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CAPÍTULO 1. SEMIÁRIDO BRASILEIRO: ESTRUTURA FUNDIÁRIA E A

1.4. O Estatuto da Terra e as Demandas pela Terra no país

O ordenamento da ocupação do solo no Brasil, sempre foi um palco de disputas políticas e intelectuais, carregando traços históricos importantes desde a independência. Tratada como uma ideia de desenvolvimento econômico no pós-guerra, após 1945 projetos de reforma agrária se multiplicaram pelo país e demandavam a intervenção do Estado (LEITE et al., 2004).

Durante os anos sessenta, a propriedade da terra foi o centro da análise econômica e social, de modo que a Comissão Econômica para América Latina – Cepal, em seus argumentos como explicação ao subdesenvolvimento, apontava que à concentração da terra em latifúndios, em grande parte improdutivos, dificultava o incremento da produtividade dos minifúndios e seria um possível agente impeditivo ao desenvolvimento nacional, de modo que a reforma agrária poderia tornar-se uma política para dar solução a este imbróglio (REYDON, 2006). No Brasil, neste mesmo período, a questão da “terra”, em especial a reforma agrária, era de grande importância e corria pelas discussões políticas e acadêmicas, pautadas pela análise das chamadas formas pré-capitalistas das relações no campo, como parceiros, foreiros e empregados rurais em mínimas condições de vida, figurando a questão agrária como um resultado do processo de desenvolvimento capitalista (KAGEYAMA, 1993, p.5-16).

Isto posto, o desenvolvimento da agricultura brasileira - como parte de um projeto nacional para o desenvolvimento econômico - a partir da década de 60 passou a ser regulamentado por duas novas peças jurídicas, o Estatuto da Terra de 1964 (que tratava da modernização do campo, tecnologia, colonização e reforma agrária) e o Estatuto do Trabalhador Rural de 1963 (que estabelecia direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários). Tais documentos foram considerados como estímulos à modernização da agricultura brasileira10, porém, em 1964, o governo militar engendrou forte perseguição aos movimentos sociais e sindicais, dando sequência a um controle repressivo da sociedade brasileira, de modo que a reforma agrária aclamada e prevista pela Estatuto da Terra foi extremamente limitada (BERGAMASCO et al., 2003). Neste período, o discurso incitado pela classe política conservadora (grandes proprietários de terras) deu início a contraposição entre desenvolvimento agrícola (pautado em

10 - Tal modelo de modernização já era em período anterior pauta das representações patronais fundiárias e tornou-se realidade no período da ditadura (BERGAMASCO et al., 2003).

modernização da produção nos grandes latifúndios) e reforma agrária (redistribuição da propriedade da terra).

A questão agrária foi abordada através do estímulo da colonização rumo a região amazônica como alternativa para alocar a população excedente11. Quanto ao

desenvolvimento agrícola, a criação de agências em prol do desenvolvimento regional

integrado foi instaurada, SUDENE, SUDAM e outras, todas estas, dotadas de uma

política agrícola pautada na concessão de financiamentos subsidiados e incentivos fiscais com o objetivo de alcançar a modernização tecnológica e comercial do setor agrícola. Sem cunho reformista, tais ações não incorreram em alterações na estrutura fundiária nacional, resultando neste campo de estudo, na elevação da concentração fundiária e a

ampliação da desigualdade socioeconômica, mesmo quando em ações especiais de apoios

a projetos públicos de irrigação no semiárido nordestino que previam o assentamento de pequenos produtores rurais em parcelas de terras irrigadas.

Logo, buscava-se através do Estatuto da Terra, a promoção do desenvolvimento rural para o país, o que não ocorreu em sua totalidade, visto que a modernização agrícola como projeto dominante para a agricultura nacional não foi capaz de sanar deficiências como o desabastecimento nacional de alimentos, pobreza extrema e êxodo rural12. Com o fim do regime militar, cessão dos subsídios voltados a produção agrícola incorrendo na quebra de muitos produtores e desgaste do modelo de colonização dirigida, a debilidade do programa agrário da ditadura indicava desgastes e favorecia a organização dos movimentos sociais no campo e na cidade em prol de um novo debate acerca da reforma agrária, uma vez que na estrutura social brasileira, novas categorias surgiram em decorrência da modernização agrícola: boia-fria e o empresário agroindustrial.

