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O corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais: percepção de professores

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Academic year: 2017

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PATRÍCIA LIMA MARTINS PEDERIVA

O CORPO NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DE

INSTRUMENTOS MUSICAIS: percepção de professores

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, visando à obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de autoria de Patrícia Lima Martins Pederiva, intitulada – O corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais: percepção de professores – requisito parcial para obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação strictu sensu em Educação. Banca examinadora constituída por:

Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão (Orientador)

Profa. Dra. Eunice Maria Lima Soriano de Alencar (Membro)

Prof. Dr. Norberto Abreu e Silva Neto (Membro)

Dr. José Florêncio Rodrigues Júnior (Suplente)

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Ficha elaborada pela Divisão de Processamento do Acervo do SIBI – UCB. P371o Pederiva, Patrícia Lima Martins.

O corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais: percepção de professores / Patrícia Lima Martins Pederiva, orientador Afonso Celso Tanus Galvão – 2005.

133 f.: il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2005.

1. Corpo. 2. Aprendizagem 3. Música I. Galvão, Afonso Celso Tanus, orient. II. Título.

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AGRADECIMENTOS

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“O homem é presença e espaço na história, com o corpo, no corpo, desde o corpo e através do corpo.”

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RESUMO

Esta pesquisa, de caráter qualitativo exploratório, focalizou a relação músico-corpo-instrumento no contexto ensino-aprendizagem. Teve como objetivos investigar significados de “corpo”, de acordo com o entendimento de professores de instrumentos musicais; a existência de problemas corporais no processo ensino-aprendizagem; as possíveis causas dos problemas corporais, e, ainda, descrever procedimentos pedagógicos voltados para o corpo, utilizados pelos professores. Os instrumentos metodológicos utilizados foram a entrevista individual e de grupo focal. Foram entrevistados em profundidade 10 professores de instrumentos musicais variados que lecionam para diversas faixas etárias, predominantemente adolescentes. Além disso, três entrevistas de grupo focal foram também conduzidas. Os resultados obtidos revelam diversas significações referentes ao corpo, incluindo instrumento, mente, base, organismo, sujeito, emoção, corpo-cultura e corpo-objeto. Revelam também que o modo de conceber o corpo influencia no modo de proceder dos professores em sua prática pedagógica. Diversos problemas corporais – de ordem física, emocional e mental – foram apontados pelos professores, indicando que a aprendizagem musical deve abranger todas essas dimensões. Os resultados sugerem que o corpo, no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, está à mercê de uma pedagogia que tem como base a experiência prática do professor. O adoecimento do músico parece acontecer já no período inicial de aprendizagem, o que aponta a necessidade de mudanças nos procedimentos pedagógicos e revisão das bases do processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais.

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ABSTRACT

This qualitative, exploratory research focused the relationship ‘musician-body-instrument’ in the teaching-learning process context. It aimed at investigating body meanings according to the perspective of teachers of musical instruments; bodily related problems in the teaching-learning process, their possible causes; and describing pedagogical procedures towards the body. The method comprised semi-structured and group interview. Ten teachers varying musical instruments – who teach students of different ages, mostly adolescents, were interviewed at length. Besides, three group interviews were also undertaken. Results reveal that the body influences teachers’ pedagogical practice procedures. A number of bodily related problems – of physical, mental and emotional order – were pointed out. These results suggest that music learning should encompass all these dimensions. According to the results, the body, in the teaching learning process of musical instruments, is limited to a pedagogic structure which is based almost solely on teachers’ practical experience. Musicians’ sickness process seems to start in the very first moments of learning. This points out the need to change pedagogical procedures and to review the fundamentals of the teaching-learning process of musical instruments.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 2.1 Formes Associées au Contexte D (Formas Associadas ao Contexto D) 41

Quadro 2.2 Frase/ ALCESTE EI 42

LISTA DE FIGURAS

Figura 4.1 Circularidade dos Temas 100

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...12

1. O CORPO NO CONTEXTO ENSINO-APRENDIZAGEM ...14

1.1 Corpo, cultura, escola e educação ... 14

1.2 Corporeidade ... 17

1.3 Corpo e aprendizagem... 18

1.4 A importância do conhecimento do corpo: esquema e imagem corporal ... 22

1.5 Corpo e educação musical ... 24

1.6 Corpo e performance musical... 26

2. NATUREZA DA PESQUISA E MÉTODO ...32

2.1 Problema... 32

2.2 Justificativa... 32

2.3 Objetivos... 33

2.3.1 Objetivo geral ...33

2.3.2 Objetivos específicos...33

2.3.3 Questões de pesquisa...34

2.4 Método... 34

2.5 Instrumentos de coleta de dados... 36

2.6 Participantes e local... 37

2.7 Procedimentos ... 38

2.7.1 Entrevista individual...38

2.7.2 Entrevista de grupo focal...39

2.8 Estratégias de análise... 39

3. RESULTADOS: A RELAÇÃO MÚSICO-CORPO-INSTRUMENTO NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM...43

3.1 Significados de corpo ... 43

3.1.1 Corpo-instrumento...44

3.1.2 Corpo-mente ...48

3.1.3 Corpo-base...51

3.1.4 Corpo-organismo...52

3.1.5 Corpo-sujeito ...53

3.1.6 Corpo: emoção, objeto, cultura...54

3.2 Problemas corporais ... 56

3.2.1 Dores...56

3.2.2 Tensão (como conseqüência)...59

(11)

3.2.4 Falta de consciência corporal (como conseqüência) ...61

3.2.5 Outros problemas corporais...61

3.3 Causas dos problemas corporais... 63

3.3.1 Tensão (como causa de problemas)...64

3.3.2 Instrumentos (como causa de problemas) ...64

3.3.3 Fatores emocionais ...65

3.3.4 Falta de consciência corporal (como causa de problemas)...66

3.3.5 Movimento repetitivo ...67

3.3.6 Má postura (como causa de problemas) ...68

3.3.7 Acessórios...68

3.3.8 Constituição física inadequada ...69

3.3.9 Falta de estudo do aluno ...70

3.3.10 Falta de conhecimento do Professor...71

3.4 Procedimentos pedagógicos relacionados ao corpo ... 72

3.4.1 Orientação verbal...72

3.4.2 Ausência de orientação...73

3.4.3 Coordenação motora...74

3.4.4 Observar o aluno...74

3.4.5 Procedimentos afins...75

3.4.6 Uso do espelho ...76

3.4.7 Imitação ...77

3.4.8 Uso de acessórios alternativos...77

3.4.9 Respeito à constituição física do aluno...78

3.4.10 Relação mente-corpo-instrumento...78

3.4.11 Dimensão afetiva e emocional...79

3.4.12 Princípios de yoga, cinesiologia, massagem ...79

3.4.13 Meta e disciplina...80

3.5 Soluções para os problemas corporais... 81

3.5.1 Formação de professores na área do corpo...81

3.5.2 Técnicas corporais ...82

3.5.3 Atividade física...83

3.5.4 Geração de conhecimento sobre a atividade corporal do músico...84

3.5.5 Uso de acessórios ergonomicamente corretos ...85

3.5.6 Respeito às diferenças ...85

3.5.7 Uso de bons instrumentos...86

3.5.8 Acompanhamento físico e psicológico...86

3.6 Reflexões ... 88

4 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES: CORPO, UMA REDE COMPLEXA DE INTERAÇÕES ...90

4.1 Retomando as questões de pesquisa ... 90

4.2 As Metáforas do corpo: o “corpo-músico”... 92

4.3 O Corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais... 100

4. 3.1 Tensão (física e emocional)...103

4.3.2 Consciência corporal ...104

(12)

4.3.4 Constituição física: diferenças individuais...111

4.3.5 Movimento repetitivo ...112

4.4 Conclusões... 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...120

REFERÊNCIAS ...122

APÊNDICE A – QUANTITATIVOS (NÚMERO DE PARTICIPANTES NAS EXPRESSÕES/SUBCATEGORIAS)...127

APÊNDICE B – QUADRO DE RESULTADOS ...129

APÊNDICE C – RELAÇÕES (ESTABELECIDAS PELOS PARTICIPANTES DA PESQUISA)...130

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INTRODUÇÃO

O corpo é objeto de estudo de diversas ciências, como a medicina, a psicologia, a filosofia, entre outras. Cada uma dessas áreas contribui para a compreensão de diferentes aspectos relativos ao assunto, colaborando para o processo de construção do conhecimento científico.

