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tempinho de professora, e estou até pensando em desistir da profissão. Dizer que a gente tem que ter um tempinho para a gente e descansar é muito simples. A coisa é mais embaixo, do que isso aí. Porque professor hoje em dia tem que ser psicólogo, médico, pai, mãe, avô e por aí vai, tem que fazer diagnóstico em aluno, tem que entender o aluno, a família do aluno é muita sobrecarga em cima do profissional. [...] Um ou outro professor se destaca talvez porque encontrou outras oportunidades, mas no geral a massa de professores é desmoralizada, desqualificada, pressionada pelas famílias. A sociedade está doente gente. E essa sociedade doente está pressionando o professor contra a parede. A gente está assim vivendo suspirando, pensando no que vai fazer. A gente todo dia tem que se reinventar. Tem que ser criativo, tem que ser legal, tem que sempre estar de bom humor, rindo, você não tem direito de nada. Igual você falou, chega em casa tão cansado que não tem nem tempo de ver seus problemas. Não é levar os problemas pessoais para a sala de aula, mas a gente vive tão misturado com a vida dos alunos e da escola que você perde até a sua identidade. [...] Essa força mental para aguentar esse turbilhão de coisas que estão acontecendo nessa sociedade que estamos vivendo ultimamente, com drogas, violência, e por aí vai. É muita carga. (Narrativa insurgida no sexto encontro)

Ao colocar o trabalho como objeto de análise as dificuldades, os impedimentos, as frustações emergem com intensidade. Essa narrativa aponta vários elementos, que vão desde a esfera micro até a macropolítica, e nos faz pensar acerca como vemos nosso trabalho docente. A narrativa indica a necessidade de se estabelecer um trabalho criativo, como também enfatiza a desvalorização do magistério, a violência, da sobrecarga de trabalho, os múltiplos papéis que, enquanto professores, temos que “assumir” perante essa sociedade “doente”.

De fato, se trata de um desafio pesquisar as relações entre trabalho e saúde dos profissionais da educação, no entanto, concordamos que a concepção de saúde

tomada como “processo de perduração da vida, de vida potente e criadora; e do adoecimento como processo de limitação da capacidade de, diante de condições e situações “difíceis”, criar novos modos de ser e viver o seu trabalho na Educação” (MORSCHEL et al., 2014, p.81), permite ampliar os horizontes de possibilidades para enfrentar não só o adoecimento, mas também as dificuldades e impedimentos insurgidos no trabalho em educação.

O trabalho nas sociedades do controle pretende tomar a vida, criar uma equivalência perfeita com ela, coincidindo com “aquilo que a vida é”. Tudo aí colabora para uma natureza pressuposta tanto do mundo como de um assujeitamento que também parece natural. Difícil retirar-se desse “a vida é assim” e desse “assim que somos”. Difícil não acreditar nas coisas, assim já constituídas - um mundo com seus funcionamentos e um sujeito que no máximo faz uma crítica de oposição a esse mundo, os dois tristes e irremediáveis (AMARANTE, 2016, p. 39).

Além desse assujeitamento natural expresso na afirmação acima, a autora considera o trabalho uma dimensão pela qual o capitalismo mais se reinvente através de seus artifícios de controle, reduzindo-o à categoria de produto finalizado, em que todo o processo que o antecede serve única e exclusivamente para se alcançar esse final pretendido, isto é, restringe o processo a possibilidades já pensadas, formatadas, reduzindo ao máximo as possibilidades que desvirtuem do resultado pretendido (previamente definido).

Formadora 6: [...] tem coisas que são necessárias. Bater seu ponto,

preencher sua pauta eletrônica, seu planejamento; tem coisas que você tem que fazer e não tem como fugir disso. Mas quais outras maneiras podemos inventar como a gente trabalha e como fazemos o nosso trabalho?

