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Projeto Jaíba - Etapa I : análise do processo de concentração da terra em um perímetro irrigado

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

ADÂMARA SANTOS GONÇALVES FELÍCIO

PROJETO JAÍBA – ETAPA I: ANÁLISE DO

PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO DA TERRA EM

UM PERÍMETRO IRRIGADO

CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

ADÂMARA SANTOS GONÇALVES FELÍCIO

PROJETO JAÍBA ETAPA I: ANÁLISE DO

PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO DA TERRA EM

UM PERÍMETRO IRRIGADO

Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, área de concentração Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELA ALUNA ADÂMARA

SANTOS GONÇALVES FELÍCIO E

ORIENTADA PELO PROF. DR. BASTIAAN PHILIP REYDON.

CAMPINAS 2018

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ADÂMARA SANTOS GONÇALVES FELÍCIO

PROJETO JAÍBA ETAPA I: ANÁLISE DO

PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO DA TERRA EM

UM PERÍMETRO IRRIGADO

Defendida em 26/02/2018

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Titular Dr. Bastiaan Philip Reydon - Presidente

Instituto de Economia - Unicamp

Prof. Titular Dr. Amtônio Márcio Buainaim

Instituto de Economia - Unicamp

Prof.Titular Drª. Sônia Maria Pessoa Pereira Bergamasco

Feagri - Unicamp

Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho àqueles que lutam para realizar os seus sonhos, ainda que os mesmos sejam considerados modestos ou inacessíveis a determinadas classes sociais ou etnias. O sonho não pode ser perdido, mesmo que a caminhada seja árdua e penosa.

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AGRADECIMENTOS

Os motivos para agradecer são inúmeros, bem como, são muitos aqueles os envolvidos na minha jornada até a conclusão deste trabalho. Contudo, na medida em que decidir protagonizar a minha história, sabia que não estava sozinha, e que as melhores cenas seriam ao lado deles: Maria Ivani (mãe) e Adamadson Emanuel (irmão). Estes são o melhor de mim e o meu bem maior. Mas ao longo do caminho, encontrei mais “um” disposto a enfrentar e viver esta montanha russa, que denominam de vida. Cairo Daniel, em todas as nossas diferenças o amor brotou e nos prova contidianamente que juntos somos mais fortes! Obrigada a vocês três, minha família, meu maior tesouro.

Vó Ana (in memorian), como agradecer? A senhora se foi nos últimos momentos desta dissertação, deixando um vazio imenso e o entendimento de que até mesmo quando a modernidade marcou as nossas gerações, pude seguir teus conselhos e me tornar uma mulher mais forte. Em meio ao sentimento de perda me lembrei da tua fala dizendo o que gostaria de ter sido, mas que eu teria a oportunidade de realizar em seu lugar: uma menina "pra frente", "estudada" e doutora, semelhante aos filhos daqueles para os quais lavou roupas para criar os teus filhos.

A minha chegada no Instituto de Economia da Unicamp não foi ao acaso, que uma força maior regeu certas escolhas, eu não tenho dúvida, e acredito que Bastiaan Philip Reydon (orientador) também acredita nesta hipótese. De todo modo, ao meu orientador deixo meu sincero agradecimento pelo apoio, confiança e coragem de apostar em um tema talvez esquecido, restrito, mas intensamente presente na história daqueles que provém do semiárido mineiro.

A entedidade que propiciou o financiamento para conclusão do mestrado, CAPES, grata!

Aos funcionários da CODEVASF em Montes Claros, pela dedicação em atender e fornecer respostas aos meus questionamentos, meu Obrigada!

Aos integrantes da Etapa I do Projeto Jaíba, que participaram das entrevistas e concederam a mim a oportunidade de ouví-los e compreender os desafios de viver e sobreviver em um contexto de tantas contradições e desafios. Esta experiência marcou-me enquanto pesquisadora. Grata!

Mais uma vez obrigada Emanuel, que tornou-se o meu ajudante nas entrevistas, como foi importante compartilhar este momento com você, ainda mais em um tema que

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estamos diretamente ligados.

Angelo Máximo Dantas que me guiou pelos caminhos do Jaíba e possibilitou a composição do universo da pesquisa deixo meu agradecimento especial, assim como, a minha tia Eva Simone Gonçalves Felício e seu esposo Edilson José Minikowski , que hospedaram meu irmão e eu, de maneira tão carinhosa e cuidadosa.

Aos meus familiares, vocês também são parte disso! Em nossa base cristã, encontrei muitas vezes o incentivo, as orações, e a força para realização deste trabalho. Rosalina, Ivonete, Wilson, Joana D’arc, meu obrigada é especial!

Aos amigos que fiz ao longo do curso de mestrado, aos professores, colegas de pesquisa e a todos aqueles que encontrei pelo caminho do mestrado, agradeço pela disposição em ouvir, dialogar e incentivar a empreitada. No dia a dia, ter pessoas assim ao meu redor, fez a diferença.

E o mais importante, eu não poderia deixar de citar, ao meu Deus que me sustenta, guarda e me leva além: Obrigada por ser o Pai dos pais!

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Somos muitos Severinos Iguais em tudo e na sina: A de abrandar estas pedras Suando-se muito em cima, A de tentar despertar Terra sempre mais extinta, A de querer arrancar Alguns roçado da cinza. Mas, para que conheçam melhor vossas senhorias E melhor possam seguir a História de minha vida, Passo a ser o Severino

Que em vossa presença emigra.

(Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto, 1955)

Tal como acontece com a terra, o trabalho não é produto

do próprio trabalho, nenhum dos dois é produto do

trabalho, não tem valor, embora a terra possa ter preço.

(O cativeiro da terra, José de Souza Martins, 2010)

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o processo de concentração da terra em perímetros irrigados do semiárido. A concentração da terra no Semiárido é de sobremaneira elevada, explicada pelo contexto histórico do processo de ocupação. Na década de 1960, a questão acerca da distribuição da terra no país e a necessidade de uma política em prol do desenvolvimento regional, fomentou debates e políticas públicas, dentre elas o desenvolvimento da agricultura irrigada, através dos perímetros públicos de irrigação, mediante a interação entre famílias assentadas e empresários agrícolas. No entanto, em muitos perímetros irrigados, tal proposta não vigorou. Destarte, o problema de pesquisa visa analisar o processo de concentração da terra em perímetros irrigados, através do estudo de caso do Projeto Jaíba Etapa I. A hipótese que norteia o estudo está baseada no argumento que permaneceram na terra, alguns poucos produtores bem-sucedidos, que encontraram oportunidade em um determinado nicho de mercado, incorrendo estes na compra de lotes daqueles que optaram em não cultivar a terra recebida. Como resultante da pesquisa realizada, compreendeu-se que falhas no processo de seleção dos assentados e endividamento, foram determinantes para a desistência de muitos assentados, criando um ambiente propício a negociação dos lotes recebidos, em um processo informal de transferência de direitos, capaz de reorientar a ocupação original do assentamento, fazendo com que o objetivo inicial não fosse cumprido, mas sim, ocorresse um processo de concentração da terra irrigada, seja através de assentados que conseguiram viabilizar o cultivo ou através de agricultores regionais que enxergaram o perímetro irrigado como uma alternativa para o desenvolvimento da fruticultura em meio ao semiárido, através do mercado de terras informal.

Palavras-Chaves: Concentração da Terra, Perímetros Irrigados, Projeto Jaíba, Mercado de Terras.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze the land concentration process in irrigated perimeters of the Brazilian semiarid region. Land concentration in the semi-arid region is extremely high and results from the historical context of the occupation process. In the 1960s, the question of land distribution in Brazil and the need for a regional development policy promoted debates and public policies, such as the development of irrigated agriculture by means of public irrigation perimeters and the interaction between settled families and agricultural entrepreneurs. However, this proposal failed in a great number of irrigated perimeters. The research problem of this thesis is to analyze the process of land concentration in irrigated perimeters using the case study of the Jaíba Project Stage I. The hypothesis that guides this study is based on the argument that only a few producers subsisted, i.e., those who were able to meet the demand of a certain niche market and, as a result, purchased the land lots of those who decided not to cultivate the land they had received. Research findings suggest that failures in the selection process of settlers and indebtedness were the main reasons why many settlers gave up, creating an environment that favored the sale of received land lots by means of an informal process of rights transfer, which reconfigured the original occupation of the settlement. The original goal was abandoned and a process of irrigated land concentration started to take place, backed either by settlers who were able to cultivate crops or by regional farmers who used the irrigated perimeter as an alternative for the development of fruit culture in the semiarid region by taking advantage of the informal land market.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Polígono das Secas ... 23

Figura 2 – Semiárido Mineiro ... 29

Figura 3 - Índice de Gini da área total dos estabelecimentos agropecuários, por município - 2006 ... 31

Figura 4 – Mapa Regiões de Planejamento: estado de Minas Gerias. ... 47

Figura 5 – Layout Geral do Projeto Jaíba ... 55

Figura 6 – Distribuição das Etapas que compõem o Projeto Jaíba ... 55

Figura 7 – Sistema de Captação e Bombeamento das águas do São Francisco aos canais. 56 Figura 8 – Principal Canal de Irrigação do Projeto Jaíba, responsável por abastecer os demais canais ... 57

Figura 9 – Canal de Irrigação - Etapa I. ... 57

Figura 10 – Canal de Irrigação - Etapa II ... 58

Figura 11 – Canal de Irrigação - Etapa III e IV. ... 58

Figura 12 – Distribuição dos recursos financeiros para a Etapa I. ... 60

Figura 13 – Diagrama Operacional – Etapa I e II do Projeto Jaíba ... 64

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Classificação do Índice de Gini ... 28

Tabela 2- Área Média (ha) e medidas de desigualdade da distribuição da posse da terra. Brasil, Nordeste, Semiárido e Semiárido Mineiro, 2006 ... 29

Tabela 3 – Divisão Fundiária da Etapa II do Projeto Jaíba ... 63

Tabela 04 – Irrigantes assentados conforme Sistema de Cobrança da CODEVASF – SICOB – Projeto Jaíba Etapa I ... 81

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Ocupação do Perímetro Irrigável – Etapa I ... 78

Quadro 02 – Quadro de Distribuição dos Lotes – Etapa I ... 80

Quadro 03 – Distribuição por Gleba dos Lotes Analisados – Projeto Jaíba Etapa I ... 83

Quadro 04 - Condição Formalidade dos Lotes Analisados – Projeto Jaíba Etapa I ... 84

Quadro 05 – Caracterização e Distribuição da Posse dos Lotes Analisados – Projeto Jaíba Etapa I ... 85

Quadro 06 – Percentuais do Número de Estabelecimentos segundo os estratos de área (ha) em relação aos totais. Projeto Jaíba Etapa I (MG). Pesquisa de Campo, 2017. ... 87

Quadro 07 – Origem dos Entrevistados – Projeto Jaíba Etapa I ... 90

Quadro 08 – Atividade Econômica Principal anterior à Fruticultura – Projeto Jaíba Etapa I... 91

Quadro 09 – Nível de Escolaridade – Projeto Jaíba Etapa I ... 92

Quadro 10 – Valor da Produção para o Último Ano – Projeto Jaíba Etapa I ... 94

Quadro 11 – Motivação apresentada pelos Colonos aos Compradores para Venda dos seus Lotes – Projeto Jaíba Etapa I ... 110

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LISTA DE SIGLAS

ABANORTE – Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

BNB – Banco do Nordeste do Brasil

CDRU – Concessão de Direito Real de Uso CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais CFO- Certificação Fitossanitária de Origem em Citros

CODESVASF - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco CUT – Central Única dos Trabalhadores

CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil CVSF – Comissão do Vale do São Francisco

DIJ – Distrito de Irrigação Jaíba

DNOC – Departamento Nacional de Obras contra a Seca EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural FINOR – Fundo de Investimentos do Nordeste

GEIDA - Grupo Executivo de Irrigação e Desenvolvimento Agrário

INIC – Instituto Inicial de Imigração e Colonização IOCS – Inspetoria Federal de Obras contra as Secas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IMA - Instituto Mineiro de Agropecuária

INCRA – Instituto de Colonização de Reforma Agrária MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra PIN - Programa de Integração Nacional

PLANOROESTE - Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Noroeste do Estado de Minas Gerais

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PNRA – Programa Nacional da Reforma Agrária

POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste PPI - Programa Plurianual de Irrigação

PROFIR – Programa de Financiamento de Equipamentos de Irrigação

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PRONI – Programa Nacional de Irrigação

PROVARZEAS - Programa Nacional para Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis

SEPLAN – Secretaria Estadual de Planejamento SICOB – Sistema de Cobrança da CODEVASF

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento para o Nordeste

SUDENOR – Superintendência de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais

SRB – Sociedade Rural Brasileira

SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SUVALE – Superintendência do Vale do São Francisco

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 18

CAPÍTULO 1. SEMIÁRIDO BRASILEIRO: ESTRUTURA FUNDIÁRIA E A POLÍTICA NACIONAL DE IRRIGAÇÃO ... 22

1.1. Introdução ... 22

1.2. O Semiárido ... 23

1.2.1. Formação e Composição da Estrutura Agrária do Semiárido ... 25

1.3. Política Nacional de Irrigação: Uma proposta para o Desenvolvimento Regional ... 31

1.3.1 Perímetros Irrigados: Marco Legal e Institucional ... 32

1.3.2 Perímetros Irrigados: A agricultura irrigada como um projeto público para o Nordeste ... 36

1.4. O Estatuto da Terra e as Demandas pela Terra no país ... 41

1.5. Considerações Finais do Capítulo ... 44

CAPÍTULO 2. PROJETO JAÍBA: CONCEPÇÃO INICIAL E ASPECTOS FORMAIS DA IMPLANTAÇÃO ... 46

2.1. Introdução... 46

2.2. Ocupação da Região Norte de Minas e o Surgimento do Projeto Jaíba ... 47

2.3. Planejamento, Financiamento e Execução da Infraestrutura de Irrigação no Jaíba 51 2.4. Final da Década de 80: Início da Operação da Etapa I, Empréstimo com o Banco Mundial e Criação do DIJ. ... 59

2.4.1. Concessão de Financiamento pelo Banco Mundial ... 59

2.4.2. A criação do Distrito de Irrigação Jaíba – DIJ ... 61

2.5. Início da Etapa I ... 62

2.6. Etapa II, III e IV ... 63

2.7. Criação da ABANORTE – Associação dos Fruticultores do Norte de Minas Gerais ... 65

2.8. Considerações Finais do Capítulo ... 66

CAPÍTULO 3 – ESTUDO DE CASO: PROJETO JAÍBA – ETAPA I - ACESSO À TERRA EM MEIO A UM CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA ... 69

3.1. Introdução ... 69

3.2. Metodologia para o capítulo ... 71

3.3. Objetivo Inicial da Etapa I ... 72

3.4. Processo de Seleção dos Assentados ... 73

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3.4.2. Seleção da Gleba A ... 76

