FACULDADE DE DIREITO DO CEARÁ
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS VÍNCULOS
AFETIVOS: ESTUDOS SOBRE A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
Amanda Rabelo Maciel – Matrícula 0260628
Orientador do Projeto: Professor Abimael Clementino de Carvalho Neto
AMANDA RABELO MACIEL
O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS VÍNCULOS
AFETIVOS: ESTUDOS SOBRE A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
Monografia apresentada à banca examinadora da
Universidade Federal do Ceará (UFC),para obtenção
do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do
Professor Abimael Clementino de Carvalho Neto
O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS VÍNCULOS
AFETIVOS: ESTUDOS SOBRE A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
Monografia apresentada à banca examinadora da
Universidade Federal do Ceará (UFC),para obtenção
do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do
Professor Abimael Clementino de Carvalho Neto
Aprovada em 19 /01 /07
BANCA EXAMINADORA
_______________________
_________________________
Prof. Abimael Clementino de Carvalho Neto(Orientador)
________________________________________________
Dra. Francilene Gomes de Brito Bessa (Examinadora)
“…We´re one, but we´re
not the same…”
U2, “One”
“O afeto merece ser visto
como uma realidade digna
de tutela.”.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho não teria sido possível sem a ajuda de
algumas pessoas aqui citadas. A todas elas, o meu muito obrigada.
A Deus, por ter me dado forças nos momentos em que me senti
desencorajada e sabedoria, sem a qual jamais teria conseguido.
Ao meu pai, exemplo de vida, eterno mestre que tanto me ensinou e
orientou, seja em relação aos assuntos acadêmicos ou em relação à vida.
À minha mãe, minha melhor amiga. Uma das únicas pessoas que
sempre acreditou que eu conseguiria realizar grandes coisas.
Às minhas irmãs, Lorena e Bia, pela ajuda e compreensão nos
momentos difíceis pelos quais passei. Tenho plena certeza que elas sempre estarão ao
meu lado para me amparar.
A Raphael,
the first one of your kind.
À Patrícia, Tamara, Lílian, Clarice, Liviane e Daniel, meus amigos e
irmãos socioafetivos.
Ao meu orientador, Abimael Carvalho, por todo apoio concedido desde
a apresentação do projeto até a orientação deste trabalho.
Aos amigos adquiridos na constância destes anos na Faculdade de
INTRODUÇÃO...09
CAPÍTULO I – A FAMÍLIA
1.1 CONCEITO...11
1.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS FAMÍLIAS...13
1.2.1 AS FAMÍLIAS E A HISTÓRIA MUNDIAL...13
1.2.2 AS FAMÍLIAS NO BRASIL...18
1.2.3 FAMÍLIAS PLURAIS...19
1.3 OS AGRUPAMENTOS FAMILIARES E A CONSTITUIÇÃO...20
1.4 VISÕES DE FAMÍLIA NO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E NO DE 2002...23
CAPÍTULO II – O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
1.5 2.1 O ORDENAMENTO JURÍDICO...27
1.6 2.2 CONCEITO DE PRINCÍPIO...29
1.7 2.3 O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE...30
1.8 2.4 JURISPRUDENCIA SOBRE O ASSUNTO...33
3.1 INTRODUÇÃO...46
3.2 CONCEITO E ESPÉCIES DE FILIAÇÃO...47
3.3 BREVE HISTÓRICO...49
3.3 RECONHECIMENTO DOS FILHOS...52
3.3.1 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO...53
3.3.1.1 CONCEITO...53
3.3.1.2 HIPÓTESES PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002...54
3.3.1.3 RECONHECIMENTO DO FILHO MAIOR...57
3.3.1.4
RECONHECIMENTO
DO
NASCITURO
E
DOS
FILHOS
JÁ
FALECIDOS...57
3.3.2. RECONHECIMENTO JUDICIAL...58
3.3.2.1 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE...58
3.3.2.1.1 LEGITIMIDADE...59
3.3.2.1.2 HIPÓTESES DE CABIMENTO...59
3.3.2.1.3 PROVAS DE EXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO...61
3.3.2.1.4 EFEITOS DO RECONHECIMENTO JUDICIÁRIO...61
4.1 NOÇÕES INICIAIS...64
4.2 POSSE DE ESTADO DE FILHO...66
4.2.1 INTRODUÇÃO E DIREITO COMPARADO...66
4.2.2 CONCEITO...67
4.2.3 ELEMENTOS...68
4.3 A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E O DEVER ALIMENTAR...70
4.4 UMA PROPOSTA DE MUDANÇA...70
4.5 POSSÍVEIS EFEITOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA...73
4.6 JURISPRUDÊNCIA...75
CONCLUSÃO...97
INTRODUÇÃO
A história dos diversos grupos que compuseram as civilizações humanas comprova
que estas se encontravam em constante mutação em quaisquer dos aspectos
considerados, sejam eles econômicos, políticos, culturais ou sociais.
Neste contexto, é perceptível a grande transformação pela qual passou o
agrupamento familiar. Da formação das comunidades gentílicas caracterizadas por
serem rurais, numerosas, patriarcais e hierarquizadas, até hoje, a família passou por
inúmeras transformações, havendo, conseqüentemente, um alargamento de seu
conceito, devido, principalmente, a consideração do viés afetivo.
Apesar disso,
o ordenamento jurídico, em alguns países, inclusive no Brasil,
aparenta rumar cada vez mais “na contramão da evolução humana, consagrando, cada
vez mais o ideário da família-instituição e desprezando a concepção da família como
um instrumento voltado para a consecução daquilo que é almejado por todos os seres
humanos: a felicidade em sua plenitude”.
Por intermédio deste estudo, nos propusemos a analisar esta evolução e expor a
problemática da aplicação do principio da afetividade e o seu instituto correlato, a
Paternidade Socioafetiva.
Primeiramente, será apresentada a estrutura da família, a sua evolução até a
hodiernidade, abordando, para isto, aspectos sociológicos, psicológicos,
históricos e jurídicos.
Após, será analisada a questão do princípio da afetividade, expondo o seu conceito
No terceiro capítulo, o objeto de estudo consiste na conceituação da filiação e na
exposição das formas de reconhecimento dos filhos, suas peculiaridades e
procedimentos. A abordagem neste capítulo é crucial, pois a filiação e o
reconhecimento dos filhos formam um marco inicial para esclarecimentos sobre a
paternidade.
E, por fim, no quarto e derradeiro capítulo será abordada de forma específica à
problemática deste estudo: a paternidade socioafetiva. Para tanto, faremos a análise do
que seja esta espécie de paternidade, expondo os seus porquês, os seus requisitos
(teoria da posse do estado de filho) e as possíveis implicações dela advindas, seja no
CAPÍTULO I
A(S) FAMÍLIA(S)
1.1 CONCEITO
Para entender a coletividade, faz-se necessário um estudo apurado a respeito de
cada uma das “células” que compõem este “tecido social” a que nos referimos. A partir
dos retrocessos e avanços obtidos pelas partes, pode-se organizar um esboço daquilo
que seria a face da sociedade contemporânea. Isto explica o grande interesse
relacionado ao estudo de cada uma destas unidades sociológicas que costumamos
chamar de família.