A prática musical requisita bem estar físico e emocional com vistas a uma ação saudável e eficaz. Os caminhos percorridos para chegar aos resultados do intérprete musical são documentados de modo escasso. O fazer do músico precisa de registro escrito e sistematizado. A performance musical necessita ser trazida ao plano de pensamento investigativo para tornar-se fonte de consulta e referência básica. O campo das práticas interpretativas, considerando principalmente a pedagogia específica de um instrumento, ainda é vasto e inexplorado (GERSCHFELD, 1996).

Primeiro instrumento de trabalho de um músico, o corpo é solicitado como um todo na atividade musical (COSTA; ABRAHÃO 2003). É o que apontam diversos autores (ANDRADE; FONSECA, 2000; COSTA, 2003; GALVÃO; KEMP, 1999; SILVA, 2000). Observa-se que, durante o aprendizado de instrumentos musicais, a formação do intérprete é delineada em função da técnica musical. Esquece-se que o músico é um ser humano possuidor de um corpo que abrange o físico, o mental e o emocional. Trata-se o intérprete como se fosse uma “máquina de fazer música”. O corpo, como conseqüência dessa percepção, é fragmentado em função dos objetivos a serem alcançados: a decodificação do símbolo e o domínio técnico do instrumento.

O desequilíbrio existente na relação que envolve o músico, seu corpo e seu instrumento em sua prática tem sido evidenciado por diversas investigações. Pesquisa realizada por Costa (2003), por exemplo, constatou que a organização do trabalho dos músicos, as relações hierárquicas, a pressão temporal, os picos de demanda, o número insuficiente de violistas na orquestra, a inexistência de folgas e de revezamento que possibilitem maior descanso dos músicos poderiam estar contribuindo significativamente para a presença de dor relacionada ao tocar instrumentos.

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Já em pesquisa realizada com harpistas, Silva (2000) alerta para a necessidade de estudos sobre o corpo, pois harpistas apresentariam diversos problemas corporais, variando entre uma baixa resistência para o estudo, até dores e desvios ósseos.

Ray (2001), por sua vez, ressalta a importância do aspecto corporal relacionado à performance musical, utilizando como base teórica os fundamentos das artes marciais. Propõe, a partir daí, a identificação e o domínio dos elementos que interagem em uma performance artística. Andrade e Fonseca (2000) desenvolvem reflexão sobre a utilização do corpo na performance dos instrumentos de cordas, sugerindo que a formação do músico deveria ser pensada como a formação de um atleta, tendo em vista que tocar um instrumento demanda alto preparo físico e psicológico para a execução da tarefa. Galvão e Kemp (1999) afirmam que pesquisas referentes a um sentido corporal de espaço e movimento são ainda campos pouco explorados, podendo ter, entretanto, grandes implicações para o ensino-aprendizagem de instrumentistas.

As questões relativas à aprendizagem motora também foram contempladas em pesquisa realizada por Lage et al. (2002). Para os autores, o estudo da aprendizagem motora seria de particular interesse, tanto para o intérprete, quanto para o professor de música, pois, por meio da compreensão e da aplicação de conhecimentos que regem o movimento, poder-se-ia buscar diminuição significativa dos erros de performance, bem como maior controle da variabilidade dos movimentos corporais. Os autores asseveram que restam ainda muitas carências nas interfaces da performance musical com áreas como Medicina, Psicologia, Física, Ciências do Esporte e Educação.

Esta pesquisa, por sua vez, se propõe a investigar o tipo de orientação corporal recebida na formação do músico, de modo a melhor entender o estado do corpo nesse contexto.

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1. O CORPO NO CONTEXTO ENSINO-APRENDIZAGEM

1.1 Corpo, cultura, escola e educação

Pensar o corpo pode ter diversos sentidos. Cada ciência, cada cultura, cada pessoa pode percebê-lo e vivenciá-lo de diferentes maneiras. O corpo é lugar de inscrição de cada cultura. Cada gesto aprendido e internalizado pelo corpo revela trechos da história da sociedade a que esse corpo pertence. Códigos, práticas, instrumentos são materializados, concentrados e expostos nos corpos. Ele é um quadro vivo, de certa forma, refreado por normas que o transformam, revelando regras e costumes engendrados por uma ordem social. Um meticuloso processo de educação submete o corpo a determinados códigos e normas, dos quais se extraem ou se acrescentam gestos e atos (SOARES, 2001).

A educação do corpo pode ser realizada pela realidade que o circunda, pelas coisas com as quais convive, pelas relações estabelecidas em espaços definidos, delimitados por atos de conhecimento. O corpo seria o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, primeiro espaço onde seriam impostos os limites sociais e psicológicos de determinadas condutas e, ainda, o emblema onde a cultura poderia inscrever seus signos e brasões.

A relação entre corpo e cultura em tal perspectiva, pode ser exemplificada no contexto do trabalho de Crespo (1990). Esse autor relata como se realizou o tratamento corporal em Portugal nos séculos XVIII e XIX. A inexistência de controle social eficaz revelava os desregramentos dos corpos. Buscou-se, então, uma estratégia de controle sobre esses, com o fim de regulação de hábitos, dando margem aos educadores para a propagação das virtudes correspondentes aos novos modos de vida.

Visando ao estabelecimento e ao reforço de um único código de comportamento, os educadores, apoiados no saber e na experiência do contato com as grandezas e as misérias do ser humano, formavam base indispensável à eficácia do emergente processo de civilização. O corpo, dessa maneira, estava a serviço dos novos valores da sociedade, isto é, atenuar os excessos e eliminar as condutas do prazer, sob os limites da expressão gestual. Assim, a idéia de saúde do corpo era inseparável da idéia de uma sólida formação moral.

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e era “medido” pela capacidade da maioria das pessoas repetirem os “gestos comuns”. Assim, o corpo poderia tornar-se público. O processo civilizatório do corpo era então uma ação constante, uma prática em movimento sugerindo trabalho, superação e pedindo algum sofrimento, solicitando a busca penosa e esforçada do melhor, com o intuito de contribuir para o “bem da coletividade”.

Traduzia-se em um conjunto de preceitos e técnicas, de gestos e maneiras de viver, abrindo caminho para a consciência que havia sobre as potencialidades da educação, em especial sobre os corpos, sendo esses suscetíveis de se transformarem e se aperfeiçoarem pelo exercício da vontade. A imitação, no tocante às crianças, era a técnica aconselhada para a formação de hábitos, visando a demonstrar a falta de moderação em certas atitudes. A idéia de um todo exemplar formava a base das regras sociais, requerendo controle intenso. A idéia de repressão era vivida nos gestos proibidos, e o corpo era valorizado na medida em que se tornasse silencioso e discreto, procurando evitar a evidência de uma presença com o fim de não incomodar, excluindo também as emoções responsáveis pela “incorreta” organização dos movimentos dos corpos.

Cultuava-se o recolhimento dos gestos a fim de não inquietar os outros, renunciando a uma gesticulação excessiva, pois, a temperança facilitava a repressão do desejo, anulando a força das paixões. Os alunos eram submetidos a uma ordem e uniformidade assumida por cada interveniente no processo educativo, e não apenas pelo professor. Reconhecia-se aí um processo sutil de domínio dos corpos, que, ao longo do tempo, viria a aprofundar-se por diversas formas.

Para Focault (2002), o conjunto de regulamentos escolares é resultante da descoberta do corpo como objeto e alvo de poder, que teve início durante a época clássica. Funcionando primeiramente nos colégios, e depois nas escolas primárias, o ser humano do humanismo moderno nasce no contexto da minúcia dos regulamentos, do olhar esmiuçador das inspeções, do controle das mínimas parcelas da vida e do corpo. A noção de docilidade que une o corpo analisável ao corpo manipulável constrói a pessoa-máquina. O corpo que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado. É o corpo desejado, o corpo dócil.

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Observando-se a escola de hoje, as formas atuais de controle do corpo estão presentes nos regulamentos da escola, no conteúdo das disciplinas, nos livros didáticos e nos discursos e hábitos metodológicos do professor. Ao permitir realizar somente ações voluntárias com objetivos racionais definidos, regidos pelas normas sociais, os regulamentos da escola teriam como objetivo eliminar do corpo movimentos involuntários e uma participação espontânea por parte dos alunos (GONÇALVES, 2002).

