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Professora 3: [ ] a relação professor e aluno é a mais importante Mas

6.3 POÉTICAS QUE CIRCULAM, MOVEM, DESLOCAM E ENVOLVEM

Reunidos para o lanche partilhado, momento usado pelos participantes da formação para “respirar” após uma longa jornada de trabalho, as conversações entre os

professores pulsam, fluem.... alguns sentados, outros em pé. Ao convite para iniciarmos o segundo encontro, pouco a pouco vamos adentrando à sala destinada ao encontro formativo. Após as boas-vindas e a apresentação da formadora, é anunciada a proposta: Dança Circular! Um burburinho surge, é possível observar pelos olhares: incômodo, surpresa, estranhamento e interesse. Alguns sorrisos mais abertos, outros ainda deixam escapar o cansaço. Antes de começar a dança, um momento é reservado ao Poema de Estela Gomes intitulado “Escuta a dança”, recitado pela formadora...

Escuta as mãos dadas no círculo Os pés tocando o solo sagrado A terra a responder e apoiar seus passos A fluidez da água a te mover O fogo da alegria da música a tocar Escuta o ar a circular por você, pelo grupo e sua dança. Escuta o ritmo a gerar os gestos A cultura dos povos da tradição As histórias que a dança te conta O sabor das expressões em movimento,

o giro a te levar Escuta o balanço a te embalar. Escuta a força e a intenção

de seus passos e gestos A voz do focalizador O toque de seus vizinhos no círculo,

o grupo a pulsar, o centro a vibrar e aquietar Escuta o silêncio em seu ser a dançar.

Após a recitação, os corpos tomam suas posições e fazem surgir uma grande roda (Figura 7). A Dança Circular tem a característica de ser dançada em grupo e, de acordo com Del Maestro (2007), pode ser realizada em forma de roda, linha ou espiral de modo harmonioso pelo coletivo dos participantes, independentemente de etnia, credo, gênero ou idade, oportunizando que cada pessoa se conecte fisicamente a outra, ao se darem as mãos:

Formadora 9: Na dança circular, nós damos as mãos juntando palma com

palma, polegar para cima. Aí deslizamos as mãos, e a mão direita recebe e a esquerda dá. E assim, a gente organiza os corpos em harmonia, sempre a direita recebendo a esquerda dando. Relaxa os braços, pousa o braço.

Figura 7: Roda da Dança Circular

Fonte: Acervo de imagens da pesquisadora (2019).

A formadora apresenta a música, ensina a coreografia54, fala da dança circular e também da vida. A dança começa! Os corpos vão se movendo, se aproximam e se afastam na tentativa de, ao mesmo tempo, prestar atenção à coreografia, ouvir a música, se colocar no ritmo, acertar o passo, perceber o deslocamento do outro. E como é inevitável, ora se perde equilíbrio, ora confunde o passo, ou ainda, se ri de seu próprio descompasso. É permitido errar?

Formadora 9: Na dança circular tem uma coisa interessante que é: acertar

é bom, mas errar faz parte. Então a gente procura no espírito comunitário de grupo, se apoiar. Eu olho para quem já aprendeu e procuro o meu ritmo dentro da dança. Passo, passo, abriu, fechou, abriu fechou. Vamos continuar a coreografia.

Alguns professores, atrasados devido ao intenso congestionamento do trânsito, chegam. O auditório do Centro de Formação aparenta ficar menor e lançamo-nos ao improviso... cadeiras são removidas para outra sala e ganhamos um pouco mais de espaço, as pessoas se aproximam mais de tal modo que todos se acomodam. De fato, o espaço não foi apropriado à prática da Dança Circular, mas não nos impediu de viver essa experimentação. No entanto, também é fato que

54 As coreografias das Danças Circulares são ensinadas pelo(a) focalizador(a), termo utilizado para

designar a pessoa que assume a função de conduzir a dança, bem como apresentar a música e os passos da dança. Contudo, de acordo com Del Maestro (2007), as Danças Circulares não se limitam a passos ensaiados, pois elas possibilitam que os corpos estabeleçam uma espécie de conexão entre o grupo que dança e cada pessoa que esteja presenciando a dança.

necessitamos de melhores condições e infraestrutura, além de espaços adequados para a realização de formações mais significativas e potentes. Entre o real e o ideal existe um grande hiato, o que nos faz problematizar essa questão e nos posicionarmos, de modo a não aceitarmos passivamente a precarização ou inadequações que prejudiquem o desenvolvimento profissional e humano dos profissionais da educação.

A Dança segue, e a cada nova dança, mais complexa a coreografia, exigindo mais concentração, empenho e agilidade: “perna direita, abriu, juntou, voltou, passo, passo”. Para não nos perdermos, contamos o número das passadas, contagem que se ouve em som uníssono. Mais burburinho e risos surgem. A formadora pede “não parem”. E o movimento continua. Cruza, gira, abre, chuta com a perna esquerda, gira e...um “poft” e um “Ai!” ecoam pela sala. A roda para. Duas professoras, num descompasso se chocam:

Figura 8: Experimentação “Dança Circular”

Fonte: Arquivo de imagens da pesquisadora (2019).

Naquela altura, os professores já haviam se entregado complemente à experimentação. Confessamos que, junto a essa entrega, uma sensação de alívio toma a pesquisadora, porque o pensamento que martelava na cabeça desde o início do planejamento da formação era “O que os professores vão achar dessa proposta?” Talvez esse sentimento de insegurança derive do movimento de

tentativa de se distanciar do modelo convencional de formação, encaixotado numa lógica padronizada de produção de conhecimento que ainda estava latente, apesar de misturado ao desejo por outras lógicas e concepções de formação. Muito disso também tem relação com a experiência da pesquisadora enquanto pedagoga, que ao longo de sua trajetória profissional ouviu falas que estigmatizam a sua profissão, como afirmações do tipo “pedagogo adora fazer dinâmica em reunião”.

Escapar dos moldes de normatizações acadêmicas e de afirmação hierárquica de saberes, na intenção de nos desviar do convencional. Não foi ao acaso que, ao elaborarmos a proposta de formação, recorremos às experimentações como a dança circular, música, pintura, entre outras, para seguir essa direção de romper com a padronização formativa tão usual e também de trazer mais poesia para a vida e, assim, buscar os bons encontros que contribuem com o aumento do nosso poder de agir. Exemplo disso, podemos observar na narrativa abaixo:

Professora 30 – [...] eu confesso que dos cursos que eu já fiz por esse aqui eu estou apaixonada. O tipo de relação que a gente estabeleceu com o grupo foi uma coisa muito legal. [...] por exemplo, aquela dança circular foi fundamental para a gente adquirir essa afinidade. Eu sou muito tímida embora não pareça, e quando comecei o curso pensei “meu objetivo é chegar lá e me colocar de peito aberto para ter experiência e aprender tudo o que eu puder”. Aí no primeiro dia foi aquela coisa de olhar um para outro, eu já fiquei igual a um caracol. Mas no outro dia eu já estava interagindo com as pessoas [...] então esse curso ele tem que ter continuidade, ele não pode parar. A ideia é muito legal, pelo menos para mim. [...] eu quero vivenciar isso tudo porque me deu um ânimo muito bom. Estou muito feliz.

(narrativa do sétimo encontro destinado à avaliação dos encontros realizados até aquele momento)

Neste momento de escrita, queremos evidenciar a importância dessas experimentações para a composição do processo formativo, pois com elas foi possível deslocar o pensamento acerca do modo convencional de se conceber formação de professores. Já de antemão, por causa dos possíveis questionamentos acerca da necessidade de incluí-las na dissertação, salientamos que, ao comporem os encontros de formação, elas se constituíram potentes táticas pelas quais fomos enredando conversações, experiências, saberes, e, assim, produzindo conhecimento pela via poética.

[...] a arte e a vida são possíveis de serem brindadas em várias linguagens. A Arte responde a duas grandes dimensões da civilização humana: a orientação de Apolo que tende a valorar a intoxicação das convenções

mantendo o status quo; e a outra tendência dionisíaca, que dá a liberdade da criação e imaginação para que a poética possa também promover a transgressão contra as violências do mundo. A estética da arte, neste contexto, considera uma dimensão ética e política para além da beleza (SATO, 2011, p. 2)

Dessa maneira, tomados pela poética55 como “um caminhar por uma via para descobrir outras” (SATO, 2011, p. 7), trouxemos as experimentações enquanto possibilidades disparadoras de pensamento acerca da relação ambiente-saúde- trabalho. Sato (2011) diz que a poética envolve linguagens como texto, imagem, poesia, corpo, entre outros, e permite dar vazão ao fazer artístico enquanto a “própria experiência poética de significados, imaginação e sentimentos” (SATO, 2011, p. 7). Além da dança circular, também lançamos mão da pintura, música, escultura, conforme apresentamos nas imagens que se seguem:

Figura 9: Experimentação “Pintura com terra”

Fonte: Arquivo de imagens da pesquisadora (2019).

55 Segundo Sato (2011) a concepção de poética que utiliza corresponde à definição dada por Charles

Figura 10: Experimentação “Música”

Fonte: Arquivo de imagens da pesquisadora (2019).

Figura 11: Experimentação “Argila”

Fonte: Arquivo de imagens da pesquisadora (2019).

Até mesmo outras experimentações aparentemente pequenas, como por exemplo, os modos de habitar os espaços (Figura 12), nos parecem importantes no contexto formativo. Apesar de não estar ligado às manifestações artísticas, ou por mais simples ou irrelevante que pareça, não seria um passo em deslocamento de despadronização para reinvenção? Ou ao menos uma tentativa de outro modo de

ver, sentir e fazer formação? Indo um pouco mais além: quem sabe essas reinvenções ressoem nos modos de vida dos professores e, consequentemente, nas suas práticas docentes, alcançando alguns de seus alunos?

Figura 12 – Habitando os espaços formativos de outros modos

Fonte: Arquivo de imagens da pesquisadora (2019).

Na imagem acima, vemos exemplos de como habitar espaços de formação que fogem ao padrão, mas nos quais houve uma intensa produção de conhecimentos. Acerca desta questão, vale apresentar um trecho de conversação a respeito da forma de habitar o espaço formativo numa outra lógica:

Formadora 5: O que vocês estão sentindo?