Conceituá-la não é tarefa fácil, visto que estamos diante de um fenômeno reiterado
nas ciências em geral: a plurivalência semântica, ou seja, a multiplicidade de conceitos
Sob o prisma das ciências naturais, família seria
o conjunto de pessoas que
descendem de um tronco ancestral comum, dando-se, logo, prevalência aos liames de
caráter meramente genético.
Partindo deste conceito, sob um prisma histórico-sociológico, pode-se alargar o
conceito de família, estendendo-se o pálio protetor deste grupo às relações advindas da
socialização dos agrupamentos humanos entre si, incluindo-se, o cônjuge, seus irmãos,
seus filhos, os cônjuges de seus irmãos e os filhos destes, dentre outros. Esta noção se
adequa bastante aos aspectos observados nos agrupamentos humanos mais remotos,
assunto este a ser desenvolvido em um tópico à parte deste estudo.
Eis que os tempos mudam e com eles a própria noção do que seja a família.Com a
revolução industrial e tecnológica e o conseqüente crescimento avassalador das
metrópoles, o mercado de trabalho passou a se ampliar de forma a abranger o trabalho
da mulher. Esta, sob a perspectiva de novos horizontes, começa a reavaliar o que
outrora era obrigatório às mulheres e assim idéia como a do planejamento familiar
acaba por ensejar a redução da prole. Deste momento em diante, a família migra do
conceito antigo dos
genos greco-romanos, extensos e hierarquizados para a um grupo
menor, mais restrito.
Se a abundância de conceitos é observada a partir de uma análise interdisciplinar
das ciências em geral (psicologia, filosofia, biologia, etc., neste caso), na seara jurídica
o citado fenômeno se transforma em algo cada vez mais interessante, por permitir o
entendimento de um objeto sob vários pontos de vista.
Ao realizarmos um cotejo da doutrina existente sobre o assunto, percebemos que,
13
a)Conceito
lato sensu
:
família seria
o agrupamento humano
formado por todos
aquelas pessoas ligadas por um vínculo sanguíneo, ou seja, de um grupo ancestral
geneticamente comum.Aproxima-se bastante da noção biológica supracitada.
b) Conceito
stricto sensu
:
abrangeria todos aqueles que estivessem unidos pelo
matrimônio ou pela filiação.
Há, ainda, na doutrina especializada, menção a uma terceira espécie de conceito
citado pela Professora Maria Helena Diniz, em sua obra Curso de Direito Civil Brasileiro,
que tomamos a liberdade de denominá-lo de conceito pós-moderno de família. Para
esta, a família poderia abranger tanto as pessoas ligadas por laços biológicos, como
também os oriundos da afetividade, podendo, inclusive, aceitar pessoas estranhas a
estas situações.
Em nosso sentir, este seria o enunciado mais adequado por ser aquele que melhor
se adequa às relações existentes na sociedade hodierna.
1.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS FAMÍLIAS
1.2.1 AS FAMÍLIAS E A HISTÓRIA MUNDIAL
Como foi outrora afirmado, o legado histórico deixado pelo ser humano passa
necessariamente pela influência do arranjo dos grupos familiares ao longo dos anos.
Parte-se do pressuposto que o homem possui em seu cerne psicológico a tendência
a se relacionar com os seus iguais, constituindo relações diversas com as pessoas,
sejam aquelas comerciais, beligerantes, cotidianas e interpessoais. Neste último grupo,
observa-se a existência de um tipo de vínculo específico oriundo de uma origem
Mas nem sempre foi desta forma. Ab initio, os indivíduos primitivos encontravam-se
em estado de
exposição total à natureza.
Sem os recursos de que dispomos
atualmente, os seres humanos travavam batalhas diárias com o fito exclusivo da
sobrevivência perante o meio ambiente que tanto lhes fornecia recursos, como,
também, os expunha às grandes intempéries da época.
Em um meio em que se almejava essencialmente a sobrevivência, não havia lugar
para o afeto
1. O relacionamento existente entre os precursores da espécie humana
consistia em uma mera satisfação do recém criado instinto humano, que, no inicio,
muito se assemelhava ao observado em outras espécies oriundas dos mesmos
ancestrais. Existia, portanto, constante troca de parceiros sexuais
2dentre os
componentes dos bandos pré-históricos, implicando estas a procriação da espécie.
Neste meio em que a paternidade era desconhecida, ganhava a importância à figura
da genitora, ficando esta responsável pela alimentação, proteção e educação da prole,
formando aquilo que conhecemos como grupos matriarcais.
Eis que após certo tempo, o ser humano aprende a “domar” os recursos naturais
que o cercavam, passando a utilizá-los cada vez mais em seu benefício. Isto,
juntamente ao término do nomadismo característico dos primeiros grupos, contribuiu
para que fossem criados agrupamentos menores e mais organizados que os de outrora,
havendo uma divisão clara de tarefas entre homens e mulheres, ficando estas, na
1 Autores como a célebre Desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias discordam desta visão
histórico-sociologica de família. Para ela , até entre os primitivos havia vínculos afetivos, tendo, portanto, o acasalamento finalidades voltadas tanto perpetuação da espécie quanto para o combate à solidão.
2 Aqui, observa-se mais uma nuance advinda da incerteza que ronda a questão dos grupos familiares em
15
maioria dos casos, relegadas a situação de submissão e inferioridade em relação aos
seus pares. Estavam ali formados os primeiros grupos familiares.
Dentre as sociedades que mais se destacaram entre as existentes na antiguidade e
cuja influência é percebida em vários aspectos hodiernos, encontram-se os romanos.
Para entender a estirpe romana, deve-se afirmar, desde o início, que esta detém um
personagem de extrema importância: o paterfamílias, indivíduo este proprietário de
autoridade suprema perante os seus subordinados (filhos, esposa, descendentes e
escravos ou agregados).
Deve-se, entretanto afirmar que nem sempre a figura do
pater
se imiscuía àquela
pertencente ao pai como hoje o conhecemos. Este, em alguns casos, não era
meramente o genitor, mas o chefe militar, o gestor econômico, o primaz religioso
daquele grupo. Daí a possibilidade citada por José Cretella Jr. de até mesmo o
celibatário poder ser um chefe de família.
A figura do
pater estava tão arraigada dentro da civilização romana, que a própria
etimologia do vocábulo romano referente à família tem em sua compreensão o a figura
do pater.
No alvorecer da civilização romana, a
“patria potestas
3” era tão absoluta que
permitia domínio total do dirigente sobre
a vida dos seus subordinados, podendo este
abandoná-los à própria sorte ou vendê-los, exercendo, portanto, sobre estes direitos de
manus
4,
dispondo, muitas vezes, até mesmo sobre a vida e a morte dos indivíduos.
Para tanto, deveria sondar uma espécie de Conselho existente na época.
