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Entrelaçando os fios da educação ambiental, saúde mental e trabalho em educação pelas redes de conversações

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Academic year: 2021

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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE HUMANIDADES MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HUMANIDADES

MARCELA FRAGA GONÇALVES CAMPOS

ENTRELAÇANDO OS FIOS EDUCAÇÃO AMBIENTAL, SAÚDE MENTAL E TRABALHO EM EDUCAÇÃO PELAS REDES DE CONVERSAÇÕES

Vitória 2019

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MARCELA FRAGA GONÇALVES CAMPOS

ENTRELAÇANDO OS FIOS EDUCAÇÃO AMBIENTAL, SAÚDE MENTAL E TRABALHO EM EDUCAÇÃO PELAS REDES DE CONVERSAÇÕES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades do Instituto Federal do Espírito Santo, modalidade Mestrado Profissional, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de Humanidades.

Orientadora: Profª. Drª. Kátia Gonçalves Castor

Vitória 2019

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo)

C198e Campos, Marcela Fraga Gonçalves.

Entrelaçando os fios da educação ambiental, saúde mental e trabalho em educação pelas redes de conversações / Marcela Fraga Gonçalves Campos. – 2019.

154 f. : il. ; 30 cm.

Orientadora: Kátia Gonçalves Castor.

Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Ensino de Humanidades, Vitória, 2019. 1. Educação ambiental. 2. Meio ambiente – Saúde mental. 3. Saúde mental – Estudo e ensino. 4. Educação permanente. 5. Educação não-formal. 6. Professores -- Formação. I. Gonçalves, Kátia Castor. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título.

CDD 21 – 574.507 Elaborada por Marcileia Seibert de Barcellos – CRB-6/ES - 656

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Aos meus filhos Maria Luiza e Arthur e esposo Filipe, por estarem comigo nessa caminhada da vida, me amando e me fortalecendo a cada dia.

Aos meus queridos pais, Maria José e Luis Carlos, pelo apoio para mais esta conquista.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu irmão Luciano e aos meus familiares, por compreenderem minhas ausências e torcerem pelo meu sucesso.

À querida Tia Miriam, pelo cuidado e carinho com meus pequenos. Sua contribuição foi essencial para que eu pudesse me dedicar aos estudos.

Aos meus avós Genacy (Mãezinha) e Paulo (Paizinho) e ao primo Sandro e demais familiares que não estão mais neste mundo, mas que com suas histórias de vida permanecem no mundo das minhas memórias e em meu coração.

Aos profissionais da educação do município de Serra-ES, por aceitarem esse desafio do pesquisar coletivo, compondo os bons encontros. A vocês, toda minha gratidão e respeito.

Aos profissionais convidados que gentilmente atuaram como formadores, por aceitarem compartilhar seus conhecimentos e experiências, tornando os encontros de formação mais potentes e enriquecedores.

À Secretaria Municipal de Educação de Serra, pela parceria no desenvolvimento da proposta formativa.

À diretora Mara Hombre da Escola Estadual Clotilde Rato, pela acolhida e cessão de espaço para os encontros finais da formação.

À querida professora e orientadora, Kátia Gonçalves Castor, sou agradecida pela sua paciência, amorosidade e acolhida nos momentos difíceis! Obrigada por compartilhar comigo a sua sabedoria, por me “tirar dos trilhos” e me ajudar a ver o mundo de outro modo, com mais poesia e vida.

Ao professor Jair Ronchi Filho, pela acolhida, generosidade e escuta atenta no momento inicial da pesquisa. Nossas conversações, mesmo que breves, e suas sugestões de leitura foram essenciais para compor esta escrita. Obrigada pelas potentes contribuições ao compor as bancas de qualificação e de defesa.

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À professora Martha Tristão, pelas valiosas contribuições no exame de qualificação.

À professora Mariluza Sartori Deorce, por ter aceitado compor as bancas de qualificação e de defesa trazendo importantes contribuições, atenta aos detalhes.

À professora Marcia Moreira de Araújo, pela gentileza de ter aceitado compor a banca de defesa.

Aos amigos e amigas, por me incentivarem, oferecem apoio e acolhida nos momentos difíceis, em especial, Andrea Batista, Cynthia Segundo, Gracilene Torres, Juliana Kerkhoff e Mariana Lima.

À terceira turma do Mestrado de Ensino em Humanidades. Maravilhosos foram os nossos encontros, regados a muito café e lanche compartilhado, potência de sabores e afetos. Gratidão pelas composições, trocas e cumplicidade. Em especial à Sabrina Stein, a quem sou imensamente grata pela parceria, amizade, ensinamentos, incentivo e cuidado; à Lysia Almeida e Ariane Guimarães, pelas potentes trocas; à Juliana Rohsner, pela articulação do espaço para finalização do curso; e ao Jalber Camilo pela leitura atenta e minuciosa deste trabalho.

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Por isto é que agora vou assim... no meu caminho.

Publicamente andando.

Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo...

é o jeito de caminhar.

Aprendi (o que o caminho me ensinou) a caminhar cantando...

como convém a mim e aos que vão comigo,

pois já não vou mais sozinho. Thiago de Mello

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RESUMO

O trabalho aqui apresentado se insere na linha de pesquisa de “Formação de Professores” do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades do Instituto Federal do Espírito Santo - Ifes, campus Vitória. Problematiza processos de trabalho por meio de uma formação destinada a profissionais da educação do município de Serra/ES, visando à criação de táticas para produção de saúde, a partir do diálogo entre Educação Ambiental, Saúde Mental e Trabalho em educação. Assim, num movimento de aproximação com a metodologia da Cartografia, proposta por Deleuze e Guattari (2001), aposta na investigação enquanto acompanhamento de um processo formativo que teve como base as Redes de Conversações, segundo Carvalho (2009, 2017). A produção de dados é realizada a partir de uma postura teórico-metodológica problematizadora em busca de movimentos tecidos em Redes de Conversações, na intenção de capturar narrativas, enunciados, inventividades e imprevisibilidades, tensionando as questões macro e micropolíticas nos espaçostempos acerca da relação trabalho-saúde-ambiente. Traz como intercessores teóricos Félix Guattari, Gilles Deleuze, Suely Rolnik, Georges Canguilhem, Sandra Caponi, Denise Najmanovich, MarthaTristão, Janete Carvalho, entre outros. Tece problematizações com foco em questões como: dualismos constituídos na modernidade; educação ambiental complexa; concepção de saúde; medicalização da vida; trabalho em educação; coletividade; concepção de formação, na tentativa de evidenciar a criação de possibilidades de produção de saúde e de outros modos de vida com profissionais da educação. Por se tratar de mestrado profissional, além da realização da formação, resulta deste processo investigativo um produto educativo em formato de E-book que se constitui um material textual que visa inspirar práticas formativas destinadas aos profissionais da educação para que, por meio da ressignificação de seu conteúdo, possa disparar movimentos de discussão, problematização e produção de conhecimento acerca da relação trabalho-saúde-ambiente.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Saúde Mental. Trabalho em Educação. Formação Continuada. Medicalização da Vida.

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ABSTRACT

The work presented here is part of the research line of “Teacher Training” of the Graduate Program in Humanities Teaching of the Federal Institute of Espírito Santo - IFES, Vitória campus. It problematizes working processes through training for education professionals from the municipality of Serra/ES aiming at the creation of tactics for health production based on the dialogue between Environmental Education, Mental Health and Education Work. Thus, in an approaching movement with the Cartography methodology proposed by Deleuze and Guattari (2001), it invests in research as a follow-up to a formative process based on the theoretical-methodological support of Conversation Networks, according to Carvalho (2009, 2017). The production of data is performed from a problematic theoretical-methodological posture in search of movements woven into Conversation Networks, with the intention of capturing narratives, utterances, inventiveness and unpredictability, stressing the macro and micropolitical issues in the space between the work-time relationship. health-environment. It brings as theoretical intercessors Felix Guattari, Gilles Deleuze, Suely Rolnik, Georges Canguilhem, Denise Najmanovich, MarthaTristão, Janete Carvalho, among others. Weaves problematizations focusing on issues such as: dualisms constituted in modernity, complex environmental education, health conception, medicalization of life, work in education, collectivity, conception of formation, in an attempt to highlight the creation of possibilities for the production of health and others. lifestyles with education professionals. Because it is a professional master's degree, besides the completion of training, this research process results in an educational product as an E-book that is a textual material that intends to inspire formative practices aimed at education professionals so that, through the resignification of its content, can trigger discussion, problematization and production of knowledge about the work-health-environment relationship.