Percebe-se esse controle na distribuição espacial dos alunos na sala de aula, na distribuição do tempo escolar, na postura corporal dos alunos e professores, cujos movimentos refletiriam a repressão de sentimentos espontâneos, procurando não revelar nada de pessoal e de subjetivo. O discurso do professor, por sua vez, seria, em geral, impessoal, livre de qualquer tonalidade emocional, com o objetivo de estabelecer limite entre a racionalidade oficial, de um lado, e a experiência pessoal carregada de sentimentos, idéias e lembranças, de outro.

A aprendizagem de conteúdos seria uma aprendizagem “sem corpo”, não somente pela exigência de o aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocariam em um mundo diferente daquele no qual ele vive e pensa com seu corpo.

O conhecimento do mundo seria feito de forma fragmentada e abstrata. As disciplinas limitadas a um horário pré-fixado e rígido, sendo distribuídas diferentemente. A avaliação privilegiaria, sobretudo, as “operações cognitivas”, e os alunos tornar-se-iam objeto de mensurações quantitativas. A aprendizagem na escola, originada de uma cinética reprimida e frustrada, não seria considerada, na maior parte das vezes, como elaboração das experiências sensoriais, mas sim como acumuladora de conhecimentos abstratos, tendo pouca participação do corpo como um todo. Para Gonçalves (2002), isto pode ser um fator gerador de violência e agressividade nos alunos.

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conclui que há grande desconhecimento de como o movimento colabora para o desenvolvimento psicológico de crianças.

De acordo com Almeida (1997), um dos atributos do movimento seria, por exemplo, a sua capacidade de representar as emoções. É também um aspecto considerado importante no desenvolvimento psicológico da criança. A autora alerta para o fato de que a escola não pode apenas prover o desenvolvimento de “funções intelectuais” aos alunos. O aspecto motor e o emocional também deveriam ser observados, para que possa haver benefícios na aprendizagem de alunos. A escola, portanto, deveria procurar compreender e abarcar esses aspectos da dimensão humana no processo ensino-aprendizagem de uma forma mais holística.

1.2 Corporeidade

Introduzir este conceito implica conceber outros valores presentes na construção do conhecimento sobre o corpo. No contexto da corporeidade, contempla-se o sensível, o inteligível e o motor. Trata-se também de um corpo que busca qualidade de vida. Valores como conservação, cooperação, qualidade e parceria substituem os valores de competição, quantidade e dominação. É uma mudança de valores, mais do que uma mudança de estratégias. Os valores que sustentam o corpo como objeto mecânico, objeto de rendimento, corpo alienado e objeto especializado não suportam o conceito da corporeidade (MOREIRA, 2003).

Segundo Freitas (1999), inserido nas relações histórico-culturais de seu meio, o ser humano é um indivíduo único e capaz de testemunhar sua própria experiência, construindo sua vivência singular na complexa rede de inter-relações. Como corporeidade, o corpo humano não termina nos limites que a anatomia e a fisiologia lhe impõem, sendo construído nas relações sócio-históricas e trazendo em si a marca da individualidade.

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Essência e existência estariam mescladas na corporeidade. Descobre-se nesses referenciais a existência de um corpo-sujeito, revelando um ser como indivíduo, marcando a subjetividade singular. Trata-se também de partilhar da intercorporalidade, quer dizer: estar em um mundo com outros corpos. A corporalidade, dessa forma, faz com que o universo humano seja ampliado para um mundo fenomenológico, onde a relação do ser e do mundo, ou ainda, do ser no mundo implica a riqueza de vivências significativas. O corpo não é o começo, e nem o fim da condição humana. Corpo vivenciado é o meio no qual e pelo qual o processo da vida se perpetua (FREITAS, 1999).

Afirmar o ser humano como unidade existencial requer sua compreensão como uma subjetividade encarnada, como ser espiritual e corpóreo, que está aberto ao mundo e sem o qual ele não existe. Formando assim uma síntese dialética, não se pode negar nem um, nem outro, não se pode separá-los. Nesse contexto, o mundo é o horizonte e a perspectiva onde a realidade objetiva obtém significação pela subjetividade.

Para Freitas (1999), a orientação das ações humanas não existe em função de uma realidade objetiva, mas em função de sua percepção da situação, dos significados subjetivos e intersubjetivos atribuídos às coisas no decorrer de cada história pessoal e social. Supera-se na práxis o dualismo subjetividade-objetividade. O passado e o futuro se integram em um momento presente, trazendo em si o peso das experiências anteriores, bem como uma antecipação do futuro. A realidade concreta torna-se mediada pelo ser humano. Trata-se do ser que permanentemente constrói a si mesmo e também transforma a realidade.

1.3 Corpo e aprendizagem

A aprendizagem humana envolve amplas dimensões do ser humano. Falar de corpo e aprendizagem significa falar de um corpo que interage no mundo e com as pessoas, utilizando-se de suas dimensões. Significa contextualizar esse corpo em ação. Um corpo que é ao mesmo tempo a expressão do ser humano, possuidor de uma história de vida e de uma intencionalidade em relação a ela.

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por meio de um todo orgânico. O corpo, retirado do mundo objetivo, arrasta os fios intencionais que o vinculam ao seu ambiente, revelando o sujeito que percebe e o mundo percebido.

Os motivos psicológicos e as ocasiões corporais entrelaçam-se porque não há movimentos em um corpo vivo que sejam uma eventualidade absoluta em relação às intenções psíquicas, como também não existem atos psíquicos que não tenham origem, ou pelo menos seu germe ou seu esboço geral nas disposições fisiológicas. A união entre alma e corpo se realiza a cada instante no movimento da existência.

Para Wallon (1995), o movimento é um dos meios que o ser vivo dispõe para atuar sobre seu ambiente. O ato insere-se no instante presente por meio do movimento. Do momento imediato, transforma-se em simbólico, referindo-se ao plano da representação. A adaptação entre o mundo exterior e as estruturas motoras está intimamente ligada ao exercício de centros nervosos que asseguram a regulação fisiológica do movimento. O autor considera que a atividade postural e a atividade sensório-motora são o ponto de partida da atividade intelectual no desenvolvimento da criança. O movimento é a expressão e o primeiro instrumento do psiquismo. A ação recíproca entre funções mentais e funções motoras é o que o autor se esforçou para demonstrar ao longo de sua obra.

A percepção adquire lugar mediante a ação, cuja organização e co-função atingem as mais complexas formas de atividade psíquica superior (FONSECA, 1995). O ato mental projeta-se em atos motores e a palavra é precedida pelo gesto. O movimento se integra à inteligência na medida em que a atividade cognitiva progride. O ato motor e a inteligência ao integrar-se são internalizados.

A aprendizagem humana põe em desenvolvimento planos motores que reclamam conexões sensoriais simples, para mais tarde constituírem planos motores mais complexos. Em uma nova aprendizagem ou uma nova praxia a criança necessita programar a sua atividade, requerendo, para o efeito, uma seqüencialização ordenada de sub-rotinas e hábitos modulares que a constituem.

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Muito do processamento da informação que substancia a aprendizagem tem a ver com a conscientização interna do corpo, certa forma de integração psicomotora sobreposta a uma integração sensorial, que lhe serve de suporte. A evolução da aprendizagem é algo muito estruturado. Uma combinação de estruturas neurológicas vai se organizando de forma cada vez mais complexa. Essas condições de estruturação ocorrem igualmente nas áreas sensoriais e motoras.

Gardner (1994) afirma existir uma inteligência corporal nos seres humanos, a qual abrange o controle dos movimentos do corpo e a capacidade de manusear objetos com habilidade. Em propósitos funcionais ou expressivos, a habilidade de uso do corpo existe integrada à habilidade de manipulação de objetos. A dissociação entre mental (reflexivo) e físico (ativo) não foi desse modo estabelecida em diversas outras culturas, não sendo um imperativo universal. A atividade mental também pode ser encarada como um meio, em que o fim é a ação a ser executada. A ação do cérebro deve ser igualmente conceituada como um meio para o refinamento adicional do comportamento motor, um direcionamento maior para futuras ações.

