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4 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES: CORPO, UMA REDE COMPLEXA DE

4.2 As Metáforas do corpo: o “corpo-músico”

Como visto no capítulo Resultados, no que tange ao significado de corpo, os participantes utilizaram-se de algumas metáforas para defini-lo. Assim, tivemos corpo- instrumento, corpo-mente, corpo-base, corpo-organismo, corpo-sujeito, corpo-emoção, corpo- cultura e corpo-objeto.

A metáfora é muito mais do que uma característica da linguagem. Greiner (2005) afirma que o sistema conceitual dos seres humanos é naturalmente metafórico, quer dizer, uma maneira de estruturar, em parte, uma experiência em termos de outra. O processo de conceituação envolve transporte de informações, sendo esse de natureza metafórica. Desse modo, conceitos não são somente matérias do intelecto, “governando” até mesmo nossas funções cotidianas.

Segundo ainda essa autora, os conceitos também estruturariam as nossas percepções, a relação com o mundo e com as demais pessoas. Nosso modo de pensar e agir, experimentar e fazer as coisas no cotidiano são metáforas. Devido à natureza de operar como “transportador”, o processo de comunicação cria novas metáforas entre ação e palavra.

Greiner (2005) explica, a partir da teoria das metáforas corporificadas (embodied metaphors), que haveria diferentes modalidades de metáforas. Primeiramente, as metáforas estruturais, na quais um conceito seria metaforicamente estruturado em termos de outro, realizando assim um “transporte” de pensamentos. Também existiriam as metáforas orientacionais, responsáveis pela organização do sistema de conceitos. Essas, diriam respeito à orientação e relação espacial como, por exemplo, a expressão “estou me sentindo para cima hoje”. A autora afirma que diversas dessas metáforas se relacionam igualmente com a experiência cultural. Assim, os conceitos básicos seriam organizados como uma ou mais metáforas de espacialização.

Haveria sistematicidade interna para cada tipo de metáfora que passa a servir como entendimento de conceitos, se estiver amparada por uma experiência prática, na qual a experiência é fruto do corpo. Não é somente com o cérebro e o sistema nervoso que se pensa e se aprende, e sim com o corpo todo. O conceito metafórico pode ser então compreendido como um modo de estruturar parcialmente uma ação em termos de outra (GREINER, 2005).

Assim, compreendidas como “metáforas do pensamento”, o estudo das metáforas também serve como suporte para o entendimento do corpo e de suas relações com o ambiente, os sujeitos, a consciência, a linguagem e o conhecimento, que, segundo a autora, estão sendo rediscutidos e redimensionados na contemporaneidade, assim como o sentido da vida, a noção de evolução e de estar no mundo. Reconhece-se nesse contexto não somente o sistema nervoso central, mas também o sistema motor como “sistema cognitivo”, em que há a idéia de um corpo que pensa, e que o pensamento organiza-se por meio de ações.

As metáforas do corpo são metáforas do mundo. Na medida em que são construídas, abrem possibilidades de novas maneiras de dispor do ambiente ao redor, refletindo modos de organização dos pensamentos que estabelecem as ações corpóreas do mundo. Para Greiner (2005), o corpo não seria um produto, e sim um processo, possuindo implicações sociais, psicológicas e metafísicas. O debate sobre o corpo não é restrito à natureza de especulação teórica, pois se origina de uma experiência prática, vivida continuamente na mente-corpo, no sujeito e em suas trocas com o ambiente. A teoria se organiza durante a ação, precisando ser, necessariamente, reflexão da experiência vivida. Trata-se de mapeamento de possíveis anatomias corporais, suas funções e ações no mundo, entendidas inseparavelmente, e tendo como base seus modos de organização.

Desse modo, as metáforas do corpo que emergiram nos resultados desta pesquisa – corpo-instrumento, corpo-mente, corpo-base, corpo-organismo, corpo-sujeito, corpo-emoção, corpo-cultura e corpo-objeto, revelam, cada qual, modos de pensar e viver o corpo no mundo, bem como referenciais conceituais aos quais estão ligados. Representam diversos “estados do corpo” no contexto ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, quer dizer, a corporeidade da aprendizagem de instrumentos musicais.