Keywords: Environmental Education. Mental health. Education work. Continuing Education. Medicalization of Life.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Espaço do Centro de Formação “Prof. Pedro Valadão Perez”...48

Figura 2 - Espaço do Projeto Revis da Mata Paludosa...48

Figura 3 - Espaço da Escola Estadual “Clotilde Rato”...49

Figura 4 - Conversações do 5º Encontro...105

Figura 5 - Exercício de olhar para si...112

Figura 6 - Produções da experimentação escrita...113

Figura 7 - Roda da Dança Circular...120

Figura 8 - Experimentação “Dança Circular”...122

Figura 9 - Experimentação “Pintura com Terra”...124

Figura 10 - Experimentação “Música”...124

Figura 11 - Experimentação “Argila”...125

Figura 12 - Habitando os espaços educativos de outros modos...125

Figura 13 - Compartilhamento de experimentações realizadas nas escolas...128

Figura 14 - Registro da experimentação do Projeto A...129

Figura 15 - Registro da experimentação do Projeto B...130

Figura 16 - Registro da experimentação do Projeto C...130

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Descritores e resultados das buscas no repositório da CAPES...28

Quadro 2 - Seleção de trabalhos para diálogo com nossa pesquisa...29

Quadro 3 - Quantitativo de profissionais participantes do curso de formação por cargo e nível de ensino ... 46 Quadro 4 - Organização dos encontros e temáticas da formação...53

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LISTA DE SIGLAS

ANPEd - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação BNCC - Base Nacional Curricular Comum

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPS - Centro de Apoio Psicossocial

CID - Classificação Internacional de Doenças

CIEAs - Comissões Interinstitucional de Educação Ambiental das unidades federativas do Brasil

CMEI - Centro Municipal de Educação Infantil

CONCOSATES - Conselho das Comissões de Saúde do Trabalhador da Educação COSATE - Comissão de Saúde do Trabalhador da Educação

CRAS - Centro de Referência de Assistência Social

DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas EJA - Educação de Jovens e Adultos

EMEF - Escola Municipal de Ensino Fundamental EUA - Estados Unidos da América.

IFES - Instituto Federal do Espírito Santo

IFSul - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. INEP - Instituto Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MEC - Ministério da Educação

MMA - Ministério do Meio Ambiente

NEPESP - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Subjetividade e Políticas do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMS - Organização Mundial da Saúde

ONU - Organização das Nações Unidas PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PFIST - Programa de Formação e Investigação em Saúde e Trabalho PMEAS - Política Municipal de Educação Ambiental da Serra

PNEA - Política Nacional de Educação Ambiental

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REBEA - Rede Brasileira de Educação Ambiental SUS - Sistema Único de Saúde

TBS - Teoria Bioestatística da Saúde

TDAH - Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade TOD - Transtorno Opositivo-Desafiador

UFES - Universidade Federal do Espírito Santo UFF - Universidade Federal Fluminense

UFSCar - Universidade Federal de São Carlos UnB - Universidade de Brasília

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SUMÁRIO

1 DOS LUGARES DE ONDE ESTOU PARTINDO ... 16

2 DIÁLOGOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA NOSSO CAMINHAR

INVESTIGATIVO ... 25

3 LINHAS RIZOMÁTICAS DE EXPERIMENTAÇÃO E

ACOMPANHAMENTO DE PROCESSOS ... 36 3.1 O CENÁRIO E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA ... 43

3.2 A PROPOSTA FORMATIVA: PELAS LINHAS DE COMPOSIÇÕES E

CONVERSAÇÕES ... 47

4 OS FIOS QUE COMPUSERAM A TECITURA DA TRAMA

INVESTIGATIVA ... 54 4.1 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA LINHA DA COMPLEXIDADE ... 55 4.2 A SAÚDE MENTAL: UMA CONCEPÇÃO “NORMAL” ... 66 4.2.1 A saúde como potência de vida: uma alternativa à medicalização .... 76

4.3 O TRABALHO EM EDUCAÇÃO E O PODER DE AGIR DO

TRABALHADOR ... 85

5 A RELAÇÃO AMBIENTE-SAÚDE-TRABALHO PELAS LINHAS DA

ECOSOFIA PARA REAPROPRIAÇÃO DA VIDA ... 91

6 TECENDO ALGUNS POSSÍVEIS PELAS LINHAS DA COLETIVIDADE,

POÉTICA E EXPERIMENTAÇÃO ... 100 6.1 PELAS VIAS DA POTÊNCIA DO COLETIVO ... 102

6.2 PODER DE AGIR FRENTE À PATOLOGIZAÇÃO DO SOFRIMENTO E À

MEDICALIZAÇÃO DA VIDA ... 109

6.3 POÉTICAS QUE CIRCULAM, MOVEM, DESLOCAM E ENVOLVEM.... 116

6.4 AS POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO NOS ESPAÇOS

EDUCATIVOS ...125

6.5 O PRODUTO EDUCATIVO COMO POSSIBILIDADE DE OUTRAS

TRAMAS FORMATIVAS ... 128 7 CONCLUÍDA A TRAMA, MAS SEM UM PONTO FINAL ... 134 REFERÊNCIAS ... 140

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APÊNDICE A - CARTA DE APRESENTAÇÃO ... 149 APÊNDICE B - TERMO DE INTENÇÕES – PARCEIROS EXTERNOS. 151

APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE ... 152 APÊNDICE D - TERMO DE CESSÃO DE IMAGEM E VOZ PARA FINS EDUCACIONAIS ... 154

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1 DOS LUGARES DE ONDE ESTOU PARTINDO

Esquadros1 Eu ando pelo mundo Prestando atenção em cores Que eu não sei o nome Cores de Almodóvar Cores de Frida Kahlo. Cores![...] Pela janela do quarto Pela janela do carro Pela tela, pela janela Quem é ela? Quem é ela? Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle Eu ando pelo mundo E os automóveis correm para quê? As crianças correm, para onde? Transito entre dois lados De um lado Eu gosto de opostos Exponho o meu modo, me mostro Eu canto para quem? Pela janela do quarto Pela janela do carro Pela tela, pela janela Quem é ela? Quem é ela? Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle [...]

Letra e melodia da música Esquadros foram instrumentos que me auxiliaram a pensar minhas inquietações, necessidades e anseios neste processo de escrita. Permitiram-me também relembrar e refletir sobre questões que se apresentaram (e ainda se apresentam) ao longo da minha trajetória pessoal e profissional.

Lembranças, cheiros, imagens, num verdadeiro processo de sentirpensar2 vão trazendo à memória alguns aspectos significativos da minha caminhada. Um pouco de medo está presente, confesso, porque a escrita é produção de existência e,

1 Música Esquadros: composição e interpretação de Adriana Calcanhoto.

2 Tomo emprestada, ou melhor, roubo como nos “permitem” Gilles Deleuze e Claire Parnet (1998),

a proposição de junção de termos da autora Nilda Alves (2010) enquanto possibilidade de criação de um novo termo de modo a pluralizá-lo para além da representação dicotômica imposta pela ciência moderna. Assim, fazermos a junção dos termos tornando-os um só, mas de maneira que um esteja imbricado ao outro ampliando o sentido do que se busca expressar.

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como indica a letra da música, uma maneira de expor os meus modos, me mostrar. No entanto, maior é o sentimento de gratidão por chegar até aqui e por ter tido a oportunidade de cursar o mestrado.