Movimentos motores passam continuamente por um processo de refinamento e regulação, de feedback altamente articulado, comparando a meta pretendida e a posição real dos membros ou partes do corpo em determinados momentos. Para Gardner (1994), o corpo também é recipiente do senso de Eu do indivíduo. Mais do que meramente uma máquina, carrega sentimentos, aspirações. Esse corpo especial – que se modifica perpetuamente – influencia pensamentos, comportamentos e relações humanas.

Fonseca (1995), citando Ajuriaguerra, explica que a evolução de criança é constituída pela conscientização e pelo conhecimento cada vez mais profundo de seu corpo; a criança é o seu corpo, pois, por meio dele, elabora todas as suas experiências vitais, organizando assim a sua personalidade. A noção de corpo é uma integração superior, em que se encontram dados intra e interneurosensoriais, mobilizando memórias neuronais indispensáveis ao desenvolvimento das aquisições de aprendizagem psicomotora e simbólica.

A noção de corpo pode ser comparada ao alfabeto, um “atlas”do corpo; mapa semântico, com equivalentes visuais, táteis, quinestésicos, auditivos e lingüísticos; uma composição de memórias de todas as partes do corpo e de todas as suas experiências. Em outros termos, trata-se de uma síntetrata-se perceptiva. Como “mapa do corpo”, torna-trata-se indispensável para “navegar” no espaço; como alfabeto, indispensável para comunicar e aprender.

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experiências agradáveis e desagradáveis da vida. Através de múltiplas perturbações da noção de corpo, se reconhece a importância desse fator em termos de desenvolvimento psicomotor e em termos de potencial de aprendizagem. A função primordial da noção de corpo pode ser concebida como a análise e o armazenamento de informação (FONSECA, 1995). Trata-se de uma construção polifatorial que engloba a relação inevitável com o outro e a dimensão da linguagem. Uma noção primeiramente intuitiva, da qual decorre uma auto-imagem sensorial interior, passando posteriormente a uma noção especializada lingüisticamente.

A noção ou imagem do corpo é estruturada a partir de estímulos periféricos e das preferências do movimento corporal, resultando em processos de transdução e de análise, desde as informações táteis e quinestésicas, cujo produto final resulta na síntese e no armazenamento de posturas corporais, de padrões de movimento de direcionalização dependentes da experiência cultural e de aprendizagem. A noção de corpo, por meio da experiência cultural, integra o emocional, o afetivo, o objetivo e o subjetivo. Assim, o corpo transforma-se em um instrumento do pensamento e da comunicação. Reconhece-se o que se é nele e com ele.

Desde as comunicações básicas, primitivas e vitais, que subentendem o inesgotável diálogo tônico mãe-filho, até os confortos táteis, que retratam a vinculação essencial do ser humano a outros seres humanos, passando pela imitação e pela comunicação não verbal universal, o corpo, sede da consciência, é o habitáculo emocional e racional da inteligência. Estruturalmente, é o centro da linguagem emocional e interior que antecede a apropriação da própria linguagem falada.

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1.4 A importância do conhecimento do corpo: esquema e imagem corporal

O conhecimento do corpo passa, por exemplo, pelo conhecimento de processos diversos que constituem esse corpo. Entre esses processos, encontram-se o esquema e a imagem corporal.

Merleau-Ponty (1999) define esquema corporal como uma maneira de exprimir um corpo inserido no mundo. A expressão “esquema corporal” foi utilizada pela primeira vez por Bonnier, em 1905, que o concebeu como a soma de todas as sensações vindas de dentro e fora do corpo. Esse termo foi adotado pelos neurologistas a partir da escola britânica de neurologia, que distinguia os termos “esquema” e “imagem” (FREITAS, 1999).

A imagem corporal traz consigo o mundo humano das significações. Na imagem estão presentes os afetos, os valores e a história pessoal marcada por gestos, no olhar, no corpo que se move que repousa e que simboliza. O esquema corporal é uma estrutura geneticamente necessária à qual viria somar-se a imagem do corpo.

A imagem corporal é uma reconstrução constante do que o indivíduo percebe de si e das determinações inconscientes que ele carrega de seu diálogo com o mundo. Freitas (1999) explica que Schilder utiliza o termo esquema quando se refere aos processos neurológicos e à imagem, ao se referir a processos psicológicos e sociológicos.

Todas as ações para as quais um conhecimento particular é necessário são imperfeitas quando o conhecimento do próprio corpo é também incompleto e imperfeito. Existe estreita relação entre o lado perceptivo da vida psíquica e as atividades motoras. Problemas perceptivos provocam uma alteração na ação. Como uma noção mais ou menos consciente de nosso corpo, a noção de corpo compreende uma dinâmica postural, posicional e espacial, que põe cada indivíduo em contato com o mundo exterior.

O conhecimento de alguém sobre seu próprio corpo é uma necessidade absoluta. Sempre deve haver o conhecimento de que se está agindo com o próprio corpo, que se tem de começar o movimento com o corpo, que se tem de usar determinada parte do corpo. Esse plano também deve incluir o objetivo de cada ação, pois há sempre um objeto em direção à qual a ação é dirigida. Tal objetivo pode ser o próprio corpo ou um objeto do mundo externo.

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Seres humanos utilizam-se de representações visuais e acústico-motoras de acordo com as circunstâncias. Para Schilder (1999), os sentidos isolados não existem, já que trabalham em constante interação. Freqüentemente, intencionam-se objetos que se apresentam por meio de suas qualidades, sejam visuais, táteis ou acústicas.

Por meio de constantes alterações de posição constrói-se um modelo postural pessoal, constantemente modificado. Nesse esquema plástico, cada postura ou movimento é registrado, criando relação com cada novo grupo de sensações evocadas pela postura alterada.

O ato de projetar o reconhecimento de postura até a extremidade de um instrumento segurado pela mão, do movimento e da localização além dos limites do próprio corpo, se deve à existência dos esquemas corporais. Tudo aquilo que participa do movimento consciente de cada corpo é acrescentado ao modelo da própria pessoa tornando-se parte desses esquemas.

Para autores da Psicologia da Gestalt, como, por exemplo, Wertheimer, Koffka e Köhler, o todo seria mais do que a soma das partes individuais. Daí o postulado que permitiria a participação de funções orgânicas correlacionadas a funções psíquicas superiores nas qualidades funcionais características da experiência psíquica, englobando, assim, os processos orgânicos nas Gestalten.

Para Schilder (1999), o estudo da imagem corporal se refere à vida psíquica. Segundo o autor, impressões não existem sem uma expressão, tampouco não existe percepção sem ação. Devem-se abordar, no estudo da imagem corporal, o problema psicológico central da relação entre as impressões dos sentidos, os movimentos e a motilidade em geral. Experimentando uma percepção existe sempre uma personalidade, pois o ser humano é emocional. Como personalidade, é ainda um sistema de ações e de tendências para a ação.

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1.5 Corpo e educação musical

A expressão sonora é o domínio do ruído. Para dominar um ruído é preciso dominar um gesto. Além de ser um aprendizado motor é uma aprendizagem psicológica. Para conseguir exprimir-se em uma evolução progressiva até os meios de expressão mais abstratos, é preciso reconhecer as pulsões da vida em seu nível mais primitivo: o nível corporal (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1988).

A educação musical visa a propiciar o conhecimento teórico e prático, a vivência de diversos aspectos da linguagem musical. O aprendiz deve ser capaz de, pouco a pouco, representar mentalmente, ler, escrever, analisar, recompor estruturas e compor novas combinações musicais.

A decodificação de um texto musical, em todos os seus níveis, e o preparo técnico para a execução compreendem a tomada de uma série de decisões, sendo resultado de profunda elaboração intelectual. Desse modo, escolher dedilhados, definir o tipo ideal de sonoridade, melhorar a projeção do som na sala de concerto, aperfeiçoar a compreensão da estrutura da obra e idéias do compositor, priorizar a questão de estilos, evoluir na análise técnica de execução e experimentar novos timbres ou efeitos dinâmicos, entre outras variáveis, nada mais seriam do que exemplos dessa atividade (GERSCHFELD, 1996).