Aos poucos, isto passa a ser amenizado com a concessão de alguns direitos aos
filhos, tais como a possibilidade de concessão de dívidas por estes representando o
dirigente.
Os laços familiares dividiam-se em duas espécies. Os
agnatos
(agnatio),
eram
aqueles cujo parentesco tinha origem civil, ou seja, era criado aos olhos da lei. A partir
destes, estabeleciam-se às linhas sucessórias. Já os
cognatos
(cognatio),
eram os
chamados “parentes de sangue”.
Mas esta configuração sofreria alterações profundas com a no período em que o
Império romano foi gerido por Constantino
5(séc IV d.C.). Como é de conhecimento
geral, este governante tornou oficial a prática do catolicismo em toda a Roma antiga.
Uma mudança como este trouxe um impacto profundo sobre os grupos familiares, pois
neste período seriam vigentes a moralidade, o apego às tradições e, sobretudo da
submissão da mulher. Estas características perdurariam pelos períodos conhecidos por
Idade Média e Idade Moderna.
Nesta época, a família era cada vez mais considerada como uma unidade de
produção, sendo constantes a prática da agricultura familiar nos feudos e da
transmissão de ofícios de pai para os filhos homens. Às mulheres estava relegado o
4 Direitos de propriedade
5 “Constantino é talvez melhor conhecido por ter sido o primeiro imperador romano a confirmar o
17
papel de mães e donas de casa, sendo estas impedidas de ter as mesmas
oportunidades oferecidas aos indivíduos do sexo masculino.
Este panorama teria drásticas modificações a partir de 1780, ano em que, segundo
os historiadores, observou-se uma mudança significativa em toda a sistemática de
produção. Sai a unidade familiar, o processo de produção artesanal e de altos custos e
em seu lugar entra a produção em larga escala, por vários trabalhadores em grandes
fábricas equipadas com os recursos mais modernos da época. Começava a Revolução
Industrial.
A partir daí observou-se uma aglomeração cada vez maior nas grandes cidades. As
famílias vinham até estes locais seduzidas pela oportunidade de sair do estado de
miséria e servidão pelo qual passavam nos feudos.
Com o passar do tempo e as necessidades cada vez maiores de mão-de-obra por
parte das fábricas, as mulheres passaram aos poucos a fazer parte do mercado de
trabalho, numa ascensão que persiste até hoje
6, aspirando à paridade em relação aos
homens. Assim, observa-se o movimento em direção à redução das taxas de natalidade
e a conseqüente diminuição no número de componentes existentes nas famílias, etc.
6 Alguns dados interessantes sobre a participação da mulher na sociedade:
· as mulheres constituem 52% da população e 48% delas trabalham fora de casa; · 94% são responsáveis pelos afazeres domésticos;
· 30% são somente “donas-de-casa” e têm uma jornada de trabalho de 13 horas;
· o trabalho doméstico, se fosse pago, valeria o equivalente a 12,76% do Produto Interno Bruto; · a taxa de fertilidade (nascimento por mulher em idade fértil) é de 2,2%;
· 25% das unidades familiares é comandado por uma mulher;
· 32% dos lares são sustentados apenas por mulheres, na grande maioria negras, de baixa escolaridade e com grande número de filhos;
· apenas 6% dos cargos de alto comando na iniciativa privada estão em mãos de mulheres
· as mulheres ganham 82,3% do que percebe os homens, e como têm ao menos um filho, estão sujeitas à dupla jornada de trabalho;
Com isso, novos aspectos passaram a permear o conjunto de valores inerente a
cada sociedade. Não bastava apenas constituir família. Era essencial que aquele grupo
funcionasse como um todo capaz de propiciar aos seres humanos o desenvolvimento
completo de sua personalidade e a satisfação de uma necessidade cada vez mais
premente para os que formam esta sociedade pós-moderna: a felicidade.
Para isso, buscavam-se nas relações interpessoais o amor, a fraternidade e o
querer bem, ocasionando, logo, questionamentos sobre dogmas pré-estabelecidos há
séculos, tais como a indissolubilidade dos vínculos matrimoniais, a necessária
dualidade de sexos nas relações conjugais, sendo a homoafetividade considerada por
muito tanto um crime quanto um pecado e a indispensabilidade da celebração do
casamento para a confirmação daquela relação como fato real aos olhos do mundo
jurídico, bem como a concessão dos efeitos a ela concernentes. Daí surgiram as
grandes lutas do nosso século em termos familiares, umas já perto de sua conclusão e
outras ainda muito distantes daquilo que seria considerado aceitável sob o prisma do
Princípio da Dignidade da pessoa humana: o divórcio, a existência das uniões estáveis,
e as relações criadas a partir do afeto, tais como a paternidade socioafetiva, tema deste
trabalho, e as uniões homoafetivas.
1.2.2 AS FAMÍLIAS NO BRASIL
Em relação ao Brasil em específico, no período da colonização, a sociedade, e por
conseqüência as famílias, era de organização patriarcal e rural. Aos homens brancos
era dada a oportunidade de dispor de liberdade sexual para assediar as indígenas e as
negras.Reservavam-se às mulheres as obrigações outrora citadas no respectivo
19
em seus atos. A vida era aquela constituída dentro dos lares, sem grandes eventos
sociais ou congraçamentos freqüentes entre os grupos familiares.
Isto seria modificado em 1808, com a chegada da família real portuguesa e o
conseqüente
aburguesamento da sociedade da época, passando os indivíduos a
freqüentar os salões de baile e os movimentados saraus. A mulher deixa de ser vista
como uma mera cumpridora de tarefas domésticas, passando a ocupar o papel de
regente do lar, de mãe ativa competente e dedicada.
Ao longo dos anos, foram observadas aqui as mudanças econômicas e sociais
semelhantes àquelas ocorridas em outros países. Em 1988 temos a consolidação da
concessão destes direitos com a promulgação da primeira Constituição Federal
pós-ditadura, responsável pela formalização da igualdade entre homens e mulheres e da
assistência recíproca entre os entes familiares.
1.2.3 FAMÍLIAS PLURAIS
7A dinâmica social expressa pela enorme quantidade de mudanças nas estruturas
políticas, econômicas e sociais existentes teve impacto relevante sobre o arraigado
conceito de família que guardamos conosco desde a mais tenra idade: pai e mãe
unidos pelo vínculo matrimonial e a prole oriunda desta união.Atualmente, não se
observa mais esta situação com tanta freqüência.
É comum a existência de outras espécies de agrupamentos familiares, tais como
famílias monoparentais, formadas por pessoas remanescentes de uniões desfeitas e
7 DIAS, Maria Berenice. “Manual de Direito das Famílias.” 3ª. Edição revista, atualizada e ampliada.
até mesmo homoafetivas, contrariando os tabus e preconceitos estabelecidos pela
sociedade contra casais formados por indivíduos do mesmo sexo.