Pode parecer algo banal, mas não para mim, que fui a primeira em minha família a conseguir acessar e concluir o ensino superior, tendo a avó materna que sequer pôde alfabetizar-se no mundo das palavras, mas que, em contrapartida, realizava magistralmente a leitura de mundo, sendo possuidora de grande sabedoria que muito me ensinou.

Assim, valorizo a minha formação e o meu papel enquanto profissional da educação, principalmente mediante às várias mudanças e desmontes3 realizados pelo atual governo federal, no campo da educação. Como exemplo, temos o corte de verbas4 que atinge de modo profundo a educação básica, universidades públicas e institutos federais, além da produção de discursos que desqualificam a atuação dos professores e estudantes, mostrando um cenário de desprezo pela educação pública.

Pensar sobre isso me faz relembrar um pouco de meu percurso acadêmico. Nos anos 2000 ingressei no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), espaço educativo ao qual sou imensamente grata pelo acesso e produção de conhecimento em conexão com os mais variados elementos como a arte (Coral da Ufes e Cinema Metrópolis), os livros (Biblioteca Central), a troca de

3 É notório o retrocesso que vivenciamos neste ano de 2019, primeiro ano do governo do presidente

Jair Messias Bolsonaro. Várias mudanças e desmontes afetaram não só a educação, mas também vários outros campos da esfera pública como a saúde, o meio ambiente e o trabalho, âmbitos de interesse de nossa pesquisa. A cada dia surgem novas situações envolvendo desastres ambientais (como o derramamento de óleo no litoral nordestino que já alcançou o estado do Espírito Santo), defesa do agronegócio, desmatamento acompanhando de represálias aos povos indígenas; e igualmente no campo da saúde, o incentivo ao retorno à lógica manicomial pela Nota Técnica Nº 11/2019, que garante a ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, bem como intensificação de discursos que mostram uma clara perspectiva do sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

4 Uma das primeiras ações do governo em relação à educação foi a retenção de 30% das verbas

destinadas a três grandes universidades públicas: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal da Bahia (UFBA), as quais o ministro da educação Abraham Weintraub se referiu como espaços produtores de “balburdia” e não de conhecimento. A retenção, que inicialmente acometeu as três referidas universidades, posteriormente se estendeu a todas universidades e institutos federais, tendo como justificativa o contingenciamento de recursos determinado pelo Decreto nº 9.741/2019.

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saberes com colegas e professores. Mesmo diante das dificuldades para me manter no curso, expressas no cansaço provocado pelo deslocamento diário do município de Cariacica, onde morava, e pela jornada de estudo e estágio concomitantes, acredito ter sido de suma importância a experiência por que passei no ensino superior, para a minha formação profissional e humana.

Desde o início da minha vida acadêmica realizei estágios que contribuíram para minha aprendizagem (pessoal e profissional) e que se constituíam em uma forma de remuneração e apoio financeiro, para o prosseguimento dos meus estudos. As experiências desses estágios se deram no campo da educação formal, estando relacionada à Educação Infantil; mas, na maior parte do tempo, também estiveram voltadas à educação não formal, em organizações não governamentais das quais pude participar, por meio de ações educativas destinadas a crianças e adolescentes em vulnerabilidade socioeconômica.

Essas vivências duraram até o ano de 2004, quando me formei. Dei continuidade ao trabalho na educação não formal exercendo a função de pedagoga e, somente no ano de 2010, pude vivenciar a primeira experiência profissional em um ambiente escolar. Havia sido chamada a assumir o cargo de pedagogo, em decorrência de aprovação em concurso público realizado pela rede municipal de ensino da Serra, e passei a atuar em uma escola de Ensino Fundamental, acompanhando docentes e discentes.

Confesso que foi árduo adaptar-me a esse novo trabalho que me parecia muito engessado, em comparação ao eu já havia experimentado. Sim, essa era minha visão. A experiência na educação não formal, mesmo com normas e regras, permitia um agir mais inventivo e criativo. No segundo ano de trabalho no ensino formal, a rotina, o cotidiano, a exigência de cumprimento do currículo prescritivo, demandas administrativas e burocráticas, relações conflituosas, outros saberes e outros fazeres com os quais ainda não tinha tido a oportunidade de vivenciar, foram me conduzindo inicialmente para um movimento de resistência, até sucumbir ao adoecimento. Foram momentos de ansiedade e estresse vivenciados um ambiente que na época me parecia o mais inóspito possível.

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Num primeiro movimento, para enfrentar a situação e entender o que se passava, recorri à psiquiatria. A dor emocional era grande. Ao chegar ao consultório, fui acolhida pela médica que, com base na escuta de meus relatos, identificou alguns sintomas e me prescreveu uma lista de medicamentos (eram muitos e de “tarja preta”!). Eu não estava preparada para aquilo. Não se tratava só de remediar. Adotar essa solução estanque não iria mudar a situação. Então, solicitei remanejamento para outra escola onde estabeleci outras relações de trabalho e fui me permitindo conhecer, compreender e produzir educação de outro modo, para mim mais significativo e que me proporcionava mais satisfação.

Acredito que a vida seja assim, por mais difícil que possa parecer de início, vamos criando táticas e buscando outros modos de viver, aprender, experimentar e realizar-se pessoal e profissionalmente. Após experiências exercendo a função de pedagoga em unidades de ensino no município de Serra, fui convidada a integrar a equipe da Secretaria de Educação do município, onde permaneci até solicitar licença para me dedicar aos estudos do mestrado.

E aqui estou eu, no papel de mestranda, exercido em conjunto, de maneira nem tão harmônica, aos papéis de mãe, esposa, profissional, filha e mulher, num contexto sócio-histórico-político que, segundo Suely Rolnik (2018), se estrutura com base na aliança entre o neoliberalismo financeiro e as forças reativas conservadoras que juntos, propagam o modelo de identificação subjetiva que a autora denomina como inconsciente colonial-capitalístico. Assim, vivendo neste contexto atravessado por interesses neoliberais e conservadores de introjeção de discursos insanos, em que se privilegiam ideais de uma sociedade machista, meritocrática e colonial, na perspectiva de desfazimento de conquistas e extinção de direitos adquiridos, tenho a oportunidade de desenvolver uma pesquisa.

Qual contribuição posso dar para provocar mudanças neste paradigma? Como me movimentar, agir e escapar da posição do “vejo tudo enquadrado” e comandado por um “remoto controle”, como nos fala a música apresentada no início desta escrita? Que temática abordar, de modo que seja significativa para meus pares e que contribua para o exercício do trabalho em educação? Em que essa pesquisa poderá contribuir para o ensino de humanidades? Era necessário definir o objeto de estudo.

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Inicialmente a busca pela temática de pesquisa parte das experiências vivenciadas na Secretaria de Educação do Município de Serra/ES, no período de 2013 a 2017, como o acompanhamento das ações de Gestão Municipal de Resíduos Sólidos, e da participação no processo de elaboração da Minuta da Política Municipal de Educação Ambiental da Serra (PMEAS), atual Lei nº 4.461/2016. Contudo, incertezas ainda me impediam de definir o objeto de pesquisa.

“O que te afeta?” – foi a indagação feita pela orientadora Kátia, em um dos encontros iniciais de orientação. Sensações de congelamento, respiração igualmente suspensa, pensamentos e lembranças ecoando pela cabeça. Muitas coisas nos afetam em grau maior ou menor, perpassam nosso querer, subjetividade e existência. Debruçar-nos a realizar essa tarefa não presume facilidade ou rapidez. Mergulhar dentro de si, sem deixar de pensar no todo que nos envolve era difícil, porém primordial para alcançar a resposta para essa provocação.

Veio-me à cabeça uma experiência vivenciada enquanto assessora pedagógica no Centro de Formação de Professores5, quando acompanhei o desenvolvimento do

Ciclo de Debates6. Essa ação formativa, no ano de 2017, enfocou a temática “Saúde

mental da criança e do adolescente”, e contou com a parceria de psicólogos do Centro de Apoio Psicossocial (Caps) e do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do município, para mediar as discussões entorno das seguintes questões: saúde mental na infância e na adolescência; automutilação; luto, trauma e resiliência; histórico de violência e saúde mental, prevenção ao suicídio e avaliação dos fatores de risco.