Nas escolas de música e conservatórios, a educação musical de elementos teóricos acontece, muitas vezes, antes da escolha de um instrumento musical, tendo como um de seus objetivos a preparação do aluno para o ingresso no instrumento. As metodologias empregadas são diversas, desde as mais tradicionais, em que apenas se “repassam conteúdos”, até aquelas que buscam considerar o aluno como co-construtor de seu conhecimento. Algumas dessas metodologias – Dalcroze, Gainza; Alexander, Orff – consideram o corpo como base do aprendizado em música no processo de musicalização (PAZ, 2000).

A euritimia, criada em 1903, em Genebra, por Jean Jaques Dalcroze, por exemplo, surge em resposta à observação desse educador musical sobre a forma mecânica e artificial com que seus alunos realizavam música. A experimentação se tornou a base do método, em oposição a técnicas virtuosísticas de leitura e escrita, desprovidas de criatividade.

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objetivo do método é a realização expressiva do ritmo, bem como a sua vivência por meio do movimento corporal. A representação de movimentos corporais expressa o fenômeno musical de caráter rítmico, melódico, harmônico, frases, estruturas e formas musicais.

A rítmica de Dalcroze também objetiva expressar e equilibrar o movimento corporal de modo consciente, desenvolvendo a coordenação dos movimentos e a capacidade de concentração, bem como a capacidade de dissociar o movimento; libertar, expandir e comunicar. O método possibilita a coordenação física da musculatura que, segundo Dalcroze (PAZ, 2000), pode ser transferida para atividades relacionadas. Os movimentos musculares amplos seriam mais significativos com uma corporificação de esquemas musicais, ao invés de movimentos estreitos e conceitos intelectuais. O corpo possibilitaria a liberação de tensões emocionais durante a realização de atividades que possibilitem a vivência do corpo, incentivando, assim, a integração da personalidade e, se realizadas em grupo, poderiam promover a sociabilidade.

O curso de Euritimia contempla exercícios de adaptação e flexibilidade dos movimentos, técnicas de movimento, exercícios de reação, de relaxamento, jogos e improvisação. Paz (2000) comenta que o registro por intermédio do corpo possibilitaria fixar a aprendizagem mais profunda e racionalmente. A educação rítmica corporal deveria ser contemplada em qualquer método. Compagnon e Thomet (1966) consideram que o método de Dalcroze beneficia uma cultura corporal, sem pretender substituir uma educação física. A cultura corporal visa à educação simultânea do ouvido musical, bem como fazer do corpo um instrumento dócil do ritmo e emoção musical, opondo-se à imitação passiva.

Dalcroze, entretanto, tem sofrido críticas por priorizar o elemento rítmico e por necessitar do suporte de outros métodos para propiciar uma formação mais global em música. Também é criticado por “extrapolar" a música em prol de um “adestramento corporal”. É bastante difundido e aplicado nas escolas e faculdades de educação física, pois foi o precursor da ginástica rítmica (PAZ, 2000).

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Para Orff (citado por PAZ, 2000), o aluno aprende no momento da aula, não devendo ter lições para casa. Preconiza a vivência musical, não prescindindo de documentos grafados. O controle do corpo é realizado por meio de noções de espaço e coordenação. A expressão artística pode ser encontrada no equilíbrio entre o físico, o emocional e o mental. A descoberta de um instrumento para o músico pode ser comparada à descoberta do corpo pela criança.

O contato físico com o instrumento pode delimitar a relação do músico com a música. Gainza (1988) assegura que a maioria dos instrumentistas, no entanto, ignoram as leis naturais de funcionamento e movimento do corpo. Na medida em que for capaz de atuar sem tensões, em acordo com as leis do movimento, o músico poderá prolongar sua vida profissional ativa. Para a autora, a falta de consciência corporal entre músicos existe até mesmo entre grandes executantes. É necessário, com base nas ciências que estudam o corpo humano em atividade, realizar processo de consciência corporal entre músicos. A autora recomenda a prática de expressão corporal, ginástica consciente e a prática da Eutonia.

A Eutonia, criada por Alexander (citado por GAINZA, 1997), é um método que busca o conhecimento e o estudo do tônus ótimo. Alexander relata que músicos acumulam tensão na base da pelve, tendo influência direta sobre o coração e a pressão sanguínea. Tensões também são notadas nas articulações, especialmente dedos de mãos e pés. Instrumentistas costumam desconhecer o seu próprio corpo. Têm como base da sua atividade a imitação do professor, uma atitude equivocada em relação ao instrumento, já que isso limita a capacidade de expressão, provocando grandes dificuldades. O corpo não mente, por isso é preciso reconhecê-lo em ato, ampliando a consciência da ação.

1.6 Corpo e performance musical

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Assim, a figura do intérprete melhora sua posição na história da música. Entretanto, permanece o grave problema no ensino da performance musical, em que professores de instrumento não costumam documentar suas reflexões e experiências no tocante ao ensino.

Gerling e Souza (2000) mencionam que, na pesquisa em performance musical os trabalhos pioneiros foram realizados entre 1920 e 1930, na Europa e na América do Norte, principalmente com Carl Seashore, e que entre as investigações existentes no campo da performance musical o estudo sobre habilidades motoras e cognitivas é um campo crescente. As autoras definem a performance musical como parte de um sistema, no qual o compositor codifica idéias musicais, que são decodificadas pelo intérprete, que as transforma em sinal acústico, até chegar ao ouvinte, e que, a partir da decodificação desses sinais, transforma-as em idéias, sentimentos e conceitos. Performance e interpretação seriam conceitos inseparáveis. Interpretar seria o ato de modelar uma peça musical a partir de idéias próprias e intenções musicais, o que acarretaria a riqueza e variedade na execução musical.

As citadas autoras defendem que o modelo que retrata a performance como um fluir de informações recebidas por meio de regras abstratas e cerebrais em um corpo passivo está hoje ultrapassado. O corpo está intimamente ligado com o todo da resposta musical, perceptiva, motora e afetiva, não sendo somente um organismo que recebe a informação sensorial, nem apenas um mecanismo executor da ação. O corpo deve ser reconhecido como possuidor de um papel central na performance musical. As autoras consideram que a performance musical é um campo complexo, onde vários aspectos estão em jogo. A compreensão da relação músico-instrumento seria um campo resultante do viés psicológico/psicanalítico.

A performance musical exige alta demanda de trabalho corporal. No tocante à atividade humana, é uma das atividades que exigem maiores habilidades motoras finas. As demandas corporais pertinentes à atividade musical costumam ocasionar freqüentes problemas em músicos, tais como síndrome do superuso, distonias focais e stress psicológico. Sobre isso, Gabrielsson (1999) apresenta extensivos dados. A incidência da síndrome do superuso, por exemplo, entre os músicos de orquestra, se encontra na faixa de 50%, enquanto nas escolas de música, entre 10 e 20%.

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mão esquerda para os guitarristas, e problemas ligados ao aparelho respiratório, no caso dos instrumentistas de sopro. O autor recomenda que para cada 25 minutos de prática, haja cinco minutos de descanso.

Questionário respondido por 2.212 músicos americanos, de 47 orquestras, evidenciou que 82% dos músicos de orquestra têm problemas de ordem física resultantes da prática instrumental. O pescoço, os ombros e problemas de natureza músculo-esquelética são os mais destacados. Dedos, mãos e braços seguem-se a essa ordem. Entre os instrumentistas de cordas friccionadas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo), as mulheres aparecem como as mais lesionadas. Estudo realizado na Alemanha demonstrou que, entre 1.400 instrumentistas de cordas friccionadas, em 42 orquestras, e entre músicos na idade entre 30-60 anos, 86% acusaram problemas de ordem motora. Já em uma escola de música renomada, entre 660 alunos na faixa de 25 anos, mais da metade acusou problemas músculo-esqueléticos (GABRIELSSON, 1999).

Sintomas como nervosismo, tremores, taquicardia, palpitações, hipertensão arterial, falta de ar, sudorese na palma das mãos, boca seca, náusea, micção imperiosa, são manifestações somáticas encontradas na atividade musical. Em 1887, a “pane dos pianistas” começa a ser estudada por Poor (COSTA, 2003). Em 1932, surge a primeira publicação sobre distúrbios no aparelho músculo-esquelético dos músicos, da autoria de K. Singer.

