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As diversas reformas do Ofício Divino do Século XVI ao Concílio

No documento Maria da Gloria Melo de Souza (páginas 62-99)

7. Elementos de Inculturação

2.1. Descrição do instrumental de análise

2.1.1.6. As diversas reformas do Ofício Divino do Século XVI ao Concílio

veremos a seguir.

2. 1. 1. 6. As diversas reformas do Ofício Divino do século XVI ao Concílio Vaticano II

Chegamos à última etapa da história do Ofício Divino, que vai do século XVI, após o Concílio de Trento, até os nossos dias, com a atual Liturgia das Horas, promulgada pela Constituição Apostólica Laudis Canticum, de Paulo VI.

O Breviário do Concílio de Trento impôs-se praticamente em todo o Ocidente, realizando, no século XVI e nos seguintes, a unidade orante da Igreja Ocidental. Na verdade, o breviário de Pio V foi muito mais elogiado que censurado. Entre os séculos XVII e XVIII, por exemplo, surgiram algumas críticas, que tocavam a questão da autenticidade das leituras hagiográficas do referido breviário130.

Entre a reforma de Pio V e a de Pio X (entre o século XVI e o XX), aconteceram modificações pouco significativas no Ofício, como os retoques à forma latina dos hinos, realizada por Urbano VIII (ano de 1629). Verificou-se, como uma constante deste período, o

progressivo avultamento do calendário devido a novas festas, sobretudo de santos131, o que fazia desaparecer quase completamente o ofício do tempo, e a distribuição semanal do saltério estava praticamente abandonada: o equilíbrio entre o próprio do tempo e o próprio dos santos ficara, de fato, comprometido132.

Nos séculos XVII e XVIII, multiplicaram-se os breviários galicanos, que continham riquezas, mas também transmitiam contravalores. Neste período, chegou-se a considerar o breviário, por influência do Iluminismo - que tinha como objetivo, entre outros, o combate à ignorância - um livro de instrução e formação religiosa. Indo ao outro extremo, nos inícios do século XIX, certamente sob o influxo do Romantismo, que defendia o individualismo animado pela fantasia e pelo sentimento, pretendeu-se substituir a Oração das Horas por um tempo que se devia dedicar obrigatoriamente à oração133.

O Papa Pio X (1903-1914) nomeou uma comissão com a incumbência de realizar uma nova reforma, iniciada em 1911, com a Constituição Apostólica Divino afflatu. A edição típica do breviário de Pio X é de 1914. A outra reforma, bem mais profunda, anunciada por Pio X, ficou em aberto para o futuro, pois a sua morte, em 1914, frustrou este projeto.

É preciso mencionar também as modificações introduzidas no Ofício por Pio XII e João XXIII, entre a reforma de Pio X e a grande renovação realizada pelo Vaticano II. A reforma de Pio X levou em consideração a sobrecarga de ministérios pastorais de muitos padres e consistiu basicamente em uma nova distribuição do saltério e no restabelecimento da dignidade do domingo.

Pio XII (1939-1958) introduziu, em 1947, uma nova versão do saltério, abandonada depois do Concílio Vaticano II, e em 1955, suprimiu, com o decreto De rubricis ad

simpliciorem formam redigendis, diversos elementos adicionais ao Ofício, tornando-o menos sobrecarregado.

João XXIII (1958-1963) promulgou, em 1960, às vésperas do Vaticano II, com o motu proprio

Rubricarum instructum, novas rubricas para o missal e o breviário134.

Após estas reformas parciais do breviário, o Concílio Vaticano II assenta a renovação profunda e geral da Oração das Horas. O capítulo quarto da Sacrosanctum

Concilium, dedicado totalmente ao Ofício Divino (cf SC 83-101), contempla a teologia da Oração das Horas, seus aspectos pastorais, normas para a reforma do Ofício, seu valor

131 Ibid.

132 Cf. MARTIMORT, Aimé Georges. op.cit. p. 224. 133 Ibid. p.319-320.

espiritual, a obrigatoriedade da recitação, a celebração comunitária, a participação do povo no Ofício Divino e a língua usada no mesmo. A execução da renovação da Oração das Horas coube a uma comissão pós-conciliar (1963-1970), instituída por Paulo VI. A comissão encarregada de executar a renovação do Ofício Divino levou sete anos para concluir esta tarefa. Pela Constituição Apostólica Laudis Canticum, Paulo VI promulgou, no dia 1° de novembro de 1970, a nova Liturgia Horarum e a publicou a 11 de abril de 1971. A Institutio

generalis de Liturgia Horarum (Instrução geral sobre a Liturgia das Horas) acompanha o primeiro volume da nova Liturgia das Horas. Uma segunda edição típica da Liturgia das Horas

segundo o rito romano foi publicada a 7 de abril de 1985. Desta segunda edição foi feita a tradução completa da nova Liturgia das Horas, em quatro volumes, para o Brasil, publicados em 1995 e 1996.

O novo nome – Liturgia das Horas – pelo qual optou o Concílio Vaticano II, para designar a Oração das Horas, corresponde ao conteúdo e à natureza dessa oração, que é celebrada em determinadas horas do dia. A mudança de nome, de Ofício e Breviário para

Liturgia das Horas torna patente esse seu cunho temporal.

As celebrações litúrgicas, por serem atividades humanas, se realizam no tempo. A

Liturgia das Horas, oração celebrada em momentos determinados do dia, é uma das formas de a Igreja celebrar a Páscoa de Jesus Cristo no ritmo diário do tempo. As diversas horas de oração constituem, no âmbito celebrativo, sinal sensível da realização do acontecimento pascal da salvação, pois os vários momentos - Horas - estão ligados aos mistérios da história salvífica.

A determinação das horas marca concretamente essa oração, que imprime ritmo ao curso do dia, impondo sua cadência celebrativa aos diversos momentos da jornada. Marca também essa oração a memória dos acontecimentos salvíficos ocorridos em diversos períodos do dia, e a oblação e santificação do tempo propício, que na comunidade cristã transcorre entre o trabalho e o descanso135.

O próprio título Liturgia das Horas nos coloca frente a três grandes linhas de teologia e espiritualidade: a dimensão litúrgica, a especificidade orante e a inserção no tempo salvífico e na história humana136 e aqui está a grande novidade do Vaticano II ao tratar a Oração das Horas. Como lemos na Laudis Canticum137, realmente o Concílio tratou a Oração das Horas de uma maneira que nada idêntico pode ser encontrado em toda a história da Igreja.

135 Cf. CASTELLANO, Jesús. Teologia e Espiritualidade da Liturgia das Horas. In: VV. AA. Liturgia das Horas, p. 337. 136 Ibid.

Esta afirmação de Paulo VI nada tem de exagerado, pois se comparamos a atual

Liturgia das Horas com os breviários que a antecederam, percebemos uma grande diferença em sua fundamentação teológica. Só para recordar: o breviário de Quiñonez é considerado oração da Igreja, exercida pelos ministros, em privado, e, pouco leva em consideração a “verdade das horas”.

O breviário de Pio V é tido como oração do e para o sacerdote. O Ofício é antes de tudo comunitário, mas a recitação individual não só é admitida, mas também obrigatória, no caso de não ser celebrado comunitariamente; muitas vezes, aqui não se levava em conta a “verdade das horas”.

Pio X, por sua vez, centra o Ofício no saltério: em todos os salmos, a voz do Cristo total (= a Igreja) canta, geme, alegra-se na esperança e suspira pela posse138... No entanto, na

Divino afflatu, o sentido cristológico dos salmos não é bastante evidenciado, pois, naquele período, a presença de Jesus está vinculada, sobretudo, ao sacramento da Eucaristia. Quanto à dimensão comunitária, individual e horária do Ofício, o breviário de Pio X nada acrescenta de novo; permanece igual ao de Pio V. Na Liturgia das Horas do Vaticano II, fica bem evidente a dimensão comunitária do Ofício Divino, pelo fato de ser oração da Igreja e daí ser a celebração comunitária seu modelo ideal. A Liturgia das Horas é apresentada como sendo essencialmente a oração do Povo de Deus 139.

Na renovação da Oração das Horas, realizada pelo Vaticano II há uma revalorização do ano litúrgico. Em torno deste elemento – ano litúrgico - haviam girado também, como acenamos anteriormente, as reformas de Quiñonez (Breviarium Sanctae

Crucis), de Pio V e de Pio X. Mas, foi o Vaticano II que, de fato, devolveu ao domingo e ao ciclo cristológico, seu devido lugar, deixando o santoral em segundo plano.

Igualmente o saltério recebeu atenção especial na renovação conciliar e, com certeza, o fato mais revolucionário desta renovação consiste na distribuição dos salmos em quatro semanas140. Em todas as distribuições romanas anteriores, o princípio beneditino do saltério distribuído em uma semana foi mantido141. Mas, no breviário de Quiñonez, esta distribuição tornou-se mecânica, pois não se dava atenção à coerência entre os salmos e as horas e as festas: importava que de facto se recitasse cada semana todo o saltério142.

