavra de Deus, sempre da missa do dia, seguida do responso que, devido à sua repetição, ele considerava o único elemento popular que a Igreja conservou. Para concluir, vêm as preces e a oração final. O Pe. Geraldo Leite tem a preocupação de dizer que a estrutura do

Ofício não deve tornar a oração formal, pois o segredo da oração, segundo ele, “não é empanturrar de idéias ou cantoria uma em cima da outra”. Ele chama a atenção para o caráter gratuito do Ofício, momento em que nos colocamos diante de Deus, “simplesmente porque Ele é bom”.

Além deste precioso depoimento do Pe. Geraldo Leite, feito antes de sua morte, na entrevista concedida a Reginaldo Veloso, pedimos também, ultimamente, ou seja, duas décadas depois desta entrevista, que o próprio Reginaldo Veloso nos contasse um pouco de suas lembranças sobre a origem do ODC. Ele nos disse que a sua contribuição no ODC refere-se, sobretudo, à Recordação da vida e dos Salmos. Falando da Recordação da vida, disse ter-se inspirado na atitude de contemplação da Mãe do Senhor, citado duas vezes por Lucas: Maria conservava todos esses fatos, e meditava sobre eles em seu coração (Lc 2,19.51). É, pois, oportuno, no momento do Ofício, sentar-se e retomar a vida, recordá-la, trazê-la de volta ao coração, partilhar com o Senhor, entre irmãos e irmãs, como em Betânia (cf. Lc 10,38-42), preocupações, sonhos, angústias e esperanças 3.

Com relação aos Salmos, Reginaldo Veloso mostrou como o Ofício Divino se nutre deste livro de cantos e orações da Bíblia e, consequentemente, “cantar os salmos hoje é fazer parte de um coral que há mais de 3000 anos, das profundezas da condição humana, faz subir aos ouvidos do Deus da vida o clamor dos oprimidos e o louvor dos redimidos” 4. Em sua origem, os Salmos são poemas cantados e acompanhados por instrumentos. Daí, no ODC terem sido os mesmos traduzidos em linguagem poética popular, exatamente para serem cantados. De fato, a versão de grande número dos Salmos que se encontram no ODC é da autoria do poeta e compositor Reginaldo Veloso; ele é um dos autores mais apreciados e cantados de norte a sul do Brasil, sobretudo por quem prefere um canto arraigado na tradição bíblico-litúrgica e que

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possua uma linguagem poética popular e uma música inculturada, ou seja, inspirada na música popular e folclórica.

Como vimos, o ODC tem a sua origem na época pós-conciliar, quando o povo já começava a sentir falta dos Terços, das Bênçãos do Santíssimo, Vias sacras, Horas Santas, devoções marianas, como o mês de maio e outros pios exercícios. Nesta época, nas paróquias em geral, parecia haver só missa, enquanto nas comunidades e grupos pastorais havia reflexões bíblicas, novenas de Natal e outros encontros, que embora tenham seu valor, não satisfazem as pessoas, que sentem a necessidade de celebrações mais orantes e gratuitas, que respondam à sua necessidade de oração. De fato, neste período que sucede o Concílio Vaticano II, e especialmente depois da Conferência de Medellín, há a tendência de as celebrações se orientarem para a reflexão e a solidariedade, correndo o risco de ficarem dissociadas da oração pessoal 5. Sabemos, contudo, que a dicotomia entre estas dimensões gera insatisfação e, por isso, mesmo sem se dar conta, as pessoas estavam em busca da unidade entre liturgia, oração individual e compromisso libertador.

Com efeito, numa caminhada de luta, nova e diferente, as expressões religiosas mais antigas já não satisfazem nem aos agentes nem ao povo. Vem, então, a crise de identidade, a dificuldade na oração e também a crise de purificação da fé, - que é positiva, e até necessária, - e a consequente transformação no modo de relacionar-se com Deus. Neste momento, é fundamental saber integrar o novo às antigas raízes que devem ser conservadas, ser capaz de dialogar com o “catolicismo popular”.

Naqueles anos, percebia-se que as celebrações e encontros começavam a orientar-se para a reflexão e a luta, pois “a celebração litúrgica comporta e coroa um compromisso com a realidade humana, com o desenvolvimento e com a promoção, precisamente porque toda a criação está envolvida pelo desígnio salvador que abrange a totalidade do homem” 6. Assim, as consequências da fé eram bem vividas na luta pela justiça, como se se tratasse de um trabalho, de um engajamento; porém, a vida pessoal, afetiva, emocional e espiritual de cada um nem sempre parecia estar realmente envolvida. Os encontros e celebrações falavam de Deus e do seu projeto, discorriam sobre Deus, mas às vezes não possibilitavam um encontro real com Ele. Havia a relação liturgia e realidade social, mas dava a impressão que faltava a relação entre liturgia e a experiência pessoal do crente. Havia o perigo de a liturgia se transformar em mero culto exterior, pois não se baseava numa profunda experiência pessoal e interior de cada um e