Os participantes (professores, pedagogos e diretores) ao avaliarem o desenvolvimento do referido Ciclo de Debates, no final daquele ano, afirmaram ter sido de grande importância discutir a temática, devido aos vários casos envolvendo crianças e adolescentes que ocorreram nas escolas, e solicitaram a continuidade

5Em 2007 foi criado, no município de Serra, o Centro de Formação “Professor Pedro Valadão Perez”,

para a oferta de cursos e de formações continuadas destinadas aos profissionais da educação da rede municipal.

6Ciclo de Debates se constitui uma proposta formativa iniciada no ano de 2016, com o objetivo de

proporcionar discussões a partir das variadas temáticas pertinentes à educação na atualidade, ampliando os espaçostempos de formação, conhecimento e aprendizagens docentes para a potencialização das ações no cotidiano escolar.

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das discussões sobre Saúde Mental; contudo, com enfoque nas questões relacionadas aos trabalhadores da educação.

Então me lancei ao desafio! Tecer um entrelaçamento entre Educação Ambiental e Saúde Mental. Devaneio meu? Talvez. Mas o desejo, a curiosidade e a vontade em enveredar-me por esse caminho foi mais forte. Essa foi a minha aposta, embora nem sempre bem acolhida ou entendida pelas pessoas. “Mas são duas temáticas diferentes”, “Eu nunca havia pensado em entrecruzar essas temáticas”, me afirmavam alguns. “Tem certeza de que você quer isso?” outros me questionavam. Por vezes essas falas me desmotivavam, contudo, foram elas que me fizeram pensar o quanto era necessário persistir.

Essas falas dispararam em mim inquietações e me ajudaram a perceber o quanto estamos encarnados de uma racionalidade cartesiana, dicotômica, impregnada de um discurso efetivado na Modernidade que “não se trata meramente de uma ‘forma de falar’, e sim de um jeito de pensar, de conhecer, de sentir e de perceber o mundo” (NAJMANOVICH, 2001, p. 7).

Não serei imprudente em afirmar que é possível se desvencilhar completamente do discurso moderno, dado que a mentalidade moderna não surgiu do dia para a noite, tampouco se trata de um sistema homogêneo. Somos inundados pelos ideários modernos. Mas esse movimento do pesquisar suscitou em mim a vontade de buscar outros caminhos, outros olhares. Com Denise Najmanovich (2001, p.8) entendo a importância e a necessidade em assumir o meu lugar de enunciação, que se trata de uma afirmação ética, estética e política:

[...] ética, porque indica a decisão do falante de fazer-se responsável por seu discurso; estética, já que reconhece a importância do conteúdo, da forma e dos vínculos específicos que esta cria; e política, porque pretende um lugar no emaranhado de relações contemporâneas.

Essa enunciação se afirma na busca pela desconstrução de pensamentos dicotômicos da qual se vale a modernidade, como corpo-mente, certo-errado, normal-anormal, humano-natureza, para o desmonte dessa lógica binária que, segundo Gilles Deleuze e Félix Guattari (2011), domina a psicanálise, a linguística, a informática, bem como a nossa forma de ser, sentir e estar no mundo.

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Os questionamentos se intensificam e na cabeça fervilham vários pensamentos.

Quais possibilidades temos de criar outros modos de enfrentar o adoecimento mental? Podemos produzir saúde no trabalho em educação, a partir do diálogo entre Educação Ambiental e Saúde Mental? O que é saúde?

Assim, a proposta da pesquisa se delineia e assume como objetivo problematizar processos de trabalho, num movimento dialógico entre Educação Ambiental, Saúde Mental e Trabalho em Educação, visando à criação de táticas7 para produção de saúde com trabalhadores da educação do município de Serra/ES.

Portanto, a pesquisa consistiu em acompanhar e vivenciar um processo formativo desenvolvido na perspectiva das Redes de Conversações; e, coletivamente, problematizar os modos de vida que têm produzido adoecimento de profissionais da educação, considerando a relação ambiente-saúde-trabalho, bem como buscou pensar e capturar possibilidades e táticas para produção de saúde no trabalho em educação, evidenciadas em narrativas, enunciados, inventividades e imprevisibilidades. A pesquisa também teve como propósito construir um material textual, em formato de e-book, a partir das temáticas e experimentações vivenciadas no processo formativo.

Tendo em vista os objetivos acima explicitados, me lancei à busca de referenciais teóricos que pudessem ajudar-me a pensar a pesquisa e, parafraseando Adriana Calcanhoto (1992), permitir-me andar “pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome”. Cores novas foram se apresentando e colorindo esta caminhada, como também desejos, intensidades, dúvidas, disparados por autores como Félix Guattari, Gilles Deleuze, Suely Rolnik, Denise Najmanovich, Jorge Larrosa, Sandra Caponi, Georges Canguilhem, Yves Clot, Martha Tristão, Kátia Castor, Janete Carvalho, Jair Ronchi-Filho, entre outros.

Os autores aqui assumem o papel de intercessores. Segundo Deleuze (2013), os

7 Optamos por usar o conceito de tática por entendermos, com Carvalho (2009), que está relacionado

ao reconhecimento da criatividade cotidiana. A autora considera as táticas como “campos de possibilidade de professores e alunos transcenderem a trajetória, transcenderem o lugar próprio da autoria individualizada rumo a um projeto estratégico/tático de criação coletiva, contextualizada e problematizada [...]” (CARVALHO, 2009, 169).

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intercessores podem ser pessoas, coisas, plantas, animais, em suma, elementos fundamentais para o processo de criação de uma obra. Considero os autores como intercessores, por terem me capturado com seus pensamentos e ideias e atuado como mobilizadores do pensamento e da criação, que auxiliaram a me expressar, criar, organizar, questionar meus pensamentos e, consequentemente, dar vida à pesquisa e a esta escrita.

O sentido desta pesquisa para mim foi a de urdidura de uma trama, e a vejo como um enredamento de múltiplas linhas que ora se entrecruzam, se conectam, ora se interrompem, ganham outras direções, fogem... pois são elas que, segundo Deleuze (2013), constituem as coisas e os acontecimentos.

Ao tecer esta escrita, recorri a diversas linhas, algumas capturadas nas leituras dos livros, outras pinçadas da trama formativa (etapa da pesquisa que contou com a participação de vários tecelões). Também busquei apresentar a rede de composição de afetos, conversações, narrativas, coletividade e produção de conhecimento, num movimento de entrelaçar, articular, imbricar linhas que constituíram o diálogo acerca da relação entre Saúde Mental, Educação Ambiental e Trabalho em Educação.

Deste modo, a escrita foi realizada a partir de um “nós”, em composição com livros, poemas, pesquisas, músicas, imagens, trabalhadores da educação, entre outros, na intenção de evidenciar as narrativas produzidas no coletivo e as intensidades experimentadas nos encontros da formação de professores. Para tanto, este trabalho está organizado em sete capítulos, conforme especificado a seguir:

Além desta introdução (primeiro capítulo), em que falo de meu caminhar pessoal e profissional e apresento os objetivos da pesquisa, temos o segundo capítulo, “Diálogos que contribuíram para nosso caminhar investigativo”, em que me aproximo de debates estabelecidos em outras pesquisas, para pensar o campo problemático da pesquisa e buscar outras possibilidades para a produção de saúde de trabalhadores da educação.

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O terceiro capítulo, intitulado “Linhas rizomáticas de experimentação e acompanhamento de processos”, traz a aproximação estabelecida com a metodologia da cartografia que inspirou a caminhada ao longo do processo investigativo, bem como apresento o cenário da pesquisa e os seus participantes. Apresento também o aporte teórico das Redes de Conversações ao qual recorri para fundamentar a formação de professores.

No quarto capítulo, “Os fios que compuseram a tecitura da trama investigativa”, tecemos uma discussão considerando as dimensões – Educação Ambiental, saúde e trabalho em educação - com a finalidade de adentrarmos mais nas questões do campo investigativo.

