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Perímetros Irrigados: A agricultura irrigada como um projeto público para o

CAPÍTULO 1. SEMIÁRIDO BRASILEIRO: ESTRUTURA FUNDIÁRIA E A

1.3. Política Nacional de Irrigação: Uma proposta para o Desenvolvimento Regional

1.3.2 Perímetros Irrigados: A agricultura irrigada como um projeto público para o

O processo de irrigação das parcelas de terra tomou um sentindo mais amplo quando preconizada para fins de desenvolvimento econômico para as zonas semiáridas do Nordeste, tendo em vista que era considerado como uma medida de transformação da economia e de um território largamente afetado pelas secas, caracterizando-se em última instância como um agente transformador da estrutura produtiva, calcada na atividade agrícola. Estava previsto, que no processo de implantação da agricultura irrigada, as relações de produção vigentes se alterassem para uma condição de maior acessibilidade aos mercados, melhor estrutura produtiva e acesso à terra (CARVALHO, 1985).

A partir do Projeto do I Plano Nacional de Irrigação elaborado em 1982, Carvalho (1985) aponta, que foi dado início ao “estímulo à iniciativa privada para a expansão e a introdução da agricultura irrigada no semiárido, com ênfase para os projetos de irrigação e para o aproveitamento das várzeas irrigáveis próximas aos mercados de consumo”. Seria ainda, de interesse do governo, alcançar a integração da produção irrigada a agroindústria.

Em síntese, a partir do desenvolvimento do Projeto Nacional de Irrigação, em 1970, previa-se que o desenvolvimento da agricultura irrigada, em um país de bases capitalistas de produção, só faria sentido, se gerado sob a perspectiva de bases técnicas modernas de produção e em um cenário de concorrência, o que não era a realidade do semiárido nordestino, dotado de uma economia com relações internas muitas vezes pré- capitalista, com um solo fértil limitado e reduzido potencial hídrico. Tal região carecia de ações estruturais de transformação, possíveis apenas no campo da política pública e social (BRASIL, 2008). Ao Plano Nacional de Irrigação cabia apenas a orientação de promover ações governamentais diretas e em caráter prioritário, voltadas para a implantação e operação de projetos públicos de irrigação no Nordeste (CARVALHO, 1985:475).

E neste viés, foram desenvolvidos através do I Plano Nacional de Irrigação, variados projetos de irrigação pelo semiárido, estando estes caracterizados dentre as seguintes categorias:

a) Irrigação em grande escala ou grande irrigação privada e pública: Este modelo de

irrigação pode ser conduzido através da grande irrigação pública, em que são distribuídos lotes a colonos/irrigantes e empresários obtém lotes através do arrendamento ou aquisição junto ao Estado. A grande irrigação privada, prevê a exploração de até 10.000 hectares e pertence geralmente a um número reduzido de proprietários, em sua maioria, grandes empresas. Na irrigação privada não sem tem como objetivo o processo de desconcentração da posse da terra e da renda, assim, como na grande irrigação pública (CARVALHO, 1985; CODEVASF, mimeo).

b) Pequena irrigação: A pequena irrigação é executada sob a utilização de métodos

convencionais, em uma superfície inferior a 100 hectares, com irrigação provinda de barragens de contenção das chuvas. Combina pequenos e médios proprietários e não atende o interesse social. Este modelo de irrigação é realizado em caráter privado, a partir da transferência aos governos estaduais a responsabilidade de prover a infraestrutura complementar à irrigação, tais como eletrificação rural e barragens. Através da transferência aos governos estaduais, estaria a pequena irrigação como uma forma mais econômica de expandir a produção agrícola, sem a necessidade de realizar grandes processos de desapropriação de terras, o que era comum aos programas de irrigação pública. Assim sendo, a partir do modelo de pequena produção irrigada surgiria a exploração conjunta de pequenos “tratos” de terra, ou seja, os lotes dos colonos oriundos do DNOCS e CODEVASF

(CARVALHO, 1985; CODEVASF, mimeo).

c) Irrigação não-convencional: A irrigação não-convencional é prevista em áreas de

baixos índices pluviométricos e distantes de rios, barragens ou cursos d’água. Através da coleta de água subterrânea, famílias em condição de pobreza e insegurança alimentar, que são detentoras de glebas de terra, recebem o sistema de irrigação durante o período das secas que acontece no inverno brasileiro. Nesta modalidade, não é prevista a produção comercial, apenas para a subsistência (CARVALHO, 1985; CODEVASF, mimeo).