5 Cf. SOUZA, Marcelo de Barros. Caminhada popular e Ofício Divino. Revista de Liturgia, São Paulo, v.15, n.86, mar./abr. 1988,

p.33

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de cada uma com o Senhor, o Deus vivo, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem alimentava suficientemente tal experiência. Realmente, havia - e há! - o perigo de reduzir a liturgia a uma análise dos problemas, conforme comentário de Fr. Betto, e então temos, não poucas vezes, celebrações muito cerebrais. Afinal, a liturgia não é momento de discussão e conscientização apenas, mas o grande momento do encontro com Deus, de uma experiência profunda de oração, de confronto pessoal e comunitário com a Palavra7. E é aqui que entra o ODC que, baseado na tradição do Ofício Divino ou Liturgia das Horas vem responder à necessidade de uma oração comunitária autêntica, suficientemente objetiva, capaz de situar cada participante na comunhão universal dos crentes e, ao mesmo tempo, poder alimentar e inspirar a oração de cada um. O ODC responde a esta necessidade porque integra o estilo litúrgico e o jeito brasileiro, a experiência da caminhada popular com a admiração gratuita pelo Senhor Deus, a celebração comunitária e a experiência de oração pessoal 8. “O ODC quer ser uma síntese real e inteligente, fiel à grande tradição litúrgica e à sensibilidade e cultura do nosso povo” 9, empenhando-se, enfim, em ser uma Liturgia das Horas com o rosto do povo, através da mútua fecundação entre liturgia e religiosidade popular 10.

Outro serviço prestado pelo ODC, ao longo destes anos, desde a sua 1a edição, em 1988, e que não pode ser esquecido, especialmente quando remontamos às suas origens, foi o de ter ajudado a muitas pequenas comunidades e equipes de pastoral, inseridas na vida do povo em sua oração diária; o ODC ajudou e ajuda também nos momentos de oração em encontros, retiros, cursos e assembléias por este Brasil afora. Realmente, muitas pessoas, comunidades e grupos passaram a ter o ODC como referência na sua prática de oração. Este assunto, ao qual agora só acenamos, será objeto de comentário e reflexão mais aprofundada quando abordarmos a estrutura do ODC.

Ao escrevermos, ainda que brevemente, a história do ODC, queremos recordar os nomes das pessoas que compõem a equipe responsável pela elaboração do mesmo. Já dedicamos uma ampla parte da gênese deste Ofício à memória do Pe. Geraldo Leite Bastos, o primeiro a sonhar e a dar passos concretos para que este livro existisse e, sobretudo, para que um Ofício popular fosse celebrado pelo povo. Tocamos também na importante contribuição dada por Reginaldo Veloso. Porém, são diversas as pessoas que é mister ainda citar, pois todas

7 Cf. BRUNETTA, Irene; CARPANEDO, Penha. O que dizem das celebrações? Entrevista. Revista de Liturgia, São Paulo, v.13,

n.78, nov./dez.1986, p. 22

8 Cf. SOUZA, Marcelo de Barros. Caminhada popular e Ofício Divino. Revista de Liturgia, São Paulo, v.15, n.86, mar./ abr.1988,

p.33

9 Ibid. p.36.

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elas deram e continuam dando a sua valiosa colaboração para o enriquecimento e a divulgação do ODC. Começamos com Agostinha Vieira de Melo, OSB, Domingos dos Santos, OP, João Batista, Joel Postma, OFM e Jocy Rodrigues (falecido em 2007), que contribuíram, de modo particular, com as suas composições; Ione Buyst, Marcelo de Barros Souza,OSB, Marcelo Guimarães, Maria da Penha Carpanedo, PDDM e Michel Otto Bergmann, da Comunidade de Taizé, Alagoinhas-BA (falecido em 2009), que tanto se empenharam e continuam se empenhando, seja através das incontáveis reuniões, da pesquisa, das intuições, das sugestões, da organização, da preparação dos roteiros, da seleção de textos, da divulgação do Ofício, desde a sua 1a edição, em 1988, na sua 7a edição, renovada e atualizada, em 1994 e nas suas sucessivas reedições até hoje. Maria da Penha Carpanedo merece uma menção bem especial, pois continua empenhada na tarefa de fazer conhecido o ODC, dando cursos de formação e introduzindo, assim, a muitos (as) na celebração deste Ofício.

O ODC, que é um livro litúrgico brasileiro, expressão ritual da fé cristã no Brasil – e também em outros países da América Latina, pois partes deste Ofício foram traduzidas, por exemplo, no México, no Paraguai, no Uruguai... - ajudou e continua ajudando a muitos grupos de base, grupos de crianças, adolescentes11 e jovens, comunidades diversas e a pessoas individualmente, em todo o Brasil, a celebrar o louvor de Deus a partir da realidade, dentro da caminhada da libertação; este Ofício aproveita, ao mesmo tempo, muitos elementos da tradição litúrgica das Igrejas, graças ao esforço e à dedicação desta equipe que, desde o início, é responsável pela elaboração, publicação e divulgação deste Ofício.

Após termos viajado no tempo, voltado à origem do ODC e percorrido um pouco a sua história, passaremos à visão geral dos momentos de oração ou mais propriamente às Horas do Ofício.

2. As Horas do Ofício

Os períodos fundamentais do ritmo dos astros, da vida humana e da história da salvação são o dia e a noite. Estes dois momentos do ritmo cotidiano são santificados pelas orações de Laudes e Vésperas, Horas que, entre todas, mais íntima e tradicionalmente estão unidas aos mistérios centrais da redenção, à plenitude e totalidade do Mistério Pascal 12. Assim sendo, o ODC privilegiou estes dois momentos mais importantes, “os dois eixos do Ofício

11 Cf. Ofício Divino de Adolescentes e Crianças. São Paulo: Paulus,2005.

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cotidiano”, suas Horas principais (cf. SC 89a; IGLH 37), propondo o Ofício da manhã e o

Ofício da tarde para todos os dias. O Ofício de Vigília, que expressa e reaviva a espera escatológica do Senhor,é reservado aos domingos e dias festivos.