Esta indagação que nos propicia questionar se não seria mais acertado ampliar o
conceito de família, tornando-o dependente não de vínculos formalizados, mas sim
criados e desenvolvidos pelo afeto passível de ser criado entre os seres humanos e que
em nossa realidade se coloca de forma bem mais adequada à realidade social do que a
mera constituição de liames formais proposta pelo direito vigente.
1.3 OS AGRUPAMENTOS FAMILIARES E A CONSTITUIÇÃO
Não se pode falar da evolução observada em relação ao direito das famílias sem
mencionar os aspectos a esta mencionada no texto constitucional.
Sabe-se que, embasado no modelo kelseniano
8de hierarquização de normas, a
Constituição estaria no ápice daquilo que conhecemos como sendo o Ordenamento
jurídico. A partir disso, por premissas lógicas, conclui-se que as normas caráter inferior
deveriam adequar-se ao espírito proposto pelas normas constitucionais.
Ab initio, as constituições brasileiras primavam pelo conservadorismo que imperava
na sociedade daquela época. Como exemplo disso, pode-se citar a o art. 144 da Lei
Maior de 1934, sendo este:
Art 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.
Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo.(1934;).
8 O modelo elaborado por Hans Kelsen comparava o ordenamento jurídico a uma pirâmide, posicionando
21
Com o passar dos anos, o conservadorismo permaneceu vigente e o Estado cada
vez mais demonstrava em sua iniciativa em explicitar nas constituições as conhecidas
práticas assistencialistas de cunho eleitoreiro, como o art.164 presente na emenda feita
á constituição em 1967, dispondo que seria “obrigatória, em todo o território nacional, a
assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de
famílias de prole numerosa.”(1967;).
Eis que os bons ventos da democracia trouxeram de volta para os cidadãos a
possibilidade de serem livres e de expressarem as suas convicções sem quaisquer
óbices impostos por governos militares cuja legitimação advinha de leis que não
expressavam o que era desejado pelo povo.
Com o fim dos chamados “anos de chumbo”, houve a necessidade de se elaborar
uma nova lei maior que se adequasse àquele momento vivido pelo país.
Em 5 de outubro de 1988, pelas mãos do então presidente da Assembléia
Constituinte, Ulysses Guimarães, ergueu-se, tendo por testemunha os meios de
comunicação nacionais, o texto que aquele chamou de “Constituição Cidadã”.
No que tange ao direito de Família, grandes modificações são observadas.Ao
lermos estas disposições, fica difícil não perceber a intenção do legislador em inserir
este assunto tão relevante no texto constitucional sob o escopo de garantir-lhe a
efetividade maior efetividade possível
9.Analisemos os dispositivos constitucionais
referentes aos grupos familiares:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
9 Esta iniciativa é própria dos chamados Estados Sociais, em que o estado intervém na seara privada dos
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art.227 – (...)
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Por ser a base da sociedade, conforme fora anteriormente afirmado, a família terá
proteção especial do estado, sendo a maioria das normas a ela relacionadas de caráter
cogente, ou seja, indisponíveis pela vontade das partes.Diferentemente das anteriores,
esta constituição legitima as celebrações religiosas, conferindo-lhes efeitos
semelhantes aos concedidos às celebrações civis, desde que cumpridos os requisitos
necessários expressos em lei.
Um dos grandes progressos observados é o alargamento do conceito de família por
23
pelas disposições expressas nos §§6° e 7° do art.22 6, em que são considerados como
família as uniões estáveis e às famílias monoparentais.
Houve, ainda, a dissolução de duas das mais injustas diferenciações feitas pelas
legislações: a entre homens e mulheres e filhos legítimos e ilegítimos.
A partir desta Constituição, legalmente os indivíduos do sexo masculino e feminino
passaram a ter direitos e deveres semelhantes, ficando todas as disposições que
estivessem contrárias a esta idéia revogadas dali em diante.
Já os conceitos de filhos legítimos e ilegítimos foram aposentados como noções
legais, fazendo, atualmente, parte do rol dos institutos meramente históricos da doutrina
pátria.Tanto os concebidos dentro das uniões conjugais quanto aqueles oriundos de
relacionamentos extraconjugais seriam considerados como iguais, até mesmo para
efeitos sucessórios.
De fato, para que este compêndio normativo alcançasse a totalidade em termos de
justiça social, faz-se necessário o reconhecimento expresso do caráter familiar existente
entre os grupos formados por pessoas do mesmo sexo, fato este que estaria
completamente de acordo com o espírito disposto pelo legislador de calçar as relações
familiares nos vínculos oriundos pelo afeto.
1.4 VISÕES DE FAMÍLIA NOS CÓDIGOS CIVIS DE 1916 E 2002
Apesar de contar com dispositivos considerados modernos para a época em que
entrou em vigor, sobretudo em relação à parte referente aos Contratos, o Código Civil
de 1916 trazia em seu bojo o conservadorismo patente à sociedade do seu tempo no
Em uma época em que os casamentos eram acertados entre as famílias e os seus
objetivos eram meramente a procriação e a fusão de patrimônios, parece-nos que a
referida legislação era meramente uma forma de legitimar os usos e costumes
presentes nas classes mais abastadas, negligenciando uma parte da realidade social
dos menos abastados, que muitas vezes, constituíam o que hoje conhecemos como
uniões estáveis.
Predominava no CC/16 a concepção da família oriunda única e exclusivamente dos
laços matrimoniais indissolúveis.Restava aos que optassem pelo término da
convivência conjugal a alternativa do desquite, instituto que só reconhecia uma situação
de fato, mas não uma realidade jurídica, posto que apesar da inexistência daquela
união para o mundo dos homens, à luz do direito ela permanecia vigente.
Conseqüentemente, o direito à filiação era exclusivamente reservado aos
concebidos dentro do casamento, sendo estes aclamados como filhos legítimos,
detentores de todos os direitos.Aos outros, restava apenas a discriminação e o descaso
por terem nascido de relacionamentos considerados inexistentes pelos padrões da
época.
O Pátrio Poder (hoje Poder Familiar) tinha por titular único e exclusivo o marido,
sendo relegada à esposa a mera posição de consorte e subordinada.
Eis que, mais uma vez, a dialética social surge para influenciar o ordenamento
jurídico.Mediante os inúmeros protestos em relação aos dispositivos do referido código
que tratavam a mulher como um ser incapaz, surgiram movimentos sociais de protesto
que culminaram com a promulgação da lei 4.121/61, popularmente conhecida como
25
dispor sobre o seu destino e seus bens, podendo amealhar bens que seriam
considerados como seus, exclusivamente.
Alguns anos depois, em 1977, publicou-se a emenda constitucional nº 9 e a
conseqüente lei 6.515, vulgo Lei do Divórcio que cessava, de uma vez por todas, com a
idéia de indissolubilidade do matrimônio.
Com a promulgação da Constituição de 1988, cujos aspectos referentes à família já
foram anteriormente analisados, ficou cada vez mais difícil a manutenção do CC/16,
haja vista que, apesar das várias alterações feitas, o espírito inerente ao Código pouco
refletia os anseios e as necessidades da sociedade da época.