Mediante ao cumprimento do objetivo de pesquisa deste trabalho e com vistas a esclarecer as especificidades da grande irrigação pública, ou ainda, irrigação em grande escala pública, tratarei na próxima sessão acerca da lógica funcional destes empreendimentos no semiárido nordestino, a partir do Plano Nacional de Irrigação.

1.3.2.1. A grande irrigação pública ou a irrigação em grande escala

O processo de desenvolvimento da região Nordeste é uma questão de grande apreço pelos que ali residem, bem como, de muitos envolvidos no entendimento dos mais variados processos de diferenciação social, sejam acadêmicos, burocratas ou civis. As condições de elevada pobreza e as formas de exploração econômica ali vigentes se tornaram pilares do poder político regional e colocaram como pauta do Plano Nacional Irrigação e dos projetos públicos de irrigação a serem criados, a premissa de alcançar o desenvolvimento da região por meio do aumento do potencial de concorrência e integração econômica do Nordeste com as demais regiões do país em termos de produção agrícola, fomento da indústria regional com a finalidade de promover a expansão econômica necessária e por fim, avançar nas melhoria das condições de vida da população em condição de pobreza, ampliando a oferta de trabalho e incentivando o crescimento do mercado interno regional (BRASIL, 2008).

E mediante ao estabelecimento de tais condições, o modelo da grande irrigação pública, foi aquele empreendido em maior escala pela Política Nacional de Irrigação na

região do semiárido Nordestino9, pois conforme prevê o Projeto de Irrigação Nacional,

este modelo de infraestrutura irrigada permite maior integração social e desenvolvimento socioeconômico, pois em sua estrutura originária prevê a implantação de rebuscada engenharia, com a finalidade de captar, armazenar e distribuir águas a áreas afetadas pela indisponibilidade hídrica, conformando em seu projeto original irrigantes/colonos, pequenos e médios empresários e os empresários agroindustriais.

Os projetos púbicos de grande irrigação, tiveram o financiamento para as obras de infraestrutura, subsidiado pelo Estado, representado por agências governamentais responsáveis pelo processo de implantação e execução das obras de infraestrutura, que além de canais e barragens de irrigação, compreendem estradas, drenos, estações de

9 - Será tratado com maior atenção neste trabalho, pois o interesse da pesquisa mora na grande irrigação pública e na sua temática que propõem atender a interesses sociais através de uma política de fixação do homem no campo.

bombeamento, central de administração e canais secundários. No caso do semiárido, coube a responsabilidade de gestão dos perímetros a CODEVASF (CODEVASF, mimeo).

A lógica inicial da chamada “grande irrigação” previa a desapropriação por interesse social das terras passíveis de irrigação, o que ampliava as possibilidades de transformação da natureza econômica e social da região em que estava inserida. Posteriormente são realizadas as obras de infraestrutura, e por fim, as parcelas são destinadas aos interessados do projeto da grande irrigação (CARVALHO, 1985).

A fase de implantação do perímetro irrigado, resultante das obras de infraestrutura em torno da grande irrigação, é iniciada com o assentamento dos colonos - pequenos produtores rurais destinados a explorar lotes de 3,5 a 15 hectares, recebem as suas parcelas. Em sua maioria são famílias que já lidaram com a terra em período anterior, mas que a época da seleção, restavam na condição de trabalhadores agrícolas sem-terra, parceiros ou de agricultores de áreas de sequeiro. A segunda fase, compreende os pequenos e médios empresários, compostos pela figura da pessoa física ou jurídica, com capacidade financeira e habilidade técnica comprovada para empreender a atividade agrícola moderna. Tais empresários podem acessar de 15 a 200 hectares, através do processo de arrendamento ou compra de lotes por meio da CODEVASF. Aqueles que optam pela exploração do perímetro irrigável na forma de agroindústria, possuem a opção de compra ou arrendamento, por intermédio da CODEVASF, em áreas irrigáveis de 200 a 1.000 hectares (CODEVASF, 1984).