2.1. O Ofício de Vigília

O ofício noturno13 tem sua origem numa prática já conhecida nos primeiros séculos. A mística da espera do Esposo, que pode chegar a qualquer hora, encontrava nas vigílias noturnas sua expressão mais viva. Passada a noite, surgirá um novo amanhã. É preciso, pois, estar preparado, com as lâmpadas acesas e tendo óleo de reserva (cf. Mt 25,1-13). A vigília dominical, encabeçada pela grande vigília pascal, que é “a mãe de todas as vigílias”, data dos primeiros séculos, embora nem sempre houvesse a vigília comunitária; quando esta não havia, os cristãos mais fervorosos se levantavam durante a noite para rezar em seu próprio quarto, como o testemunha Tertuliano 14. Outras vigílias noturnas começaram a ser celebradas não somente por ocasião das solenidades litúrgicas, mas também nas festividades dos mártires locais. E, se o clero e o povo cristão passavam algumas noites inteiras, ou mais comumente parte das mesmas, em oração, os monges velavam todas as noites, tanto para se entregarem à salmodia e à leitura da Sagrada Escritura, como para se dedicarem à oração secreta e à meditatio 15.

Também em nossos dias, a Igreja valoriza esta prática, diz que a mesma deverá ser guardada e fomentada, conforme os costumes de cada Igreja, e considera dignos de louvor todos os que mantêm o caráter noturno do Ofício de Leitura16. A Vigília ocupa um lugar importante na tradição cristã e nas religiões populares, cujas festas também já começam na véspera; por esta razão o ODC valoriza o Ofício de Vigília, que é previsto para os sábados e especialmente para a véspera das festas maiores, em sinal da expectativa do Reino. Esta vigília dura de trinta a quarenta minutos, mas poderá ser ampliada com outros salmos, leituras, cantos e ritos, segundo a tradição e o desejo de cada grupo ou comunidade, podendo até prolongar-se durante a noite inteira, como é costume em alguns lugares 17. O Ofício de Vigília tem realmente

13 No que se refere às Vigílias e ofício noturno, ver BAUMSTARK, A. ; HEIMING,O. Nocturna laus. GINDELE,C. Die Struktur

der Nokturnen in den lateinischen Mönchsregeln vor und um St. Benedikt. Revue Bénédictine, Maredsous, 64, 1954; p.9-27; NOCENT, A. L'Ufficio divino nella Regola Benedettina. p.21-31.

14 Cf. Ad Uxorem, IV, 2; V, 2: CCL 1, p.388-389; PINELL, Jordi. Liturgia delle Ore, p.58. 15 Cf. COLOMBÁS, G.; ARANGUREN, I. La Regla de San Benito, p.329.

16 Cf. IGLH 71-72.

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um lugar de destaque no ODC, a começar da abertura, mais propriamente chamada “louvor da luz e do incenso”.

2. 2. Ofício da manhã

A aparição da luz, a cada manhã, é uma alegria para os olhos e para o espírito; após o sono, é um convite a uma nova vida. A partir desta evocação, o cristão, ao levantar-se, é estimulado a pensar no Autor da luz e a elevar até Ele a adoração e o louvor 18. “A oração da manhã, também chamada louvor matinal, ou Laudes, é o louvor da Igreja pelo mistério de Cristo, sobretudo de seu aspecto glorioso: a ressurreição. O sol que desponta, dando forma e beleza a todas as coisas, o levantar-se, o reiniciar dos trabalhos, o alimento são símbolos da vida e ponto de partida para o louvor de Deus. Cada louvor matinal constitui uma pequena celebração da ressurreição de Cristo e da nossa ressurreição com Ele” 19.

A vivência do amanhecer, a alegria pela luz que nasce e a gratidão pelo mundo que se renova e traz força para o reinício dos trabalhos e das lutas do dia vêm expressas no Ofício da manhã do ODC, a começar pelo pedido de que o Senhor venha abrir os lábios dos que estão reunidos em oração para que possam cantar o seu louvor pelo Sol da Justiça, o Cristo Ressuscitado. O Ofício da manhã continua fazendo mergulhar quem dele participa na Luz verdadeira que vem libertar das trevas, recriar e plenificar com seu amor.

2.3. Ofício da tarde

Assim como a hora matinal foi, desde sempre, consagrada pela tradição cristã ao mistério da ressurreição, as Vésperas foram consideradas memória da morte do Cristo, pois, como o surgir do dia simboliza sua ressurreição, o crepúsculo é signo de sua morte. Porém, o expirar do dia é prelúdio de seu retorno, que trará de novo a luz. Deste modo, o ofício vespertino é também símbolo e antecipação da segunda vinda de Cristo, quando “já não haverá noite, nem se precisará da luz da lâmpada ou do sol porque o Senhor Deus iluminará a todos” (Ap. 22,6) 20.

18 SOUZA, Maria da Gloria Mélo de. A distribuição do Saltério no esquema B do Thesaurus Liturgiae Horarum Monasticae em comparação com o “Ordo Psallendi” da Regula Benedicti”, p. 22-23.

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Esta dimensão de vigilância, própria da hora em que o sol se põe, fazendo adormecer a natureza, transparece no Ofício da tarde do ODC: no clarão da luz sem ocaso tudo é louvor a Deus, oferta dos trabalhos, entrega das preocupações que ficaram, do dia que termina, do repouso e da paz que o Senhor dá 21.

