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A PROPOSTA FORMATIVA: PELAS LINHAS DE COMPOSIÇÕES E CONVERSAÇÕES

DESCRITORES UTILIZADOS QUANTITATIVO DE

3 LINHAS RIZOMÁTICAS DE EXPERIMENTAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE PROCESSOS

3.2 A PROPOSTA FORMATIVA: PELAS LINHAS DE COMPOSIÇÕES E CONVERSAÇÕES

Desde o início em que nós17 nos reunimos para planejar a proposta da formação, para além de pensar as temáticas para estabelecer “conteúdo programático”, metodologia, avaliação e itens necessários para o trâmite oficial exigido pelo Ifes, para realização de curso de extensão18, a nossa intenção era propor uma formação que não se reduzisse ao formato convencional tão usual que conhecemos – o de capacitação.

17 Inicialmente esse “nós” era composto somente pela orientadora e pesquisadora, no entanto, foi

sendo constituído pelos formadores convidados, que também prestaram diversas e valiosas contribuições para estruturar a proposta formativa.

18 Apesar do Mestrado Profissional em Ensino e Humanidades estar vinculado ao IFES Campus

Vitória, o curso de extensão foi promovido pelo IFES Campus Centro-Serrano, no qual a professora orientadora da pesquisa, Katia Gonçalves Castor, possui seu posto de trabalho.

Como nos mostra Freire (2017), a formação precisava fugir do apelo à prática bancária, que impõe o depósito de conhecimentos, a passividade, a adaptação, e da capacitação instrumentalizada, que cessa a aptidão criativa e produtiva. Assim, compreendemos que:

[...] o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua construção (FREIRE, 1996, p. 22, grifo do autor).

Mas que aposta formativa foi essa? A nosso ver, uma formação não pode se limitar a um mecanismo de transmissão de conhecimento, de repasse de informações sobre um tema ou ainda de instrumentalização de professores com regras e modos de se proceder mediante alguma situação ou problema, mas constituir-se um potente mecanismo para a formação dos profissionais da educação.

Nesse caso, tomamos a palavra potente, conforme apresenta Pelbart (2007, p.3) que, a partir dos pensamentos de Espinosa, compreende potência como “um certo poder de afetar e de ser afetado”.

Esse mesmo autor, agora em diálogo com Deleuze, afirma que só conseguimos saber o nosso poder de afetar e ser afetado (o da formação nesse caso), por meio da experimentação19 que se dá ao sabor dos encontros. Segundo o autor,

Só através dos encontros aprendemos a selecionar o que convém com o nosso corpo, o que não convém, o que com ele se compõe, o que tende a decompô-lo, o que aumenta sua força de existir, o que a diminui, o que aumenta sua potência de agir, o que a diminui (PERBALT, 2007, p. 3).

Mas, então, de que concepção de formação estamos falando? Em atendimento a essa questão, conectamo-nos aos estudos e pensamentos de Tristão (2008) e Carvalho (2009, 2011, 2017). Para Tristão (2008), a formação de professores se

19 Experimentação, segundo o autor “[...] é sempre mais hesitante, feita de lacunas e disparidades,

colapsos e retomadas, desfalecimentos, gagueiras, devires insólitos, acontecimentos tanto mais imponderáveis quanto menos se dão a ver segundo os limiares de percepção consagrados por uma sociedade do espetáculo” (PERBALT, 2007, p. 3).

trata de um processo estabelecido por uma “rede de relações”, de múltiplas articulações entre contextos para formação e profissionalização de professores.

Já Carvalho (2017) afirma ser a formação uma práticapolítica que se dá por conversações atravessadas por linguagens, conhecimentos, afetos/afecções e que contribui para atualizar modos de (re)existência.

A nosso ver, podemos partir das concepções trazidas pelas duas autoras tomando- as como complementares, ou mais que isso, como inter-relacionadas. Tristão (2008), autora que possui importantes estudos relacionando pesquisa, formação de professores e Educação Ambiental, ajuda-nos a compreender a relevância e necessidade do estabelecimento de diversos tipos de interações entre os sujeitos, nas múltiplas relações entre contextos, para sua efetiva formação. Ao passo que Carvalho (2017), estudiosa que se dedica a questões relacionadas ao currículo e à formação de professores, assume a ideia de “potência de ação coletiva” e afirma que essa potência acontece quando indivíduos e grupos se colocam em relação para a produção e troca de conhecimentos.