Em 2002, após quase 30 anos de discussões, entrou em vigor o Novo Código
Civil.Vale lembrar, consoante boa parte da doutrina, este código já nasce velho,
carecendo de normas dotadas de clareza e atualização necessárias para a sua boa
utilização pelo operador do direito.Consoante a eminente Desembargadora Maria
Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das Famílias:
“(...) Não se pode dizer que é um novo código - é um código antigo com um novo texto. Tenta, sem muito sucesso, afeiçoar-se às profundas alterações por que passou a família no século XX. Talvez o grande ganho tenha sido excluir expressões e conceitos que causavam um grande mal-estar e não mais podiam conviver com a nova estrutura jurídica e a moderna composição da sociedade” (2006; p.30) (grifo nosso).
Em alguns aspectos, o legislador teve grande mérito, por reconhecer os avanços
outrora reconhecidos pela Constituição Federal de 1988. No entanto, sob aspectos
gerais, a sensação que se tem ao procedermos a uma leitura criteriosa do CC/02 é a de
que este em muito se dissocia da realidade vigente.Pode-se fazer esta inferência a
partir da observação de que inexistem dispositivos referentes à guarda compartilhada
Não fez referência questão da afetividade como forma de criação de vínculos
familiares, nem muito menos reconheceu a posse de estado de filho, assunto este a ser
tratado mais adiante, essencial para o entendimento do que seja paternidade
socioafetiva.Negou, também, o reconhecimento às chamadas Uniões Homoafetivas,
apesar dos inúmeros protestos organizados por grupos representativos desta categoria.
Padece, ainda, o referido código de visíveis inconstitucionalidades. É absurda a
idéia de, em pleno século XXI, ainda se perquirir a questão da culpa nas separações
judiciais, haja vista a mentalidade Eudemonista presente nos valores inerentes ao
grupo social hodierno. É inadmissível, ainda, que sob o Império da Constituição Cidadã
haja diferenciações tão gritantes no que se refere à disciplina das Uniões Estáveis em
relação aos casamentos, sobretudo no que tange à questão sucessória.
Isto posto, só nos resta ansiar pelos resultados possíveis do Projeto de Lei
n°6.960/02, iniciativa que tem por objetivo primaz a atualização do vigente Código Civil,
com o intuito de conferir a este máxima efetividade em relação aos brasileiros
CAPÍTULO II
O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
2.1 O ORDENAMENTO JURÍDICO
Sabe-se que o ordenamento jurídico é composto por uma grande diversidade de
normas, escalonadas de acordo com a sua importância hierárquica respectiva.
Abrangendo desde os liames criados por particulares (expressados pelos
contratos), até os preceitos dispostos na Lei Maior, todas estas normas compõem um
todo organizado e hierarquizado, em que “... o fundamento de validade de uma norma
apenas podia ser a validade de outra norma
10“.Para materializar esta idéia, Hans
Kelsen afirmou que o ordenamento jurídico assemelhar-se-ia a uma pirâmide, em que
cujo ápice estaria à constituição e cuja base seria formada par normas criadas por
particulares, decretos, resoluções, leis ordinárias, etc.
Desta forma, entende-se que as normas localizadas em setores inferiores deveriam
harmonizar-se com aquelas que estivessem em patamar superior, a fim de que aquelas
se adequassem aos parâmetros apresentados por estas, produzindo, assim, os seus
efeitos de direito. Roque Antônio Carraza
11, refletindo sobre o assunto, opina:
“Isto
significa que uma norma inválida não pode produzir efeitos de direito (simplesmente
porque não existe, juridicamente falando).
Conforme foi dito anteriormente, neste panorama do ordenamento jurídico, a
Constituição Federal ocupa lugar de destaque, devendo, todo o conjunto de normas
situado abaixo desta se adequar aos preceitos por ela confirmados, sob pena de
padecer de falta de validade.
Com a devida vênia, faremos menção a mais um trecho da obra do Professor
Carraza:
“A Constituição, num Estado - de - Direito, é a lei máxima, que submete todos os cidadãos e os próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.Uma norma jurídica só será considerada válida se estiver em harmonia com as normas constitucionais.
Nas constituições rígidas, como a brasileira, as normas constitucionais legitimam toda a ordem jurídica. As leis, os atos administrativos, as sentenças valem, em última análise, enquanto desdobram mandamentos constitucionais.
As normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da pirâmide jurídica, caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, que obrigam não só as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio Estado.
11 CARRAZA,Roque Antônio.Curso de Direito Constitucional Tributário.16ª. edição revista e ampliada até
29
O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de recomendações a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional.
É por este motivo que dizemos que a Constituição é a lei fundamental do Estado12”. (grifo nosso)
As normas constitucionais subdividem-se entre normas-regra e normas-princípio,
assunto este a ser analisado de forma mais profunda no tópico a seguir.
2.2 CONCEITO DE PRINCÍPIO
Cientificamente falando, princípio é começo, é um patamar privilegiado do qual se
pode “alçar vôo” em busca da compreensão ou da demonstração de alguma coisa.
Ao fazermos uma análise etimológica do vocábulo
princípio aduz –se que este tem
as suas origens na palavra latina
principium, significando um começo, uma origem, o
ponto de partida de um processo qualquer.
Introduzida no pensamento filosófico pelo grego Anaximandro, a idéia do que era o
princípio permeou boa parte dos estudos da área, tornando-se, para muitos, a pedra de
fecho de um sistema.
Em termos jurídicos, o estudo dos princípios é de suma importância, haja vista o
local de destaque em que estão inseridos no conjunto de normas que compõem o
ordenamento jurídico.
Compreende-se princípio como sendo gênero de caráter mais fluído do qual a
norma é espécie, indicando postulados, diretrizes, idéias que deverão ser utilizadas nas
situações que se apresentam ao aplicador da lei.
Ensina o douto Celso Antônio Bandeira de Melo em seu Curso de Direito
Administrativo:
“Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a Tonica e lhe dá sentido harmônico.” (2004, p.807).
Já Carraza, por sua vez, leciona:
“...princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito,e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.
(...)
Nenhuma interpretação deve ser havida por boa (e, portanto, jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico constitucional.
(...)
Em suma, os princípios são normas qualificadas, exibindo excepcional valor aglutinante:indicam como devem aplicar-se as normas jurídicas, isto é, que alcance lhes dar, como combiná-las e quando outorgar precedência a algumas delas13.”
2.3 O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
No capítulo anterior, fizemos uma breve digressão histórica para expor as
mudanças pelas quais havia passado o agrupamento familiar ao longo dos anos. Da
constituição dos grupos liderados pelo pater famílias, até a hodiernidade, significativas
alterações marcaram a evolução das famílias.
31
Em nosso sentir, a maior delas está na inserção do amor
14como um elemento de
constituição primordial para que possamos classificar um determinado grupo de
pessoas como sendo ou não uma família.
14 Sobre o afeto, algumas curiosidades:
No Brasil:
· 50% das famílias são constituídas pelo casamento civil e religioso;
· nos últimos 10 anos subiu de 18 para 28% o número de casais que vivem em união estável; · em média os homens se casam aos 30 anos e as mulheres aos 24;
· 94% das jovens querem se casar;
· 65% dos consumidores de produtos eróticos são mulheres entre 25 e 45 anos de idade; · 14% das pessoas param de fazer sexo para atender a uma chamada no celular; · 53,4% dos homens têm medo da impotência;
· 16,6% dos homens sofrem de impotência sexual;
· para 79,8% dos homens, fazer sexo é tão importante quanto respirar ou ter fonte de renda segura; · os homens que cursaram apenas o primário têm 3,6 vezes mais riscos de disfunção erétil;
· 52% dos internautas acham que sexo virtual é traição, mas 32% admitiram ter traído pela internet; · os brasileiros ficam casados em média 10,5 anos;
· 7 em cada 10 casamentos terminam em até 10 anos;
· das ações de separação iniciadas por ano, 71,5% são propostas pelas mulheres; também são elas que propõem 52,2% das ações de divórcio;
· no ano passado foram celebrados 806.968 casamentos, 93.525 separações e 130.527 divórcios; · em seis anos o número de divórcio cresceu dez vezes mais que o de casamentos;
· 8 de cada 10 homens separados passam a viver com mulheres solteiras, em geral 9 anos mais jovens que eles;
· 63,7% dos homens, mas apenas 23,2% das mulheres, admitiram sua infidelidade;
· 85% dos homens traem, mas só 25% dos casados rompem a relação oficial para ficar com a amante;
· a infidelidade masculina tem maior incidência na faixa etária entre 51 e 60 anos; a feminina, entre os 41 e 50 anos;
No mundo:
· Universidade da Grã-Bretanha publicou estudo em que garante que quanto mais criativa uma pessoa é mais parceiros sexuais ela tem;
· 55% dos alemães consideram mais importante ter uma parceira com censo de humor do que alcançar a plena satisfação na cama;
· Na Finlândia as pessoas só podem casar se souberem ler;
· Já é possível casar pela Internet. Internautas apaixonados podem oficializar a união preenchendo um formulário com direito a certidão e tudo;
· “poliamor” é a expressão criada para definir os relacionamentos sérios e duradouros entre três ou mais pessoas;
· dos cerca de 120 milhões de atos sexuais que acontecem diariamente, 910 mil resultam em gravidez;
· mesmo sendo proibido, 90% dos jovens chineses mantém relações sexuais antes do casamento; · no Irã é possível a celebração de casamentos temporários. O casal firma um “sigheh”, contrato perante um religioso no cartório de casamento, pelo prazo que escolherem, podendo renová-lo quantas vezes quiserem;
· na França é possível casar com uma pessoa morta. Recentemente ocorreu o casamento de um casal cujo noivo havia sido atropelado há mas um ano. Disse a noiva: Transcendi a morte!
A sociedade transcendeu para aquilo que seria denominado modelo de família
eudemonista e igualitário, em que o afeto seria elemento essencial para a realização
pessoal de cada indivíduo.
O próprio afeto transcendeu barreiras, deixando de ser um dever para se tornar uma
vontade, um desejo de querer bem, como ilustra o filósofo André Comte-Spoonville, em
seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes:
O sexo e o cérebro não são músculos, nem poderiam ser. Disso decorrem várias conseqüências importantes, das quais esta não é a menor: não amamos o que queremos, mas o que desejamos, escolher nossos desejos ou nossos amores , se só podemos escolher – ainda que entre vários desejos diferentes , entre vários amores diferentes, em função deles? O amor não se comanda e não poderia, em conseqüência, ser um dever.Sua presença em um tratado de virtudes torna-se, por conseguinte, problemática? Talvez.Mas devemos dizer também que virtude e dever são duas coisas diferentes (o dever é uma coerção, a virtude uma liberdade), ambas necessárias , claro, solidárias uma da outra, evidentemente, mas antes complementares, até mesmo simétricas, que qualquer virtude: quanto mais somos generosos, por, exemplo, menos a beneficência parece um dever, isto é, como uma coerção.”
Tendo um papel tão relevante na vida dos seres humanos, o afeto não poderia
deixar de ser incluído no rol de valores que compõe o ordenamento jurídico. Daí o
ponto de partida para que fosse concebida a conjugação deste sentimento na forma de
um princípio constitucional.
Esta inferência é desconhecida por muitos pelo fato de, apesar de ter enlaçado o
afeto no âmbito dos valores por ela protegidos, a Constituição não o fez de forma
explícita (não há menção específica à palavra afeto no texto constitucional),
· a Tailândia é o país com maior índice de infidelidade masculina; · as americanas são as mulheres mais fiéis do mundo;
· na Itália, além do divórcio, a mulher obteve ajuda financeira pelo marido ter se recusado por 7 anos a manter relações sexuais com ela. Motivo: tanto tempo sem sexo é causa de frustração com graves conseqüências no plano do equilíbrio psicológico.
33
se inferir que esta idéia encontra-se implícita no reconhecimento das uniões estáveis
como entidades familiares merecedoras de tutela jurídica por parte do legislador.
Tal princípio, embora negado por alguns juristas, propiciou à sociedade grandes
vitórias no que diz respeito à seara jurídica, dentre as quais disposições constitucionais
que aduzem ao reconhecimento das uniões estáveis (anteriormente citado), à
igualdade entre os filhos independentemente de sua origem, a consideração das
famílias monoparentais, à adoção como escolha afetiva, conferindo direitos iguais entre
os filhos naturais e adotados, ao direito à convivência familiar como algo essencial à
vida de toda criança e adolescente.
Em relação ao Código Civil, percebe-se que não há, assim como no texto
constitucional, referência direta a questão afetiva. A única menção existente, refere-se à
questão de necessidade do laço afetivo como elemento indicador para a definição da
guarda do filho no processo de separação dos pais.
Em uma realidade em que o afeto não é fruto da biologia, torna-se extremamente
necessária à elaboração de normas que disponham de forma clara e expressa sobre a
questão afetiva e as suas implicações nas relações intersubjetivas, para que , desta
feita, possamos afirmar que o ordenamento vigente disciplina abrange a vida dos seres
humanos como ela realmente é.
2.4 JURISPRUDENCIA SOBRE O ASSUNTO
Evidenciando o reconhecimento do princípio supracitado pelos juristas pátrios,
citamos o ementário de alguns julgados de nossos tribunais.
“RESP
124621 / SP ; RECURSO ESPECIALDIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DESTITUIÇÃO. PAIS
BIOLÓGICOS CONDENADOS CRIMINALMENTE. CARÊNCIA DE
RECURSOS. IRRELEVÂNCIA. HIPÓTESESESPECÍFICAS. ART.
395
DO
CÓDIGO
CIVIL
C/C
ART.
22
DO
ESTATUTO.INTERESSES
DO
MENOR.
PREVALÊNCIA.