Se, por um lado, o Ofício da tarde deixa transparecer as trevas da hora da morte de Jesus e as dores do mundo atual, de outro lado, evoca também a ação de Deus em meio a essas trevas e o vislumbrar de um mundo novo, que surge da entrega de Jesus na cruz, pois Ele continua atuando e libertando o seu povo esmagado.

Uma característica marcante da oração da tarde é a ação de graças: tendo chegado ao fim do dia, vivido como precioso dom de Deus, a comunidade pára a fim de agradecer. Ela agradece todo o bem do dia, realizado em si e em todo o universo. É o grande sacrifício de louor e agradecimento em comunhão com a Cruz de Cristo. A caminhada da Igreja ao encontro de Cristo, seu esposo, é o grande motivo do louvor vespertino. E o canto do Magnificat é o momento de exultação e de louvor no qual a Igreja louva e dá graças pela salvação em comunhão com Maria, a Mãe do Redentor.

Tendo visto as Horas celebradas no ODC, dedicaremos, agora, a nossa atenção à estrutura e aos elementos deste Ofício.

3.Estrutura e elementos do Ofício

Se buscamos, na introdução ao ODC, o que é dito sobre a estrutura do mesmo, deparamo-nos com um parágrafo breve: “Qualquer rito comunitário precisa de um mínimo de estrutura. Sem isso, cada responsável acaba tendo que criar um esquema em cada ofício, correndo o perigo de impor o seu próprio gosto. A estrutura que propomos aqui é uma adaptação inculturada do louvor conforme a tradição judaica e das primeiras comunidades cristãs” 22 e enfim da Igreja, ao longo de sua hitória. Com relação à estrutura do Ofício, é preciso dizer que o ODC adotou também outros elementos que, no correr do tempo, foram sendo acrescentados à estrutura original até chegar à atual Liturgia das Horas. Quanto à necessidade de um mínimo de estrutura para a oração diária de uma comunidade ou grupo, isto é realmente indiscutível, pois, como inventar ou criar cada dia e em cada ofício um esquema, sem correr o risco do subjetivismo? A repetição pertence à natureza do cotidiano, o que supõe um trabalho

21 Cf. ODC p.9-10.

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interior e perseverança na busca de Deus. Tocamos aqui em um dos elementos do caminho pedagógico que conduz ao conteúdo profundo do Ofício divino: a sua estrutura comunitário- eclesial. O Ofício divino é um ato da Igreja e não um ato individual de um só membro do Corpo de Cristo 23.

Embora não se ressalte, no parágrafo citado na introdução ao ODC, a sua estrutura horária, uma vez que a mesma já havia sido implicitamente mencionada no comentário aos “momentos do Ofício” 24, é preciso recordar que o Ofício divino é celebrado em horas determinadas para abranger simbolicamente o tempo humano na sua totalidade 25. A Liturgia das Horas surge do ideal espiritual da oração incessante, proposto pelo Novo Testamento. Busca ritmar o dia com momentos fortes de oração, de modo a impregnar todo o dia com esse espírito orante.

O ODC se propõe a ser uma adaptação inculturada da tradição judaica e das primeiras comunidades cristãs, como também da autêntica tradição posterior do Ofício Divino e da atual Liturgia das Horas. Assim sendo, tem a estrutura configurada em seu desenvolvimento pelos salmos, a leitura da Bíblia e por diversos elementos oracionais reelaborados em grande parte ao ritmo dos tempos do ano litúrgico e das festas, tornando presente a oração Cristo-Igreja nas formas reais e concretas dos mistérios da salvação 26. A estrutura celebrativa da Liturgia das Horas, que manifesta e torna presente a oração de Cristo-Igreja, na forma apropriada à realidade significativa e sacramental desta oração27 é evidente no ODC e vem explicitada na introdução aos “ritos, gestos e ações simbólicas no Ofício”: “O Ofício Divino

pode ser rezado individualmente sem nenhum rito. Entretanto, sendo uma ação litúrgica, tem um caráter comunitário e celebrativo. O louvor de Deus se realiza na comunhão dos irmãos e irmãs, por meio da Palavra e dos gestos simbólicos”; por isso, não basta apenas rezá-lo. É bom celebrá-lo 28.

O ODC quer devolver ao povo, e especialmente aos pobres, o direito de participar da Liturgia das Horas, pois todos os batizados têm pleno direito de participar desta oração, direito que emana da participação batismal dos fiéis no sacerdócio de Cristo. De fato, a Liturgia

23 Cf. IGLH 7.9.20-27; GOENAGA, J. M. Sentido das estruturas da Liturgia das Horas. In VV.AA. Liturgia das Horas, p. 399-400

24 Cf. ODC p.8-10; SOUZA, Marcelo de Barros. Gestos e símbolos no Ofício Divino das Comunidades, Revista de Liturgia, São

Paulo, v.16, n. 93, mai./jun.1989, p. 91

25 Cf. IGLH 10-11; GOENAGA, J. M. op.cit. p. 402.

26 Cf. GOENAGA, J. M. op.cit. p.403.

27 Ibid., p.404.

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das Horas se “desclericaliza” e “desmonasticiza” e se torna oração de todos os batizados29. E descobrimos no ODC a estrutura normativa na qual se revelam o direito e o dever dos fiéis de participar da Liturgia das Horas adaptada à sua cultura. A intuição das pessoas que propuseram o ODC era, portanto, o contrário do que muitos pensavam, a saber, a “monasticização” das comunidades populares. Esta proposta visava devolver ao povo o que lhe pertence30, devolver ao povo a Liturgia das Horas, como era nos primeiros séculos do cristianismo.