No quinto capítulo “A relação ambiente-saúde-trabalho pelas linhas da ecosofia para reapropriação da vida” nos colocamos no exercício de pensar o entrelaçamento ambiente-saúde-trabalho, a partir do diálogo com o conceito de Ecosofia proposto por Félix Guattari.

No sexto, intitulado “Tecendo alguns possíveis pelas linhas da coletividade, poética e experimentação”, apresentamos as possibilidades capturadas ao longo do processo formativo, enfocando a aposta na potência do coletivo, o poder de agir frente a patologização do sofrimento e a medicalização da vida, as experimentações vivenciadas pela via poética, as propostas de intervenção nos espaços educativos e o e-book como instrumento para realização de outras tramas formativas. Nesse capítulo, buscamos evidenciar a formação de professores como potente mecanismo que nos permite problematizar os modos de vida que vivenciamos, assim como valorizar as narrativas emergidas pelas/nas/das Redes de Conversações.

No sétimo e último capítulo intitulado “Concluída a trama, mas sem um ponto final”, realizamos as considerações em relação ao objetivo da pesquisa e ao seu processo de feitura.

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2 DIÁLOGOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA NOSSO CAMINHAR INVESTIGATIVO

Nós nos dirigimos aos inconscientes que protestam. Buscamos aliados. Precisamos de aliados. E temos a impressão de que esses aliados já existem, que eles não esperaram por nós, que tem muita gente que está farta, que pensa, sente e trabalha em direções análogas: não é questão de moda, mas de um ‘ar de tempo’ mais profundo, em que pesquisas convergentes estão sendo realizadas em domínios muito diversos (DELEUZE, 2013, p. 34)

Neste segundo movimento, considerando a importância de desenvolvermos essa investigação em diálogo com outras pesquisas, buscamos “aliados” para composições múltiplas. Desta maneira, temos como propósito apresentar o levantamento de títulos que se aproximam de nossa proposta e com os quais estabelecemos discussões acerca de questões que permeiam o campo problemático da pesquisa.

Dessa forma, nos meses de abril e maio de 2019, optamos por acessar o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), repositório que hospeda dissertações e teses de instituições de ensino de todo o Brasil. Essa ação foi um importante mecanismo de conhecimento, levantamento de material bibliográfico e aproximação com a temática de pesquisa e as bases teóricas que a direcionam.

As buscas ocorreram por meio de cruzamento entre os descritores “Educação Ambiental”, “Saúde Mental”, “trabalho em educação” e “adoecimento docente”, “saúde do trabalhador da educação”, por serem palavras comuns à nossa pesquisa.

Importante ainda afirmar que estabelecemos como recorte temporal as produções compreendidas entre os anos de 2013 a 2018, devido ao fato de a Plataforma Sucupira, que hospeda o Banco de Teses e Dissertações da Capes, não disponibilizar de produções anteriores ao ano de 2013, em seu banco de dados. Outro critério empregado para seleção, foi a opção pelos trabalhos ligados à área da educação.

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O procedimento inicial de seleção dos trabalhos deu-se por meio da leitura de títulos e seus respectivos resumos, identificando aqueles com os quais seria possível dialogar, considerando os objetivos da pesquisa. A partir do entrelaçamento entre descritores e com base nos critérios explicitados anteriormente, relacionamos no quadro abaixo (Quadro 1) o quantitativo de trabalhos resultado das buscas e, a partir destes, o quantitativo de trabalhos que selecionamos.

Quadro 1: Descritores e resultados das buscas no repositório da CAPES

DESCRITORES UTILIZADOS QUANTITATIVO DE TRABALHOS RESULTANTES DA BUSCA QUANTITATIVO DE TRABALHOS SELECIONADOS

Educação Ambiental AND Saúde

Mental 342 2

Educação Ambiental NEAR Saúde

Mental 385 2

Saúde do trabalhador AND

Docência 39 3

Saúde Mental docente 1 --

Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir de dados extraídos da CAPES (2019).

Após essa seleção prévia, cada trabalho foi acessado individualmente a fim de se fazer a leitura atenta para identificar os trabalhos que se aproximavam da nossa proposta da pesquisa, ou seja, aqueles que enfocavam o movimento dialógico com trabalhadores da educação, em busca de criação de possibilidades de produção de saúde nos espaços de trabalho.

Nesse processo de aproximação com outras pesquisas, mesmo utilizando descritores específicos, não encontramos trabalhos que se propuseram a entrelaçar as temáticas “Educação Ambiental”, “Saúde Mental” e “trabalho em educação”. Grande parte dos trabalhos resultantes das buscas possuía diversos enfoques, além de diferentes abordagens teóricas e metodológicas, sendo, portanto, bem distintos em relação ao que propomos.

De modo geral, percebemos que ao associar os descritores “Saúde Mental” e “Educação Ambiental”, a busca resultou em trabalhos que relacionavam a Educação Ambiental a diferentes perspectivas, como a holística, a conservacionista, a conscientizadora/preventiva. Observamos também que a

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maioria dos trabalhos associava a dimensão ambiental ao ambiente de trabalho, concebendo-o como principal causa pelo adoecimento dos trabalhadores.

Em relação ao uso dos descritores saúde mental e trabalho em educação, a busca mostrou trabalhos que em sua maioria enfocavam índices de absenteísmos, classificação dos transtornos mentais e diagnóstico de sintomas. Assim, após todo o processo de busca e leitura, foi possível selecionar um total de oito trabalhos para dialogarmos, conforme pode-se observar no quadro abaixo.

Quadro 2: Seleção de trabalhos para diálogo com nossa pesquisa

(continua)

Descritor Trabalhos aliados à nossa proposta de pesquisa Autoria/ Ano Natureza do trabalho/ instituição Temas em conexão com a pesquisa Educação Ambiental and Saúde Mental Cartografia de uma Formação: natureza, ecosofia e suas ressingularizações. Isabel Gomes Ayres (2017) Dissertação - Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul) Conceito de Ecosofia

Trabalho docente na UFF: Relações, saúde e produção de subjetividades Simone Torres Evangelista (2017) Tese - Doutorado em Educação Universidade Federal Fluminense (UFF) Saúde docente Educação Ambiental near Saúde Mental Gira-Mundos: A Educação Ambiental no mito e o mito na Educação Ambiental Katia Gonçalves Castor (2014) Tese - Doutorado em Educação Universidade Federal do Espírito Santo/UFES Educação Ambiental complexa Cartografia Simbólica da

Educação Ambiental nos contextos de formação continuada dos/as professores/as da Rede Municipal de Colatina/ES Bruna Neitzel Sepulcri (2016) Dissertação - Mestrado em Educação. Universidade Federal do Espírito Santo Educação Ambiental complexa Os inconvenientes na escola: um estudo sobre a medicalização de crianças e adolescentes Patricia de Paulo Antoneli, (2015) Dissertação - Mestrado em Educação. Universidade Federal de São Carlos Medicaliza-ção Saúde do trabalhador and Docência

Eu acho que mudei o meu jeito de trabalhar: atividade docente e renormatização e saúde em diálogos inacabados. José Agostinho Correia Junior (2018) Dissertação - Mestrado em Educação. Universidade Federal do Espírito Santo Clínica da Atividade Saúde do trabalhador

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Quadro 2: Seleção de trabalhos para diálogo com nossa pesquisa

(conclusão) Narrar em nosso tempo:

experiência e saúde no trabalho em educação. Suzana Maria Gotardo Chambela (2018) Tese – Doutorado em Educação Universidade Federal do Espírito Santo Saúde do trabalhador

A formação pela trilha da clínica da atividade na vigilância em saúde do trabalhador Luzimar dos Santos Luciano (2014) Tese – Doutorado em Educação Universidade Federal do Espírito Santo Clínica da Atividade Formação Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir de dados extraídos do Banco de dados da CAPES (2019).

A seguir, num processo de procurar conhecer e compreender os debates tecidos nas pesquisas selecionadas, realizaremos um exercício de diálogo e aproximação buscando contribuições para nosso movimento investigativo.