Gabrielsson (1999) define a performance musical como um tema que pode ser tratado de diferentes maneiras. A performance musical pode discutir questões de interpretação e técnica sob vários aspectos e diversas abordagens. Processos motores também fazem parte do estudo da performance musical. Embora a questão sobre o processo motor seja um assunto central em performance musical, é ainda um tema que requer maior aprofundamento.

Wilson e Roehmann (citados por GABRIELSSON 1999) reforçam a complexidade do comportamento motor em música, não crendo que se possam solucionar os problemas dessa área em futuro próximo. Costa (2003), por outro lado, destaca a criação de centros de pesquisa e atendimento no Brasil, destinados à saúde do músico. A literatura sinaliza dados alarmantes, evidenciando o adoecimento expressivo de músicos, o que estaria contribuindo para abreviar suas carreiras. Haveria também entre músicos uma cultura silenciosa da dor, como se essa fizesse parte da profissão. A autora alerta ainda para a necessidade de gerenciar as exigências da tarefa e dos limites psicofisiológicos existente em cada músico.

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apresentem problemas nos ossos e músculos. Além de desenvolverem técnicas de reabilitação dirigidas a esses profissionais, os responsáveis pelo serviço fazem campanhas preventivas. Estudos realizados em diversos países indicam que 75% dos instrumentistas são portadores de algum dos chamados distúrbios osteomusculares relacionados com o trabalho, o que faz com que muitos deles diminuam ou percam a capacidade de tocar (PEREIRA, 2004).

A medicina das artes performáticas tem crescido no mundo, desde 1980. A partir dessa década é que se voltou a atenção para a necessidade de uma medicina da música, quando renomados pianistas resolveram falar publicamente sobre os problemas corporais que afetavam suas habilidades na performance. Certo medo por parte dos músicos em falar de seus problemas e o receio em prejudicar a carreira ou ainda experiências de colegas que haviam recebido tratamentos inadequados contribuiu para que a pesquisa nesse campo fosse instituída (COSTA, 2003).

De acordo com essa autora, existe um alto estresse ocupacional na profissão de músico. Do período de formação ao ingresso no mercado de trabalho evidencia-se o medo de palco e os incidentes musculares ocasionados pelo uso excessivo da musculatura. O tensionamento em instrumentistas pode ser causado pela alta carga de estresse, predispondo à ansiedade. A atividade requer bom condicionamento físico, alongamentos específicos e pausas sistemáticas. Músicos e educadores deveriam apresentar maiores questionamentos a respeito desses aspectos da saúde do músico, de forma a serem buscadas soluções sobre o que pode ser feito (BRANDFONBRENER; KJELLAND, 2002). É imprescindível estabelecer meios para avaliar as necessidades físicas e psicológicas do músico, procurando reaprender hábitos e habilidades motoras.

Costa (2003) chama a atenção dos responsáveis pelo ensino de instrumentos para a questão da dor no período de formação de músicos, afirmando que o ensino ocupa posição chave quanto a esclarecimentos sobre esse assunto. As cobranças de desempenho por parte de professores resultam em períodos intensos de estudos e demanda psicológica por parte dos alunos, contribuindo para o surgimento de dores e desconfortos. O período de formação denuncia a falta de orientação de professores sobre tensões, uso excessivo de força e incorreções posturais.

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químicas e biológicas do organismo, bem como sua realidade afetiva e relacional imersa da realidade social, estar-se-á edificando o processo básico de saúde (COSTA, 2003).

A prática musical envolve o desenvolvimento e a manutenção de aspectos técnicos, aprendizado de novas músicas, memorização, interpretação e preparação para performances (BARRY; HALLAM, 2002). A prática capacita o músico para habilidades físicas e cognitivas. Brandfonbrener e Kjelland (2002) afirmam que a interação física e psicológica do músico com o repertório musical, a performance técnica e as questões específicas de cada instrumento poderiam ser fatores geradores de problemas em músicos. Alertam que a prevenção deve fazer parte da rotina, antes que se necessite de tratamentos, mas, que ainda serão necessárias muitas pesquisas que visem a esclarecer a prática musical, tal como a identificação de fatores de risco em sua atividade.

Esses autores apontam também a necessidade de colaboração entre a medicina e a educação musical, e asseguram que a melhor maneira de prevenir problemas deveria ser trabalhar preventivamente nos primeiros anos de educação musical no instrumento. Tal processo se daria com o desenvolvimento de bons hábitos de postura nos alunos, estilo saudável de vida, atitudes positivas, técnica eficiente, evitando excessivas repetições, cuidando da fadiga e tensão e mantendo exercícios de rotina desde as primeiras lições no instrumento.

A excessiva tensão muscular e emocional, freqüentemente inseparáveis, a que os músicos se expõem e são expostos são importantes fatores de risco à sua saúde. Rotinas básicas de aquecimento do corpo como, por exemplo, alongamentos, podem, a princípio, ajudar, mas não parecem ser ainda suficientes para resolver o problema, já que as causas que originam esses fatores ainda estão por serem esclarecidas.

Costa (2003) descreve que o estudo da práxis interpretativo e da fisiologia da execução musical é um dos aspectos fundamentais, o qual faz parte da pedagogia de instrumentos musicais. A formação de um intérprete envolve intensamente o desenvolvimento sensório-motor. Controle corporal, destreza motora e habilidades de execução são somados a essa atividade. Professores necessitam estar alertas quanto a sinais que alterem a prática, pois a educação deve ser considerada como um fator de cautela, tendo em vista que as bases motoras e posturais são adquiridas no período de formação do aluno.

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prática musical, ampliando métodos de desenvolvimento físico e psicológico para a saúde de jovens músicos.

Com relação a problemas de ordem corporal, Lieberman (1995) traça o contorno de um trabalho preventivo no ensino de instrumentos musicais. A autora assegura que professores de instrumentos costumam demonstrar uma postura “ideal” para tocar, a qual o aluno, em pé ou sentado, dependendo do instrumento, deve permanecer estático. Isso impede a oxigenação perfeita do organismo, restringindo a consciência e o feedback dos músculos. O objetivo deve ser aprender a utilizar a gravidade, distribuindo continuamente o peso do corpo, quase que imperceptivelmente, buscando a consciência dos músculos que estão sendo utilizados na tarefa.

Entre as causas mais comuns de dor podem-se citar: utilização de novo instrumento ou nova técnica, atividade muscular excessiva, repetição demasiada, utilização de força inadequada, estresse psicológico (no caso de medo em competições, apresentações, frustração), tocar cansado ou lesionado. Quando os sinais do corpo são ignorados, os problemas aparecem. É necessário monitorar constantemente as tensões presentes no corpo. O controle respiratório pode ser um grande aliado para esse fim, já que oxigenando as células pode-se reverter o processo da dor, iniciado pela descarga de ácido lático no organismo. Boa respiração contribui para a inibição dessa substância, dificultando assim a presença da dor. O aquecimento muscular também é outro aliado à prevenção de desconfortos físicos (LIEBERMAN, 1995).

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2. NATUREZA DA PESQUISA E MÉTODO

2.1 Problema

A partir da segunda metade do século XX começaram a surgir pesquisas sobre a performance musical, especialmente nas áreas de Psicologia da Música e da Educação Musical. Porém, somente alguns estudiosos do assunto se dedicaram à relação músico-corpo-instrumento. Poucas profissões demandam tanto do corpo quanto a atividade musical. No entanto, estranha e incompreensivelmente, o corpo tem sido preterido. Mesmo tendo se alertado para o adoecimento corporal, como mencionado no capítulo anterior, pouco tem sido enfocado no que diz respeito ao papel do corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais. Essa é uma lacuna que esta pesquisa busca preencher.

Assim sendo, esta pesquisa teve por objetivo contribuir para a compreensão de como professores de instrumentos musicais percebem a relação músico-corpo-instrumento, bem como as práticas estabelecidas a partir das concepções existentes a respeito. Procurou-se lançar o olhar sobre o ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, a fim de compreender conceitos, procedimentos e implicações estabelecidas nesse percurso, como também averiguar a possibilidade de alcançar modos de reflexão e ação sobre o tema.

Desse modo, percebeu-se a necessidade de conhecer como professores trabalham o corpo de seus alunos na prática pedagógica, que tipo de orientação apregoam, como lidam com os problemas corporais de cada aluno individualmente, que pressupostos teóricos lhes orientam e quais seriam as possíveis conseqüências, bem como soluções e perspectivas. Espera-se que, conhecendo esse processo de modo mais sistemático, se possa discutir, avaliar e ampliar possibilidades de ação em bases mais saudáveis.