3.4.3. Conclusão da Etapa I – fase de assentamento ... 77

3.5. Estrutura Fundiária da Etapa I ... 78

3.5.1. Estrutura Fundiária Etapa I – Colonização Irrigada ... 81

3.6. Perfil dos agricultores familiares após a fase de assentamento da Etapa I ... 90

3.7. Desafios do cultivo em uma agricultura irrigada ... 95

3.7.1. Desafios do cultivo em uma agricultura irrigada: a voz de quem ficou ... 95

3.7.2 Desafios do cultivo em uma agricultura irrigada: a voz de quem comprou ... 104

3.8. Considerações Finais do Capítulo ... 109

CAPÍTULO 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ... 119

ANEXOS ... 130

1 – Questionário – Unidade de Negócio – Irrigante/Comprador ... 130

2 – Questionário – Unidade de Negócio – Irrigante Negociante ... 138

3 – Questionário – Pesquisa de Opinião ... 146

4 – Convênio nº59/1979 ... 149

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INTRODUÇÃO

O acesso à terra em uma sociedade marcada pela concentração fundiária é tema amplamente discutido dentre os chamados policy makers e estudiosos da agropecuária e das políticas públicas no Brasil, mesmo quando entendido como uma questão de pautas de governo ou de partidos políticos. Porém, em meio a polarização que o tema é submetido na atualidade, é preciso considerar a importância do acesso à terra em ações de combate à pobreza e de segurança alimentar. Dean (1971), demonstrou que a concentração da propriedade é um dos impactos sociais e econômicos mais marcantes no Brasil.

Em um contexto de globalização, expansão das cidades e constantes mudanças no modo de vida ativadas pelos novos padrões tecnológicos, o rural tornou-se cada vez mais restrito. Restrito a tipos específicos de culturas, restrito a um padrão de acumulação e restrito a um modo de vida, em que a agricultura familiar resiste em meio a tantas transformações da vida moderna. Mas estaríamos enganados se afirmássemos que a composição familiar do rural do século anterior permanece. A modernidade e as novas necessidades dos indivíduos também foram alteradas no rural, tal como, as relações são definidas tendo como base novas expectativas.

E neste contexto da agricultura familiar, temos uma realidade adjacente as demandas pelo acesso à terra, que ainda se coloca no caso brasileiro como um campo de disputa, agricultura em larga escala x agricultura familiar. E o termo “ainda” foi utilizado com o real intuito de transportarmos ao passado recente, em que o acesso à terra ocupou os espaços de discussão dos campos da política, economia, do ativismo social e das ações em prol do desenvolvimento.

Mas, e quando posta tal análise em uma geografia social de extrema pobreza e carência até mesmo das chuvas, como é a realidade do semiárido brasileiro? Como tornar possível o acesso à terra e água? Mediante a este contexto foram formulados os programas em prol da irrigação no semiárido, em que, a pauta de desenvolvimento agrícola atendeu a políticas de expansão agrícola e de acesso à terra, fazendo com que em um perímetro irrigado, famílias da região que não tinham acesso à terra, pudessem vir a se tornarem produtores agrícolas e integrados a um mercado específico, no qual concorreriam com empresários agrícolas, detentores de parcelas de terras irrigadas dentro do mesmo perímetro.

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E sob a lógica de mercado, as famílias assentadas deveriam desenvolver o cultivo agrícola. Este é o cenário preliminar conferido as famílias da Etapa I do Projeto Jaíba, assentadas por meio de um processo de colonização proposto para o perímetro irrigado, em que o objetivo principal do processo de colonização era reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento econômico mediante ao cultivo da fruticultura irrigada. Mas, e as condições fundiárias? Cada família receberia um lote de até 5 hectares e um sistema de irrigação suficiente para irrigar todo o lote. O pagamento referente a amortização do valor da terra, dos valores referentes a infraestrutura de irrigação de uso comum (canais e estações de bombeamento) e irrigação do lote seria realizado no prazo de vinte anos; a carência para o início do pagamento seria de até 05 anos, suficiente para empreender o cultivo e dele auferir rendas suficientes para o pagamento dos custos referente ao lote acessado (PLANSVALE, 1989).

Dado este cenário – Projeto Jaíba Etapa I, solidificou-se como o interesse desta pesquisa, que de forma preliminar, raiou após uma conversa com familiares acerca das questões de luta pela terra no Norte de Minas Gerais, afinal, cresci ouvindo acerca de ocupações, disputas entre fazendeiros e a existência de uma região irrigada próxima ao rio São Francisco. Não saberia eu, que na medida em que me aproximasse da minha família paterna, que residem na cidade de Jaíba-MG, também me aproximaria de um assunto tão interessante para mim. A medida em que fui abraçada pela família, também acessei condições raras para o desenvolvimento de uma pesquisa de campo, pois nos momentos que careci, recebi todas as formas possíveis de colaboração, desde um lar para descanso, auxílio nas visitas ao Projeto Jaíba, até mesmo as histórias contadas de como tudo era no início do funcionamento do perímetro, afinal tenho familiares que dispõem de terras dentro do perímetro irrigado.

Dadas tais condições, a motivação principal da pesquisa se estabeleceu sob a perspectiva de compreender as mudanças na composição fundiária da Etapa I do Projeto Jaíba ao longo dos anos, mediante a uma hipótese de concentração da posse da terra, em meio a uma área de assentamento.

Ressalvamos aqui, que não é de interesse da pesquisa tratar da questão agrária em sua totalidade, restringindo a análise de maneira específica a Etapa I do Projeto Jaíba e as relações de posse e uso da terra que se constituíram através de um processo de transferência de direitos em meio a um mercado informal de terras.

E por meio de um projeto de pesquisa, esforços foram empenhados para conceber respostas à seguinte questão: Apesar de legalmente ser impossível a venda de lotes, por

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que há um processo de concentração da propriedade da terra em assentamentos rurais de perímetros irrigados? A hipótese formulada foi de a que permaneceram na terra alguns poucos produtores bem-sucedidos que encontraram oportunidades em um determinado nicho de mercado, incorrendo estes na compra de lotes vizinhos daqueles que optaram em deixar a parcela de terra recebida.

Isto posto, a proposta para este trabalho foi aprimorada através de quatro capítulos, consistindo o primeiro capítulo deste trabalho como um esforço para uma melhor compreensão acerca da irrigação no semiárido e da dinâmica dos perímetros irrigados, através da descrição do quadro em que as propostas para irrigação foram desenvolvidas, considerando que as condições de concentração fundiária no semiárido, são similares a aquelas do restante do país, porém, as especificidades deste processo precisam ser tratadas para que a proposta de irrigação realizada para esta região se faça pertinente. E a estratégia adotada para a condução da primeira parte deste estudo foi a de ratificar o contexto histórico do semiárido em condições de seca e distribuição desigual da posse da terra, delineando arcabouço legal e institucional que precederam a implantação dos perímetros irrigados no Brasil.

O segundo capítulo marca a transição da fase bibliográfica para a fase exploratória da pesquisa, através da exposição do processo de implantação do Projeto Jaíba, discutindo-se o processo de ocupação da região Norte de Minas Gerais, responsável por conferir o cenário geográfico, econômico e social ao qual o perímetro irrigado foi concebido. No segundo momento, as conjunções de planejamento, financiamento e execução da infraestrutura de irrigação serão demonstradas por meio da identificação das agências de desenvolvimento responsáveis pela instalação e gestão do perímetro, sucedido pela tratativa das questões de financiamento adicionais para o início das operações do perímetro irrigado ao fim da década de 1980, criação do DIJ e início de operação da Etapa I.

