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3. RESULTADOS: A RELAÇÃO MÚSICO-CORPO-INSTRUMENTO NO PROCESSO

3.1.6 Corpo: emoção, objeto, cultura

Essas significações sobre o corpo emergem com uma expressão cada qual no contexto do discurso dos participantes. Em “corpo-emoção” reconhece-se a dimensão emocional do ser humano. Um ser que possui medos, que sente alegrias e tristezas, que tem prazer, que sofre. Tais sentimentos teriam grande participação nesse processo. Ainda mais por envolver uma atividade de palco, onde o artista deveria desenvolver controle no âmbito das emoções, tal como um ator, por exemplo.

“Trompa”, dessa maneira, tomando como base sua própria experiência, fala sobre a questão emocional que envolve a atividade do músico em sua performance e em seu aprendizado, afirmando ser essa a questão mais difícil de lidar nesse contexto. Para “Trompa”, o corpo deve ser considerado também por sua dimensão emocional.

E a última coisa é sobre os nervos, porque você falou de corpo, o nervo está aí dentro do corpo. Eu acho que é o calcanhar de Aquiles de todos os músicos, incluindo eu que estou aqui falando. Eu falo baseado em mim. Você sabe o medo, o receio, o temor, vem da quantidade de adrenalina que está dentro de você.

Na próxima fala, “Violão” relata a experiência com o corpo em seu processo de aprendizagem no instrumento, desenvolvida a partir da constatação de problemas físicos – mais especificamente dores e lesões – decorrentes do estudo incorreto no instrumento. A partir de então, “Violão” considera seu corpo como um objeto, tendo realizado uma pesquisa individual com o corpo em relação ao instrumento, em busca de soluções para seus desconfortos e dificuldades, experimentando novas posturas. Assim, esse entrevistado experimentou posturas diversas, considerando a relação entre o corpo, instrumentos e acessórios. “Corpo-objeto” seria, então, um corpo “experimentável”, com eixos, medidas, passível de ser medido, pesado, dimensionado, conforme expressa a seguir:

Eu descobri essa questão que quando eu relaxava, o corpo caía para trás. Aí eu sentia que era o abdômen e as costas, e aí eu comecei a perceber, baseado em coisas da física e tal, nem tanto da anatomia, de todo o meu conhecimento de física da universidade, equilíbrio, aquela questão de ponto de equilíbrio, aí eu comecei a tentar reproduzir isso no meu corpo, eu comecei a fazer assim, eu sentei e percebi que a perna esquerda tinha a função de ser o apoio principal do violão. A coxa esquerda no caso, e a coxa direita era o segundo apoio. Mas, a parte inferior da perna, da direita, não tinha função propriamente no violão e aí, pensando alguma coisa, eu fiz uma hipótese que funcionou. Que a gente bota a perna esquerda assim, bota o banquinho para lá e tal, senta na ponta da cadeira, bota a coluna reta, aí botei assim a perna esquerda e comecei a perceber que eu botava os dois pés no mesmo nível na frente, na mesma linha e quando eu relaxava o corpo caía para trás, que essa perna estava elevada, né? Então, tinha um desequilíbrio no meu corpo Eu estava aplicando no meu corpo, mas considerando o corpo como se fosse um objeto.

A seguir, “Violoncelo” descreve a performance de um violinista brasileiro, que, segundo a professora, não apresenta rigidez corporal. “Violoncelo” questiona o fato de os músicos de formação erudita, ao contrário dos músicos que atuam na área popular, apresentarem “estaticidade” para tocar. Tais músicos teriam medo de se entregar ao prazer propiciado pela atividade, e por uma cultura no âmbito erudito.

Já a cultura do músico popular, segundo “Violoncelo”, seria a cultura do prazer, da entrega, em que o músico não teria tais problemas. O “corpo-cultura” seria, desse modo, um corpo que realiza sua vivência a partir de modelos sócio-culturais predeteminados, o que será discutido mais amplamente no próximo capítulo.

Uma vez eu vi um violinista fazendo uma master class, e ele toca se mexendo todo, ele toca lindamente, afinado, som maravilhoso, e ele falou assim, gente, para os alunos, porque o músico de rock pode jogar os cabelos, pode pular, e a gente tem de ficar duro, parado, dança! Dança a música que você está tocando, joga o corpo para o lado que você acha que tem que jogar! Ele é muito estático, muito duro, ele tem medo de se entregar para o prazer que dá o que ele está fazendo, está muito preocupado em fazer certinho algumas coisas, dedo aqui, ali, assado, não sei que... é por causa da platéia, medo de errar, satisfação à platéia. (“Violoncelo”)

O significado de corpo para os professores de instrumentos musicais, desse modo, assume a forma de amplo espectro multifacetado. Um quadro teórico emerge então a partir do reconhecimento dos diversos corpos – instrumento, mente, base, organismo, sujeito, emoção, objeto e cultura –, abrindo possibilidades maiores de compreensão do corpo nesse contexto. Os significados de corpo que emergiram das falas dos professores trouxeram à tona seus modos de pensar o corpo no contexto da aprendizagem musical. Esses significados por sua vez, mobilizam comportamentos, ações oriundas das maneiras de entender o corpo.

O levantamento da existência desses diversos “corpos” viabiliza o entendimento da relação que se estabelece a partir daí, nas diversas práticas pedagógicas referentes ao contexto da relação músico-corpo-instrumento. Tais procedimentos serão expostos no penúltimo subtítulo deste capítulo. Os subtítulos dois e três, que serão apresentados a seguir, referem-se aos problemas e dificuldades corporais de alunos, bem como às suas possíveis causas, apontadas pelos professores.

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