2.2 Justificativa

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CRUZEIRO, 2005). Para que isso ocorra, esta pesquisa lança as seguintes questões: Qual o significado do corpo no contexto da relação músico-corpo-instrumento? Quais os maiores problemas, desconfortos ou dificuldades corporais de alunos (tensões, dores, falta de coordenação motora, ansiedade, medos) no processo de aprendizagem do instrumento? Quais seriam as causas de tais problemas? Que tipos de procedimentos professores utilizam ao lidar com o corpo do aluno no processo ensino-aprendizagem? Quais soluções são desejadas e sugeridas pelos professores para melhorar a relação do músico com seu corpo e seu instrumento?

É importante investigar esse contexto mais especificamente, considerando que as pesquisas realizadas sobre o corpo, em sua maioria, abordam o músico profissional assinalando somente o produto final – o músico que adoece –, deixando de lado o processo de ensino-aprendizagem.

Justifica-se também pela necessidade de rever paradigmas do fazer musical, tendo em vista o progresso realizado em outras áreas do saber no tocante à perspectiva humana (Psicologia da Música, Educação Física, entre outras). Para a área de Educação e demais áreas afins, esta pesquisa pode contribuir no sentido de ampliar a reflexão e a prática de processos de ensino-aprendizagem. Finalmente, espera-se poder contribuir para o avanço da compreensão teórica e prática do tema a ser investigado e, com isso, possibilitar um processo ensino-aprendizagem mais humano da prática musical.

2.3 Objetivos

2.3.1 Objetivo geral

Investigar a relação músico-corpo-instrumento tal como constituída na prática pedagógica de professores de instrumentos musicais.

2.3.2 Objetivos específicos

1. Investigar significados de corpo existentes entre professores de instrumentos musicais, no contexto da relação músico-corpo-instrumento.

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3. Identificar possíveis causas dos problemas corporais, na perspectiva dos professores.

4. Descrever procedimentos pedagógicos voltados para o corpo, utilizados pelos professores.

5. Identificar, na perspectiva dos professores, possíveis soluções (estratégias) para os problemas levantados.

2.3.3 Questões de pesquisa

1. Qual o significado do corpo no contexto da relação músico-corpo-instrumento? 2. Quais os maiores problemas, desconfortos, ou dificuldades corporais de alunos

(tensões, dores, falta de coordenação motora, ansiedade, medos) no processo de aprendizagem do instrumento?

3. Quais seriam as causas de tais problemas?

4. Que tipos de procedimentos professores utilizam ao lidar com o corpo do aluno no processo ensino-aprendizagem?

5. Quais estratégias são sugeridas pelos professores para melhorar a relação do músico com seu corpo e seu instrumento?

2.4 Método

Esta pesquisa teve um caráter qualitativo e exploratório. Buscou-se investigar significações relacionadas à questão corpo-músico-instrumento, esperando-se conseguir maior grau de profundidade por meio da metodologia qualitativa. Até onde vai o conhecimento desta autora, há escassez de pesquisas qualitativas sobre a discussão do papel do corpo no contexto do ensino de instrumentos musicais, que é um fator fundamental na educação musical. Para investigações nessa área têm utilizado, predominantemente, questionários.

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Outro estudo realizado com pianistas profissionais (LAGE et al., 2000), englobando um contingente de 1.780 instrumentistas de orquestras alemãs na faixa etária de 20 a 60 anos, constatou que 75% deles possuíam algum tipo de problema relacionado à má postura ou à DORT. Já pesquisa realizada por Fry (citado por LAGE et al., 2000), em uma amostra de 379 músicos, sendo 181 instrumentistas de cordas, e utilizando exames físicos, demonstrou que a sobrecarga muscular afeta principalmente violinistas e violistas.

Em investigação sobre a presença do estresse físico entre os instrumentistas de cordas no Brasil (LAGE et al., 2000), fez-se uso de questionário. Obteve-se resultado que demonstrou a presença de desconforto físico relacionado com a atividade instrumental na maioria dos instrumentistas, detectando-se a dor como sintoma predominante, seguido pelo cansaço, dormência contração involuntária e outros.

Outra metodologia que tem sido utilizada na investigação da situação corporal de músico é a análise cinesiológica. Richerme (citado por LAGE et al., 2000) pesquisou os aspectos cinesiológicos dos membros superiores, sem trabalhar diretamente com o stress físico causado pela atividade musical.

Um terceiro tipo de abordagem metodológica utilizada na investigação da questão corporal seria a pesquisa de caráter qualitativo. Silva (2000), em pesquisa intitulada “Uma nova abordagem sobre a postura corporal do harpista” faz uma análise dos movimentos do harpista profissional, sob o ponto de vista de dois profissionais da área de cinesiologia. Utilizaram-se recursos de vídeo em cinco ângulos filmados.

Analisou-se a execução do harpista no instrumento e os movimentos por esse realizados. Nessa análise, utilizou-se a entrevista como instrumento. Após isso, foram feitos cruzamentos de dados, chegando-se às conclusões e às sugestões pedagógicas, com vistas a prevenir e minimizar os danos posturais aos instrumentistas de harpa.

Costa (2003) aborda a questão corporal utilizando a análise ergonômica do trabalho procurando apreender como diferentes dimensões do trabalho do violista de orquestra se articulam. Para isso, foram utilizados questionários não estruturados, observação e entrevistas.

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Crê-se que o grande número de pesquisas realizadas com utilização de questionários deveu-se à necessidade inicial de reconhecer e mapear o terreno de forma mais rápida e simples, que um meio que permite essa agilidade. Desse modo, reafirma-se a necessidade de aprofundar a questão qualitativamente, por meio da entrevista individual e da entrevista de grupo focal e no contexto pedagógico, opção escolhida por esta pesquisadora.

2.5 Instrumentos de coleta de dados

Os instrumentos utilizados foram a entrevista individual e a entrevista de grupo focal. Para Bauer e Gaskel (2003), a entrevista qualitativa fornece os dados básicos que possibilitam o desenvolvimento e a compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações que estariam relacionados aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos.

Segundo Galvão (2003), a pesquisa qualitativa deve ser considerada como parte de um debate, e não como uma verdade fixa. Deve-se ter como objetivo capturar o sentido imanente de um fenômeno que estrutura o que se diz e o que se faz. Dessa forma, existe um processo de exploração, elaboração, bem como de sistematização das significações. Uma representação que ilumina um fenômeno identificado e delimitado.

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Já no grupo focal (BAUER; GASKELL, 2003), objetivou-se estimular os participantes para que falassem e reagissem àquilo que outras pessoas no grupo diziam. Trata-se de interação social mais autêntica do que a entrevista em profundidade, complementando-a e exemplificando uma unidade social mínima em operação, em que os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela natureza social da interação do grupo, ao invés da perspectiva individual. O grupo se torna uma identidade em si mesmo. Seus participantes tendem a acolher novas idéias e a explorar suas implicações. A partilha e o contraste de experiências estabelecem um quadro de interesses e preocupações comuns, experienciadas pelo grupo, as quais dificilmente seriam articuladas por um único indivíduo.

2.6 Participantes e local

Os participantes desta pesquisa são professores de instrumento musical do Centro de Ensino Profissional-Escola de Música de Brasília. A escolha desses profissionais deve-se ao fato de que as pesquisas citadas anteriormente indicam que os problemas físicos em músicos têm surgido em instrumentistas profissionais de formação erudita. Aponta-se, desse modo, para a necessidade de investigar o tratamento corporal no processo ensino-aprendizagem dos músicos nesse contexto.

O critério para escolha dessa Escola refere-se à sua estrutura interna, ao seu projeto pedagógico e qualificação de seus docentes. A escola tem sido também referência pedagógica e administrativa para outras instituições da mesma categoria. Em Brasília, trata-se de um dos poucos centros de formação na área de música.

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oferecidos na escola (matutino vespertino e noturno). Nesta pesquisa, porém, predominam alunos adolescentes entre 12 e 16 anos aproximadamente.