Em 1985 foi iniciada a transição ao regime democrático-parlamentar (1985-1989), e com base no Estatuto da Terra e as metas ali estabelecidas para a desapropriação de áreas e assentamentos de famílias em zonas prioritárias de reforma agrária, reformulou a

legislação agrária13. O Plano Nacional de Reforma Agrária 1985-1989, pretendia atender

as demandas sociais, “atualizar” o Estatuto da Terra e assentar 1.400.000 famílias no

11 - A colonização muitas vezes, infringia em condições mínimas, não oferecia um rural com capacidade de uso e moradia (BERGAMASCO et al., 2003).

12 - Em contradição, com a incidência da modernização agrícola e a mecanização do campo, considerável parcela de mão de obra foi inutilizada e reforçou o processo de êxodo rural em direção aos grandes centros urbanos do centro-oeste brasileiro.

13 - A existência do risco alimentar na década de 1990, em especial dentre a população que vivia na zona rural. Logo, a reforma agrária era apontada como uma das possibilidades de redução dos índices de pobreza, tanto no rural quando nas áreas urbanas.

campo. Em um discurso parcialmente alinhado à CUT e ao MST, a Contag ao final de 1985 aprovou a proposta de alterações no Estatuto da Terra, incluindo as empresas rurais entre os imóveis passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, fixando assim, uma “plataforma política comum” (BERGAMASCO et al., 2003). No entanto, a reação dos proprietários rurais e setores empresariais (CNA e SRB) em virtude do PNRA 1985- 1989 apresentado pelo governo Sarney, não foi de concordância, sob a égide que “tal plano” não estava consonante com o Estatuto da Terra, mas que se tratava de uma radicalização de tal documento. Sendo assim, deu início a um cenário de tensão, de acordos políticos, arrefecendo a proposta de assentar 1.400.000 famílias e culminando após inúmeras alterações em um obstáculo jurídico à reforma agrária e não mais como um objeto de mudança social14.

O Estatuto da Terra, por sua vez, em sua reformulação previa um processo de modernização tecnológica alinhado ao cumprimento da função social da propriedade. No entanto, após a Constituição de 1988, considerou-se que propriedades produtivas estariam apartadas de qualquer questionamento jurídico, de política agrária ou agrícola.

A Constituinte tornou a lei agrária contraditória e complicada, em virtude da instituição de diversas complementações e regulamentações, o que culminou em uma derrota dos movimentos populares frente a proposta original apresentada por Sarney no PNRA de 1985 (BERGAMASCO et al., 2003), bem como, o processo de reforma agrária pouco avançou neste período.

Em situação similar ao Plano Nacional de Reforma Agrária, corria no plenário, a discussão em torno da retomada das ações voltadas ao incentivo da agricultura irrigada no semiárido, de modo que o governo Sarney, promulgou o Decreto nº92.395 em fevereiro de 1986, instituindo o Programa Nacional de Irrigação – PRONI com a finalidade de executar a Política Nacional de Irrigação, conforme estabelecido em período anterior, através da Lei nº6.662/79, conhecida como a Lei Nacional da Irrigação. Trazia- se ao debate e ações do governo, a construções de novos perímetros irrigados no semiárido nordestino, sob a gestão da DNOCS e CODEVASF, mediante o assentamento de pequenos agricultores.

Contudo, no sentido da realização de planejamento e sistematização do Plano Nacional da Reforma Agrária-PNRA e da Política Nacional de Irrigação, como foi o caso do Programa de Irrigação do Nordeste-PROINE, ambos contemporâneos, Germani

14 - A reforma agrária passa a ser lenta e difícil execução, uma vez que a desapropriação por interesse social deixou de ser prioridade do PNRA.

(1993) aponta que a perspectiva era de que os programas atuassem de forma complementar, mas as áreas selecionadas para atuação destes programas foram diferentes, de maneira que as possibilidades de obterem maior eficácia foram reduzidas.

Portanto, em pesquisa histórica, é possível auferir que as políticas de acesso à terra desenvolvidas no período, em sua maioria, não tiveram como propósito reduzir a concentração da terra e avançar a uma condição de distribuição mais igualitária, mas sim dinamizar a atividade agrícola realizada em grandes empreendimentos, de modo que em última instância, quando analisada a questão agrária, o que se verificou foi o fortalecimento do funcionamento de um mercado de terra agrícola voltado para empresas de médio e tamanho porte (REYDON, 2006).