138 Cf. Divino Afflatu, AAS 3, p. 633-635.

139 Cf. GOENAGA, J. A. op. cit. p. 324 –325 e também IGLH n. 20-32. 140 Cf .PINELL, Jordi. Liturga delle Ore (Anàmnesis 5), p. 201. 141 Cf. Regra Beneditina 18, 23-25.

O breviário de Pio V manteve-se fiel à tradição do saltério semanal, porém, as festas que caíam durante a semana reclamavam os salmos do próprio ou do comum, ou seja, nesta distribuição, havia harmonia entre os salmos e as horas e os dias festivos.

A distribuição romano-beneditina do saltério - recitação semanal - foi também respeitada no breviário de Pio X, tendo sido evitada a repetição de salmos na mesma semana. Optou-se pelo chamado “ofício misto” no qual o saltério e as leituras bíblicas eram do dia e os outros formulários eram do próprio ou do comum.

O Concílio Vaticano II abandonou a distribuição tradicional do saltério em uma semana, optando, como já mencionamos, pela distribuição num ciclo de quatro semanas, exceto para as Completas 143. Do saltério “mensal”, omitiram-se três salmos imprecatórios (o 57, o 82 e o 108) e alguns versículos imprecatórios de vários salmos, por oferecerem certa “dificuldade psicológica” 144.

Detivemo-nos na questão da distribuição do saltério, por ter sido este, como vimos, um ponto em torno do qual giraram as diversas reformas do breviário, até o Vaticano II. O mais importante, porém, ao percorrer a história, em especial nos últimos quatro séculos, é que “na

Liturgia das Horas a Igreja reza, em grande parte, servindo-se daqueles esplêndidos poemas que, por inspiração do Espírito Santo, os autores sagrados do Antigo Testamento compuseram”

145.

Com relação às leituras, elemento importante da oração das horas, encontramos, no breviário de Quiñonez, leituras antes de tudo bíblicas.

O breviário de Pio V, por sua vez, oferece leituras muito breves da Sagrada Escritura, abreviando e depurando criticamente as leituras patrísticas e hagiográficas, se as comparamos com as do ofício de Quiñonez.

Em sua primeira reforma, Pio X deixou todas as leituras exatamente como estavam no ofício anterior, anunciando uma reforma mais profunda, que não chegou a se concretizar 146.

A Liturgia horarum do Vaticano II contém um ciclo anual dos trechos bíblicos para o Ofício das Leituras. Além destas, mais longas, há também as breves, das Laudes, Vésperas, Terça, Sexta. Noa e Completas. O Ofício das Leituras contém ainda trechos escolhidos dos Padres e escritores eclesiásticos e leituras hagiográficas para a celebração dos santos. 143 IGLH n.126. 144 Ibid. n. 131. 145 Ibid. n. 100 146 Cf. GOENAVA, J. A. op.cit. p. 331.

A Liturgia das Horas levou em conta a recomendação do Concílio quanto às leituras, a saber, que a leitura da Sagrada Escritura fosse programada de modo que permitisse o acesso mais fácil e abundante aos tesouros da Palavra de Deus, que as leituras patrísticas fossem melhor selecionadas e, finalmente, que as leituras hagiográficas, onde havia muita fantasia, fossem revisadas segundo a verdade histórica e o proveito espiritual do leitor 147.

Entre os chamados elementos oracionais (repetições de versículos, antífonas, responsórios, leituras breves, hinos...) encontram-se apenas os hinos, no breviário de Quiñonez.

No breviário de Pio V aparecem estes elementos oracionais, com exceção dos títulos dos salmos. Pio X também os manteve e ainda ampliou o hinário.

Na certeza de que todos os elementos oracionais levam à oração e à contemplação do Mistério da Salvação, porque brotaram do coração orante da Igreja, a Liturgia das Horas de Paulo VI os manteve, revalorizando o repertório hinológico, as antífonas, os títulos dos salmos e as coletas sálmicas (não publicadas oficialmente), as diversas maneiras de salmodiar, o canto e o silêncio, as leituras breves, os responsórios, as preces, o Pai nosso e as coletas 148.