O terceiro capítulo foi elaborado de modo que os resultados do estudo de caso proposto mostrassem evidentes. Por meio de uma escrita dinâmica e parafraseada por trechos de entrevistas, foram apresentadas as observações acerca do processo de concentração da posse da terra na Etapa I do Projeto Jaíba. Avaliadas foram as condições de seleção daqueles que tornarem-se agricultores irrigantes de base familiar, e as condições sobre as quais foi constituído o assentamento das famílias, como infraestrutura, direcionamento da cultura e tamanho dos lotes. A proposta geral deste capítulo foi proporcionar respostas ao problema de pesquisa que questionou acerca do processo de

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concentração da posse da terra através da venda de lotes do assentamento, mesmo que legalmente ser vedada tal prática. A hipótese que mediou a pesquisa era de que “permaneceram na terra alguns poucos produtores bem-sucedidos que encontraram oportunidades em um determinado nicho de mercado, incorrendo estes na compra de lotes vizinhos daqueles que optaram em deixar a parcela de terra recebida”, de modo que por meio da coleta dos dados através de entrevistas semiestruturadas, mostrou-se que os maiores compradores de lotes foram agricultores provenientes das áreas de sequeiro.

E para o último capítulo, com base nos dados auferidos durante a pesquisa de campo, buscou-se aprofundar os conceitos acerca do mercado de terras em um contexto específico. Apoiado nas referências obtidas por intermédio da análise de dados secundários, pesquisa de opinião e 120 unidades de negócio/lote observados, foram definidas as circunstâncias de negociação dos lotes na Etapa I, bem como, foram identificadas as variáveis determinantes para formação do preço da terra em diferentes fases do desenvolvimento do perímetro irrigado. Compreendeu-se que de fato houve um processo de concentração da posse da terra na Etapa I, efetivado via um mercado de terras informal.

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CAPÍTULO 1. SEMIÁRIDO BRASILEIRO: ESTRUTURA FUNDIÁRIA E A POLÍTICA NACIONAL DE IRRIGAÇÃO

1.1. Introdução

Um debate recorrente na literatura do desenvolvimento da economia brasileira circunda-se pela elevada concentração da terra. Em muitos casos, diante da existência deste condicionante da estrutura social brasileira, a condição de oposição do papel da pequena produção agrícola em relação a grande propriedade, centraliza o discurso do crescimento agrícola e desenvolvimento econômico. De acordo com Reydon (2011), a elevada concentração da propriedade é reflexo do processo histórico da formação da propriedade no Brasil, com origem desde o período colonial, com a finalidade de atender interesses privados do rural brasileiro. O encadeamento da concentração fundiária na história do país, pode ser considerada como uma das principais explicações para a desigualdade social e econômica do País, fornecendo explicações a pobreza rural e a exclusão social, haja vista que aqueles denominados como pobres não têm acesso à terra. A aquisição de terras com fins especulativos tambem é tido como um fator de elevação da concentração da propriedade, pois os “estabelecimentos passaram a demandar maiores áreas para utilização como fundo de reserva de valor” (REYDON, 2011).

Mellor (1976 apud Deininger e Byerlee, 2001) aponta que muitos autores mostraram que os ganhos de produtividade dos pequenos agricultores são capazes de promover melhores resultados de desenvolvimento em termos redução da pobreza, geração de renda e crescimento econômico, reforçando o discurso em prol da distribuição de parcela de terra a pequenos agricultores em países como o Brasil, que dispõe de uma estrutura agrária desigual, contemplada pelo modelo de modernização através da agricultura mecanizada em larga escala, em cenário de abundantes parcelas de terra (DEININGER; BYERLEE,2001).

Mas como superar tal situação de estrutura agrária desigual em um contexto de escassez da água e dos fatores de produção? Sumariamente, esta é a realidade do semiárido brasileiro e, portanto, serão tratadas as suas especificidades geográficas, climáticas e acerca da formação e composição agrária do semiárido, com o objetivo de demonstrar em qual contexto histórico foi estabelecida a condição de concentração fundiária, resguardando a conjuntura específica para o semiárido mineiro.

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Em seguida, será realizada uma abordagem integrada acerca da Política Nacional de Irrigação através do detalhamento do arcabouço legal e institucional, pelo qual instituiu-se o Plano Nacional de Irrigação e o regime de atuação das agências governamentais para o desenvolvimento e combate as secas.

Adiante serão analisadas as especificidades do modelo proposto para o desenvolvimento agrícola e enfrentamento das secas: os perímetros irrigados. Reflexão acerca do funcionamento da chamada grande irrigação será apresentada, haja vista que foi o modelo de maior aplicação no semiárido e fornecerá a instrução suficiente para iniciar a discussão dos próximos capítulos.

Por fim, mediante a característica específica da grande irrigação em combinar diferentes classes de agricultores na promoção de atividade agrícola através da colonização, um breve relato será apresentado acerca da questão do Estatuto da Terra e demandas pelo país, em um cenário de modernização agrícola.

1.2. O Semiárido

O semiárido compreende nove estados do território nacional (Bahia, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Ceará, Piauí e Minas Gerais), sendo que em relação aos estados que compõem a região Nordeste, diferencia-se por incluir o Norte de Minas Gerais e excluir o estado do Maranhão. O semiárido é responsável por 18,2%(982.566 km²) do território nacional e 11% da população do país, aproximadamente 23,8 milhões de pessoas, vivem na região (IBGE, 2010).

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Fonte: IBGE, 20051.

Não muito diferente da região Nordeste, a economia do semiárido possui atividade agrícola dual, diferenciando-se pelo cultivo de sequeiro e pelo cultivo irrigado. Este último, na atualidade, conforme Alves e Souza (2015), é considerado como um cultivo representativo no abastecimento nacional e na exportação de frutas, sucos e hortaliças.

O semiárido também é constantemente lembrado pelo fato de “exportar” mão de obra para as grandes capitais do país, em especial para o Sudeste e Goiás, constituindo um dos maiores reflexos da situação de pobreza em que vivem boa parte dos 21,4 milhões que ali residem2.

1 - Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial para Redelimitação do Semiárido Nordestino e do

Polígono das Secas, publicado em 2005.Disponível em:

https://ww2.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/semiarido.shtm?c=4 .Acesso em: 18/07/2017. 2 - Segundo o Censo Demográfico de 2010. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html. Acesso em: 18/07/2017.

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O histórico do processo de desenvolvimento do Semiárido Nordestino, é marcado pela concentração de terras e atividades agrícolas como o carro chefe da economia regional, porém, destacada ênfase é conferida as irregularidades climáticas, baixo volume pluviométrico dentre mais de 60% do território que compreende a região Nordeste. Este baixo volume de chuvas, muitas vezes é agravado com as causalidades de períodos de secas prolongadas que assolam por anos a população do semiárido. Devido a este fenômeno climático, a discussão em torno do uso e posse da terra recebe menor atenção. Apesar dos inúmeros avanços em torno da discussão da propriedade e posse da terra no cenário brasileiro e das especificidades das regiões que compõem o território nacional, pouco são aqueles que na atualidade percebem a situação de pobreza extrema do semiárido nordestino relacionada ao grave problema agrário existente na região, restando mais uma vez o uso das justificativas climáticas como a grande causa das problemáticas existentes ali. Identifica-se que em muitos casos, o Estado se faz ausente nas discussões acerca do tema, de modo que se propõe a trabalhar com os efeitos da seca, ao invés de aplicar olhar mais holístico sobre a sociedade nordestina, como se organiza, se define e demanda ações governamentais. Permanecem, portanto, o conservadorismo à frente do poder, representando os interesses das minorias privilegiadas e traduzindo o poder exercido através das propriedades extensas, constituídas por parcelas de terras, com solos cultiváveis de elevada fertilidade, localização geográfica e bioma propício. Em paralelo a este contexto, restam os segmentos mais frágeis da sociedade civil (CARVALHO, 1985:179).

1.2.1. Formação e Composição da Estrutura Agrária do Semiárido

A estrutura fundiária predominante no Semiárido confunde-se com aquela encontrada na região Nordeste; Logo, a análise realizada neste item, recorre a literatura que trata da região Nordeste, no período anterior a 2005, ano de delimitação geográfica do semiárido nordestino pelo IBGE.

Em toda a região Nordeste, a estrutura fundiária atende ao modelo da chamada grande empresa colonial, vista como uma solução ao desafio da ocupação do território brasileiro em “tempos de descobrimento”, logo segue o mesmo modelo encontrado na região Nordeste do país. Este molde, propunha que a ocupação através de latifúndios se realizasse com o objetivo de ocupar parcelas de terra consideradas vazias, em harmonia

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com a obtenção de mão de obra barata, como forma de viabilizar a produção, ou ainda, a empresa agrícola (PESSOA, 1990:19).

Durante o período colonial, parcela da atividade econômica se concentrava no Nordeste, logo em parcela do Semiárido, incorrendo que o regime das sesmarias prosperasse nesta região através da incorporação de novas áreas, processo que não ocorreu em outras regiões do país. Mediante a este regime de ocupação, desenvolveu-se uma dinâmica de distribuição de terras, através das concessões, direcionado a um número reduzido de pessoas. Em 1822, com a extinção do sistema de sesmarias, o regime de apossamento consolidou-se na região, incorrendo no aumento do tamanho das propriedades rurais e no surgimento de conflitos acerca da apropriação das terras, conflitos estes que perduram até a atualidade (SILVA, 1988:18, 19).

Com permissão literária, efetuamos o chamado “salto no tempo”, para a denominada era da modernidade, com destaque ao ano de 1946, momento em que a Assembléia Nacional Constituinte incorporou à Constituição Federal, através do artigo nº147, o uso da propriedade condicionado ao bem-estar social, pautando-se através da promoção da justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade a todos, conforme estabelecido no artigo nº141, §16, restabelecendo a função social da propriedade da terra. Pessoa (1990:30), aponta que ao longo de décadas e governos, muitas foram as propostas que visavam a ampliação das bases legais com a finalidade de alterar as condições estruturais do campo, todas em grande parte, realizadas por movimentos sociais e entidades representativas de diversos segmentos organizados.

E foi na grande seca de 1977, vivida pelo semiárido nordestino, que o debate nacional se voltou para a resolução do problema principal daquela época, “falta de braços”. Neste período, de forte recrudescimento político, a sociedade agrícola nacional fez uma opção de sentido contrário, construiu uma temática que não previa o problema estrutural da época: admitir que grande parte da explicação das condições de pobreza nordestina e o relativo atraso da atividade agrícola, também advinham da interdição do acesso à terra pela população trabalhadora. Tornava-se mais eficaz e conveniente, apontar que se tratava da necessidade de um contingente maior para acelerar a produção regional, de modo que segundo Furtado (1979:110) “o problema nacional básico era a expansão da força de trabalho”.

No trabalho “A irrigação e a problemática fundiária do Nordeste”, coordenado por José Graziano da Silva, publicado em 1988, o conjunto de autores em análise da estrutura da posse e da propriedade da terra, apontam que:

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Quando o processo de modernização da agricultura brasileira completou a desagregação dos “complexos rurais”, abrindo as atividades agrícolas para os mercados intersetoriais de insumos e equipamentos mecânicos, o modelo seguido de modernização conservadora preservou ou, muitas vezes, piorou a mesma estrutura desigual da posse e propriedade da terra. Em outras palavras, a desagregação dos complexos rurais e a constituição dos complexos agroindustriais não foi precedida nem acompanhada de uma política de reestruturação fundiária em nosso país. A estrutura da propriedade da terra manteve-se praticamente intocada, enquanto as transformações de base técnica, econômica e social da agricultura concentravam-se nas grandes propriedades. (SILVA, 1988:19,20).

E desde a publicação deste estudo, poucas foram as transformações ocorridas na estrutura fundiária do semiárido nordestino, e considerando que o semiárido nordestino, tem grande parte de sua área, definida pelo IBGE como polígono das secas em 20053, o mesmo, tornou-se uma unidade setorizada de coleta e análise de dados. Logo, no processo de pesquisa junto à base de dados do IBGE, o semiárido recebeu recorte específico somente a partir do Censo Agropecuário realizado em 2006, que agora torno-me a dedicar.

Torna-se necessário destacar que em decorrência da utilização da base de dados do IBGE – Censo Agropecuário, o termo estabelecimento agropecuário, refere-se a todo terreno de área contínua, independentemente do tamanho ou situação (urbana ou rural), formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se processe uma exploração agropecuária4. Ainda segundo o IBGE, a área total refere-se à totalidade das terras que formavam o estabelecimento, considerada a situação existente na data do Censo; em casos em que o estabelecimento cuja área se estendesse a mais de um município foi incluído por inteiro no município em que se achava localizada a respectiva sede ou, na falta desta, naquele em que se situasse a maior parte de sua área, representando através da medida hectare.

Mediante a conceituação acima, a pesquisa entende que em termos de análise para com a questão da concentração de terras, seria mais vantajoso utilizar o conceito de imóvel rural ou ainda, empreendimentos agrícolas encontrados no Cadastro de Imóvel Rural do INCRA e PNAD do IBGE respectivamente, pelo motivo destes dados partilharem de informações mais precisas, contudo, considerado o interesse pelo semiárido nordestino e a situação fundiária do recorte feito para a pesquisa de campo, a

3 - Definição dada através do Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial para Redelimitação do Semiárido Nordestino e do Polígono das Secas, publicado em 2005.

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condição de estabelecimento, foi o mecanismo encontrado para selecionar uma área representativa, através da coleta dos dados das microrregiões que compõem esta região, encontrados apenas no Censo Agropecuário, mesmo que neste caso não sejam veiculadas informações sobre a propriedade da terra, tendo em vista que é tratada a situação da posse da terra.

As classes determinadas para a análise da desigualdade da posse da terra nas “áreas” estudadas, foram definidas de acordo com a metodologia que melhor atendesse o objetivo desta pesquisa: avançar no entendimento acerca da concentração fundiária no semiárido nordestino e a tendência de concentração no perímetro irrigável a ser analisado. Sendo assim, de acordo com o estudo realizado por Câmara (1949), a desigualdade da posse da terra pode ser entendida a partir dos seguintes critérios:

Tabela 1 – Classificação do Índice de Gini

Índice de Gini Classificação De 0,000 a 0,100 Concentração Nula De ,0101 a 0,250 Concentração Nula a Fraca De 0,251 a 0,500 Concentração Fraca a Média De 0,501 a 0,700 Concentração Média a Forte De0,701 a 0,900 Concentração Forte a Muito Forte Acima de 0,900 Concentração Muito Forte a

Absoluta

Fonte: Câmara, 1949.

Alves e Souza (2015) apontam que a grande maioria dos estabelecimentos desta região, possuem até 100 (ha), representando 41,13% da área total, de modo que este indicador contrasta com a realidade fundiária daqueles que não detém da posse da terra na região, ou ainda, mesmo que em situação de posse de uma parcela de terra no semiárido, não permaneceram na mesma, por conta da irregularidade das chuvas, que dizima o plantio agrícola e as criações.

Em pesquisa, a área média dos estabelecimentos do semiárido, TABELA 2, verifica-se que este indicador é menor do que o resultado registrado para a região Nordeste no mesmo período, podendo ser explicada pelo fato de que nesta última região, grande parte dos estabelecimentos considerados produtivos, concentram-se nas faixas úmidas da grande região.

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Tabela 2- Área Média (ha) e medidas de desigualdade da distribuição da posse da terra. Brasil, Nordeste, Semiárido e Semiárido Mineiro, 2006

Indicador Brasil Nordeste

Semiárido Nordestino

Semiárido Mineiro

2006 2006 2006 2006

Área Média (ha) 64,47 30,99 28,89 53,6

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

Mas quando apreciado o semiárido mineiro - região do estado Minas Gerais que será objeto da análise posterior - FIGURA 1, verifica-se que a área média dos estabelecimentos se eleva em aproximadamente 85,5% em relação a área média da totalidade dos estabelecimentos do semiárido, vide TABELA 4. Tal realidade pode ser justificada pelo histórico de ocupação desta região, pois muitas terras eram consideradas como devolutas e foram ocupadas através do regime de apossamento ao longo do último século, por expedições que seguiam até o Nordeste. O regime de posse no semiárido mineiro foi constituído mediante conflitos que culminaram na migração de muitas famílias que viviam no rural, para a cidade, de modo que a presença dos pequenos estabelecimentos, menores de 10 (ha), ocorre nesta região com menor intensidade5.

Figura 2 – Semiárido Mineiro

5 - Conforme levantamento realizado pelo IBGE em 2006 - análise da área e número de estabelecimentos do Norte de Minas.

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Fonte: Observatório do Semiárido Nordestino, Faculdade de Guanambi.

Quando feita a análise do Índice de Gini para a região do semiárido, compreende-se que variadas realidades compõe tal região, compreende-sendo que a variação das manchas identificadas na FIGURA 2, representam o Índice de Gini da área total dos estabelecimentos agropecuários dos municípios brasileiros em 2006. Identifica-se, que a área que compõe o semiárido apresenta variações de tal índice, estando boa parte da área com valores acima de 0,731, demonstrando que a concentração da posse da terra é forte no semiárido, com destaque para as áreas que margeiam cursos d’água.

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Figura 3 - Índice de Gini da área total dos estabelecimentos agropecuários, por município - 2006

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

1.3. Política Nacional de Irrigação: Uma proposta para o Desenvolvimento Regional

Em detrimento de uma política de desenvolvimento regional, o governo militar

criou agências6 de fomento, com a tentativa de reduzir as desigualdades regionais. Tais

órgãos, apresentavam como objetivo principal, a execução de políticas que dinamizassem a economia de cada região do país e promovessem maior grau de integração nacional.

Ações específicas foram realizadas, de modo que a região Sul e Nordeste, receberam atenção especial. A região Sul, por sua vez, foi contemplada por conta da experiência com a prática de atividades irrigadas. A região Nordeste, que tem parcela importante do seu território afetado por um problema de ordem natural, secas quase

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periódicas, fenômeno que na maioria das situações é tomado como um dos entraves ao desenvolvimento agrícola e pastoril, também recebeu financiamento para o desenvolvimento da agricultura irrigada

Porém, segundo Carvalho (1985), não seria esta a face principal do atraso econômico da agricultura nordestina, pois o padrão da estrutura agrária ali encontrada, bem como o processo de geração e apropriação da renda da terra, também seriam fatores

de entraves ao desenvolvimento econômico daquela região7.

Em um contexto de alta concentração fundiária, a região nordeste carecia de incentivos que tratassem para além da questão agrária, constituindo-se a irrigação como um instrumento capaz de tornar como potenciais áreas de solo árido, conferindo-lhes dinamicidade econômica e social e de uso do solo e água. Portanto, observou-se através do governo federal e da Superintendência de Desenvolvimento para o Nordeste – SUDENE, a agricultura irrigada, como uma medida capaz de solucionar os problemas das faixas semiáridas do Nordeste e contribuir para o desenvolvimento agrícola da região.

Deste modo, estaria a agricultura irrigada, dotada da capacidade de transformar a estrutura produtiva relativa à agricultura tanto do ponto de vista econômico, quanto social, pautada em uma lógica que Carvalho (1985), denomina como modernização reformista, constituída sob o regime de produção capitalista, com adoção de práticas modernas de produção, voltadas a ao aumento da produtividade em que os benefícios são compartilhados pelos diferentes atores que participam do processo produtivo, inclusive aos pequenos agricultores, através da execução de processos de reforma agrária. A modernização neste sentido, seria reformista ao propor a interação, comercialização agrícola e tomada de decisões entre os diferentes agentes ligados à produção (CARVALHO, 1985, p.466).

1.3.1 Perímetros Irrigados: Marco Legal e Institucional

Até o início do século XX, eram poucas as atividades agrícolas que utilizavam técnicas de irrigação rural pelo país, com exceção do estado do Rio Grande do Sul, que desenvolveu o primeiro projeto de irrigação no Brasil, por meio da iniciativa privada,

7 - Como dantes já visto neste trabalho, a concentração fundiária é parte do contexto histórico da ocupação territorial desta região do país, de modo que é derivada do capital e poder político das classes conservadoras, que por sua vez detém parcelas importantes de terras produtivas, porém, em sua maioria ociosas, em contradição ao grande número de trabalhadores, em especial aqueles que ocupam o semiárido, que lutam pelo acesso à terra e ao mercado de trabalho.

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com a construção do reservatório Cadro, com o objetivo de irrigar a lavoura de arroz. Em São Paulo, o sistema de café irrigado por aspersão foi difundido, sendo superado pelo início da irrigação do semiárido nordestino, nas décadas de 60 e 70 (BRASIL, 2008).

Embora difundida no sul do país, a atividade agrícola obtinha limitado conhecimento de utilização desta técnica, justificada em grande parte pela prática da cultura de sequeiro em boa parte do território, devido as condições hídricas favoráveis e bom regime de chuvas (BRASIL, 2008). Contudo, a região semiárida do Nordeste, colocava-se como uma contradição a esta realidade e desde muito logo, ainda em 1909, foi instituída a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), mais tarde denominada como Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, que tinha como objetivo principal realizar ações de combate à seca em toda a região, através da construção de açudes para o aumento da disponibilidade hídrica, estradas, hospitais, usinas hidrelétricas, pontes e outras obras de infraestrutura no combate à pobreza e desemprego nas regiões

assoladas pela seca8.

Decorrente da ação da DNOCS no semiárido, em 1948 foi criada a Comissão do Vale do São Francisco- CVSF, que tinha como responsabilidade desenvolver trabalhos voltados ao incentivo da produção agrícola e extensão rural juntos aos produtores do Vale do São Francisco que praticavam as atividades de pecuária e plantio do algodão. Ao longo do tempo, a CVSF, passou a incentivar e apoiar o cultivo de variadas atividades agrícolas na região Nordeste em parceria com o Banco do Nordeste, criando em 1952. Ao fim dos anos 1950, em decorrência da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE em 1959, a CVSF, passou a atuar em investimentos de projetos públicos de irrigação de maior escala, denominados como sistema de irrigação pública, tornando-se Superintendência do vale do São Francisco –SUVALE em 1967.

A DNOCS em sua ação quase que similar aos trabalhos realizados pela SUDENE, mantinha o foco da sua atuação em prol do desenvolvimento rural, enquanto a SUDENE estava mais diretamente ligada a empreendimentos voltados a projetos de industrialização (BRASIL, 2008, pg. 09).