A exploração de um grande projeto de irrigação prevê a interação de colonos e empresários como um modo de desenvolver e expandir a agricultura irrigada no Nordeste. A terra é caracterizada como um meio de produção para ambos, com o diferencial que para o caso dos colonos, este meio de produção privado foi transformado em um patrimônio público através do processo de desapropriação, medida que torna o colono dependente das decisões do ente governamental que administra o perímetro e determina o tipo de exploração que o lote deverá receber. Tal planejamento produtivo é realizado com base em pesquisas de mercado e prevê o atendimento das necessidades “do mercado” (CODEVASF, 1984).

Ao longo de mais de vinte anos, perímetro irrigáveis demonstraram que em muitos casos, privilégios são concedidos a grupos econômicos e políticos, seja pelo recebimento de terras férteis pelo Estado, ou seja pela larga experiência no cultivo moderno na agricultura, que abre precedentes e vantagens em um cenário de concorrência

com os colonos assentados (CODEVASF, 1984). A dualidade presente na interação entre colonos e empresários é questionável, tendo em vista, que o primeiro não detém das mesmas condições técnicas e financeiras na lida com a atividade agrícola, bem como, os propósitos são diferenciados da atividade empresarial. Para atendimento dos colonos, no Plano Nacional de Irrigação, estava previsto que Cooperativas atuassem de forma integrada aos produtores, auxiliando na comercialização do resultado do plantio, contudo, na prática, a presença de cooperativas é quase inexistente (CODEVASF, mimeo).

O tamanho dos lotes distribuídos a cada categoria, também é objeto de questionamento, colonos recebem com no máximo 15 hectares, sob a justificativa que esta parcela atende aos interesses sociais, pois a terra é distribuída a quem não possui, mediante pagamento de valor mínimo. O tamanho dos lotes e a infraestrutura de irrigação, seriam adequados para mais de 1 ciclo produtivo durante o ano, o que aumentaria as oportunidades de emprego agrícola, tornando com que o sistema de colonização tornasse sustentável e capaz de transformar a estrutura produtiva de uma determinada região. Entende-se que dada a superfície mínima distribuída aos colonos, as possibilidades de especulação financeira seriam mínimas dentro do ambiente do perímetro irrigável (CODEVASF, 1984). Portanto, conforme o projeto de desenvolvimento dos perímetros irrigáveis, estaria o sistema de colonização vigente nos perímetros como um instrumento eficaz de para alcançar a fixação do homem no campo e a viabilizar a organização de uma atividade agrícola adequada e capaz de atender as exigências do mercado. Porém, segundo Carvalho (1985, pg.477), o que se verificou a partir das experiências de muitos projetos públicos de irrigação, é que em síntese, o Projeto do I Plano Nacional de Irrigação portava de um conjunto de ações, com aplicabilidade técnica, porém, não gozava de clareza quanto as transformações estruturais ao qual se propunha a fazer. Limitava-se ao desenvolvimento de complexos de irrigação em áreas de semiárido, em atendimento as mais variadas demandas sociais, fosse de projetos da grande irrigação pública, consolidando nestes espaços pequenos, médios e grandes produtores agrícolas, fosse de projetos da pequena irrigação, contudo, na prática, os desafios eram maiores que o esperado, dada a natureza dos diferentes agentes que compunham os perímetros irrigáveis. O que se verificou em muitos casos, difere-se dos resultados esperados, retornando tais regiões irrigadas, a condição anterior, ao estado inicial, como por exemplo, em muitos projetos de irrigação, houve a recriação do sistema de parceria, considerada por muitos, uma forma de atraso da produção (CARVALHO, 1985).