Iniciamos o diálogo com os autores das pesquisas selecionadas, pela dissertação de Isabel Gomes Ayres (2017), que, além de nos possibilitar uma potente leitura, interpela-nos a pensar, quando afirma em seu texto que “transitar sobre o terreno da Educação Ambiental requer um olhar atento sobre os múltiplos e, por vezes, sutis mecanismos de ‘invenção’ da natureza” (AYRES, 2017, p. 79).

Nesse sentido, a autora põe em questão a prática de se tomar como verdade um modelo único de natureza, fato que poderia ocasionar a adoção de um modelo padrão de relacionamento com o mundo e reforçaria uma subjetividade dominante.

É a partir das verdades inventadas sobre a natureza que os sujeitos se relacionam com ela. Transitando entre perspectivas antropocêntricas e salvacionistas, vamos dominando, reconfigurando, deteriorando, temendo, protegendo o que convencionamos chamar de natureza. À primeira vista, o antropocentrismo e o salvacionismo podem parecer antagônicos, mas há neles um ponto em comum: ambos concebem o homem como um ser vivo apartado da natureza (AYRES, 2017, p. 86).

De modo geral, as verdades fabricadas acerca da natureza têm estreita relação com o discurso salvacionista em que se difunde a noção de natureza como algo que precisa ser protegido e preservado, exemplo disso é o apelo clássico do slogan “poupe para não acabar” ou, ainda, a concepção de natureza como recurso a ser

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explorado para o usufruto da humanidade. Daí a disseminação, segundo Ayres (2017), de discursos aterrorizantes com foco nas crises ambientais e apelos ao consumo sustentável.

Para a autora, é preciso ir na contramão desse ideário hegemônico e investir na invenção de novos modos relacionais, e, para isso, um primeiro passo seria compreender que somos parte da natureza e nos colocarmos a pensar sobre os modos de vida que temos produzido e aos quais estamos sendo submetidos.

A Educação Ambiental foi o elemento que nos impulsionou a pensar essa pesquisa, e recorremos a Castor (2014) que, ancorada à perspectiva da Complexidade proposta por Edgar Morin8, permitiu-nos pensar a Educação Ambiental não numa lógica homogeneizante, mas

[...] como campo potente de conhecimento e referencial de encontros entre repertórios, conceitos e lógicas e, assim, dar um frescor ao campo de estudo da pesquisa, para problematizar as relações que os seres humanos vêm estabelecendo com o ambiente em que vivem e investir na invenção de uma Educação Ambiental complexa que se pensa e se produz no processo histórico e social das transformações do e no mundo contemporâneo (CASTOR, 2014, p. 22).

Contudo, a autora salienta que existe uma multiplicidade de educações ambientais e que a Educação Ambiental complexa não pode ser compreendida como única e universal, mas como uma aposta na vida vivida em rede e como aquela que nos auxilia a pensar práticas para a “promoção da transformação de uma sociedade injusta em uma sociedade justa, a partir de outros mundos e lógicas” (CASTOR, 2014, p. 30).

Em consonância com a autora, acreditamos que a Educação Ambiental complexa não se aproxima de lógicas instrumentais e conformistas que fragmentam o conhecimento, pelo contrário, ela opera na lógica da indissociabilidade, não havendo recusa a nenhum saber, tampouco hierarquização entre saberes. O

8 Edgar Morin, filósofo francês, propôs a teoria da complexidade em que afirma uma postura que

concebe o conhecimento tecido junto, que não exclui nenhuma forma de conhecer, que não o coloca estanque nos contextos em que é produzido, mas compreende que todo conhecimento é válido na sua multiplicidade e intensidade, sem hierarquização.

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conhecimento, nessa perspectiva, é aquilo que se tece junto, em rede, considerando as multiplicidades e coexistência das dimensões, conceitos e contextos.

Nesse mesmo pensamento, Sepulcri (2016) aponta o desafio de se compreender a Educação Ambiental nessa rede de relações em que é constituída, que admite a produção do conhecimento em redes, por meio da associação interativa entre diferentes áreas e conhecimentos antagônicos. A autora recorre a Tristão (2008) para explicar que esse “nó”; isto é, o desafio de se pensar as redes de relações da Educação Ambiental, geralmente é resultante de pensamentos atados pela perspectiva homogênea e disjuntiva:

Aí, talvez, esteja o grande nó da rede de relações que constitui o conhecimento da educação ambiental, toda sua complexidade, que não se situa, não se define por nenhum campo específico, das ciências naturais, das ciências sociais ou humanas, mas na confluência destes, seja, no seu próprio campo de estudo (TRISTÃO 2004 apud SEPULCRI, 2016, p.102).

Sepulcri (2016) nos intenta a extrapolar a noção limitante de Educação Ambiental, tão presente no senso comum, reflexo da racionalidade hegemônica existente em nossa sociedade, argumentando que os problemas ambientais são também sociais, e esses não podem ser pensados de modo isolado do contexto cultural, político, econômico, por exemplo.

Nesse sentido, Ayres (2017) na tentativa de romper com a racionalidade hegemônica, em que o pensar se dá de modo fragmentado e desarticulado, alia-se ao conceito de ecosofia proposto por Guattari (2012), conceito esse que se trata da articulação ético-política envolvendo três registros ecológicos - meio ambiente, relações sociais e subjetividade humana –, para estabelecimento das “linhas de recomposição das práxis humanas nos mais variados domínios” (GUATTARI, 2012, p. 15). Desse modo, apostar na ecosofia como aporte teórico em aproximação com a perspectiva da complexidade nos parece possível e pertinente.

A proposta de pesquisa parte dessa concepção de articulação entre vários domínios, e nos lança a dialogar com outras questões como a saúde mental do trabalhador da educação. Assim, ao abordar a saúde mental, não podemos fazê-lo sem também trazer para a discussão a relação saúde e trabalho.

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Desse modo, aproximamo-nos da perspectiva das clínicas do trabalho9, que, segundo Chambela (2018), é composta por correntes teóricas heterogêneas, mas que coaduna de alguns pressupostos e tem como foco a relação entre trabalho e subjetividade.

Chambela (2018) faz alguns apontamentos que nos ajudam a compreender um pouco mais as especificidades das clínicas do trabalho, como quando nos alerta que as clínicas não devem ser vinculadas à concepção médica, no sentido corriqueiro, em que o termo clínica é usualmente associado às práticas e saberes médicos para reestabelecimento da saúde, ou, ainda, quando mostra que as discussões desenvolvidas na perspectiva das clínicas do trabalho não tomam o conceito de trabalho como sinônimo de emprego.

A autora, com base nos estudos de Barros e Amador (2017), afirma que as clínicas do trabalho associam a organização do trabalho aos processos de produção de subjetividade, ressaltam a atuação coletiva para criação de estratégias de intervenção e apostam no trabalhador enquanto principal agente de intervenção para alcançar mudanças necessárias frente às condições, relações sociais, divisão de tarefas e conteúdo do trabalho.

Portanto, de acordo com Chambela (2018), as clínicas do trabalho constituem linhas de possibilidade para problematização das lógicas vigentes. Essa autora, recorre às autoras Barros e Amador (2017), para afirmar a sua aposta

numa clínica cujo teor seja político, que considere as especificidades históricas que atravessam os modos de organização do trabalho, colocando em análise os arranjos que vão se delineando entre subjetividade, saúde, poder, dominação e até mesmo violência (CHAMBELA, 2018, p. 24).

Os trabalhos de Luciano (2014) e Correia Junior (2018), também em interlocução com a perspectiva das clínicas do trabalho, trazem elementos com os quais nos interessa dialogar, como: conceito de atividade, saúde e trabalho docente, e, para

9 As clínicas do Trabalho, de acordo com Amador e Fonseca (2011), reúne várias abordagens

teóricas, mas com um objetivo comum de estudar a relação entre trabalho e subjetividade, que se dividem por teorias com especificidades e particularidades conceituais, sendo elas: a Clínica da Atividade, a Psicossociologia, a Psicodinâmica do Trabalho e a Ergologia.

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tanto, tomam como base os fundamentos da Clínica da Atividade, muito embora não se restrinjam a ela.

Correia Junior (2018) nos ajuda a compreender como se dá a relação saúde-trabalho ao convocar questões concernentes ao saúde-trabalho e à própria vida dos trabalhadores, dos quais destacamos a produção de saúde e subjetividades, que ele as relaciona ao efeito ou capacidade de criar novas normas, ou, ainda, de modificar as normas já existentes, perante as várias e mutantes infidelidades do meio com as quais os trabalhadores se defrontam.

Esse autor apresenta a ideia de renormatização como a “capacidade normativa dos seres de (re)criar e (re)inventar as normas e as regras e os valores” (CORREIA JUNIOR, 2018, p. 19), levando-nos a pensar que há sim possibilidades de modificarmos nosso trabalho, ou, melhor, o modo como trabalhamos, pois enquanto trabalhadores somos seres ativos, capazes de criar novos modos de viver, trabalhar e relacionar-se conosco e com o mundo.

Ao abordar o conceito de atividade, o autor toma como referência a proposta de Yves Clot (2007, 2010), e afirma que a atividade está relacionada à gestão do trabalho realizado em um meio infiel e em permanente variação, indicando que a atividade se trata de uma perturbação das regras (prescrições) estabelecidas como fixas e eternas. Afirma, ainda, que a atividade não se restringe ao que fazemos, mas abrange o que gostaríamos de fazer, e que, por algum motivo, ou somos impedidos de realizá-lo, ou o fazemos, mas não de modo que achamos ser, de fato, satisfatório.

Ainda com base nos estudos do teórico francês Yves Clot, Correia Junior (2018) define atividade como “[...] resposta à atividade dos outros, eco de outras atividades. Ocorre numa corrente de atividades que constitui um elo” (CLOT, 2007, p. 97) e afirma que ela se realiza num plano de forças coletivas, sendo sempre dirigida a alguém ou a alguma coisa. Nesse contexto, Correia Junior (2018) aponta que essa constituição de elo e a destinação da atividade a alguém ou a algo da qual fala Clot, é o que permite ao trabalhador se reconhecer e ver sentido no trabalho que realiza.

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Em relação à concepção de trabalho, Correia Junior (2018) e Luciano (2014) compreendem que este não se limita a execução de tarefas prescritas ou cumprimento de regras. O trabalho é “como uma atividade de criação e (re)criação” (LUCIANO, 2014, p. 50), tanto no coletivo quanto no singular.

Portanto, o trabalho tomado como atividade, mesmo sendo desenvolvido de modo individual, ainda assim escapa ao âmbito do uno para fluir ao âmbito do coletivo, sendo esses dois indissociáveis e repletos de conflitos, polêmicas, dilemas, impedimentos, afetos, prazer, invenção.

Outra questão, pertinente ao nosso processo investigativo, está na relação entre a atividade e o poder de agir do trabalhador, conforme podemos a seguir:

[...] o conceito de poder de agir diz respeito à atividade. A tarefa, por si só, não é suficiente. Até mesmo sob coação externa, o poder de agir se desenvolve ou se atrofia na ‘caixa preta’ da atividade do trabalho. Ele avalia o raio de ação efetivo do sujeito ou dos sujeitos em sua esfera profissional habitual, o que se pode também designar por irradiação da atividade, seu poder de recriação. (CLOT, 2010, p. 15).

Nesse contexto, Luciano (2014), em interface com a clínica da atividade (CLOT, 2007, 2010), propõe como estratégia a ampliação do poder de agir dos trabalhadores para o enfrentamento das condições de produção de sofrimento patológico no trabalho.

Num movimento de aproximação entre trabalho e saúde, entendendo que essa relação escapa ao campo individual, concordamos que “é equivocado pensar que o trabalhador faz gestão de seu trabalho sozinho e que saúde é produção individual (e individualizante)” (CORREIA JUNIOR, 2018, p. 125). O autor salienta que a saúde10 é produzida em redes, conexões e embates entre e com trabalhadores, o que envolve rearranjos de fazeres-saberes e que, portanto, saúde constitui-se coletivamente e em permanente processo de elaboração.

10 A concepção de saúde defendida por Correia Junior (2018) tem como base a definição

apresentada por Georges Canguilhem (2009), autor que também nos inspirou a pensar a saúde numa outra perspectiva acerca da qual falaremos mais adiante.

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Em se tratando de sofrimento no trabalho, instiga-nos a investigar o chamado “adoecimento mental” dos trabalhadores da educação. Contudo, cabe ressaltar que o direcionamento adotado será a produção de saúde e não adoecimentos e sintomas, aspectos estes usualmente assumidos como foco em diversas pesquisas nesse campo que envolve saúde do trabalhador da educação. Por meio das discussões trazidas pelas teses e dissertações com as quais dialogamos aqui, percebemos alguns possíveis nesse sentido.

Com Evangelista (2017), concordamos que não devemos buscar produzir verdades únicas e estáticas, tampouco desenvolver pesquisa com a finalidade de diagnosticar ou classificar a condição de saúde dos trabalhadores da educação, pois a autora destaca que devemos nos posicionar de modo a combater a reprodução e a propagação da lógica hegemônica de medicalização da vida.

Antoneli (2015) aborda em sua tese o tema “Medicalização” e a define como um dispositivo, com base na definição dada por Foucault11. Portanto, a autora afirma que a medicalização consiste em

[...] um movimento de dispor relações de poder produzindo subjetividades, movimentando linhas de saber constituídas de discursos denominados de “científicos”. Uma estratégia de modelar, controlar, gerir a vida e suas relações, pois todo dispositivo implica um processo de subjetivação. (ANTONELI, 2015, p. 16).

A autora, pautada no pensamento foucaultiano, expõe que a medicalização é um processo que afeta a constituição da sociedade, visto que os saberes da medicina passam a governar o indivíduo e a população e atravessam as esferas sociais, estabelecendo-se como relações de poder a atuar sobre a vida. Esses saberes se movimentam e operam como uma maquinaria social que não está situada em um lugar, mas que se dissemina por toda a estrutura social (ANTONELI, 2015).

Para dialogar com os participantes da pesquisa acerca da saúde do trabalhador e outras questões que circundam essa problemática, nosso foco está no como, no

11 Para Foucault dispositivo se trata de “um conjunto decididamente heterogêneo que engloba

discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo.” (FOUCAULT, 2010, p. 244).

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“chegar entre e nos colocar em órbita” conforme nos fala Deleuze (2013, p. 155), e assim, nesse movimento de diálogo com outros pesquisadores, fomos nos situando, nos posicionando e delineando a pesquisa.

Ainda pensando nos possíveis sobre produção de saúde no trabalho, Luciano (2014) diz que a principal diretriz proposta pela Clínica da Atividade é a superação concreta de situações adversas por meio da invenção e reinvenção de instrumentos de ação pelos próprios trabalhadores, como possiblidade de novas formas de pensar, viver e trabalhar. Assim, a autora utiliza rodas de conversa como estratégia metodológica, de modo a conduzir a análise coletiva do trabalho e produzir um processo de formação pelo trabalho. Percebemos aqui mais um ponto de aproximação com a nossa proposta, que aposta na formação com base nas redes de conversações sobre a qual falaremos mais adiante.

Desse modo, fomos traçando nosso caminho, desejantes por transpor as impossibilidades e gargalos... pensar e criar possíveis que nos direcionem para a potencialização de inventividades no enfrentamento ao adoecimento mental dos trabalhadores da educação.

Finalizada essa etapa de diálogo com outros pesquisadores, apresentaremos a seguir a metodologia da qual nos aproximamos e que nos permitiu lançar ao movimento de caminhada conjunta entre pesquisador e pesquisados, para o acompanhamento de processos de produção no espaçotempo12 da formação continuada.

12 Conforme apresentado na nota de rodapé de número 2, seguimos a proposição de junção de

termos da autora Nilda Alves (2010). Assim ao fazermos a junção das palavras espaço e tempo, temos a intenção torná-lo um só termo, de modo que um esteja imbricado ao outro, ampliando assim o seu sentido.

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3 LINHAS RIZOMÁTICAS DE EXPERIMENTAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE PROCESSOS

Usualmente, tem-se por hábito afirmar que é o pesquisador quem elege a metodologia que subsidiará a pesquisa. Mas, neste caso, parece-nos que foi o contrário, se é que seja possível cogitar dessa forma.

Procuro despir-me do que aprendi,

Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,

Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,

Desembrulhar-me e ser eu [...] (FERNANDO PESSOA, 2015, p. 25).

As palavras do poeta português Fernando Pessoa nos intentam a explicar a sensação de “captura” pela Cartografia proposta por Deleuze e Guattari (2011). Inicialmente a pesquisa estava ancorada em outra abordagem teórico-metodológica, no entanto, o contato com a obra As três ecologias13 de Félix Guattari e outros escritos de Gilles Deleuze, impulsionaram-nos a buscar outra lógica de pensamento e de produção escrita.

Desfazimentos foram inevitáveis... como no conto A moça tecelã, de autoria de Marina Colassanti (2000), em que a lançadeira usada ao contrário vai desfazendo o que havia sido tecido, nos destecemos da abordagem teórica que nos direcionava e buscamos tecer um caminhar nos aproximando de algumas pistas da metodologia da cartografia.

Buscando pistas para melhor compreendê-la percebemos que essa se apresenta enquanto metodologia que possibilita acompanhar percursos ao mesmo tempo em que permite nos implicarmos em processos de produção como intervenção (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015). Na cartografia, a realidade comparece enquanto mapa móvel, traçado e percorrido sem ponto de partida, constituindo um emaranhado de diferentes linhas em composição de teceduras de redes em diversas direções, como num rizoma, segundo afirmam Deleuze e Guattari (2011).

13 O contato com a obra “As três ecologias” de Félix Guattari (2012) ocorreu quando na ocasião em

que da turma 3 do Mestrado de Ensino em Humanidades do Ifes realizou um “amigo livro”, para encerrar as aulas do ano de 2018, e a colega e mestranda Daniela da Cunha escolheu esse livro para presentear a pesquisadora.

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Deleuze e Guattari (2011) se referem ao rizoma enquanto possibilidade de variadas conexões, heterogeneidade, multiplicidade, constituindo-se uma nova possibilidade de pensamento cuja formação fasciculada, desprovida de centro e composta por múltiplas raízes que se entrelaçam e se emaranham num complexo conjunto, de modo a compor nossos modos de existência e também o mundo em que vivemos.

A partir dessa perspectiva chamada rizomática, os autores nos permitem expressar o sentido de multiplicidade, em contraposição à perspectiva arbórea. Em outras palavras, trata-se de uma metáfora segundo a qual Deleuze e Guattari (2011) explicam o paradigma padrão da modernidade de se pensar e agir, tomando como referência a árvore que possui tronco central, raiz, galhos e folhas, delimitada a uma ramificação. Pensar numa perspectiva árborea (radiciforme), presume pensar de modo hierarquizado, numa lógica binária, linear, fragmentada, homogeneizadora em que os saberes se vinculam sempre a um eixo central. Para subverter essa lógica padrão, os autores nos convidam a cultivar o pensamento, a partir da metáfora do rizoma.

O rizoma, segundo Deleuze e Guattari (2011), é composto por múltiplas linhas, “linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc.; mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 25). Portanto, as linhas de um rizoma se conectam e se rompem em qualquer lugar de sua estrutura e esse rompimento é gerado pelas linhas de fuga, que levam a outras direções, tornando múltiplas “[...] as possibilidades de conexões, aproximações, corte, percepções etc.” (GALLO, 2017, p.78).

A aproximação com a metodologia da cartografia se consuma ao nos depararmos com a possibilidade que ela nos oferece de pensarmos modos de vida outros, por meio das linhas flexíveis ou linhas de fuga pelas quais é possível se metamorfosear, mudar a natureza das linhas da vida.

Essa é a aposta assumida pela pesquisa - a busca pela criação de outros modos de vida em enfrentamento ao adoecimento mental que nos tem acometido enquanto trabalhadores da educação. Como uma erva daninha (danosa para os pensamentos

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estanques e enrijecidos da modernidade), o processo investigativo foi se constituindo, se infiltrando, “ganhando terreno”, percorrendo o entre, e suas hastes foram se entrelaçando, alastrando, articulando construindo um enredamento formativo.

Não podemos ignorar que o interesse em desenvolver essa pesquisa nasceu do desejo que afeta a pesquisadora. Em consonância com Castor (2014, p. 29), é possível compreender que:

Constituímo-nos com o que pesquisamos e o que pesquisamos se constitui conosco. O conhecimento que exprimimos de nós mesmos e do mundo que habitamos é uma questão teórica e política indissociável. Estamos visceralmente encarnados dos objetos que produzimos. Enfim, importa o quanto eles nos transformam e nos impulsionam a questionar os modelos que nos libertam ou nos escravizam. Importa o quanto nossas escolhas nos potencializam para a potência de uma vida boa de partilha.

Como estamos “encarnados dos objetos que produzimos”, fugimos do ideário de pesquisador como sujeito que se coloca no papel de observador/expectador, de verificar e descrever fatos e dados apreendidos de uma realidade supostamente estática, numa posição de neutralidade para não manipular/influenciar o resultado.

Pelo contrário, entendemos a inviabilidade do resultado quando tomado pela conotação de evento acabado, sistematizado para ser prontamente replicado ou como solução para todo e qualquer problema. Fugimos das prescrições e das receitas... O pesquisador não é o “salvador” que vai ao lócus, enxerga a problemática, visualiza os participantes da pesquisa e a forma como agem, busca respostas nos livros e leva a solução para ser finalmente implementada, dando conta de solucionar os problemas observados. Assim, intenta-se romper com a visão positivista de encarar e desenvolver pesquisa.

Portanto, a cartografia nos inspirou a “adotar uma certa maneira de estar no mundo, de habitar um território existencial e de se colocar na relação de conhecimento” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 202), bem como, permitiu que nos lançássemos às experimentações.

Portanto, as táticas empregadas na pesquisa foram inspiradas na cartografia, cujo sentido pode ser compreendido como “acompanhamento de percursos, implicação

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em processos de produção, conexão de redes ou rizomas” (PASSOS; KASTRUP; ESCOSSIA, 2015, p. 10). Diante do desafio de tecer a trama investigativa, para acompanhamento do processo formativo nos baseamos na pista do movimento cartográfico apresentada por Kastrup (2015), definida como quatro gestos da atenção cartográfica - rastreio, toque, pouso e reconhecimento atento -, e também recorremos ao caderno de bordo, registros fotográficos, áudio e conversações estabelecidas na formação.

Inicialmente, operamos por “rastreio”, em que alçamos vôo de modo concentrado, mas ainda sem foco, na intenção de realizar a varredura de campo, numa postura de receptividade ao “toque”, segundo movimento em que algo acontece e o pesquisador é tomado por sensações, em diferentes graus de intensidade, e mesmo sem saber ao certo do que se trata, chama a sua atenção.

Para ver o que “está acontecendo”, seguindo sua percepção visual, auditiva ou outra, o pesquisador se coloca em terceiro movimento denominado pela autora de “pouso”; isto é, o pesquisador faz uma parada para observar o campo em modo zoom, o que exige observar mais de perto.

Posteriormente acontece o quarto movimento, o “reconhecimento atento”, que se configura no acompanhamento do processo, por meio de acionamento de circuitos, que demanda do pesquisador uma atitude investigativa para ver o que está acontecendo, tendo como objetivo destacar os contornos singulares do objeto investigado.

Ao findar esse quarto movimento, o pesquisador se coloca novamente em suspensão para dar prosseguimento ao acompanhamento do processo, com base nos quatro movimentos apresentados; a fim de produzir conhecimento ao longo de todo processo de pesquisa. Assim, foi possível percorrer e acompanhar todo processo de formação de professores, na medida em que nos colocamos em modo de atenção para captura das experimentações e, com elas, as tensões, as questões e as problematizações evidenciadas pelos professores.

Referências

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