Já falamos sobre os elementos adicionais (ofícios de Nossa Senhora e dos Defuntos, salmos graduais e penitenciais...), que tanto sobrecarregaram a Oração das Horas, especialmente entre os séculos X e XVI, transformando-a em um fardo insuportável de carregar, e vemos que no breviário de Quiñonez e também no de Pio V, a maioria destes elementos foram reduzidos ou até suprimidos. Pio X, por sua vez, suprimiu os elementos

adicionais em sua totalidade. Na verdade, a tendência à supressão, e mesmo a supressão total dos elementos adicionais, se faz notar claramente, sobretudo a partir do século XVI, com a obra do cardeal Quiñonez, que manifestou a coragem de eliminar elementos do período do barroquismo, sobrecarregado de orações suplementares, conforme já mencionamos anteriormente. Na Liturgia das Horas do Vaticano II permaneceu somente a antífona mariana, com a qual a Igreja orante encerra o dia, despedindo-se de Maria.

Ao encerrar o estudo da última etapa da história do Ofício Divino, que começa no século XVI, após o Concílio de Trento, chegando aos dias atuais, com a Liturgia das Horas, do Vaticano II, recordamos que, neste período, a Oração das Horas conheceu diversas reformas.

O Concílio de Trento pediu uma reforma séria do Ofício, e, embora tenha mantido a estrutura fundamental do breviário de Quiñonez, introduziu algumas simplificações e

147 Cf. IGLH n.92.

148 Cf. GEONAVA, J. A.. op.cit. p. 333-334 e também IGLH n. 73-77 (hinos); n. 110-113 (antífonas, títulos dos salmos e orações

sálmicas); n. 121-125 (formas de salmodiar); n. 257-284 e 201-203 (do canto e do silêncio); n. 45 e 157s (leituras breves); 159- 170 (responsórios); 179ss (preces, oração dominical e coleta).

eliminou acréscimos. A maior novidade de Trento foi o fato de o breviário ter sido imposto a toda a Igreja de rito romano. Esta rígida uniformidade e também intangibilidade do breviário são julgadas, hoje, mais negativas que positivas149.

Nestes quatro séculos, entre o Concílio de Trento e o Vaticano II, Pio X realizou, em 1911, uma reforma parcial do Ofício Divino, primeiro passo em direção à reforma mais geral e completa. Pio XII, de 1949 em diante, e - já às portas do Vaticano II - João XXIII introduziram modificações no Ofício. Estas reformas parciais prepararam e de alguma maneira anteciparam a renovação da Oração das Horas realizada em profundidade pelo Concílio Vaticano II cuja preocupação primeira não foi apresentar normas para a reforma do Ofício, mas, precisar pontos importantes que tocam a teologia da Oração das Horas, a começar da natureza desta oração: canto da Esposa para o Esposo, canto do Cristo pela nossa boca, para o Pai, como lemos no artigo 83 da Sacrosanctum Concilium. Esta renovação, realmente inédita, e que teve a sua preparação próxima no Movimento Litúrgico, se apoiou amplamente na tradição, levando em conta as necessidades do nosso tempo.

Evidenciaremos, a seguir, alguns elementos de inculturação, encontrados no decorrer desta longa história da oração das horas da Igreja.

2.1.2. Inculturação

Tendo concluído o itinerário histórico da Oração das Horas, o qual, como é óbvio, não teve a pretensão de ser exaustivo, apresentaremos, a seguir, alguns elementos de

inculturação presentes no Ofício Divino, os quais servirão como instrumental de análise nesta parte do nosso trabalho.

Evidentemente, o termo “inculturação” não existia nem era usado no decorrer de quase dois mil anos. Nem mesmo o Concílio Vaticano II falou de “inculturação” (este termo só veio à luz em 1975!) 150, tendo optado por “adaptação” (aptatio), que se tornou o termo oficial usada pela Sacrosanctum Concilium, especialmente nos artigos 37- 40, entre os quais se destaca o artigo 40, que trata de adaptações mais profundas, que representam um desafio mais difícil e exigente, supõem prudência por parte da autoridade eclesiástica territorial competente e ainda a colaboração de peritos na elaboração dessas adaptações.

149 Cf. RAFFA, Vincenzo. Liturgia das Horas. In: SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. Dicionário de Liturgia, p. 655. 150 Sobre a evolução do conceito de inculturação, ver: CHUPUNGCO, Anscar J. Inculturazione e liturgia: i termini del problema.