O Governo Federal instituiu em 1968, no bojo da elaboração dos Planos Nacionais de Desenvolvimento-PND, o Grupo Executivo de Irrigação e Desenvolvimento Agrário – GEIDA, com o objetivo de constituir uma política de irrigação para o Brasil, ação

8 - Informações obtidas através da página oficial do DNOCS na internet. Disponível em: http://www.dnocs.gov.br/php/comunicacao/registros.php?f_registro=2&f_ope=regist. Acesso em: 18 de abril de 2017.

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realizada através do Programa Plurianual de Irrigação-PPI, lançado em 1970, que estabelecia as diretrizes para a política de irrigação no país, com grande parcela dos investimentos voltados a região Nordeste. A intenção principal do PPI, era que a irrigação tornasse um instrumento de promoção do crescimento econômico, com responsabilidade de implementação dirigida a DNOCS e SUVALE (BRASIL,2008, pg.09). Segundo Brito (1991), o PPI foi responsável pela reorientação do Estado brasileiro em relação à agricultura irrigada, pois estabeleceu metas a serem cumpridas e a ampliação do conhecimento acerca dos recursos disponíveis, baseados em relatórios técnicos e estudos de viabilidade econômica.

O Programa de Integração Nacional – PIN, criado através do Decreto-Lei nº1.106/1970, foi o responsável pelo financiamento da primeira fase do Plano Nacional de Irrigação, que teve como pano de fundo, I PND lançado em 1972 e o II PND em 1979. Em outubro de 1974, foi criado o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste, denominado como POLONORDESTE, com a finalidade de promover o desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias de áreas prioritárias do Nordeste, conforme texto do Decreto nº79.794 de outubro de 1974.

Neste período de desenvolvimento de planos e programas de incentivo e desenvolvimento da agricultura irrigada, percebe-se que o governo da ocasião, atuou sob uma perspectiva intervencionista mediante a ampliação do conhecimento acerca dos recursos naturais disponíveis e pela implementação de políticas a nível nacional. Foram estabelecidas diretrizes e metas através do I Plano Nacional de Irrigação, todas capitaneadas pelo setor público, mas claramente voltadas ao estímulo da iniciativa privada. Este encabeçamento das ações pelo setor público, ganhou um sentido diferenciado, apenas quando do Programa Nacional para Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis (PROVARZEAS), do Programa de Financiamento de Equipamentos de Irrigação (PROFIR) e da criação de “lotes empresariais” nos projetos públicos de irrigação, que conferiu a condição de manifestação da iniciativa privada (BRASIL, 2008, pg. 11).

Entretanto, apesar de esforços realizados em torno de planejamentos dirigidos a irrigação na década de 1960 e o início das obras de irrigação por todo o território nacional, não havia legislação que contemplasse tal matéria e disciplinasse a interação dos agentes envolvidos, até que em junho de 1979, foi sancionada a Lei nº6.662/1979, que definiu o objetivo da Política Nacional de Irrigação: aproveitamento racional de recurso de água e solos para a implantação e desenvolvimento da agricultura irrigada. Tal ordenamento

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jurídico também foi o marco referencial legal para a implantação de sistemas de irrigação, tornando clara as relações entre o Estado e os agentes que seriam beneficiados com os projetos. É importante considerar, que a Lei nº6.662/1979, foi constituída respeitando ao arcabouço jurídico vigente a época acerca dos recursos hídricos e a sua manutenção, tornando com que a implantação dos projetos públicos de irrigação estivesse em acordo com as condições ambientais de preservação. Porém, este instrumento regulatório viria a ser regulamentado apenas em março de 1984, por intermédio do Decreto nº89.496, alterado pelos Decretos nº90.309 de 16 de outubro de 1984, nº90.991 de 26 de fevereiro de 1985 e nº93.484 de 29 outubro de 1984, contribuindo para a reduzida eficácia e implementação dos programas e planos desenvolvidos em período anterior (BRASIL, 2017).

Em 1986, em um cenário de redemocratização do país, o Programa Nacional de Irrigação- PRONI e o Programa de irrigação do Nordeste-PROINE foram instituídos com o propósito de ampliar os espaços irrigados nacional; A iniciativa era de ampliar em 5,5 milhões de hectares irrigados até 1990, sendo que na época o saldo era de 2,5 milhões de hectares (BANCO DO NORDESTE, 2001b). O PROINE, portava da especificidade de promover mudanças institucionais nos estados, de modo que todos portassem da infraestrutura, equipes técnicas e produtores rurais habituados com as práticas de irrigação (BRASIL, 2008, pg.11). Ainda, em detrimento do processo de redemocratização vivido pelo país, ao final da década de 1980, a Lei nº 6.662/1979, teve dispositivos que tratavam da questão hídrica nacional, superados pela Constituição Federal de 1988. Publicado em 1997, o Decreto nº2178 de 17 de março de 1997 tornou-se o novo marco legal responsável por regulamentar tal lei, em conjunto com a Lei nº9.433/1997, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos.

Em complemento as ações do governo federal em prol do desenvolvimento da agricultura irrigada, em 1996, o Ministério da Agricultura instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Fruticultura Irrigada no Nordeste, por meio da transferência de incentivos através do Banco do Nordeste (BRASIL, 2017).

A partir de 1999, sob novas bases conceituais de governança e sustentabilidade econômica, foi elaborado o Projeto Novo Modelo de Irrigação, que teve em seu escopo a definição de novas bases estruturais, conceituais e regulatórias, operacionais e financeiras, bem como, foram estabelecidas diretrizes voltadas para a viabilidade do agronegócio, estímulo do investimento privado e produção orientada as oportunidades do mercado (BANCO DO NORDESTE, 2001).

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Após mais de 30 anos da publicação da Lei nº6.662/1979, firmou-se uma nova Política Nacional de Irrigação no ano de 2013, sancionada através da Lei nº12.787/2013. A nova legislação, foi constituída mediante uma realidade social largamente diferente, sob novas tecnologias sociais e de incrementos produtivos, bem como, sob um novo entendimento acerca do Estado e suas funções. A irrigação na atualidade, deixa de ter financiamento exclusivo de recursos federais e passa a cada vez a ser alvo de investimento privado e ações estaduais de incentivo ao desenvolvimento agrícola.

1.3.2 Perímetros Irrigados: A agricultura irrigada como um projeto público para o Nordeste

O processo de irrigação das parcelas de terra tomou um sentindo mais amplo quando preconizada para fins de desenvolvimento econômico para as zonas semiáridas do Nordeste, tendo em vista que era considerado como uma medida de transformação da economia e de um território largamente afetado pelas secas, caracterizando-se em última instância como um agente transformador da estrutura produtiva, calcada na atividade agrícola. Estava previsto, que no processo de implantação da agricultura irrigada, as relações de produção vigentes se alterassem para uma condição de maior acessibilidade aos mercados, melhor estrutura produtiva e acesso à terra (CARVALHO, 1985).

A partir do Projeto do I Plano Nacional de Irrigação elaborado em 1982, Carvalho (1985) aponta, que foi dado início ao “estímulo à iniciativa privada para a expansão e a introdução da agricultura irrigada no semiárido, com ênfase para os projetos de irrigação e para o aproveitamento das várzeas irrigáveis próximas aos mercados de consumo”. Seria ainda, de interesse do governo, alcançar a integração da produção irrigada a agroindústria.