Assim, corpo-instrumento é a metáfora referente ao resultado e ao produto. É o tipo de corpo que, como instrumento, necessita ser utilizado para alcançar determinados objetivos, em função de alguma coisa. É o caso do corpo do atleta, do dançarino e do músico, pensado e vivenciado nessa perspectiva, por exemplo. Nesses casos, busca-se otimizar a dimensão física do corpo, para obter o máximo rendimento no menor tempo possível. O “corpo-instrumento” é o corpo da sociedade de produção e consumo.

Gonçalves (2002) sustenta que o “corpo-instrumento” é alienado pelo processo de produção, que o torna também produto de consumo. Ao longo do tempo, a manipulação do corpo foi assumindo graves proporções, principalmente com o desenvolvimento da tecnologia e a

expansão do sistema capitalista. Os movimentos corporais tornaram-se instrumentalizados, como na indústria, que dissocia os movimentos corporais em partes isoladas para aumentar a produção.

Por intermédio da ciência e da técnica, as relações do ser humano com a sua corporalidade foram progressivamente transformadas, a partir da expansão e solidificação do sistema capitalista. As relações com a corporalidade refletem o sentimento de inadequação, de perplexidade e de despersonalização do ser humano contemporâneo. Relações essas que estariam enraizadas nas condições sociais, políticas e econômicas da sociedade industrial capitalista moderna.

Com a manipulação e o aperfeiçoamento do corpo, bem como com a quantificação das capacidades corporais, surge um processo de descorporalização do ser humano, no qual acontece o controle dos afetos e a perda da percepção sensorial. A livre expressão de sentimentos transforma-se em gestos formalizados. Assim, o ser humano moderno padece com o stress, com as doenças psicossomáticas e com as doenças causadas pela “falta de movimentos”.

Esse parece ser também o contexto do corpo-instrumento em música. Há um processo de internalização de gestos, em função da técnica musical. O corpo deve ser adestrado para conseguir eficácia. Músicos devem obter máximo rendimento, alta produção, mas parecem não levar em conta o desgaste corporal, e até mesmo seus limites, já que apresentam problemas, como indicado nos resultados, que revelam esse modo de vivenciar o corpo.

Da mesma forma que os músicos, atletas também têm no uso do corpo um aspecto fundamental do seu desempenho. Porém, no que diz respeito a atletas, a pesquisa parece ser bem mais avançada, já que estudos sobre o corpo nessa área são bem mais expressivos, tanto qualitativa, quanto quantitativamente (ANDRADE; FONSECA, 2000).

Corpo-mente é a metáfora do corpo cartesiano, quer dizer, do corpo cujas ações são comandadas pela mente. Para Descartes (DAMÁSIO, 1998) há separação entre o corpo e a mente, entre a substância corporal e a mental. O juízo moral, a dor física ou as emoções existiriam de modo independente do corpo. Haveria separação das operações mentais e da estrutura e funcionamento do organismo biológico por outro.

Damásio (1998) observa que essa também pode ser a base do modo de pensar de alguns neurocientistas, que hoje explicam a mente pelos fenômenos cerebrais, ignorando o resto do organismo e dos fenômenos sociais. Esse dualismo também estaria relacionado com a metáfora da mente como software. Ao que tudo indica, esse modo de pensar encontra-se presente em outros campos do saber, como a aprendizagem musical, na qual o corpo é ignorado.

O autor explica que o corpo e o cérebro, no tocante à sua estrutura e função, costumam ser concebidos separadamente. Menospreza-se freqüentemente a idéia de que o organismo é “inteiro”, e não apenas o corpo ou o cérebro que interagem com o meio ambiente. Ao ouvir, tocar, saborear, cheirar essa interação acontece integralmente com o corpo e o cérebro. Sinais diversos transitam do cérebro para o corpo e vice-versa. Para obter a melhor interface possível, o organismo altera-se ativamente. O corpo não é passivo, ele contribui para o funcionamento da mente normal, e o organismo ancora-se nesse corpo.

À medida que é perturbado pelos estímulos do meio ambiente físico e sócio-cultural, e à medida que atua sobre o meio, os circuitos neurais representam continuamente o organismo. As representações que o cérebro cria para descrever uma situação formulando movimentos para responder a essa situação dependem da interação mútua entre cérebro e corpo. Os acontecimentos mentais são o resultado da atividade dos neurônios do cérebro, que têm de contar com o esquema e funcionamento do corpo. O organismo interage com o ambiente como um conjunto. Essa interação não acontece só com corpo ou só com cérebro.

Cérebro e corpo estão integrados por circuitos bioquímicos e neurais recíprocos que se dirigem um para o outro, indissociavelmente. Essa interconexão pode acontecer pela via em que usualmente se pensa primeiro, sendo constituída por nervos motores e sensoriais periféricos, cujo trabalho é transportar sinais de todas as partes do corpo para o cérebro e do cérebro para todas as partes do corpo ou pela corrente sanguínea, que transporta sinais químicos.

O cérebro tem a função de estar bem informado sobre o que se passa no resto do corpo e em si próprio, bem como sobre o meio que circunda o organismo. Por meio de movimentos resultantes de todo o corpo e com a ajuda de vários núcleos motores subcorticais, o organismo atua no ambiente. Sinais vindos do corpo ou dos órgãos sensoriais do corpo chegam aos setores cerebrais. Cérebro e corpo formam um organismo que interage com o ambiente, cujas relações são mediadas pelos movimentos sensoriais e pelo movimento do organismo (DÁMASIO, 2001).

Assim, o conceito de cognição e de aprendizagem, bem como a relação corpo-mente ou, ainda, a questão mente-cérebro, apesar de ser uma questão histórica e contemporânea ainda em grande discussão, tem passado por mudanças que o conhecimento musical parece não acompanhar. O significado de corpo como um servo da mente, como entidades separadas, em que a dimensão emocional e física não seria contemplada, não encontra respaldo aqui. Desse modo, seria necessário um diálogo com outras áreas do conhecimento, como a neurociência cognitiva, por exemplo.

Corpo-base é o corpo da aprendizagem, já que é um corpo reconhecidamente pelos professores, pelo menos teoricamente, como “parte” importante no processo ensino- aprendizagem. A dimensão mental e física parece estar em destaque, sugerindo um estado corporal, no qual emoções não estão em evidência. Para Assman (1998), a aprendizagem possui uma inscrição corporal. Essa teria o corpo como referência fundante. O conhecimento se instaura como um aprender, mediado por movimentos internos e externos da corporeidade.

Sérgio (1995) contribui para essa reflexão com o conceito de motricidade. Esse seria um modo de ser da corporeidade, em que a percepção não se limita. É um processo adaptativo, evolutivo, ativo e criativo. Para além de ser, é preciso experimentar. A motricidade seria o veículo da transcendência. A educação motora decifra a motricidade como conteúdo cultural e existencial. A motricidade seria a dimensão fundamental do operar humano na unidade do “Eu” e do mundo da cultura. A construção do conhecimento deveria ser alicerçada sobre o mundo vivido, e esse seria o papel do corpo-base.

A aprendizagem da performance musical, levando em conta o corpo como base, assumiria um compromisso com a corporeidade, e, dessa forma, com a motricidade, integrando o ter e o ser do desenvolvimento.

A metáfora do corpo-organismo, segundo Greiner (2005), é uma metáfora chave para compreender muitos fenômenos do mundo, tais como organismo social, organismo político. O organismo seria um princípio de conhecimento, um fundamento original que permite discutir fenômenos particulares manifestos nos comportamentos. Desse modo, funciona como um instrumento metodológico e teórico, que possibilita entender como certo fenômeno torna-se um fato identificável. Ele explica o vivo, ajuda a organizar, distinguir e distribuir os diversos segmentos do saber, e os direciona para uma ação ou objetivo.

No caso específico da aprendizagem de instrumentos musicais, a metáfora do organismo aciona as possibilidades de conexões “intracorporais”, quer dizer, do organismo corpo como um todo e de suas parte que são acionadas na vivência da experiência musical. O “corpo-organismo”, todavia, ainda é um corpo fragmentado, um corpo “com órgãos” que se conectam em função da experiência, e não um corpo “sem órgãos”, uma unidade que funciona complexamente como uma rede interacional. Essa significação de corpo não questiona, em princípio, a experiência cultural, as relações estabelecidas no contexto, entre outros. Concebe, entretanto, a possibilidade de uma aprendizagem mais humana, já que considera processos mentais, emoções, desenvolvimento e aprendizagem motora.

A metáfora corpo-organismo seria o primeiro passo para a compreensão de um corpo “maior”, em que se busca compreender as inter-relações nesse organismo complexo, o corpo humano. O segundo passo seria dado no estabelecimento de conexões extracorporais, seja da cultura, da sociedade ou das relações com outros corpos. Assim, estar-se-ia ampliando os limites de entendimento do corpo para uma rede de conexões complexas, de comunicação interna e externa.

Corpo-sujeito é a metáfora do corpo reconhecido como individualidade, em que a subjetividade é parte integrante do processo de aprendizagem (LIMA, 1995). Para Santaella (2004), o pensamento ocidental, durante vários séculos, foi dominado pelo “penso, logo existo”, o cogito cartesiano. Objeto e sujeito habitariam lados opostos. A modernidade filosófica foi fundada por esse sujeito racional – senhor de seu pensamento e ação –, que permanece presente até os dias atuais nas principais teorias ocidentais. Apesar disso, em Freud (citado por LIMA, 1995), temos um modelo de mente que reconhece sua origem corporal levando em consideração mediações e relações entre o psíquico e o somático, indicando um caminho para vislumbrar o ser humano em totalidade.

Segundo Santaella (2004), tem-se buscado uma teoria da subjetivação por meio da corporeidade humana, pois é sobre o corpo que a cultura trabalha a constituição da subjetividade, já que esse é o resultado de uma história cultural, científica e técnica. Tanto quanto o sujeito, o corpo é uma variável em modificação aberta e contínua.

Presença constante nos discursos atuais, o corpo retorna como um problema, uma interrogação que busca respostas. Questiona-se, com suporte no corpo, o que o diferencia da máquina e das próteses eletrônicas atuais. A pergunta é instaurada sobre o que caracteriza o humano, a matéria da qual o ser humano é feito. Esse é o lugar onde surge o estímulo para repensar a subjetividade humana e o resgate do corpo como corporeidade (SANTAELLA, 2004).

Assim, a reflexão sobre o sujeito que aprende, expressa e realiza a performance musical ou a busca por esse sujeito, por esse corpo-sujeito, também é permeada pela discussão acerca da crise do sujeito e suas relações. O encontro com o sujeito e a subjetividade, nesse contexto, passa pelo encontro com o corpo, com a corporeidade vivenciada em cada situação de aprendizagem, com respeito e conhecimento em relação a processos psicológicos, com lugar para diferenças.

Corpo-emoção é o lugar onde se reconhece que emoções participam do aprendizado da performance. Um corpo que comporta nervos, que possui substâncias que “despertam”, dependendo de estados emocionais, e que afetam todo o estado corporal.

Para Damásio (2001), as emoções acontecem por meio de reações químicas e neurais e formam um padrão. Seu papel é conservar a vida, regulando e representando estados corporais. Fazem parte dos mecanismos biorreguladores com os quais os seres humanos nascem e visam à sobrevivência. Os sentimentos de tensão ou relaxamento, fadiga ou energia, bem-estar ou mal-estar, ansiedade ou depressão são reações causadas pela emoção. Para o autor, o corpo é o “teatro das emoções”, considerando o meio interno, sistemas visceral e vestibular e músculo esquelético.

O modo de operação de vários circuitos cerebrais também é afetado pelas emoções. Essas mudanças são o substrato para os padrões neurais que se tornam sentimento de emoção. A emoção influencia a razão. Ela auxilia o raciocínio, especialmente em ocasiões sociais que envolvem risco e conflito e quando se trata de questões pessoais. As emoções integram processos de decisão e raciocínio, constituindo sistema de apoio para que a razão possa operar a contento. Comportamento e mente são permeados por ciclos sucessivos de emoções seguidas por sentimentos, que se transformam em novas emoções. Para Damásio (2001), há grande possibilidade de que os sentimentos estejam situados no limiar que separa o ser do conhecer, tendo uma ligação privilegiada com a consciência. Apesar do ajuste biológico das emoções como mecanismo, a cultura e o desenvolvimento também são fatores que as influenciam, moldando indutores adequados de cada emoção, aspectos de expressão das emoções e moldando também a cognição e o comportamento que decorrem da mobilização de uma emoção.

Desse modo, o aprendizado está intimamente ligado e é, conseqüentemente, afetado pelas emoções. Negligenciar tais processos constitui excluir possibilidades de qualidade em aprendizagem. No caso da aprendizagem de instrumentos musicais, que envolve expressão do código musical, performance, palco, exposição ao público, pode-se vislumbrar o quanto essas situações são capazes de provocar diversas emoções nos alunos, podendo gerar bloqueios e afetar a aprendizagem, já que envolvem certo risco para o aluno, por se tratar de exposição de sua figura publicamente. Assim, a metáfora do corpo-emoção, no contexto musical, constitui o estado do corpo do artista, aquele que busca a expressão por meio de seu corpo e que interage com outros corpos.

Corpo-cultura é o corpo cujo comportamento é determinado a partir das normas vigentes nas diversas culturas ou contextos sociais. É a metáfora do corpo que se move ou que contém movimentos a partir de regras cultuadas em uma cultura. É a metáfora do corpo construído pelo processo civilizatório e disciplinador, como em Focault (2002) e Crespo

(1990). É o corpo da contenção, da retenção de emoções. Nesse caso, o prazer também é contido em função das regras de conduta.

O corpo é definido por seu significado, por ser produto da cultura, por ser construído de modos diferentes em cada sociedade, e não somente por suas semelhanças biológicas universais (DAOLIO, 2003). Os conteúdos conotativos dos corpos contêm princípios que estruturam a visão de mundo, da sociedade e atitudes dos seres humanos quanto aos seus corpos.

Assim, a aprendizagem dos instrumentos, apesar da busca pela expressão, pode ser dificultada pelo corpo reprimido, contido em movimentos e emoções. O corpo do músico “erudito”, em questão, possui longa história. Existem palcos diversos para realizar as performances, públicos diferenciados, regras de comportamento, “normas” de atuação contida.

Corpo-objeto é a metáfora do corpo que busca a cientificidade. É o corpo que, para ser “reconhecido”, precisa estar de acordo com padrões de medida, tendo as ciências “duras” como base. É aquele que pode ser tocado, medido e experimentado. De outra forma, não se torna “generalizável.” É o corpo da anatomia, da física, entre outros. O corpo de “X” e “Y”, de vetores e trajetórias.

Para Moreira (1994), o corpo-objeto é o corpo-pensado. É o corpo abstrato, “coisificado”, estudado pela ciência pelo paradigma cartesiano. Possui a obrigatoriedade de apresentar reações previsíveis, analisado pela lógica formal, em uma permanente relação de causa e efeito. Por meio dessa perspectiva, tem-se e conhece-se muito a respeito do corpo, mas não se “é” e nem se vive nesse e com esse corpo. Esse corpo possui coerentes discursos epistemológicos, mas lhe falta vida. É o corpo regido somente pelo pensar lógico-racional, em que não se podem cometer erros. É o corpo manipulável – que passa pela vida, mas não a experimenta.

Assim, esse corpo manipulável, apesar de, a seu modo, trazer contribuições para a “cientificidade” da aprendizagem musical – quanto à relação músico-corpo-instrumento –, exclui diversos processos que participam igualmente desse aprendizado. O corpo que aprende não poderia partir de tal pressuposto como base única e fundamental. Deveria, sim, experimentar, errar, vivenciar, ter prazer.

Os significados de corpo revelados pelos professores reforçam a idéia de que os procedimentos aplicados pelos docentes em sua prática pedagógica estão intimamente relacionados com seu modo de conceituar ou significar o corpo. Assim, tudo indica que se não houver renovação de idéias que propiciem um repensar de conceitos e significados, parece não haver lugar para renovação da prática. Dessa maneira, sendo o corpo um objeto de estudo interdisciplinar, a disciplina musical necessita de novas interfaces.

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