ORIENTAÇÃO DA TURMA. PRCEDENTES.ENUNCIADO N. 7 DA
SÚMULA/STJ. RECURSO DESACOLHIDO.
I - As hipóteses de destituição do pátrio poder estão previstas nos
arts. 395, CC, e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
exaustivas, a não permitirem interpretação extensiva. Em outras
palavras, a destituição desse poder-dever é medida excepcional,
sendo permitida apenas nos casos expressamente previstos em
lei.
II - Nos termos do artigo 23 do referido Estatuto, "a falta ou a
carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para
a perda ou a suspensão do pátrio poder". E a destituição, como
efeito da condenação criminal, nos termos do art. 92-II, Código
Penal, só é automática quando se tratar de crime doloso, sujeito à
pena de reclusão, cometido contra filho.
III - Por outro lado, na linha de precedente desta Corte, "a
legislação que dispõe sobre a proteção à criança e ao adolescente
proclama enfaticamente a especial atenção que se deve dar aos
seus direitos e interesses e à hermenêutica valorativa e
teleológica na sua exegese".
IV -
Assim, "apesar de a condenação criminal, por si só, não
constituir fundamento para a destituição do pátrio poder, nem
a falta de recursos materiais constituir motivo suficiente para
essa conseqüência grave, o certo é que o conjunto dessas
circunstâncias,somadas ao vínculo de
AFETIVIDADE
formado
com a família substituta,impossibilita que se modifique o status
familae, no superior interesse da criança".
V - As instâncias ordinárias, ao concluírem que seria o caso de
destituição do pátrio poder, basearam-se exclusivamente nas
circunstâncias fáticas da causa, razão pela qual o recurso especial
não comporta análise, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ.”
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DE PODER
FAMILIAR. ADOTANTES NÃO HABILITADOS. VIABILIDADE DA ADOÇÃO
NO CASO CONCRETO. AFETIVIDADE. INTERESSE DO MENOR. Mesmo
quando o adotante não integra a lista de habilitados para a adoção (art. 50, do ECA), existe a possibilidade jurídica da ação, especialmente quando o vínculo afetivo já esta consolidado. Nessas situações, excepcionais, deve haver flexibilização das normas legais e autorizada à manutenção da criança onde já
35
70016322646, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 14/09/2006)15”
SECÇÃO ÚNICA
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 020/00
AUTORA: ELIZABETH DA SILVA TEIXEIRA assistida por MARIA RAIMUNDA
COSTA DOS SANTOS
ADVOGADA: LUCI MEIRE SILVA DO NASCIMENTO
RÉ: SEVERA ALDA DOS REIS PEGADO
ADVOGADA: ANA PAULA CARVALHO MARTINS
RELATOR: DES. MELLO CASTRO
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - ADOÇÃO - PRESERVAÇÃO DE VÍNCULO E DO PODER FAMÍLIAR - NULIDADE DE LAUDO PSICO-SOCIAL - SUSPEIÇÃO - NÃO OCORRÊNCIA - CURADORIA DE INCAPAZES - MINISTÉRIO PÚBLICO - NÃO EFETIVADA - NULIDADE RELATIVA - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - PREVALÊNCIA DO INTERESSE DA MENOR ADOTADA - ART. 6º DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. 1) Não há que se falar em nulidade da sentença pela alegação genérica de suspeição das Assistentes Sociais que, através de laudos e estudos psico-sociais, concluíram pela pertinência do processo de adoção, mesmo porque os relatórios e estudos levantados durante a instrução dos autos não constituíram o fundamento exclusivo da decisão.
2) Na colocação de criança ou adolescente em lar substituto há que se considerar, quando possível, o grau de parentesco, a relação de afinidade ou de afetividade a fim de se evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da medida, devendo, contudo, independente da existência de pessoa da família interessada na adoção, prevalecer os interesses peculiares ao menor adotando como pessoa em desenvolvimento na esteira do art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente;
3) A proteção integral nas questões envolvendo crianças e adolescentes há que ser perquirida independentemente de laços familiares;
4) A falta de intervenção do Ministério Público na qualidade de curador de incapazes, tão-somente na peculiaridade destes autos, não acarreta a nulidade processual eis que desempenhado o munus pela Defensoria Pública, notadamente quando por várias vezes o representante do parquet tenha se manifestado nos autos sem alegar qualquer nulidade;
5) Ação rescisória julgada improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, a Secção Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá proferiu a seguinte decisão: “Ação Rescisória julgada improcedente, à unanimidade e nos termos dos votos proferidos”.
(...)
SECÇÃO ÚNICA
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 020/00
AUTORA: ELIZABETH DA SILVA TEIXEIRA assistida por MARIA RAIMUNDA
COSTA DOS SANTOS
ADVOGADA: LUCI MEIRE SILVA DO NASCIMENTO
RÉ: SEVERA ALDA DOS REIS PEGADO
ADVOGADA: ANA PAULA CARVALHO MARTINS
RELATOR: DES. MELLO CASTRO
Trata-se de Ação Rescisória ajuizada por ELIZABETH DA SILVA TEIXEIRA, neste ato assistida por MARIA RAIMUNDA COSTA DOS SANTOS, com fundamento nos artigos 485, III, V, VI, IX, e 487, III, ambos do Código de Processo Civil, objetivando desconstituir sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Macapá que, julgando procedente o pedido constante nos autos do Processo n. º 3779/98 - Ação de Adoção - deferiu a adoção da criança LAYDI LAURA ROBERTA DA SILVA TEIXEIRA, filha biológica da autora e de pai desconhecido à ré SEVERA ALDA DOS REIS PEGADO e decretou a perda do poder familiar da demandante que ficou destituída de qualquer vínculo com sua filha biológica,
ressalvados os impedimentos legais.
Sustenta, em síntese, que a autora é mãe de 06 (seis) filhos menores e que após separar-se do marido deixou as filhas LIZANDRA, LEANDRA e LAYDI LAURA no abrigo CIÃ KATUÁ, com a intenção de empregar-se para, futuramente, quando sua situação financeira estivesse razoavelmente estável,
recuperá-las e sustentá-las.
Aduz que visitava constantemente suas filhas e que, para sua surpresa, foi informada em uma dessas visitas pela coordenadora do abrigo que a menor LAYDI LAURA havia desaparecido misteriosamente, sem qualquer explicação, quando então, desesperada, passou a procurar por sua filha sendo, entretanto, frustradas todas as tentativas realizadas em virtude do descaso da coordenadora do abrigo para com a situação que, inclusive, empreendeu-lhe ameaças no sentido de que despojaria a autora de suas outras filhas (sic). Sustenta que à época dos fatos estava grávida e que por conta desses transtornos contraiu problemas neurológicos durante o parto diagnosticado
como “esquizofrenia simples”.
Assevera que depois de muito insistir, a primeira autora veio a descobrir que, em verdade, a menor LAYDI LAURA estava sendo submetida a um processo de Adoção, proteção específica e destituição do pátrio poder, movida por SEVERA ALDA DOS REIS PEGADO, Assistente social da Vara da Infância e Juventude de Macapá, que inclusive, indagou a autora se tinha coragem de
vender suas outras filhas (sic).