Em síntese, a partir do desenvolvimento do Projeto Nacional de Irrigação, em 1970, previa-se que o desenvolvimento da agricultura irrigada, em um país de bases capitalistas de produção, só faria sentido, se gerado sob a perspectiva de bases técnicas modernas de produção e em um cenário de concorrência, o que não era a realidade do semiárido nordestino, dotado de uma economia com relações internas muitas vezes pré-capitalista, com um solo fértil limitado e reduzido potencial hídrico. Tal região carecia de ações estruturais de transformação, possíveis apenas no campo da política pública e social (BRASIL, 2008). Ao Plano Nacional de Irrigação cabia apenas a orientação de promover ações governamentais diretas e em caráter prioritário, voltadas para a implantação e operação de projetos públicos de irrigação no Nordeste (CARVALHO, 1985:475).

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E neste viés, foram desenvolvidos através do I Plano Nacional de Irrigação, variados projetos de irrigação pelo semiárido, estando estes caracterizados dentre as seguintes categorias:

a) Irrigação em grande escala ou grande irrigação privada e pública: Este modelo de

irrigação pode ser conduzido através da grande irrigação pública, em que são distribuídos lotes a colonos/irrigantes e empresários obtém lotes através do arrendamento ou aquisição junto ao Estado. A grande irrigação privada, prevê a exploração de até 10.000 hectares e pertence geralmente a um número reduzido de proprietários, em sua maioria, grandes empresas. Na irrigação privada não sem tem como objetivo o processo de desconcentração da posse da terra e da renda, assim, como na grande irrigação pública (CARVALHO, 1985; CODEVASF, mimeo).

b) Pequena irrigação: A pequena irrigação é executada sob a utilização de métodos

convencionais, em uma superfície inferior a 100 hectares, com irrigação provinda de barragens de contenção das chuvas. Combina pequenos e médios proprietários e não atende o interesse social. Este modelo de irrigação é realizado em caráter privado, a partir da transferência aos governos estaduais a responsabilidade de prover a infraestrutura complementar à irrigação, tais como eletrificação rural e barragens. Através da transferência aos governos estaduais, estaria a pequena irrigação como uma forma mais econômica de expandir a produção agrícola, sem a necessidade de realizar grandes processos de desapropriação de terras, o que era comum aos programas de irrigação pública. Assim sendo, a partir do modelo de pequena produção irrigada surgiria a exploração conjunta de pequenos “tratos” de terra, ou seja, os lotes dos colonos oriundos do DNOCS e CODEVASF

(CARVALHO, 1985; CODEVASF, mimeo).

c) Irrigação não-convencional: A irrigação não-convencional é prevista em áreas de

baixos índices pluviométricos e distantes de rios, barragens ou cursos d’água. Através da coleta de água subterrânea, famílias em condição de pobreza e insegurança alimentar, que são detentoras de glebas de terra, recebem o sistema de irrigação durante o período das secas que acontece no inverno brasileiro. Nesta modalidade, não é prevista a produção comercial, apenas para a subsistência (CARVALHO, 1985; CODEVASF, mimeo).

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Mediante ao cumprimento do objetivo de pesquisa deste trabalho e com vistas a esclarecer as especificidades da grande irrigação pública, ou ainda, irrigação em grande escala pública, tratarei na próxima sessão acerca da lógica funcional destes empreendimentos no semiárido nordestino, a partir do Plano Nacional de Irrigação.

1.3.2.1. A grande irrigação pública ou a irrigação em grande escala

O processo de desenvolvimento da região Nordeste é uma questão de grande apreço pelos que ali residem, bem como, de muitos envolvidos no entendimento dos mais variados processos de diferenciação social, sejam acadêmicos, burocratas ou civis. As condições de elevada pobreza e as formas de exploração econômica ali vigentes se tornaram pilares do poder político regional e colocaram como pauta do Plano Nacional Irrigação e dos projetos públicos de irrigação a serem criados, a premissa de alcançar o desenvolvimento da região por meio do aumento do potencial de concorrência e integração econômica do Nordeste com as demais regiões do país em termos de produção agrícola, fomento da indústria regional com a finalidade de promover a expansão econômica necessária e por fim, avançar nas melhoria das condições de vida da população em condição de pobreza, ampliando a oferta de trabalho e incentivando o crescimento do mercado interno regional (BRASIL, 2008).

E mediante ao estabelecimento de tais condições, o modelo da grande irrigação pública, foi aquele empreendido em maior escala pela Política Nacional de Irrigação na

região do semiárido Nordestino9, pois conforme prevê o Projeto de Irrigação Nacional,

este modelo de infraestrutura irrigada permite maior integração social e desenvolvimento socioeconômico, pois em sua estrutura originária prevê a implantação de rebuscada engenharia, com a finalidade de captar, armazenar e distribuir águas a áreas afetadas pela indisponibilidade hídrica, conformando em seu projeto original irrigantes/colonos, pequenos e médios empresários e os empresários agroindustriais.

Os projetos púbicos de grande irrigação, tiveram o financiamento para as obras de infraestrutura, subsidiado pelo Estado, representado por agências governamentais responsáveis pelo processo de implantação e execução das obras de infraestrutura, que além de canais e barragens de irrigação, compreendem estradas, drenos, estações de

9 - Será tratado com maior atenção neste trabalho, pois o interesse da pesquisa mora na grande irrigação pública e na sua temática que propõem atender a interesses sociais através de uma política de fixação do homem no campo.

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bombeamento, central de administração e canais secundários. No caso do semiárido, coube a responsabilidade de gestão dos perímetros a CODEVASF (CODEVASF, mimeo).

A lógica inicial da chamada “grande irrigação” previa a desapropriação por interesse social das terras passíveis de irrigação, o que ampliava as possibilidades de transformação da natureza econômica e social da região em que estava inserida. Posteriormente são realizadas as obras de infraestrutura, e por fim, as parcelas são destinadas aos interessados do projeto da grande irrigação (CARVALHO, 1985).

A fase de implantação do perímetro irrigado, resultante das obras de infraestrutura em torno da grande irrigação, é iniciada com o assentamento dos colonos - pequenos produtores rurais destinados a explorar lotes de 3,5 a 15 hectares, recebem as suas parcelas. Em sua maioria são famílias que já lidaram com a terra em período anterior, mas que a época da seleção, restavam na condição de trabalhadores agrícolas sem-terra, parceiros ou de agricultores de áreas de sequeiro. A segunda fase, compreende os pequenos e médios empresários, compostos pela figura da pessoa física ou jurídica, com capacidade financeira e habilidade técnica comprovada para empreender a atividade agrícola moderna. Tais empresários podem acessar de 15 a 200 hectares, através do processo de arrendamento ou compra de lotes por meio da CODEVASF. Aqueles que optam pela exploração do perímetro irrigável na forma de agroindústria, possuem a opção de compra ou arrendamento, por intermédio da CODEVASF, em áreas irrigáveis de 200 a 1.000 hectares (CODEVASF, 1984).

A exploração de um grande projeto de irrigação prevê a interação de colonos e empresários como um modo de desenvolver e expandir a agricultura irrigada no Nordeste. A terra é caracterizada como um meio de produção para ambos, com o diferencial que para o caso dos colonos, este meio de produção privado foi transformado em um patrimônio público através do processo de desapropriação, medida que torna o colono dependente das decisões do ente governamental que administra o perímetro e determina o tipo de exploração que o lote deverá receber. Tal planejamento produtivo é realizado com base em pesquisas de mercado e prevê o atendimento das necessidades “do mercado” (CODEVASF, 1984).

Ao longo de mais de vinte anos, perímetro irrigáveis demonstraram que em muitos casos, privilégios são concedidos a grupos econômicos e políticos, seja pelo recebimento de terras férteis pelo Estado, ou seja pela larga experiência no cultivo moderno na agricultura, que abre precedentes e vantagens em um cenário de concorrência

Referências

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