2.7 Procedimentos

2.7.1 Entrevista individual

Foram realizadas entrevistas individuais com representante de cada naipe de instrumentos, perfazendo o total de dez entrevistas individuais, a saber:

¾ Cordas friccionadas: violino, violoncelo (duas entrevistas individuais);

¾ Sopros madeira: oboé, e flauta transversal e clarineta (três entrevistas individuais); ¾ Sopro metal: trompa (uma entrevista);

¾ Percussão: tímpano (uma entrevista); ¾ Piano (uma entrevista);

¾ Harpa (uma entrevista); ¾ Violão (uma entrevista).

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2.7.2 Entrevista de grupo focal

As sessões grupais duraram de 45 a 90 minutos. A pesquisadora teve a função de moderadora, buscando facilitar o progresso de cada grupo em relação às suas discussões, tal como sugerido na literatura sobre grupo focal (BAUER; GASKELL, 2003). Vale esclarecer que nessa condição a pesquisadora buscou encorajar ativamente todos os participantes a falar e a responder os comentários e observações dos demais membros do grupo, como também liderou as discussões de forma a avançar o assunto e a envolver todos os participantes nas manifestações.

A sessão teve início com a solicitação de que os professores falassem sobre o adoecimento de músicos. O tema foi bastante explorado pela pesquisadora, de forma a conhecer o que pensam os professores a respeito do problema, com o objetivo de estabelecer um paralelo com sua prática pedagógica em sala de aula.

Foram realizadas três entrevistas de grupo focal. Pressupondo-se que os problemas de cada grupo de instrumentistas poderiam ser diferentes – os instrumentistas de cordas, por exemplo, não utilizam a respiração do mesmo modo como os de sopro fazem, quer dizer, expirando o ar diretamente no instrumento –, os 25 professores envolvidos na pesquisa foram agrupados de acordo com a sua especificidade instrumental. Assim, o grupo foi dividido do seguinte modo:

Grupo 1: professores de instrumento de cordas friccionadas (12 participantes, professores de violino, violoncelo, viola e contrabaixo).

Grupo 2: professores de sopros (sete participantes, professores de flauta transversal, oboé e clarineta).

Grupo 3: professores de piano (seis participantes)

2.8 Estratégias de análise

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da entrevista, possibilitando que aspectos da interação pesquisador-entrevistado fossem relembrados, dando à investigadora nova oportunidade de refletir sobre a fala.

A partir daí, na relação com o texto, emergiram novas articulações conceituais. A busca de sentidos e de compreensão é o sentido amplo da análise. Os dados foram constituídos por meio do que é realmente falado. Temas com conteúdos comuns e suas funções foram procurados.

Foram feitas leituras e releituras do texto completo das entrevistas, incluindo anotações paralelas, que permitiram, ao longo do tempo, a elaboração de sínteses provisórias, de pequenos insights, bem como a visualização de falas dos participantes, referindo-se aos mesmos assuntos. Esses constituíram subcategorias, nomeadas pelos aspectos do fenômeno a que se referem.

A categorização dos dados e a forma particular de agrupamento concretizaram a imersão da pesquisadora nos dados. Essa construção depende da experiência pessoal do investigador, das teorias as quais acessa, de suas crenças e valores. Após a realização da análise de cada entrevista, de cada fala em relação ao todo, e após o confronto dos significados atribuídos aos assuntos, as subcategorias foram agrupadas em grandes temas. Em síntese, elaboraram-se subcategorias a partir da explicitação dos significados, sendo essas agrupadas aos temas referidos para que se pudessem discutir os temas e retornar em um processo circular até que certo nível de exaustão conceitual fosse atingido (SZYMANSKY; ALMEIDA; PRANDINI, 2002).

Assim, essa primeira fase de análise consistiu, após a gravação e transcrição das falas dos entrevistados, na categorização, subcategorização, hierarquização e análise do discurso dos participantes, o que foi realizado pela pesquisadora sem auxílio de software. As grandes categorias foram formuladas a partir dos objetivos específicos norteadores deste trabalho (significados de corpo, problemas, causas, procedimentos e soluções). As subcategorias (relativas às categorias) foram agrupadas de acordo com o contexto a que se referiam (corpo como instrumento, corpo como sujeito, dor, técnicas corporais) As subcategorias foram geradas a partir das falas dos participantes, de acordo com o núcleo temático, e foram hierarquizadas consoante a quantidade de vezes em que as expressões aparecem no discurso. O mesmo procedimento de análise foi realizado nas entrevistas de grupo focal, já que as questões utilizadas como roteiro para esse tipo de entrevista também emergiram dos objetivos específicos (categorização, subcategorização, hierarquização).

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programa de análise de dados – o software Análise Lexical por Conjunto de Segmentos de um Texto (ALCESTE) –, que gera dados qualitativos e quantitativos.

Igualmente como na primeira fase (sem utilização do ALCESTE), também houve categorização (com base nas questões de pesquisa), subcategorização (a partir das falas dos entrevistados) e hierarquização das falas grupais (número de vezes em que as expressões apareceram no discurso) geradas pelo ALCESTE com base nas entrevistas individuais e de grupo focal.

O software ALCESTE fornece os resultados brutos obtidos sobre os textos a partir das entrevistas. O programa pode ser aplicado aos conteúdos ou corpus de diversos tipos de textos, tais como entrevistas, respostas a perguntas abertas ou ainda a conjuntos de artigos ou relatórios. Esse procedimento tem como objetivo metodológico desvelar a informação essencial contida em um texto. Desse modo, o ALCESTE é um software de análise de dados textuais (CARDÉNAS, 2000).

A análise de diálogo, de questões abertas de pesquisas sociais, auto-relatos, entrevistas, romances, entre outros, é realizada de forma automática pelo programa. Trata-se de um método de análise de conteúdo de textos a partir de entrevistas orais abertas, semi-estruturadas, auto-relatos e reportagens. O ALCESTE realiza classificação hierárquica descendente, com o objetivo de extrair os diferentes temas de um texto, bem como as frases que caracterizam cada tema, contextualizando, assim, a fala dos participantes de uma pesquisa em análise.

São considerados as unidades de contexto e os contextos representativos. Esses são classificados pelo software. As unidades de contexto fazem referência ao contexto de uma palavra em um segmento do texto, e o contexto representativo a certa regularidade das unidades de contexto. O ALCESTE gerou grande quantidade de informações, as quais não foram utilizadas totalmente, já que isso implicaria ampliar consideravelmente a análise, não havendo espaço para isso nesta investigação. Assim, os dados gerados pelo ALCESTE não foram aproveitados em todo o seu potencial, tendo sido arquivados para posteriores análises e publicações.

Os quadros 2.1 e 2.2 oferecem um exemplo de como os períodos são formados a partir das palavras mais faladas e formas associadas ao contexto, segundo o tratamento do ALCESTE.

D9 dedo+ : dedo (35), dedos (19) D8 pulso+ : pulso (24), pulsos (1) D7 braço+ : braço (37), braços (3) D7 cima: cima (21)

D7 dor: dor (35)

(43)

639 24 A #TENDÊNCIA E QUERER #FAZER AS #DUAS IGUAL. #ENTÃO, SE #VOCÊ #PEDE #PARA #FAZER #COM O #ARCO MAIS #FORTE, #ELES TENDEM A #APERTAR A #MÃO #DIREITA E #APERTAR A #MÃO #ESQUERDA TAMBÉM #NO #VIOLINO, #PORQUE #ESTA #APERTANDO UMA, #ENTÃO #ELES NÃO #CONSEGUEM #SEPARAR.

Quadro 2.2 – Frase/ ALCESTE – EI

Em uma terceira fase, foi realizada a soma dos resultados totais obtidos (freqüências) nas entrevistas individuais, nas entrevistas de grupo focal, e no ALCESTE (entrevistas individuais e de grupo focal), da qual se obteve freqüência e hierarquização final, como demonstrado no APÊNDICE A. Desse modo, para hierarquizar as subcategorias, foram consideradas tanto as falas obtidas na primeira fase quanto na “fase ALCESTE”. A partir da obtenção da freqüência final das subcategorias, quer dizer da hierarquização final dessas, procurou-se aprofundar a análise do discurso dos participantes. Assim, buscou-se trazer à tona, os significados e significantes contidos no discurso dos professores, considerando o contexto onde o discurso foi produzido.

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Figura 4.1 – Circularidade dos temas
Figura 4.2 – Eixos de aprendizagem

Referências

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