Como vimos, a estrutura do ODC é uma adaptação inculturada do louvor conforme a tradição judaica e as primeiras comunidades cristãs e, como dissemos anteriormente, adota também elementos que foram sendo incorporados ao longo dos séculos até chegar à Liturgia das Horas do Vaticano II.

Ao falar da história do ODC, tocamos, de passagem, no serviço prestado por este

Ofício às pequenas comunidades e equipes de pastoral inseridas na vida do povo, em sua oração diária 31. De fato, após o Concílio Vaticano II, quando muitas congregações religiosas, principalmente femininas, organizaram pequenas comunidades na periferia das capitais e no interior, buscando um modo novo de testemunhar a consagração a Deus através da inserção e do compromisso com os oprimidos, evidentemente se defrontaram com situações novas e às vezes perturbadoras. Houve mudanças substanciais que tocavam a própria estrutura da vida religiosa. Tais mudanças provocaram crises nos grupos e geraram conflitos com a congregação. Não é o objetivo do nosso trabalho analisar toda esta problemática, mas queremos mencionar um elemento deste conjunto, que é a oração comunitária. Este elemento é determinante na vida e na perseverança das comunidades religiosas inseridas na pastoral popular.

No momento de organizar a oração comunitária, muitos grupos e comunidades religiosas tiveram grande dificuldade e então pediram ajuda. Foi aí que a equipe responsável pela elaboração do ODC, articulando criatividade, que dá à oração uma nota de atualidade e de encarnação, e as riquezas da tradição litúrgica das Igrejas cristãs, decidiu apoiar estas comunidades propondo-lhes uma oração mais profunda e consistente. Foi nesta época (década 80) que a estrutura do ODC se delineou com maior clareza e em diversos níveis. Houve também um desenvolvimento dos elementos do Ofício, o que se teve presente na organização da oração comunitária, e foram propostos roteiros ou esquemas para as orações 32.

29 Cf. RAFFA, Vincenzo. La nuova Liturgia delle Ore, p. 22; SC 100; IGLH 25-27.

30 SOUZA, Marcelo de Barros. Descolonizar a oração da Igreja. Revista de Liturgia, São Paulo, v.21, n.124, jul./ago.1994, p.28. 31 Sobre este assunto, ver SOUZA, Marcelo de Barros. Seu louvor em nossos lábios. p.15-25.

32 Cf. SOUZA, Marcelo de Barros. Seu louvor em nossos lábios. p. 61-109. Percebe-se nitidamente a evolução entre o que é

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Passamos, a seguir, à enumeração e breve comentário dos elementos que compõem o ODC, cujo esquema fundamental foi herdado da tradição judaica e das primeiras comunidades cristãs: invocar a Deus, através de versos bíblicos; criar assembléia litúrgica por meio de um hino; cantar os salmos; escutar a Palavra de Deus e a ela responder pelo louvor, pela intercessão e pelo compromisso de cumpri-la dia-a-dia33.

3. 1.Chegada

É o momento em que as pessoas vão chegando, colocando-se numa posição que favoreça a oração pessoal, disponha ao louvor, a um clima de silêncio interior, ao saborear a presença do Senhor. Neste momento, poderão ajudar os refrãos meditativos como sugere o ODC; no entanto, fica a critério do grupo cantá-los ou permanecer em silêncio. É importante que as pessoas entendam que não se improvisa a oração comunitária verdadeiramente orante, mas ela “depende da qualidade da participação de cada pessoa. A oração comunitária se apóia na oração pessoal: nela, o coração se abrasa e a celebração se torna incenso de louvor” 34. Portanto, este momento é parte integrante da oração.

3.2. Abertura

Os Ofícios iniciam invocando a Deus através de versos bíblicos ou convidando a comunidade ao louvor (invitatório). No Ofício da manhã, o primeiro verso – “Estes lábios meus... - que pertence ao Salmo 51(50) e como é tradição na Liturgia das Horas; segue um segundo verso, que alude ao sentido do dia, do tempo ou da festa, mais alguns versos de um salmo invitatório, a doxologia e um convite final. Esta abertura ou introdução do ODC faz as vezes do invitatório.

No Ofício da tarde, o primeiro verso – “Vem, ó Deus da vida, vem nos ajudar”... – se inspira no Salmo 70(69) e na tradicional introdução da Liturgia das Horas; segue a doxologia, um convite e um verso sapiencial ligado ao sentido da celebração.

A abertura da Vigília começa com o Salmo 117(116), seguido de versos que acompanham o acender das velas (lucernário) e a oferta do incenso ou ervas cheirosas, a doxologia e o convite final.

33 Cf. SOUZA, Marcelo de Barros. Descolonizar a oração da Igreja.Revista de Liturgia,n.124,jul./ago.1994.p.29.

34 Cf. SC 12. ODC p.10; CARPANEDO, Penha. A Liturgia como método de Oração. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 26, n.154,

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3.3. Recordação da vida

Já tivemos oportunidade de acenar à recordação da vida aludindo à fundamentação bíblica deste momento do ODC: Maria conservava todos esses fatos, e meditava sobre eles em seu coração (Lc 2,19.51) – à qual acrescentamos o caminho de Emaús (Lc 24,13-35), conforme sugestão de Reginaldo Veloso, pois oferece subsídios para uma “leitura pascal da vida”, que é um processo e requer tempo. Requer também o saber ler as Escrituras e a vida, e é o que faz com paciência e dedicação o Caminhante que se uniu aos dois discípulos.