(narrativa extraída do 6º encontro)

Amarante (2016) diz que é necessário colocarmo-nos em posição de resistência e insistir na invenção de outra noção de trabalho. Salienta, ainda, que a resistência se dá pela criação de outras lógicas, pelas vias da experimentação descodificada; ou seja, que escape às lógicas estritamente regulamentadas, normatizadas. Deste modo, essa autora nos provoca a assumir a perspectiva de pesquisa que considere “outra noção de trabalho”, no sentido de questionar esse assujeitamento que nos é imposto.

Segundo Neves e Herchert (2016, p. 146-147) “grande parte da produção acadêmica acerca dos desafios do trabalho contemporâneo está permeada ora por um viés individualizante, vitimizante e transcendente, ora por uma concepção do trabalho como criação, atividade inventiva”. Assim, intenta-nos apostar com Neves e Herchert (2016) na concepção de trabalho como criação em que se afirma a sua potência de invenção, fugindo, portanto, do viés individualizante, voltado exclusivamente para análises acerca de adoecimentos e absenteísmos e do olhar “sistêmico transcendente” que trata trabalhadores de modo vitimizado e infantilizado.

Claro que não negamos a importância dos dados estatíscos que são informações pertinentes para se problematizar os processos de trabalho, contudo, por se tratarem de processos complexos, exigem uma perspectiva mais ampla de análise, que não submeta os trabalhadores da educação a uma posição de assujeitados, mas partam de sua realidade e de sua experiência, para pensar outras possibilidades para além de considerar o trabalho como produto finalizado, prescrito, imutável.

Para tanto, entendemos como estritamente importante e necessário atuar em consonância com uma postura ético-estético-política, pensando esses três elementos como nos aponta Barros (2000, p. 41):

[...] Estético porque diz de uma necessidade de criação permanente, subvertendo a pretensa unidade do mundo capitalista, ético porque é perspectiva que surge na imanência das práticas, para convocar a vida e escolher a forma de vivê-la e política porque implica na escolha de modos de mundo em que se quer viver.

Assim, adotar essa postura ético-estético-política nos auxilia a dialogar acerca da relação entre os processos de trabalho e a saúde do trabalhador. Osório e Ramminger (2014) apontam que esse debate vem crescendo desde a década de 1980, e que no Brasil a discussão ganha uma dimensão diferente, pois ao se estabelecer o Campo da Saúde do Trabalhador, os estudos que relacionam saúde e trabalho são fortalecidos e ganham mais evidência pelo fato de colocarem o processo de trabalho no centro da análise, ao invés do indivíduo, como geralmente é feito pela Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional.

Segundo as autoras, o campo da Saúde do Trabalhador ganha uma importância específica, pois

[...] propõe colocar o processo de trabalho (e não o indivíduo) no centro da análise dessa relação, defendendo mudanças em processos de trabalho potencialmente produtores de adoecimento, ao mesmo tempo em que pretende valorizar o saber e a experiência do trabalhador sobre seu próprio trabalho, entendendo-o como sujeito ativo do processo saúde-doença e não, simplesmente, como objeto de atenção à saúde. (OSÓRIO e RAMMINGER, 2014, p.4752).

Nessa perspectiva de trazer o processo de trabalho para o centro da análise, buscamos auxílio nas ferramentas conceituais de análise do trabalho da Clínica da Atividade, proposta por Yves Clot (2006, 2007, 2010), que se insere no Campo da Clínica do Trabalho44.

Clot (2006) descreve a Clínica da Atividade como aquela que relaciona à ideia de “clínica” e de “atividade”, porque atividade e subjetividade são inseparáveis. Aponta, ainda, que considera o termo “clínico” tendo em vista o objetivo de restituir o poder do sujeito sobre a situação, nesse caso, a intenção é a transformação da atividade do trabalho.