Prosseguiu argumentando que com o auxílio de familiares empreendeu verdadeira peregrinação Judicial a fim de impedir a adoção de LAYDI LAURA, contudo, o Juízo da Vara da Infância e Juventude de Macapá, “influenciado pela Srª. SEVERA,” deferiu o pedido de adoção sem qualquer manifestação
dos familiares da menor adotanda (sic).
Destacam, por outro lado, que a sentença rescindenda proferida nos autos de ADOÇÃO nº 3779/98 foi prolatada em 08/10/98, mas transitou em julgado apenas no dia 11/11/98 possuindo diversos vícios, dentre os quais relacionam: o equívoco do MM. Juiz sentenciante ao destituir a autora do “pátrio poder”, eis que a ação era apenas de adoção e não c/c destituição do pátrio poder; que a decisão não resguardou o necessário vínculo familiar em favor da menor, já que havia parentes interessados; que a curadoria de incapazes não foi realizada pelo Ministério Público, mas pela Defensoria Pública; que não fora observado o procedimento do contraditório e da ampla defesa, desprezando-se
os arts. 155 a 163 e 169, todos da Lei 8.069/90.
37
Vara da Infância e Juventude onde a adotante, também assistente social,
prestava seus serviços.
Afirma que as irregularidades foram denunciadas ao Ministério Público que, por sua vez, emitiu relatório subscrito pelo ilustre Promotor de Justiça MAURO GUILHERME DA SILVA COUTO, f. 30/39, confirmando as irregularidades destacadas, transcrevendo-as ipsis litteris às f. 16/25 da petição inicial. Ao final, asseverando que as provas dos autos foram tendenciosas para favorecer a autora da Ação de Adoção – Sra. SEVERA ALDA REIS PEGADO – concluiu por requerer com base nos arts. 485, III, V, VI, IX e art. 487, III, todos do Código de Processo Civil, a rescisão da sentença fustigada, desconstituindo-se os direitos e obrigações dela decorrentes; a produção de provas por todos os meios legais admitidos, além da condenação da parte ré ao pagamento das custas e honorários advocatícios em valor arbitrado por
este Tribunal.
Com a inicial vieram os documentos de f. 28/284, dentre os quais, destaco o instrumento público de procuração, cópias de autos de proteção específica e
estudos sociais.
Citada, a ré apresentou contestação, f. 296/299, enfatizando que a ação revela-se improcedente ao argumento de que o relato social do Conselho Tutelar de Macapá, f. 40/41 do processo 3779/98, mostra a situação de risco em que se encontravam os filhos menores da demandante, sendo que a criança LAYDI LAURA, já havia, por várias vezes, fugido de sua casa e, assim como suas irmãs, abrigada pela mesma Casa Lar CIÃ KATUÁ sob a
responsabilidade do Conselho Tutelar.
Sustenta também, que da mesma forma o Laudo Psicossocial da Fundação da Criança e do Adolescente – FCRIA revela os maus-tratos suportados pela criança objeto da ação e seus irmãos, consoante laudo de f. 45 dos autos 3.779/98, bem como que nenhuma ofensa houve aos princípios do contraditório e da ampla defesa, eis que as citações e intimações se encontram no bojo do processo, concluindo por requerer a improcedência da ação rescisória.
Não havendo necessidade de produção de provas em audiência diante da suficiência das que guarneceram petição inicial, determinei que fossem apensados os autos da Ação de Adoção de nº 3779/98, abrindo vistas aos interessados para que no prazo de dez dias apresentassem alegações finais, remetendo os autos posteriormente à douta Procuradoria de Justiça. Alegações finais das autoras e da ré apresentadas, respectivamente, às f.
313/320 e 322/326.
A Procuradoria de Justiça em parecer da lavra do ilustre Procurador JOEL SOUSA DAS CHAGAS, f. 329/335, ratificando os fundamentos do já mencionado relatório apresentado pelo d. Promotor MAURO GUILHERME DA SILVA COUTO, opinou pela procedência da ação rescisória em todos os seus termos.
Esse o relatório.
ADMISSIBILIDADE
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR MELLO CASTRO (Relator) - Presentes os pressupostos de admissibilidade, notadamente o prazo decadência de 02 (dois) anos para a propositura da ação, conheço da Ação Rescisória.
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR MÁRIO GUR-TYEV (Revisor) -
Também conheço.
Também conheço.
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS (2º Vogal) - Também conheço.
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR CARMO ANTÔNIO (3º Vogal) -
Também conheço.
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR RAIMUNDO VALES (4º Vogal) - Conheço.
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR AGOSTINO SILVÉRIO (5º Vogal) - Conheço.
MÉRITO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR MELLO CASTRO (Relator) - Pretende a autora a rescisão da sentença de f. 118/122, que concedeu a adoção da criança LAYDI LAURA ROBERTA DA SILVA TEIXEIRA à Srª. SEVERA ALDA DOS REIS PEGADO ao argumento de que a decisão de primeiro grau encontra-se viciada por destituir a autora do “pátrio poder”, sem pedido expresso de qualquer das partes neste sentido e, ainda, porque a sentença não resguardou o necessário vínculo familiar em favor da menor, já
que havia parentes interessados na adoção.
Justifica, também, a nulidade da decisão no fato de que a Curadoria de Incapazes não foi realizada pelo Ministério Público, mas pela Defensoria Pública e porque, segundo a autora, não fora observado o procedimento do contraditório e da ampla defesa estabelecido pelos arts. 155 a 163 e 169, todos
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Destarte, os autos trazem questões extremamente delicadas não só do ponto de vista jurídico, como também do social que devem, portanto, ser analisadas não apenas nos moldes da legislação pertinente, mas, sobretudo a luz do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que preceitua: “Na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum”.
Inobstante os fundamentos legais suscitados na petição inicial, entendo que nenhuma censura merece a decisão rescindenda eis que o M.M. Juízo a quo, diante das peculiaridades da hipótese sub examine, bem analisou a dinâmica processual dos autos de adoção da menor LAYDI LAURA em favor da ré
SEVERA ALDA DOS REIS PEGADO.
A autora fundamenta seu pedido nos incisos III, V, VI e IX do art. 485 do
Código de Processo Civil que afirmam, respectivamente:
“A sentença de mérito, transitada em julgado pode ser rescindida quando: III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; (...) V – Violar literal dispositivo de Lei; VI – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória; (...) IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa”. Com efeito, no que concerne aos incisos III, VI e IX, tenho por impertinente a pretensão material da autora, eis que, não obstante a ré venha exercendo sua função de Assistente Social junto a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Macapá, não vislumbro nas provas carreadas aos autos qualquer atitude da mesma no sentido de impedir ou dificultar dolosamente a atuação da parte adversa ou, ainda, de influenciar dissimuladamente na convicção do
magistrado a quo ao decidir a questão.