Este momento do Ofício é aquele em que se retoma a própria vida, a vida do povo, para identificar aí os sinais dos tempos, sinais de Deus, e escutar os seus apelos...35 A escuta da Palavra de Deus começa pela “escuta orante da vida” ou “leitura pascal da vida”. Para quem tem olhos para ver (e não está cego, como os discípulos de Emaús!) e ouvidos para ouvir a vida que palpita, os acontecimentos de cada dia, as pessoas, suas angústias e esperanças, suas tristezas e alegrias, as conquistas e revezes da caminhada, as lembranças marcantes da história, da comunidade, das Igrejas e dos povos, os próprios fenômenos da natureza são sinais de Deus 36.

3.4. Hino

Os hinos expressam, de modo mais claro que as demais partes do Ofício Divino, o sentido próprio de cada Hora, do dia da festa, do tempo ou de alguma data importante ou acontecimento maior 37.

No ODC, o hino é cantado após a recordação da vida. Em sua busca de fidelidade à proposta de se criar um ofício popular, a equipe que organizou o hinário do ODC conservou hinos antigos e recolheu do repertório das comunidades aqueles que melhor atendessem aos critérios bíblico-litúrgicos e se adequassem à hora do dia, ao tempo, à festa ou circunstância especial 38. Foram assumidos também hinos e canções extralitúrgicas, inclusive de outros países, privilegiando os hinos da caminhada da Igreja do Brasil nas últimas décadas.

35 Cf. VELOSO, Reginaldo. Ofício da Mãe do Senhor. p.15. 36 Cf. ODC p.11.

37 Cf. Ibid.

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3.5. Salmodia

Desde cedo, os Salmos, estes esplêndidos poemas inspirados pelo Espírito Santo, tornaram-se a base da oração das comunidades cristãs, no Oriente e no Ocidente, a expressão maior do seu louvor e, por serem eles uma escola de oração, ensinam a comunidade ou o orante a unir louvor e lamento, ação de graças e intercessão, indignação e confiança. Os Salmos são composições poéticas, ou seja, poemas ou cantos, que o povo da Bíblia foi compondo em diferentes momentos de sua história; em sua origem, eram acompanhados de instrumentos 39.

Podemos dizer que o canto dos Salmos e dos Cânticos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento ou a Salmodia é o fundamento da oração cristã individual e comunitária e, consequentemente, da Liturgia das Horas. Assim sendo, também no ODC, os Salmos e os Cânticos bíblicos, Palavra de Deus cantada e meditada, constituem parte muito importante. Neste Ofício, os Salmos e Cânticos foram traduzidos em linguagem poética popular exatamente para serem cantados e ajudarem as pessoas a rezar em sua língua, com seus ritmos e melodias. A opção pela numeração hebraica dos Salmos se justifica pelo fato de todas as Igrejas a adotarem.

No ODC, como na Liturgia das Horas, encontramos, antes do Salmo e do Cântico do Antigo Testamento, um versículo do Novo Testamento que explicita o sentido cristológico do mesmo, pois a oração cristã dos Salmos orienta a pessoa que ora a unir-se à história do povo de Deus, de ontem e de hoje, à luz do acontecimento maior, a Páscoa de Jesus.

Além do versículo do Novo Testamento, há antes do Salmo e do Cântico, uma introdução, que acena ao seu contexto original e em seguida faz uma ligação do Salmo ou Cântico com a vida atual.

As antífonas, refrãos e outros elementos ajudam a oração dos salmos, pois ilustram o seu gênero literário, fazendo do salmo uma oração pessoal, ressaltando alguma frase digna de atenção especial, conferindo, em certas circunstâncias, um matiz particular a determinado salmo, ajudando na interpretação tipológica ou festiva, podendo tornar o canto ou a recitação dos salmos mais agradável40.

39 Cf. Ibidem. Segundo Raguer, o nome que melhor enquadraria o conjunto de orações contidas no livro dos Salmos seria mizmor,

que é a forma substantivada do verbo zama: cantar acompanhado de um instrumento de corda. Cf. RAGUER, Hilari. Para compreender os Salmos. p.21.

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A conclusão dos Salmos e Cânticos, no ODC, é geralmente uma doxologia, que às vezes é o tradicional “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo” ou também formas mais livres, que ligam a comunidade que reza às comunidades de outras religiões e à sensibilidade do mundo atual, que vem recordar outras imagens de Deus 41.

Não nos deteremos, no momento, no modo de salmodiar. Comentaremos este aspecto da salmodia na segunda parte do nosso trabalho, quando estivermos analisando mais detalhadamente cada um dos elementos do ODC.

Na atual Liturgia das Horas, os salmos foram distribuídos em quatro semanas 42. O ODC distribuiu não todo o saltério, mas, parte dele, igualmente em quatro semanas, de acordo com o sentido da hora (manhã-tarde), do dia (domingo, segunda-feira...) e do tempo (Advento, Natal...) ou festa (Maria, Santos...). Pode ser acrescentado também um Cântico do Antigo Testamento, no Ofício da manhã, ou do Novo Testamento, no Ofício da tarde 43.

3.6. Leitura bíblica

Toda celebração litúrgica é, fundamentalmente, celebração do acontecimento proclamado pela Palavra de Deus em toda a riqueza de sua abertura. Na liturgia se atualiza, de modo simbólico-sacramental, a salvação anunciada nas Escrituras; assim, não pode faltar, na oração litúrgica, a leitura da Sagrada Escritura. Podemos dizer que as partes que, no Ofício,

antecedem a leitura são como uma preparação para este diálogo em que Deus fala por sua Palavra proclamada e a comunidade O escuta e a Ele responde.

O ODC prevê uma leitura bíblica, breve ou a da missa do dia, em cada Ofício, podendo ainda a comunidade, em situações especiais ou acontecimentos maiores, optar por outra leitura44.

3.7. Meditação

Já acenamos à importância do silêncio, que prepara a oração e a ela predispõe. Tal silêncio propicia a escuta do Espírito e é proposto em momentos oportunos, sem que jamais

41 Cf. ODC p.12.

42 Cf. IGLH 126-135.

43 Cf. ODC p.12-13.

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deforme a estrutura do Ofício ou ocasione mal-estar ou tédio nos participantes.45 A Palavra precisa de espaços de silêncio, como a semente precisa da terra para germinar e criar raízes.

O ODC propõe um tempo de silêncio, de meditação, depois da leitura bíblica: é o momento de repassar no coração o que foi ouvido na recordação da vida e na Sagrada Escritura, ou mais precisamente, o tempo de defrontar-se com os “sinais dos tempos”, os acontecimentos cotidianos, à luz da Escritura. É a “leitura pascal da vida” 46: para que o Cristo seja reconhecido na celebração, precisa ser antes reconhecido na realidade da vida, como aconteceu no caminho para Emaús (cf.Lc 24,13-35).

Como lemos na introdução ao ODC, este momento de meditação silenciosa poderá ser completado pela partilha fraterna – e não debate ou discussão – dos sentimentos, impressões, apelos que a Palavra de Deus suscitou nas mentes e nos corações. Poderá ajudar a recordar a Palavra de Deus um responso ou refrão contemplativo. No caso do evangelho ter sido proclamado, costuma-se cantar, antes e depois da proclamação, uma aclamação47.

3.8. Cântico evangélico

Os cânticos evangélicos do “Benedictus”, “Magnificat” e “Nunc dimittis” são o ponto alto das Laudes, Vésperas e Completas. Lemos, na introdução ao ODC que, por antiga tradição, estes três cânticos são cantados respectivamente pela manhã, ao despontar o Sol da Justiça; à tarde, dando graças ao Pai por sua manifestação na história; e à noite, na grata e serena alegria de quem viu a salvação acontecer. No ODC os referidos cânticos não são propostos para cada dia, como é tradição na Liturgia das Horas, mas reservados aos domingos e dias de festa, sendo opcionais durante a semana48.

3. 9. Preces, Pai nosso, Oração

Após o cântico evangélico, a comunidade, como povo sacerdotal, através das

preces de louvor, agradecimento, pedido, súplica e intercessão, entrega confiantemente os seus destinos e os destinos da humanidade, nas mãos do Pai, por Jesus Cristo, na força do Espírito.

45 Cf. IGLH 201-202.

46 Cf. VELOSO, Reginaldo.

Ofício da Mãe do Senhor. p.17 .

47 Cf. ODC p.13.

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No ODC, quem preside faz o convite às preces e sugere a resposta, de preferência, cantada. Encontram-se, no livro, preces para todos os tempos litúrgicos, festas e ofícios para circunstâncias especiais. Depois destas preces que constam no texto do Ofício, as pessoas que participam da oração podem expressar espontaneamente a sua prece, ressonância da recordação da vida e da meditação dos Salmos e da leitura bíblica. Para algumas ocasiões, é proposta como alternativa, uma ladainha, que poderá ser cantada ou recitada, conforme o gosto da comunidade. Toda a oração é resumida e completada pela recitação ou canto do Pai nosso, ao qual se acrescenta: “pois vosso é o Reino, o poder e a glória para sempre”, conforme faziam as comunidades primitivas49 e como ainda é costume nas igrejas evangélicas e nas celebrações ecumênicas.

A breve oração conclusiva, cujas formulações que encontramos no ODC são novas, inéditas, eque ainda pertence à resposta da comunidade no seu diálogo com Deus, evoca o mistério celebrado ou a experiência pascal da respectiva Hora50.

3.10. Bênção

O Ofício termina com a bênção de Deus, em virtude da qual Ele continua unido à comunidade, comunicando-lhe sua salvação: o dom de seu amor, de sua misericórdia, de sua paz, nas lutas da vida, até que o Reino de Jesus se cumpra plenamente no mundo51.

No ODC há variadas propostas de bênçãos para todos os tempos litúrgicos, festas e ofícios para circunstâncias especiais. Após a bênção, num estilo bem popular, a assembléia é despedida, pelo coordenador ou coordenadora com o Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo,

ao qual todos respondem: Para sempre seja louvado!

Percorrendo o ODC e tendo uma visão de conjunto da estrutura e elementos do mesmo, passaremos aos ritos, gestos e ações simbólicas que se encontram neste Ofício.

4. Ritos, gestos e ações simbólicas no Ofício

Toda celebração litúrgica supõe a existência de ritos, que não são algo oposto à vida, como às vezes se pensa e se diz. A celebração do Ofício, portanto, também supõe ritos,

pois, sendo uma ação litúrgica, tem um caráter comunitário e celebrativo, como já dissemos

49 Cf.

Didaqué: Catecismo dos primeiros cristãos, 8. p. 31.