A Sacrosanctum Concilium usa também o termo “acomodação” (accomodatio), que tem praticamente o mesmo significado de “adaptação” 151. Sabemos, porém, que, se o

termo “ïnculturação” é novo, a questão é muito antiga, pois a Igreja já nasceu “inculturada” em Israel e esta verdade se aplica também à liturgia. Na realidade, a Igreja surgiu como um pequeno grupo em meio ao ambiente judaico, estando, de início, profundamente marcada pelos modos e costumes próprios do judaísmo, como Jesus, que rezava os salmos, frequentava a sinagoga, inspirava-se nos profetas...

O tema da inculturação aparece na IV Instrução para uma correta aplicação da Constituição Conciliar sobre a Liturgia tem como título “A Liturgia Romana e a Inculturação” (1994). É o último documento posconciliar que trata da inculturação e se propõe explicar com maior precisão alguns princípios da SC 37-40 e determinar o procedimento a seguir na sua aplicação, “...de maneira que, nesta matéria, se passe a atuar unicamente com base nestas prescrições” (LRI 3). Na verdade, estamos diante de um texto que fala bastante, pois se alonga por 70 números, cita muito os documentos anteriores e os discursos do Papa João Paulo II, acrescenta pouco à questão da inculturação, sobretudo na terceira parte, em que dá os princípios para a inculturação do rito romano, diz muito sobre o que não se pode fazer e pouco sobre o que é permitido fazer.

Os documentos lançados pelo magistério após o último Concílio, embora tendo consciência tanto da adaptação como da inculturação como processos necessários à conclusão da plena reforma da liturgia, tratam muito mais da adaptação ou tipo mais brando de encarnação, e pouco entram no mérito da inculturação que, por ser um tipo mais intenso, apresenta-se também mais difícil de ser realizado.

As adaptações mais brandas de certa forma já as executamos. É o caso, por exemplo, da introdução da língua vernácula na liturgia e do uso de expressões mais próximas da linguagem do povo, o que constituiu numa das mais importantes conquistas do Vaticano II. As encarnações mais intensas, as verdadeiras e próprias inculturações, continuam, porém, sendo a maior exigência de nossas igrejas.

É mister que fique bem claro o que o magistério da Igreja entende por

inculturação. Este termo designa “a encarnação do Evangelho nas culturas autóctones e, ao mesmo tempo, a introdução dessas cultras na vida da Igreja” (Slavorum Apostoli n.21). “A inculturação significa uma íntima transformação dos valores culturais autênticos, graças à sua

integração no cristianismo e ao enraizamento do cristianismo nas diversas culturas humanas” (Redemptoris Missio n.52).

Repetimos que a Igreja já nasceu “inculturada”. E o mistério de Cristo é um só e sempre o mesmo, porém, a ação ritual que expressa este mistério assume uma forma cultural. A Igreja apostólica nasce no sulco do Judaísmo, em cujo ambiente dá os primeiros passos e com o qual sabe dialogar. Cristo e os seus discípulos participaram do culto judaico, distanciando-se do mesmo de forma progressiva. A tomada de consciência da comunidade primitiva a respeito das próprias características, também no âmbito cultual, torna-se plena, após a destruição do templo de Jerusalém, no ano 70. Sem renegar as raízes judaicas, e até em sintonia com elas, a Igreja apostólica criou novas formas de culto, das quais se origina mais tarde, a liturgia cristã mais elaborada.

2. 1. 2. 1. No Judaísmo

Começamos, portanto, destacando a inculturação no Judaísmo. Não falaremos de um modo geral da liturgia cristã das origens, pois isto excederia o objetivo do nosso trabalho; nos limitaremos às reuniões de oração ou a algum tema que se relacione mais diretamente com a oração, pois estamos estudando a Oração das Horas.

Conforme já vimos, ao falar dos antecedentes hebraicos da oração no Novo Testamento, os apóstolos continuaram a participar do culto no templo (At 2,46; 6,4; 12, 5). A Igreja nascente tinha consciência de sua vocação de comunidade orante e se reunia em oração, em momentos fortes de sua vida (At 1,14. 24; 4, 23-31; 12,12). Os apóstolos continuaram o costume dos judeus de rezar em determinadas horas do dia, as horas dos sacrifícios (At 3,1). E mesmo quando se encontravam longe do templo e não podiam oferecer os sacrifícios, rezavam nas horas em que no templo os sacrifícios eram oferecidos (cf. At 3,1; 10, 9.30).

As horas de oração do âmbito religioso-cultural no qual viveu Jesus estavam ligadas aos holocaustos cotidianos da manhã e da tarde. A ritualização dos dois holocaustos

No documento Maria da Gloria Melo de Souza (páginas 62-99)