Além disso, segundo a perspectiva de Clínica da Atividade, o coletivo ganha destaque, pois contribui para o desenvolvimento dos processos subjetivos, extrapolando, portanto, a concepção de simples encontro de pessoas comumente relacionada ao sentido de coletivo. Nesse contexto, o autor afirma que o interesse da Clínica da Atividade gira em torno da dimensão coletiva e subjetiva. Em relação à atividade, Clot (2006, p. 105) afirma:

Para mim, a atividade é contribuir para uma história que não é minha e criar entre as coisas uma relação que não foi construída. A atividade não é operação (gesto visível, detalhe etc.), mas sim o que é feito e o que ainda

44Em entrevista publicada nos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, na edição de 2006 do

Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Clot explica que a Clínica do trabalho trata-se de uma psicologia que se baseia na Psicopatologia do Trabalho e na Ergonomia, tendo como objeto “as situações reais de trabalho e visa a ação sobre o campo profissional e busca desenvolver a capacidade de agir dos trabalhadores sobre eles mesmos e sobre o campo profissional”.

não foi feito. O sonho é parte da atividade. Inclui o que eu fiz e o que eu não fiz. [...]. A atividade é uma colisão de possíveis.45

Já os processos de trabalho, com base nos pressupostos teóricos da Clínica da Atividade, abarcam a concepção de trabalho enquanto atividade que exerce uma função psicológica específica na vida pessoal (CLOT, 2006). Deste modo, quando a atividade é impedida, acaba por gerar sofrimento e, consequentemente, adoecimento.

Diante desse contexto, buscamos Morschel et al. (2014) que afirma a necessidade de desenvolvermos dispositivos de pesquisa que estimulem a análise da atividade de trabalho pelos próprios trabalhadores, como forma de promover intervenções no processo de trabalho e, deste modo, possibilitar o desenvolvimento do poder de agir dos trabalhadores.

Segundo Osório e Ramminger (2014), o conceito de poder de agir foi desenvolvido por Yves Clot, a partir de Espinosa, e se refere à subjetividade como o poder de ser afetado. Deste modo, o poder de agir pode desencadear uma crise nos modos habituais de pensar, viver, trabalhar. Nesse sentido, tomando como base as discussões tecidas até aqui, reiteramos a nossa aposta de nos aliarmos às Redes de Conversações, dispositivo em que

A conversa participa, então, de redes de comunicação onde se produzem e se entrelaçam histórias. A constituição narrativa da experiência de si não é algo que se crie num diálogo íntimo do eu comigo mesmo, mas em um complexo processo de conversações entre textos e contextos, cuja fabricação não se faz sem conflitos. Se o poder de agir constrói valor de baixo para cima, se ele transforma o valor de acordo com o ritmo daquilo que é comum a todos e se ele se apropria constitutivamente das condições materiais de sua própria realização, então é obvio que nele reside uma força expansiva além da medida, e é nesse sentido que propomos pensar os processos de formação de professores inseridos no cotidiano escolar como redes de conversações, como redes de trabalho cognitivo, linguístico e afetivo, isto é, como a própria produção de redes sociais, de comunidades, de formas de vida e de produção de subjetividades (CARVALHO, 2017, p. 65)

Portanto, neste capítulo buscamos apresentar os fios que compuseram a trama investigativa, tecendo uma discussão considerando as dimensões – Educação

45 Trecho da entrevista publicada nos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, na edição de 2006

do Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Ambiental, Saúde e trabalho em educação - com a finalidade de adentrarmos mais nas questões do campo investigativo. Assim, ao tecer essa rede de teorizações em articulação com vários intercessores teóricos, utilizamos as narrativas e conversações, pois foram elementos que nos instigaram a buscar compreender mais a fundo a complexidade do campo problemático desta pesquisa. A seguir, realizaremos o exercício de pensar o entrelaçamento ambiente-saúde-trabalho, tomando como base a ecosofia.

5 A RELAÇÃO AMBIENTE-SAÚDE-TRABALHO PELAS LINHAS DA ECOSOFIA PARA REAPROPRIAÇÃO DA VIDA

Ao nos colocarmos no exercício de pensar o entrelaçamento ambiente-saúde- trabalho, novamente recorremos às narrativas capturadas em meio às conversações tecidas nos encontros de formação, com base nelas é que nos debruçamos a pensar essa relação. Portanto, destacamos abaixo narrativas que se passaram entorno da referida questão: