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A Administração Pública e a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: os impactos nos atos públicos de liberação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE DIREITO

Luiz Fernando de Souza Hemsing

A Administração Pública e a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: os

impactos nos atos públicos de liberação

Florianópolis 2020

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Luiz Fernando de Souza Hemsing

A Administração Pública e a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: os

impactos nos atos públicos de liberação

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito

Orientador: Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam. Coorientador: Mateus Stallivieri da Costa.

Florianópolis 2020

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Hemsing, Luiz Fernando de Souza

A Administração Pública e a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica : os impactos nos atos públicos de liberação / Luiz Fernando de Souza Hemsing ; orientador, José Sérgio da Silva Cristóvam, coorientador, Mateus Stallivieri da Costa, 2020.

84 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação)

-Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Graduação em Direito, Florianópolis, 2020. Inclui referências.

1. Direito. 2. Declaração de Direitos de Liberdade

Econômica. 3. Administração Pública. 4. Impactos da aprovação Tácita e dispensa de atos de liberação. 5. Atos públicos de Liberação. I. da Silva Cristóvam, José Sérgio. II.

Stallivieri da Costa, Mateus. III. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Direito. IV. Título.

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AGRADECIMENTOS

Dedico esta monografia a todos que, de alguma forma, contribuíram para o meu desenvolvimento como pessoa e como profissional até aqui.

Primeiramente agradeço pelo período que passei na 1ª Vara Cível do Fórum do Continente, bem como pelo tempo como estagiário na Caixa Econômica Federal, sem dúvidas foram parte importante do meu amadurecimento como pessoa.

De maneira especial, à orientação do Professor José Sérgio da Silva Cristóvam e Coorientação do Matheus Stallivieri da Costa, pela inestimável contribuição no trabalho, obrigado.

Em tempo, importante agradecer o tempo que passei na graduação, sem dúvidas os melhores da minha vida. Nesse período conheci pessoas incríveis e que levarei no coração para todo sempre. Meus agradecimentos ficam em especial para a Atlética de Direito da UFSC e ao time de futebol, que se tornou uma família ao longo destes últimos cinco anos.

Aos amigos da 15.2, fique registrado que com vocês cresci como pessoa, fiz amigos inestimáveis e vivi alegrias que lembrarei até o fim da minha vida.

Ainda, agradeço a minha namorada, Camila Correa, por ter estado ao meu lado durante esse período, e sido meu porto seguro nos momentos de dúvida e ansiedade.

Por fim, um agradecimento à minha família, que foi e sempre será a responsável pelos valores que hoje possuo, e pela pessoa que me tornei. Em especial a Jane, minha mãe, obrigado pelos gibis na infância, e pelos livros na adolescência, meu gosto pelo saber vem de você. Ao meu pai, Marcos, agradeço por sempre me mostrar o valor do trabalho, e me ensinar que sempre deveria dar tudo de mim pelos meus objetivos.

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RESUMO

A presente monografia objetiva abordar as inovações da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica que alteraram o regime de atos públicos de liberação, impactando a atividade administrativa. O tema Liberdade Econômica vêm ganhando destaque ao longo dos últimos anos com o atual Governo defendendo a necessidade de abertura da economia e menor controle do Estado sobre o particular. Nesse contexto surgiu a Medida Provisória 881/19, que se tornou Lei 13.874/19, objetivando dar concretude a esse anseio por mais liberdade Econômica. Assim a Lei buscou inovar no ordenamento, primeiramente instituindo a garantia de dispensa de atos públicos de liberação para desenvolvimento de atividades econômicas de baixo risco, e também definindo que nos casos em que a atividade econômica necessitar de atos de liberação para operar dentro da legalidade, o silêncio administrativo dos órgãos públicos importará em aprovação tácita. Desta forma, buscou-se por meio do método dedutivo, através de uma leitura bibliográfica qualitativa, estudar as características dos institutos que alteram o regime de atos públicos de liberação para definir se ambos realmente causaram impactos na atividade administrativa. A hipótese foi confirmada ao longo do trabalho, tendo em vista que a dispensa de atos públicos de liberação e a aprovação tácita representam uma quebra com o antigo regime, buscando inovar no ordenamento. Apesar disso, foram constatadas falhas de redação, bem como opções legislativas por uma abrangência maior de aplicação do instituto, que concluímos necessitarem de ajustes por regulações ulteriores para funcionarem efetivamente sem gerar inconstitucionalidade.

Palavras-chave: Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Administração Pública.

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ABSTRACT

This monograph aims to address the innovations of the Declaration on the Rights of Economic Freedom that altered the regime of public liberation acts, impacting administrative activity. The theme of Economic Freedom has been gaining prominence over the past few years with the current Government defending the need to open the economy and less control by the State over the individual. In this context, Provisional Measure 881/19 emerged, which became Law 13,874 / 19, aiming to make this yearning for more economic freedom concrete. Thus, the Law sought to innovate in ordering, first establishing the guarantee of exemption from public acts of liberation for the development of low-risk economic activities, and also defining that in cases where economic activity requires acts of liberation to operate within the law, the administrative silence of public bodies will imply tacit approval. in this way, it was sought through the deductive method, through a qualitative bibliographic reading, to study the characteristics of the institutes that alter the regime of public liberation acts to define if both really caused impacts on the administrative activity. The hypothesis was confirmed throughout the work, considering that the exemption from public acts of liberation and the tacit approval represent a break with the old regime, seeking to innovate in the ordering. Despite this, drafting flaws were observed, as well as legislative options for a wider scope of application of the institute, which we concluded need adjustments by subsequent regulations to function effectively without generating unconstitutionality.

Keywords: Declaration of the Rights of Economic Freedom. Public administration.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... ... 9

2 A DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA . ...11

2.1 A LIBERDADE ECONÔMICA E O BRASIL ... ... 11

2.2 CARACTERÍSTICAS DA NORMA ... ... 14

2.3 OS PILARES PRINCIPIOLÓGICOS DA LEI 13.874/19 ... ... 21

2.4 A SIMPLIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA E A LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA27 3 OS IMPACTOS DA LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA NOS ATOS PÚBLICOS DE LIBERAÇÃO ... ... 34

3.1 A DISPENSA DE ATOS PÚBLICOS DE LIBERAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES DE BAIXO RISCO... .. ... ...35

3.2 A APROVAÇÃO TÁCITA DIANTE DO SILÊNCIO ADMINISTRATIVO.... . 47

4 AS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA ... ... 697

4.1 AS INCONSTITUCIONALIDADES APONTADAS PELAS AÇÕES DE NÚMERO 6.528, 6.217, 6.156 E 6.184 ... ... 58

4.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS .... ...69

5 CONCLUSÃO ... ... 76

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva traçar um panorama sobre a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e os institutos da aprovação tácita e da dispensa de atos públicos de liberação para prática de atividade de baixo risco, analisando os impactos das inovações em questão na atividade da Administração Pública.

O tema liberdade econômica vem ganhando força no Brasil há anos, em 2019, o país ocupava a 150º posição no ranking de Liberdade Econômica da Heritage Foundation/Wall Street Journal, 144º posição no ranking de Liberdade Econômica do Fraser Institute, e 123º posição no ranking de Liberdade Econômica e Pessoal do CatoInstitute, renomados institutos internacionais que avaliam o nível de liberdade econômica dos países ao redor do globo.

A dificuldade para se empreender no Brasil sempre foi tema de debate na sociedade, e a pouca efetividade do Estado, aliada ao excesso de controle da administração perante o particular tem sido alvo de criticas ao longo dos anos.

As estratégias para o combate à esse excesso de burocracia e controle estatal sob a atividade econômica até 2019, não haviam agradado o setor empresarial, que clamava por uma diminuição da interferência estatal na vida do particular. Essa tendência cresceu, e aliada a outros fatores sociais, culminou com a mudança na presidência do país em 2018, que tinha uma proposta economica mais liberalizante em relação aos governos anteriores.

Neste contexto, a discussão acerca da necessidade de maior liberdade econômica tomou forma no poder executivo, através da Medida Provisória 881/2019, que após passar por alterações, acabou por ser promulgada como Lei 13.874/19, instituindo, como ficou conhecida, a Lei de Liberdade Econômica.

A importância do tema reside não só em sua atualidade, mas também por conta do caráter inovador da legislação. Isso porque visando proporcionar uma maior liberdade ao empresário, a Lei de Liberdade Econômica inovou estabelecendo dois institutos que não possuíam precedente no ordenamento nacional.

Esta pesquisa acrescentará no âmbito jurídico, tendo em vista que com a bagagem teórica adquirida ao longo do trabalho, pretende-se expor as características mais importantes dos institutos citados, para que após uma analise dos impactos que as inovações criaram no ordenamento, seja possível identificar as falhas e virtudes essenciais para uma melhor aplicação do mesmo na esfera Administrativa.

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No tocante ao método, aplicar-se-á o dedutivo ao presente estudo, partindo de concepções gerais da Lei de Liberdade Econômica para pontos específicos da norma, em uma metodologia de revisão bibliográfica monográfica qualitativa, sendo descritiva em seus dois primeiros capítulos, e prescritiva no capítulo final do trabalho, em que daremos nossas considerações acerca das ações pendentes de julgamento no Superior Tribunal Federal, naquilo que estiver inserido no escopo do estudo.

Delimitando o citado escopo, objetiva-se observar as características dos institutos da dispensa de atos públicos de liberação para desenvolvimento de atividade de baixo risco, bem como da aprovação tácita diante do silêncio administrativo. Desta forma, a problemática a ser respondida no presente estudo, é em fato se a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica influencia a atividade da administração pública no tocante aos atos públicos de liberação.

A hipótese preliminar é de que sim, os dispositivos da Lei de Liberdade Econômica, ao alterarem o regime de atos de liberação em vigência no ordenamento, impactam diretamente a atividade da Administração Pública.

Assim, o primeiro capítulo do presente trabalho procura apresentar um panorama geral do que envolve a Lei de Liberdade Econômica, tratando das características normativas da legislação, seus princípios e como a norma deve ser vista à luz da simplificação administrativa. Ademais, ao iniciar o trabalho, uma breve contextualização do momento econômico e político nacional procuram justificar a edição da norma.

No segundo capítulo entraremos de forma mais objetiva no escopo do trabalho, onde tratamos do instituto da dispensa de atos públicos de liberação, primeiramente demonstrando a sua inovação no ordenamento e as inspirações que levaram o legislador a optar por essa forma de atuação. Em um segundo momento, levaremos a discussão para os impactos que esse instituto possivelmente possa gerar na atividade administrativa. De igual maneira trataremos da aprovação tácita diante do silêncio administrativo, primeiramente traçando algumas características da norma que disciplina o dispositivo, bem como buscando avaliar de forma crítica os possíveis empecilhos quanto à aplicação do instituto na atividade regulatória da administração pública.

Por fim, no terceiro capítulo abordaremos as Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas em face da Lei de Liberdade Econômica que ainda pendem de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Após uma exposição das diversas inconstitucionalidades arguidas em face da norma, com base nas discussões ao logo do trabalho, pretende-se expor nossas considerações acerca dos dispositivos que foram impugnados, e que tenham relação direta com o escopo do estudo.

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2 A DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA

O presente capítulo versará sobre a construção da ideia de uma Lei de Liberdade Econômica, inicialmente comentando acerca de como o Brasil se posiciona internacionalmente quando se trata do tema liberdade dentro da economia, o que historicamente surgiu como influência para o atual estado em que nos encontramos, além de discorrer brevemente acerca do posicionamento político do governo atual acerca do tema.

Dado esse panorama político e social do momento atual no Brasil, partiremos então para um estudo preliminar da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, acerca de suas disposições gerais, características normativas, delimitando a abrangência da novel legislação, seu escopo, bem como seu posicionamento dentro do sistema jurídico brasileiro.

Estudar-se-á também os princípios basilares da novel legislação, primeiramente contextualizando uma definição de princípios, assim como defendendo o argumento de que todos esses princípios devem ser interpretados à luz do centro axiológico da Constituição Federal, além de, por fim, expor quais são os princípios constitucionais que orientam a Lei 13.874/2019 e buscar uma definição que nos auxilie na orientação e interpretação das normas contidas no regramento.

Por fim, nos debruçaremos no estudo de um tema ainda pouco tratado pela doutrina brasileira, que apesar de ser teoricamente aplicável em diversos campos jurídicos, aqui será tratado em uma área especifica, sendo esse tema chamado de simplificação, e a área de enfoque do presente estudo sendo a administrativa. A simplificação administrativa pode ser considerada um princípio implícito na Constituição, e inicialmente após uma rápida contextualização, buscaremos apontar os dispositivos constitucionais em que essa simplificação se sustenta. Após, faremos a importante conexão entre a Lei de Liberdade Econômica e as medidas de simplificação administrativa que inspiraram diversos dispositivos da norma.

2.1 A LIBERDADE ECONÔMICA E O BRASIL

Não é segredo que o Brasil convive com índices preocupantes ao longo de sua história quando se fala em desempenho econômico. Dentre as diversas opiniões acerca da causa para o baixo desempenho, o economista Vladmir Fernandes Maciel destaca que o problema é o péssimo ambiente de negócios, proporcionado por governos e institutos com

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ações que, a nível microeconômico, impõe alta tributação, elevados custos transacionais, além de normas e legislações dúbias que causam insegurança jurídica, levando a uma cadeia de eventos que prejudicam a competitividade e a produtividade da economia nacional1.

Esse desempenho pode ser traduzido pela avaliação de institutos internacionais que apontam os índices de liberdade econômica em países ao redor do mundo. O Fraser Institute, por exemplo, é um dos grandes institutos internacionais que anualmente divulga seu Relatório de Liberdade Econômica Mundial, avaliando objetivamente o desempenho econômico dos países através de cinco critérios, sendo eles: tamanho do governo; estado de direito e direitos de propriedade; credibilidade monetária; livre comércio internacional e; regulação2.

Em 2018, o citado instituto divulgou seu ranking anual, e apontou o Brasil como um dos piores colocados no ranking, figurando na 144ª posição, de 162 divulgadas. O País figurava no pior grupo analisado ao lado de países como Venezuela e Argentina.

A Heritage Foundation, outra importante fundação que possui uma metodologia de avaliação de liberdade econômica similar à do Fraser Institute, divulgou seu ranking de 2019, em que o Brasil figurava na 150ª colocação, dentre os 186 países ranqueados3.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, ao fazer uma análise da evolução histórica da ordem econômica no Estado Brasileiro, argumentou que existem três disfunções atávicas marcando a trajetória do Brasil: o patrimonialismo, o oficialismo e o autoritarismo4.

O patrimonialismo remete a nossa origem ibérica, no modo como se estabeleciam as relações entre imperador e sociedade portuguesa, e colonizadores do Brasil. Não havia separação entre posses do Rei e do Estado, a monopolização da Coroa sob as posses e frutos da Colonia, sem separação, eram marcas do Brasil imperialista. Essa difícil separação entre público e privado que marca a formação nacional, onde o Servidor Público utiliza os serviços

1

MACIEL, Vladimir Fernandes. Por que a liberdade econômica é tão necessária ao Brasil?. In: GOERGEN, Jerônimo (org.). Liberdade econômica: O Brasil livre para crescer. Quântica Contabilidade, p. 35, 2019.

Disponível em:

https://aquanticacontabilidade.com.br/web-files/uploads/arquivo/site/1beb05f3260626831375b1dae21477cb.pdf. Acesso em: 30 de set. de 2020.

2 GWARTNEY, James et al. Economicfreedomofthe world: 2019 annual report. Fraser Institute, Vancouver,

2019. Disponível em: https://www.fraserinstitute.org/studies/economic-freedom-of-the-world-2019-annual-report. Acesso em: 02 de out. de 2020.

3

MILLER, Terry et al. 2019 Index ofEconomicFreedom. The Heritage Foundation, Washington, DC, 2019. Disponível em: https://www.heritage.org/index/book/chapter-3. Acesso em 02 de out. de 2020.

4

BARROSO, Luís Roberto. Estado e livre iniciativa na experiência constitucional brasileira. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 33, janeiro/fevereiro/março de 2013. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=683. Acesso em 29 de out. de 2020.

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do Estado em sua vida privada, como algo cotidiano, onde o STF precisa julgar uma ação para vedar o nepotismo no judiciário, por exemplo5.

O oficialismo é marco característico da dependência do particular perante o Estado, ou seja, seu apoio e financiamento em todo e qualquer projeto financeiro de grande porte. A dependência da máquina pública para empreender, obter concessão para realizar obras ou projetos relevantes é notável segundo o ministro, pois quase tudo depende de financiamento ou autorização de órgãos públicos. Sem boa vontade governamental, empreender em larga escala no Brasil torna-se uma tarefa heroica, quase surreal, e este não é um fenômeno de um governo isolado, mas sim uma característica histórica da nação6.

Por fim, o autoritarismo, segundo o autor, é ainda mais fácil de exemplificar. Segundo o mesmo, a quebra da legalidade constitucional é um movimento histórico desde a proclamação da República, desde Floriano Peixoto, vice de Deodoro, que permaneceu no cargo após a renúncia do Presidente, deixando de convocar eleições, a tônica tem sido a quebra de legalidade das Constituições, desde a revolução de 30, golpe do Estado-Novo em 1937, deposição de Getúlio em 45, rebeliões contra Juscelino em 56, golpe Militar de 64, AI 5, outorga da Constituição de 1969, anos de chumbo do período Médici, fechamento do Congresso por Geisel7.

Por fim, o autor ainda inclui uma quarta característica, menos institucional e mais pessoal do brasileiro. Trata-se da crença de que o Estado possui recursos infindáveis, que tem o controle de tudo e deve ser o provedor paternalista do cidadão em todos os seus anseios8.

Essas características contribuem para justificar o péssimo desempenho econômico estatal ao longo de sua história até os dias atuais, e nesse contexto onde o país é considerado pouco livre perante a comunidade internacional, surgiram movimentos com a intenção de alterar esse preocupante estado econômico.

Nos anos de 2018 e 2019, após estudos e debates realizados pela Sociedade brasileira de direito público – SBDP, sob a coordenação do renomado professor Carlos Ari Sundfeld, surgiu uma proposta acadêmica de reforma nacional em favor da liberdade econômica e das finalidades públicas da regulação. Segundo a proposta, havia a necessidade de repensar a maneira como a máquina pública dialoga com o setor privado, com a edição de uma norma

5 BARROSO. Ibid., p. 2. 6 BARROSO. Ibid., p. 3. 7 BARROSO. Ibid., p. 3. 8 BARROSO. Ibid., p. 4.

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geral focada em um ponto específico, o de regular de maneira clara a atuação, técnicas e limitações do poder de polícia sobre a atividade econômica privada e a propriedade9.

Amparados na já mencionada avaliação de liberdade econômica do Brasil por institutos internacionais, em abril de 2019 foi elaborada a Proposta de Medida Provisória visando melhorar os índices que fazem parte da avaliação, objetivando um ambiente favorável para o crescimento econômico. Segundo a proposta, estudos mostram que investimentos em áreas como educação, tecnologia e produção, acabam não tendo efeito no crescimento e desenvolvimento econômico, quando realizados em países com baixo nível de liberdade. Concluiu-se afirmando que, a liberdade econômica é um pré-requisito necessário, para que politicas públicas da administração tenham efetivo impacto na realidade econômica do país10.

E assim, após meses em processo de tramitação, a Medida Provisória 881 foi convertida em Lei 13.874/2019, e instituiu a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica.

Assim, ao longo do próximo tópico então, conforme dito, destrincharemos as disposições gerais dessa norma, que em teoria veio como uma solução à falta de dispositivos que protegessem a livre iniciativa como um fundamento constitucional.

O que se busca inicialmente não é definir se a Lei de Liberdade Econômica é útil ao ordenamento, ou eficaz naquilo que se propõe a ser, mas sim expor as suas características, como a norma se porta dentro do ordenamento jurídico e sua estrutura.

2.2 CARACTERÍSTICAS DA NORMA

Avançando no tema, é importante que se faça uma análise estrutural da Lei 13.874/19, e iniciaremos este estudo observando o que disse Geanluca Lorenzon, Diretor de Desburocratização do Ministério da Economia de Jair Bolsonaro, principal redator da Declaração de Direitos de liberdade Econômica, desde sua elaboração como minuta em medida provisória até que fosse sancionada em Lei.

Segundo o Diretor, a Lei de Liberdade Econômica se divide em: princípios, declaração de direitos, medidas regulatórias e alteração de outros diplomas legais. A escolha

9 SUNDFELD, Carlos Ari. E col. Para uma reforma nacional em favor da liberdade econômica e das finalidades

públicas da regulação. São Paulo: FGV Direito SP, Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, 2019, p. 3-4. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2019/04/Lei-Nacional-da-Liberdade-Econ%C3%B4mica-FGV-Direito-SP-sbdp-vers%C3%A3o-final-04.04.19.docx.pdf. Acesso em 02 de out. de 2020.

10

BRASIL. Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019. Brasília, DF, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Exm/Exm-MP-881-19.pdf. Acesso em 11 de out. de 2020.

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por uma declaração de direitos como técnica redacional se deu primeiramente pela possibilidade de se colocar um extenso conteúdo jurídico de diversas áreas diferentes em poucos artigos. Segundamente, tendo em vista o contexto político do país à época, em que havia a promessa do governo de conduzir a economia com as bases sólidas no liberalismo e na antissocial-democracia, a razão seria histórica, pois cartas de direitos ao longo da história já carregaram a mesma significância11.

É pertinente que se faça uma análise das características da norma jurídica, delimitando a abrangência da novel legislação, seu escopo, bem como seu posicionamento dentro do sistema jurídico brasileiro. A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica é instituída da seguinte maneira:

Art. 1º Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.

§ 1º O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.

[...]

§ 4º O disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º desta Lei constitui norma geral de direito econômico, conforme o disposto no inciso I do caput e nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 24 da Constituição Federal, e será observado para todos os atos públicos de liberação da atividade econômica executados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, nos termos do § 2º deste artigo.

O que primeiramente pode ser identificado na redação do caput do primeiro artigo é acerca do enfoque proposto na norma. Ao analisar os princípios e dispositivos constitucionais a que se reporta, o ponto em comum é que todos tratam do tema atividade econômica. Assim, é possível concluir que os dispositivos da LLE intentam ser aplicados nas relações jurídicas que tratem de atividade econômica12.

A questão passa a ser então acerca do conceito de direito econômico, que para Eros Grau é “sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico, mediante a

11 LORENZON, Geanluca. Estrutura e escopo da Lei da Liberdade Econômica. In: SANTA CRUZ, André

(org.); DOMINGUES, Juliano Oliveira (org.); GABAN, Eduardo Molan (org.). Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: Comentários à Lei 13.874/2019. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 27-28.

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regulação, sob o ponto de vista macro jurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal13”.

O mesmo autor ainda distinguiu duas áreas de atuação de atividades econômicas em nível constitucional, sendo elas de sentido restrito e de serviço público. Em sentido restrito refere-se à exploração de atividades econômicas em regime de direito privado, visando principalmente o lucro14, enquanto o serviço público é desenvolvido visando interesses sociais e coletivos, por meio da atuação estatal ou por concessão, nos termos do art. 175 da Constituição15.

Ao não fazer referência ao art. 175 da CF/88 em seu escopo, o legislador parece apontar intencionalmente apenas para as atividades econômicas em sentido estrito, não incluindo a principio, serviços públicos.

No entanto, segundo Marçal Justen Filho, a Lei de Liberdade Econômica parece intentar sua utilização no direito privado não apenas quando há intenção de lucro, e até mesmo em sociedades estatais, desde que essas sejam organizadas dentro de um modelo empresarial. Em conclusão, a intenção parece ser tutelar toda atividade econômica, com exceção das atividades oriundas de serviço público que visem o bem estar social e coletivo16.

Além de firmar a intenção de tutelar atividade econômica, o legislador optou por propor um rol exemplificativo de ramos do direito em que as disposições da Lei 13.874/19 devem ser observadas, conforme exposto em seu art. 1º, § 1º17.

Conforme entendimento de Justen Filho, esse elenco não é exaustivo, apenas tenciona tornar indiscutível a aplicação da norma a certos ramos do direito e órgãos que se comunicam com o direito econômico. Mesmo que possa ser visto como desnecessário, o autor sustenta que a intenção seria apenas de eliminar controvérsias e afastar preconceitos, evitando exceções justificadas por ideias equivocadas, resultantes de pressões organizadas e antigas tradições18.

13

GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico, São Paulo, RT, 1981, p. 39.

14

Idem. A ordem econômica na Constituição de 1988, 14 ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 108.

15

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

16

JUSTEN FILHO, Marçal. Abrangência e Incidência da Lei In: MARQUE NETO, Floriano Peixoto (org.); RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz (org.); LEONARDO, Rodrigo Xavier (org.). Comentários à Lei de Liberdade Econômica: Lei 13.874/2019. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 24-25.

17

Art. 1º [...] § 1º O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seuâmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.

18

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A lei também impõe limites à sua própria aplicação, quando em seu artigo 1º, § 3º, determina que “O disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º desta Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o inciso X do caput do art. 3º”.

Tal vedação se explica por múltiplas razões, tanto no direito tributário com a discriminação constitucional de competências entre os entes federativos que veda à União veicular normas sobre temas específicos que competem a cada ente federativo, e ainda por conta do tema se sujeitar ao princípio da legalidade restrita, que expõe a obrigatoriedade de edição de Lei específica pelo ente constitucionalmente competente para tratar de matéria tributária19.

Outra razão é que a Constituição Federal impõe que em termos de direito financeiro, o tema só pode ser disciplinado por Lei Complementar, conforme disciplina o art. 163, incisos I e seguintes. Não só finanças públicas, mas o direito tributário também possui limitação constitucional, e suas normas gerais que competem à União disciplinar, dependem de edição de Lei Complementar, conforme art. 146, incisos I, II e III e parágrafo único.

É também de suma importância que se dê especial destaque ao contido no § 4º da Lei 13.874/19, que constituiu seus quatro primeiros artigos como normas gerais de direito econômico, nos termos do inciso I do caput do art. 24 e parágrafos seguintes da CF20.

O texto constitucional define que os entes federados possuem competência concorrente para legislar sobre direito econômico e outros temas, e que à União compete legislar sobre o tema apenas no estabelecimento de normas gerais. Esse critério de repartição de competências com características verticalizadas é o que consagra a Constituição Federal, ao menos nas áreas abordadas pelo artigo apontado, em que se delegam parcelas iguais de poder a todos os entes da federação de maneira concorrente.

Essa competência concorrente pode ser própria ou imprópria21. Na presente análise cabe-nos focar apenas nas competências concorrentes de origem própria, previstas

19

Ibidem, p. 36.

20

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

[...]

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

(17)

diretamente no art. 24, pois é em tal previsão que se encontra a limitação da União às normas gerais, a qual a Lei de Liberdade Econômica se reporta.

Discorrendo acerca do instituto da competência concorrente própria, podemos afirmar que a referida determina que todos os entes federados possuem a prerrogativa constitucional para legislar sobre os temas previstos no artigo 24 da constituição, e que à União recai a prerrogativa para expedir normas de caráter geral acerca desses temas, enquanto aos demais entes cabe complementar a legislação geral conforme seus interesses, no que couber. Ainda, em caso de ausência de norma geral editada pela União, os entes possuem a prerrogativa para exercer a competência, cientes de que sobrevindo legislação federal posterior, suspende-se a eficácia dos regramentos que contrariarem as normas de caráter geral22.

Tal entendimento nos permite visualizar os limites de atuação conjunta entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios no modelo federativo adotado pelo Brasil. Também, nos permite compreender o conceito de normas gerais e como interpretaremos os diferentes posicionamentos doutrinários da literatura brasileira acerca do assunto.

Acerca do tema, Diogo de Figueiredo Moreira Neto reuniu o pensamento de doutrinadores estrangeiros e nacionais, definiu os pontos comuns nas diversas doutrinas, além de suas divergências, para então formular um conceito, a seguir exposto:

Normas gerais são declarações principiológicasque cabe à união editar, no uso de sua competência concorrente limitada, restrita ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos, que deverão ser respeitadas pelos Estados-membros na feitura das suas respectivas legislações através de normas específicas e particularizantes que as detalharão, de modo que possam ser aplicadas, direta e imediatamente, às relações concretas a que se destinam, em seus respectivos âmbitos políticos23.

Em artigo que tratou do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello ao comentar o conceito de Moreira Neto, optou por um caminho mais abrangente quando se trata de normas

21

Para uma leitura mais aprofundada acerca das competências concorrentes próprias e impróprias, ver a obra de ARAUJO, Luis Alberto David. NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed., atual. até a E.C. 68 de 21 de dezembro de 2011, São Paulo: Verbatim, 2012;

22DRIGO, Leonardo Godoy. Competências legislativas concorrentes: o que são normas gerais?. Revista Jus

Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3620, 30 maio 2013. Disponível

em:https://jus.com.br/artigos/24557/competencias-legislativas-concorrentes-o-que-sao-normas-gerais/3. Acesso em: 16 de out. de 2020.

23

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Competência concorrente limitada: o problema da conceituação das normas gerais. Revista de informação legislativa, v. 100, p. 158-159, out./dez. de 1988. Disponível em:https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181992/000857523.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 18 de out. de 2020.

(18)

gerais perante casos de competência concorrente, mesmo em discordância com a doutrina predominante.

Para o autor, o conceito adotado por Moreira Neto carece de suplementação quando aplicado ao direito positivo brasileiro. É conveniente que se inclua no campo das características das normas gerais, padrões mínimos de defesa do interesse público, para que tais padrões não fiquem à mercê de aplicação por todos os estados e municípios, que em alguns casos poderiam sofrer na aplicação das normas gerais por falta de preparo. Ou seja, seria possível que a União criasse normas de caráter mais específico, com o intuito de fixar um patamar mínimo de defesa do interesse público que vincularia as demais entidades federativas, sem evidentemente esgotar a matéria, o que permitiria que os demais entes legislassem acima daquele piso livremente, como entendessem pertinente24.

Com a devida vênia, para os fins do presente trabalho, entendemos que Bandeira de Mello conceituou de maneira mais assertiva as características das normas gerais no ordenamento brasileiro. A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica não se limita a diretrizes e princípios, mas também possui normas que fixam regras mínimas para aplicação no cotidiano, o que se enquadra perfeitamente no entendimento do autor.

Assim, chegamos à conclusão de que a Lei de Liberdade Econômica possui caráter de norma geral, mas em um conceito mais amplificado do usualmente adotado pela doutrina, fixando padrões mínimos de aplicação da norma em defesa do interesse público, mas sem esgotar a matéria, de maneira que seja possível identificar o caráter geral na Lei 13.874/19.

Tendo estabelecido a atividade econômica como área de atuação jurídica que a LLE busca regular, bem como sua categoria normativa, falemos acerca das características normativas do ordenamento. Para tanto, façamos uma breve conceituação de sistemas, aqui aplicados no direito. Nesta definição, nos filiaremos ao conceito dado por José Roberto Vieira, que define sistemas como “[...]um conjunto de elementos (repertório) que se relacionam (estrutura), compondo um todo coerente e unitário (ordenação e unidade)25”.

Bobbio nos ensina que dentro do ordenamento, não existem apenas regras de conduta humana, mas também regras que regulam o próprio direito, como uma espécie de poder

24 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro.

Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 66,mar./abr. 2011. Disponível em:https://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-bandeira-mello.pdf. Acesso em 19 de out. de 2020.

25

Para uma exposição mais aprofundada acerca do tema, confira-se VIEIRA, José Roberto. A Noção de Sistema no Direito. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n. 33, 2000. p. 55. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/1844/1540. Acesso em 12 de out. de 2020.

(19)

autorregulatório. Ou seja, é possível identificar dois tipos de normas dentro deste sistema jurídico, sendo elas regulatórias de condutas humanas, ou regramentos voltados à própria estrutura do sistema26.

Ainda observando o caput do art. 1º da LLE, nota-se a referência a dispositivos constitucionais com a intenção de dar validade à norma. Para Marçal Justen Filho,é uma questão de não só buscar a validação normativa, mas principalmente de impor uma interpretação da Lei à luz da matéria constitucional referenciada, impedindo que os dispositivos sejam desvinculados27.

A existência de matéria constitucional contemplando direitos e garantias, segundo explica o autor, não torna o dispositivo inútil. Isso porque as normas possuem diferentes espécies, tais como os princípios, diretrizes e regras, que se diferenciam entre si por suas características28.

Uma característica marcante que distingue as espécies normativas é o grau de precisão da norma em face de um direito. Ainda segundo Marçal Justen Filho, diretrizes geralmente funcionam como um caminho que aponta a direção para normas mais específicas, sem disciplinar a conduta da sociedade de forma direta, nem apresentar uma única solução diante de um conflito. Princípios disciplinam condutas públicas e privadas, mas apesar dessa característica, seu grau de precisão ainda não é específico e definidor, exigindo um alto grau de análise das circunstâncias, principalmente porque os princípios são muitos e não comportam aplicação isolada.

Por sua própria natureza, normas constitucionais são as que mais abarcam diretrizes e princípios dentro do sistema jurídico, e de modo geral, podemos considerar que possuem um grau de aplicabilidade mais genérico. Assim, torna-se indispensável que se editem regras para veicular essas diretrizes e princípios em casos concretos, com maior grau de precisão. E assim surge a importância de Leis infraconstitucionais, como é o caso da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica29.

A Lei 13.874/19 consagrou regras que dão maior concretude aos princípios e diretrizes constitucionais, o que torna a disciplina jurídica que trata de atividades econômicas

26

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995. p. 46.

27

JUSTEN FILHO, op.cit., p. 21.

28 Para um estudo mais aprofundado destes conceitos, ver MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo

Conet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2019, 14 ed., p. 1007-1008.

29

(20)

mais precisa e orientada, permitindo-se conter regras que fornecem soluções efetivas para que os sujeitos de direito público e privado se encaixem com maior precisão30.

Assim a DDLE consagrou diversas regras em seu ordenamento, ainda que não em caráter definitivo, permitindo que estados e municípios exerçam sua competência e aprofundem esses regramentos. Essas regras reguladoras de condutas humanas é que caracterizam os principais institutos que serão analisados ao longo do presente trabalho.

É claro que, antes mesmo de analisarmos os principais institutos contidos na LLE que impactaram o direito administrativo e devem ser o enfoque do presente estudo, cabe-nos estruturar uma base teórica acerca da Declaração de Liberdade Econômica.

Tendo feito isso ao discorrer acerca das características da norma, é necessário reconhecer a necessidade de dar maior lastro à essa estrutura. É o que se pretende ao longo dos próximos dois tópicos, em que trataremos de princípios constitucionais que sustentam a Lei de Liberdade Econômica.

Assim, ao longo do próximo tópico destacaremos os princípios basilares da norma, desde a importância dos princípios, de maneira geral, dentro de qualquer ordenamento jurídico, e até mesmo destacando algumas considerações acerca de como devem ser interpretados, para então sim, olhar diretamente para aqueles que orientam a Lei de Liberdade Econômica.

2.3 OS PILARES PRINCIPIOLÓGICOS DA LEI 13.874/19

Quando da instituição da Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, ao estabelecer normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, o legislador fundou suas bases em princípios Constitucionais. Inseridos neste contexto estão o fundamento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, previstos no art. 1º, inciso IV, da CF/8831, o princípio da livre iniciativa como elementar a ordem econômica, conforme redaçãodada pelo art. 170, parágrafo único da Constituição32, bem como a competência do

30

JUSTEN FILHO, op.cit., p. 23.

31Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

32

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

(21)

Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, para exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, nos termos do art. 174, caput, da magna-carta33.

Os princípios, conforme considerou Paulo Bonavides34, são a “chave do sistema normativo”. Tais princípios “são o oxigênio das Constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”.

Segundo a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica de lhe dá sentido harmônico35.

Estabelecida a importância dos princípios para o ordenamento jurídico, analisemos os que sustentam a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, mas discorrendo primeiramente acerca do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana36 como

princípio fundamental estruturante do sistema de direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988.

Tal analise se faz necessária, tendo em vista que a ordem econômica e financeira do Brasil, estabelecida no título VII da Constituição Federal, em seu art. 170 expressa de maneira clara que a referida “tem por fim assegurar a todos existência digna”, o que justifica a compreensão da ordem econômica nacional à luz desse princípio.

Segundo leciona o português J. J. Gomes Canotilho, historicamente, o principio da dignidade da pessoa humana foi originado do princípio antrópico da dignitas-hominis, que é um princípio pré-moderno estruturado por Pico Della Mirandola, e que retrata o homem como

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de

autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

33

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

34

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: 15. ed. Malheiros, 2004, p. 255-286.

35

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p .451.

36

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

(22)

um sujeito autônomo de direitos, que possui liberdade para guiar suas ações conforme seu projeto espiritual particular37.

Na modernidade, destaca-se o pensamento de Immanuel Kant, que inspirado no pensamento antropocentrista, sustentou que em razão de sua racionalidade, o homem não poderia ser entendido como um mero objeto social, mas sim como um ser que possui um fim em si mesmo, e que por sua autonomia intelectiva, pode ser alçado à qualidade de pessoa. Em suas próprias palavras:

Age de tal sorte que consideres a Humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio […] os seres racionais estão submetidos à lei segundo a qual cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meio, mas sempre e simultaneamente como fim em si […] o homem não é uma coisa, não é, por consequência, um objeto que possa ser tratadosimplesmente como meio, mas deve em todas as suas ações ser sempre considerado como um fim em si38.

A partir do pensamento Kantiano, a dignidade do ser humano acabou por ganhar força através do tempo, adquirindo seu protagonismo definitivamente após a Segunda Guerra Mundial, através do movimento de constitucionalização dos direitos39. Um exemplo marcante desse protagonismo é retratado pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que em seu preâmbulo reconheceu a dignidade da pessoa como inerente a todos os seres humanos. No campo jurídico, Constituições como a Alemã, portuguesa e espanhola, inspiraram a Constituição do Brasil de 1988 ao incluir a dignidade da pessoa humana como o princípio fundamental do ordenamento.

Ao conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana inserindo-o na Constituição brasileira, Daniel Sarmento deu o seguinte parecer:

O princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade40.

37

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

38

KANT, Immanuel. Fondements de lamétaphysiquedesMoeurs. Paris: LibrairiePhilosophique J. Vrin, 1992, p 105-111.

39

O movimento é fruto do Neoconstitucionalismo que surgiu no pós-guerra, bem retratado na obra de BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7547. Acesso em: 31 out. 2020.

40

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 59.

(23)

Assim, toda e qualquer análise de princípios constitucionais deve ser levada em consideração à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, que como bem definiu o professor Daniel Sarmento, é o “epicentro axiológico da ordem constitucional”.

Retomando o estudo dos preceitos fundantes da LLE, o princípio da livre iniciativa funciona primeiramente como um dos fundamentos do Estado Brasileiro. Em tal concepção, a livre iniciativa acaba por exceder seu papel como principio econômico, aqui sendo compreendida em um papel expandido, como regra geral que disciplina a autonomia do cidadão para tomar decisões de natureza pessoal ou profissional, com a segurança de que o Estado não possui autoridade para impor limites as suas decisões cotidianas41.

É imperioso ressaltar que a livre iniciativa é fundamentada em dispositivo constitucional ao lado do trabalho, e ambos são elevados a condição de valores sociais, o que para Justen Filho “demonstra a inviabilidade de estabelecer hierarquia entre eles”42.

O autor ainda aponta para a escassez de normas infraconstitucionais de proteção à livre iniciativa como um dos fatores que justificam a necessidade do ordenamento jurídico em recepcionar uma declaração de direitos de liberdade econômica, tendo em vista que existem diversas legislações voltadas à proteção dos valores sociais do trabalho, o que apesar de não considerar um equívoco no posicionamento dos legisladores, evidenciava a falta de zelo para com o princípio da livre iniciativa.

Além de fundamento do Estado, a Constituição define a livre iniciativa, juntamente com a valorização do trabalho humano como princípios formadores da ordem econômica, em seu art. 170. Diante disso, a tendência é assumir que estamos inseridos em uma economia capitalista, tendo em vista que a livre iniciativa é um princípio básico do modelo capitalista de mercado. No entanto a ordem econômica valoriza o trabalho humano e a dignidade acima de todos os demais valores da economia de mercado, o que orienta a intervenção do estado na economia, com o intuito de fazer valer os valores sociais do trabalho43.

Enquanto o art. 170 da CF/88 estabelece que a ordem econômica tem como objetivo garantir a dignidade humana, em seu parágrafo único, o referido artigo disciplina que “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”.

41

BARROSO. Op.cit., 2013, p. 10-11.

42 JUSTEN FILHO. Op.cit., p. 26.

43 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 37. Ed., São Paulo: Malheiros, 2014, p.

(24)

O dispositivo expõe como o princípio da livre iniciativa pode sofrer intervenção estatal. Segundo Barroso, o Estado intervém na economia de três maneiras, “pela disciplina, pelo fomento e pela atuação direta. O Estado disciplina a economia mediantea edição de leis, regulamentos e pelo exercício do poder de polícia44”.

Ou seja, a livre iniciativa sofre pressão de diversas frentes, seja pela edição de Leis que podem impactar direta ou indiretamente na liberdade alheia, ou mesmo por conta dos setores constitucionalmente monopolizados pelo Estado que não permitem o desenvolvimento privado. Ademais, os próprios princípios fundamentais da Constituição, como dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho, também servem como limitadores à livre iniciativa.

Para José Afonso da Silva, a liberdade econômica privada, em um contexto de mescla entre valores liberais e objetivos sociais na ordem econômica, somente será considerada legítima quando deixar de buscar apenas o lucro, e almejar também conquistas sociais45.

Por conta de todos os apontamentos destacados, é possível afirmar que a livre iniciativa sofre influência do Estado e de outros princípios, e não é aplicada de maneira absoluta.

Esse conceito de Estado que intervém na econômica é observável a partir do último dispositivo à que a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica se reporta, o art. 174 da CF/8846. No referido, a Constituição aponta o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, e autoriza o poder estatal a intervir na economia através da fiscalização, comumente referida como poder de polícia, além de atuar na função de incentivo e planejamento do sistema financeiro.

44 BARROSO, op.cit., 2013, p. 7. 45 SILVA. Op.cit., p. 806. 46

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

§ 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

§ 3º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.

§ 4º As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.

(25)

Essa capacidade de intervir como agente regulador, pode se dar através de Leis ou atos administrativos que estejam em conformidade com o previsto no ordenamento47. Primeiramente, essa atuação na ordem econômica era utilizada para reestabelecer a ordem natural de livre concorrência e liberdade, sem interferir na economia para moldá-la conforme os interesses estatais. No entanto, atualmente já é possível vislumbrar essa intervenção em diversas áreas do setor econômico, como regulamentação de preços, poupança ou investimento48.

No que se refere às competências de fiscalização, incentivo e planejamento, Justen Filho sustenta que são a sintetização da competência regulatória do Estado, mas que devem ser interpretadas em um sentido amplo, além de apontar que há outras manifestações constitucionais de competência regulatória em outros dispositivos, como o do art. 170 que autoriza o poder público a intervir através de restrições e impedimentos à exploração de atividade econômica49.

Quanto ao incentivo, pode ser compreendido como aquele que busca realizar a promoção da economia em pontos de interesse, sendo que alguns são explicitamente dispostos na Constituição, casos dos parágrafos 2º, 3º do art. 174, que incentivam o cooperativismo e associativismo, bem como do art. 17950que estimula a criação de microempresas e empresas

de pequeno porte através da simplificação burocrática.

Tratando da competência regulatória do estado para planejar, José Afonso da Silva define planejamento como “processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos”51, sendo o planejamento

econômico um “processo de intervenção estatal no domínio econômico com o fim de organizar atividades econômicas para obter resultados previamente colimados”52.

No tocante ao planejamento econômico, o art.174 ainda define que este será determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Essa distinção é tema importante, tendo em vista a obrigatoriedade da Administração Pública53 em seguir as normas

47

SILVA. Op.cit., p. 820-821.

48 Ibid., p. 819-820.

49 JUSTEN FILHO. Op.cit., p.29. 50

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

51 SILVA. Op.cit., p. 821. 52

SILVA. Op.cit., p. 822.

53 Cumpre fazer um esclarecimento inicial, que no presente trabalho quando nos referirmos à Administração Pública em letras maiúsculas, estaremos falando do conjunto de órgãos que compõe a estrutura administrativa, e

(26)

estabelecidas no ordenamento jurídico com base no princípio da legalidade, sendo que a partir do momento em que se define o planejamento e criam-se regulamentos para orientar o cumprimento dos atos estipulados, tal regulamentação automaticamente deve se vincular ao Estado.

No entanto, quando se chega ao setor privado e ao particular, a Constituição protege a autonomia do particular para destinar seus recursos patrimoniais, protegendo-o de normas impositivas, sendo permitido ao Estado apenas oferecer incentivos aos particulares, com o intuito de atrair seu interesse para os objetivos econômicos da administração, desde que tais incentivos sejam oferecidos com base no princípio da isonomia54.

Assim, temos que a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica se estrutura explicitamente com base no principio da livre iniciativa, e com base no Direito de intervenção e promoção do Estado no âmbito econômico, nas funções de agente normativo e regulador.

Outrossim, ao longo do próximo tópico, desenvolveremos outro tema que sem dúvidas também influenciou de forma direta diversos dispositivos constantes na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Trata-se da Simplificação, que aqui direcionaremos seu estudo especificamente dentro do âmbito administrativo. O tema é relevante, pois possui características inconfundíveis com os objetivos da LLE, ao tratar de temas como desburocratização dos aparatos administrativos, diminuição do papel do Estado quando este não for absolutamente necessário, bem como maior eficiência da administração pública.

2.4 A SIMPLIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA E A LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA

A Simplificação é tema de interessantíssimo desenvolvimento, tratado de forma extensa pela doutrina internacional, o assunto foi pouco desenvolvido pela doutrina nacional. Não obstante a pouca atenção doutrinária ao tema, é possível identificar medidas de simplificação em regulamentações brasileiras ao longo de todo século XXI. Assim, trataremos do tema delimitando seu conceito e como se encaixa dentro da administração pública, bem como apontaremos suas fases, e ainda as medidas de simplificação no âmbito do direito administrativo que a Lei de Liberdade Econômica adotou em seu ordenamento.

quando falarmos em administração pública em letras minúsculas estaremos nos referindo ao sentido objetivo da

palavra.

(27)

Para tratar do tema, nos atrelaremos à obra de Rafael Lima Daudt D’Oliveira, que tem trabalhos no âmbito do direito público e ambiental, e produziu obra tratando da simplificação no direito administrativo e ambiental, já de acordo com a Lei 13.874/19.

Em um primeiro momento, trataremos do conceito de simplificação, de maneira ampla, que Daudt citando Marques55 expôs, conforme segue:

Simplificação significa suprimir procedimentos desnecessários e facilitar a vida do cidadão, organizando transversalmente os serviços administrativos em função da procura, de modo que possam disponibilizar uma resposta única as principais ocorrências de vida dos respectivos utentes – nascer, casar, comprar casa, herdar, mudar a moradia, etc.

Ainda sobre o tema, Marques, Rafeiro e Domingues56, citados por Daudt, defendem que “simplificar não significa menosprezar o papel do Estado nas sociedades modernas, mas sim valorizá-lo, tornando o serviço público mais prestigiado, eficiente e eficaz no cumprimento dos seus objetivos”.

Por fim, Rafael Lima Daudt em sua própria definição, compreendeu a simplificação como um aglomerado de ações do Estado na busca por facilitar seu relacionamento com os administrados, tornando o relacionamento entre as partes mais simples ao diminuir os trâmites burocráticos, melhorar a recepção da sociedade às normas jurídicas e acelerar procedimentos perante a máquina pública, tornando a vida dos cidadãos e das empresas mais simples57.

A natureza jurídica da simplificação é um tema de divergência na doutrina, podendo ser classificada como princípio ou instituto jurídico, que fundamentalmente disciplinam um tema semelhante, identificáveis pelo fim que buscam atingir na relação social que estão inseridas58. Como princípio, explica Daudt que o tema se encaixa “na medida em que ela

identifica os fins a serem alcançados, sendo dotado de normatividade e gerando direito subjetivo59”.

O autor ainda sustenta que a simplificação encontra base constitucional para ser considerado um princípio, encontrando suporte na proporcionalidade, celeridade, eficiência,

55

MARQUES, M. M. L. Serviço Público, que futuro?. Coimbra: Almedina, 2009, p. 22. Apud. D’OLIVEIRA, Rafael Lima Daudt. A simplificação no direito administrativo e ambiental. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2020, p. 5.

56 MARQUES, M. M. L.; RAFEIRO, M. M.; DOMINGUES, M. Estudo sobre as experiências pioneiras de

países da União Europeia em simplificação administrativa. Diálogos Setoriais EU Brasil, Projeto Apoio aos Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, 2014. Apud. D’OLIVEIRA. Ibid., p.5.

57

D’OLIVEIRA, Rafael Lima Daudt. A simplificação no direito administrativo e ambiental. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2020, p. 6.

58 NADER, P. Introdução ao Estudo do Direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1998, p. 100. Apud.

D’OLIVEIRA. Ibid., p. 6.

59

(28)

subsidiariedade e segurança jurídica. Além disso, o art. 179 da CF/88 ainda determina tratamento diferenciado e simplificado quando se trata de microempresas60.

Esses são os princípios que podem ser utilizados como justificativa à aplicação da simplificação no ordenamento, o princípio da proporcionalidade porque justifica a diminuição da influência do Estado quando se depara com assuntos de menor risco, permitindo que aumente seu controle em assuntos de maior impacto social. Já em relação à celeridade a compreensão se torna ainda mais simples, já que o princípio prega a necessidade de agilizar procedimentos. Quanto ao princípio da eficiência, Daudt afirma ser um dos fundamentos para a simplificação, tendo em vista que a eficiência busca justamente direcionar a atuação estatal para o desempenho mais eficaz possível em seus procedimentos. Por fim, o princípio da subsidiariedade é o que permite ao Estado relegar responsabilidades à sociedade, retirando-as de seu controle, mesmo que não totalmente61.

No que diz respeito às espécies diversas de simplificação, nos atentaremos exclusivamente para a simplificação administrativa, eventualmente trazendo elementos da simplificação legislativa, nos casos em que trouxermos exemplos normativos para a discussão, como o da Lei 13.874/201962.

Assim, convém nos aprofundarmos no tema simplificação administrativa, sendo que podemos dividir sua atuação em: a) diminuição da estrutura administrativa quando conveniente; e b) através de medidas de otimização do serviço público, que solucionem deficiências ou falhas administrativas63.

Essas medidas de otimização ainda podem ser subdivididas em dois pontos, expostos por Daudt citando Portocarrero, sendo elas b.1) a relação entre administração e os administrados; e b.2) a relação entre os próprios entes administrativos64.

No presente estudo, levando em consideração as disposições de simplificação que se encontram na Lei de Liberdade Econômica, estudaremos apenas a relação entre administração e administrados, sem nos aprofundarmos sobre questões de diminuição das estruturas administrativas. 60 D’OLIVEIRA. Ibid., p. 7-10. 61 D’OLIVEIRA. Ibid., p. 10-12. 62 D’OLIVEIRA. Ibid., p. 8. 63 D’OLIVEIRA. Ibid., p. 15. 64

PORTOCARRERO, M. Modelos de Simplificação Administrativa: a conferência procedimental e a concentração de competências e procedimentos no direito administrativo. Porto: Publicações Universidade Católica. 2002, p. 15-24. Apud. D’OLIVEIRA. Ibid., p. 15.

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