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anteriormente. É importante recordar que, de um lado, os ritos estabelecem uma intercomunicação ou intercâmbio de comunhão entre os membros da assembléia ou comunidade e, de outro, possibilitam e refletem a comunicação e a comunhão entre Deus e seu povo.

A celebração do Ofício, cuja finalidade é o louvor de Deus, acontece no intercâmbio de comunhão entre irmãos e irmãs, através da Palavra e dos ritos, gestos e ações simbólicas. Ao percorrer o ODC, percebe-se a preocupação de que os ritos sejam autênticos, isto é, que correspondam à maneira de ser, à cultura da comunidade ou grupo que celebra – grupo numeroso ou pequena equipe; adultos ou jovens; homens ou mulheres; leigos, religiosos e religiosas ou clero... - e ao momento do dia, ao local da celebração, às circunstâncias da vida – dia ou noite; igreja, casa ou ao ar livre, momento de tristeza ou de alegria; festa ou cotidiano... Do contrário, tais ritos seriam puro automatismo, formalidade ou mais precisamente, um ritualismo. Não é, portanto, sem razão que os aspectos funcionais, estéticos e formais da ação ritual, como o espaço, as cores, o visual, a gestualidade, que são suporte do rito, enquanto ação simbólica, mereçam atenção e cuidado. Estes elementos são levados em consideração no ODC porque se tem em vista o envolvimento da pessoa em sua inteireza52, busca-se a harmonia, que é o fruto do trabalho do Espírito (o pneuma), entre o gesto externo (fazer), o sentido teológico (o pensar) e a atitude afetiva(sentir)53.

No ODC se estabelece nitidamente a distinção entre a oração diária e os ritos festivos. Na oração diária, supõe-se que os ritos sejam simples e claros, revestindo-se, deste modo, de autenticidade, e impregnando de novidade o que se repete cotidianamente. A repetição dos mesmos ritos, dos mesmos gestos, confere segurança às pessoas em cada momento da oração; tais ritos e gestos repetidos exigem atenção, exigem ser realizados de coração, o que evitará que se transformem em algo rotineiro, mecânico e sem vida. Na oração diária do ODC, a acolhida poderá ser mais simples ou mais desenvolvida e o espaço será organizado de maneira que ninguém se sinta discriminado; o círculo, por exemplo, é um bom modo de organizar o espaço, pois é sinal da comunhão realizada pelo Senhor na comunidade.

Na introdução ao ODC, encontram-se sugestões de ritos e gestos para a abertura, como o acendimento da vela, o sinal da cruz, ou o levantar as mãos, ou a inclinação... e um gesto afetuoso de olhar uns para os outros ou de saudação, no convite final da abertura (aleluia, irmãs, aleluia, irmãos).

52 Cf. ODC p. 14 –15; SOUZA, Marcelo de Barros. Gestos e símbolos no Ofício Divino das Comunidades,Revista de Liturgia, São

Paulo, v. 16, n.93, mai./jun. 1989, p. 90-93.

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É salientada a importância de todo o corpo na oração, levando-se em consideração o costume do lugar ou a cultura:54 as palavras são importantes na oração; mas, são elas, juntamente com os gestos, os elementos que compõem os ritos. O equilíbrio interno e externo depende da integração do corpo na oração e da incorporação do gesto à liturgia55.

Encontramos, por fim, nos comentários do ODC ao “como rezar cada dia”, ou seja, à oração cotidiana, uma menção ao silêncio: na celebração do Ofício, é importante que se una à palavra e ao gesto ou à expressão corporal, o silêncio56, que é “um espaço espiritual para a interiorização e a contemplação e para a oração pessoal que vai integrar-se na oração litúrgica e eclesial” 57.

No ODC,são propostos os ritos festivos para as vigílias dos domingos e festas. Com certeza, existe um forte contraste entre a festa e a vida de cada dia, e isto deve ser percebido na celebração litúrgica. “A festa tem sempre um motivo e é ele que dá lugar à celebração” 58. E há maior motivo para se festejar e celebrar do que a certeza da presença do Senhor Ressuscitado no meio dos seus? E esta presença do Senhor entre os seus é mais sentida na vigília dos domingos e festas, de modo especial no Natal e na Páscoa, quando há ainda mais razão para uma maior festividade da celebração.

Na celebração das vigílias dos domingos e festas, proposta pelo ODC, sugere-se que haja um candelabro próprio para o círio pascal no qual toda a comunidade acende as suas velas para a proclamação do Evangelho. Há o louvor da luz e do incenso ou ervas cheirosas, integrando tradições bíblicas e costumes afro-brasileiros e indígenas. Pode haver também o abraço da paz e, no final da vigília, segundo um antigo costume, algumas comunidades cantam o Salve Rainha ou outro canto mariano 59.

Vimos como a celebração comunitária do ODC supõe ritos, gestos e ações simbólicas. A seguir, veremos a Música, que é um dos elementos que mais favorecem a participação da assembléia na celebração.

54 Cf. ODC p.15-16.

55 Cf. MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade: introdução antropológica à Liturgia, p. 198-199. 56 Cf. ODC p.17.

57 MARTÍN, Julián López.

No espírito e na verdade: introdução antropológica à Liturgia, p. 113.

58 Ibid. p.228.

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