Ambas as autoras evidenciam a relação entre sujeitos como elemento essencial e intrínseco à efetivação do processo de formação de professores. Nesse sentido, acreditamos que a formação se dê na e pela possibilidade do encontro, do bom encontro no sentido dado por Espinosa, conforme nos apresenta Peter Pal Pelbart (2007, p. 1):

[..] aquele pelo qual meu corpo se compõe com aquilo que lhe convém, um encontro pelo qual aumenta sua força de existir, sua potência de agir, sua alegria. Vamos aprendendo a selecionar nossos encontros, e a compor, é uma grande arte, essa da composição, da seleção dos bons encontros.

Ou ainda numa perspectiva como nos aponta Prates (2016, p. 15):

Encontro em uma perspectiva espinosista e deleuziana, como compartilhamento de ideias, cultivo de pensamento e ação que possibilitam arranjos vitalizantes, que podem ajudar em uma compreensão mais efetiva de nossas relações no mundo e com o mundo. Relações e encontros que, tornam-se possíveis no momento de criação de uma paisagem, pela composição com os sujeitos, espaços e tempos experimentados; construindo junto, fazendo e sendo parte de processos aprendentes em fluxos de vida.

Assim, na busca por desencadear composições potentes, nos aproximamos da metodologia das Redes de Conversações (CARVALHO, 2009, 2011) para a formação de professores, enquanto um dispositivo para a potencialização de encontros e espaçotempo formativo em rede, em que os profissionais da educação, colocando-se em relação com seus pares, pudessem produzir, trocar e utilizar conhecimentos por meio de conversações acerca da relação trabalho-saúde- ambiente. Ao pensarmos as Redes de Conversações como dispositivo; ou seja, como “rede que se pode tecer entre estes elementos” (FOUCAULT, 2010, p. 244), ou ainda, partindo do sentido deleuziano de dispositivo enquanto

[...] uma espécie de novelo ou meada, um conjunto multilinear. É composto por linhas da natureza diferente e essas linhas do dispositivo não abarcam nem delimitam sistemas homogêneos por sua própria conta (o objeto, o sujeito, a linguagem), mas seguem direções diferentes, formam processos sempre em desequilíbrio [...] é preciso instalarmo-nos sobre as próprias linhas, que não se contentam apenas em compor um dispositivo, mas atravessam-no, arrastam-no, de norte a sul, de leste a oeste ou em diagonal (DELEUZE, 1990, p. 155).

Deste modo, as redes de linhas de composições e atravessamentos foram se estabelecendo e se fortalecendo entre professores e formadores20 a cada encontro da formação, desencadeando problematizações e experimentações múltiplas.

Assim, foi realizada a formação intitulada “Educação Ambiental e Saúde Mental no Contexto da Formação Continuada: Criando Estratégias de Enfrentamento ao Adoecimento Mental de Trabalhadores da Educação”, no período de março a julho do ano de 2019, por meio de curso de extensão, uma parceria entre o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e a Secretaria Municipal de Educação da Serra. Inicialmente, haviam sido previstos dez encontros, somando um total de 60 horas; entretanto, foi necessário adicionar mais um encontro ao cronograma para a conclusão das apresentações dos projetos desenvolvidos pelos participantes do curso nas unidades de ensino, assim, perfazendo uma carga horária total de 64 horas.

20 Os profissionais da área da educação e da psicologia que convidamos, nomeamos de formadores.

Não no sentido do termo em seu significado usual de “dar ou tomar forma”, mas tendo em vista a aproximação com as temáticas dos encontros dos quais participaram, a intenção foi a de compartilhar saberes e experiências, além da possibilidade de mediar, propor, provocar, tensionar e fazer pensar, questões nas redes de conversações estabelecidas com os participantes da pesquisa.

Foram disponibilizadas 30 vagas, e a divulgação do curso foi feita por meio de circular interna encaminhada pela Gerência de Formação da Secretaria Municipal de Serra/ES às unidades municipais de ensino. Para a efetivação da matrícula e participação no curso, foi adotado como critério a atuação enquanto trabalhador da educação, na rede de ensino municipal de Serra (docente, pedagogo, diretor, coordenador, docente do apoio educacional especializado ou assessor pedagógico da Secretaria de Educação).

A formação foi organizada em três módulos, nos quais as temáticas foram trabalhadas em encontros presenciais ministrados à noite, no horário de 18 às 22 horas, e também foi reservado um momento para a atividade não presencial destinada ao desenvolvimento de projetos, que consistiram em experimentações realizadas pelos trabalhadores como possibilidade de intervenção nas respectivas escolas em que atuavam. Descrevemos a seguir a organização dos encontros e temáticas por módulos (Quadro 4), indicando também os formadores, as datas e a carga horária:

Quadro 4: Organização dos encontros e temáticas da formação

(continua)

Módulo

Datas/ carga horária

Encontros/Temáticas Formador (a)

Módulo

18/03 4h

1º Encontro - A atual crise civilizatória

Abertura do Curso – apresentação da proposta, do critério de participação e de certificação.

Marcela Fraga G. Campos e Kátia Gonçalves Castor Dinâmica: Educação Ambiental, Saúde Mental e

Ludicidade: um diálogo possível.

Alixandra Dantas de Souza Fahning

25/03 4h

2° Encontro - Ecociranda: dançando sustentabilidades

Maria da Penha Kopernick Del Maestro

01/04 4h

3º Encontro - Perspectivas de educações

ambientais Soler Gonzalez

Módulo

08/04 4h

4º Encontro - Saúde Mental dos profissionais da

educação: produzindo saúde no contexto escolar Keli Lopes Santos 15/04

4h

5º Encontro - Saúde Mental e Linhas Libertárias:

tecnologias leves do cuidado-de-si. Ricardo Bodart de Andrade 22/04

4h

6º Encontro - Produção de Saúde: desafios no trabalho em educação

Esmeraldina S. Santos e Jomar da Rocha F Zahn

Quadro 4: Organização dos encontros e temáticas da formação (conclusão) Módulo 04/05 4h

7º Encontro - Percepção, apreciação estética, saúde e meio ambiente: experimentações

Marcela Fraga G. Campos e Kátia Gonçalves Castor Terapias alternativas Désirré Gonçalves Raggi Experimentações em Educação Ambiental:

Ecoteca (relato de experiência) e Oficina Cores da Terra

Edilene Machado dos Santos

Módulo

06/05 4h

8º Encontro - Tecendo saberes, potencializando fazeres: elaboração dos Projetos Escolares Comunitários

Marcela Fraga G. Campos Produção de saúde no ambiente de trabalho em

educação: dialogando acerca da harmonização do corpo físico, emocional, energético e espiritual

Magda Simone Tiradentes A escrita de si enquanto exercício ético, estético e

político.

Eliana Aparecida de Jesus Reis

20/05 4h

9º Encontro - Tecendo saberes, potencializando

fazeres: elaboração dos Projetos Escolares Marcela Fraga G. Campos Vivência Musical: sensibilização e diálogo Maria Raquel A. Passos Maio/

Junho 20h

Elaboração e desenvolvimento do Projeto Escolar

(atividade não presencial) Participantes do curso 03/06

4h

10º Encontro - Projetos Escolares: compartilhando saberes e experiências. Apresentação dos participantes

Marcela Fraga G. Campos 10/06

4h

11° Encontro - Projetos Escolares: compartilhando saberes e experiências. Apresentação dos participantes e avaliação

Marcela Fraga G. Campos Fonte: elaborado pela pesquisadora com base no projeto do curso de extensão aprovado pelo IFES – Campus Centro-Serrano (2019).

Assim, pretendeu-se constituir um espaçotempo de diálogo acerca da relação trabalho-saúde-ambiente, compondo movimentos inventivos para a produção de saúde no trabalho em educação. Na intenção de disparar um movimento que deslocasse o pensamento, e também buscar outros meios e formas de se pensar, sentir e construir conhecimento, é que foi desenvolvido esse processo de tramar e produzir “tecidos com os fios da experiência” como nos fala Carvalho (2017, p. 64) e, principalmente, compor essa urdidura com linhas de fuga.

Elaborado por Deleuze e Guattari (2012) o sentido das linhas de fuga está relacionado ao ato de pensar e agir no sentindo de romper com mecanismos de controle, e o utilizamos aqui para designar criação de outros modos de vida. Deste modo, as redes de conversações como dispositivo, ao qual lançamos mão nesse

processo formativo, pareceu-nos uma possibilidade, um escape para fugir dessa realidade racionalizada, mecânica, que nos captura, emudece, paralisa e adoece.

O que podemos, enquanto trabalhadores, pensar e produzir acerca da relação entre saúde e trabalho em educação? As conversações, a coletividade, as composições, as reflexões e as experimentações promovidas em movimentos formativos podem contribuir para a produção de saúde nos espaços escolares? Foram questões que nos provocaram a pensar, duvidar, problematizar... e nos permitiu através das redes de conversações “o acompanhamento de fluxo de conversações tecidas em redes de subjetividades compartilhadas” (CARVALHO, 2017, p. 64).

Após apresentarmos as linhas metodológicas, das quais nos aproximamos para adentrar o campo visando a experimentação e o acompanhamento do processo formativo, bem como o cenário, participantes e proposta formativa desenvolvida, no próximo capítulo realizaremos uma discussão considerando as dimensões ambiente, saúde e trabalho, que perpassaram todo o processo de formação de professores, assim como todo o processo investigativo da pesquisa.

4 OS FIOS QUE COMPUSERAM A TECITURA DA TRAMA INVESTIGATIVA