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DIREITO DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DO DIREITO À MORADIA

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

LINHA DE PESQUISA DE CONSTITUCIONALISMO E PRODUÇÃO DO DIREITO

DIREITO DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE

GARANTIA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

E DO DIREITO À MORADIA

ANDRESSA DE SOUZA DA SILVA

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VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

LINHA DE PESQUISA DE CONSTITUCIONALISMO E PRODUÇÃO DO DIREITO

DIREITO DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE

GARANTIA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

E DO DIREITO À MORADIA

ANDRESSA DE SOUZA DA SILVA

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica.

Orientador: Professor Doutor Clovis Demarchi

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, a maior fonte de amor, cuidado e abrigo em todo tempo e em todo lugar, ser chamada de filha por um Pai Celestial é a maior riqueza desta vida. Agradeço aos meus amados Pais, Dorvalino e Cida Cruz, o amor, a orientação, o suporte e a compreensão de vocês são os fundamentos da minha vida. Agradeço a minha amada Tia Jacira, ao meu querido Tio Levi (in memoriam) e meu príncipe Bernardo cada conquista é creditada a vocês, meu coração sempre transborda em amor quando penso em vocês. Agradeço ao meu amado Tio Milton Cruz de Souza, meu maior

exemplo de perseverança e doação. Ele certamente tem uma parcela muito doce das minhas conquistas profissionais e acadêmicas. Agradeço ao meu Orientador professor Clovis Demarchi, por toda paciência, direcionamento e cuidado com esta pesquisa, certamente ser orientada pelo senhor é uma honra. Agradeço ao Professor Dr. Zenildo Bodnar, as pesquisas iniciaram nos projetos da graduação com a orientação do professor, sempre serei grata por todo apoio e auxílio nas dificuldades da vida acadêmica e profissional, jamais conseguirei retribuir todo suporte. Agradeço a minha querida amiga Roberta Terezinha Uvo Bodnar, jamais vou esquecer todo apoio nos momentos em que mais precisei. Agradeço ao Professor Paulo Márcio Cruz pela oportunidade

de desenvolver a pesquisa. Agradeço a todos os meus amigos e familiares pela confiança e incentivo e já antecipo meu pedido de desculpas pelas ausências.

(4)

DEDICATÓRIA

Dedico esta pesquisa a Deus, aos meus queridos Pais, familiares, amigos e professores, vocês são a minha fortaleza e minha maior fonte de inspiração.

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Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí-SC, junho de 2020

Andressa de Souza da Silva Mestranda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

Conforme ata de número 042/2020, ata de Defesa de Dissertação de Andressa de Souza da Silva, arquivada na Secretaria do Programa de Pós-Graduação Stricto

Sensu em Ciência Jurídica - PPCJ/UNIVALI, aos dezoito dias do mês de junho do ano

de dois mil e vinte, às quatorze horas, por videoconferência, reuniu-se Banca Examinadora de Dissertação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, da mestranda ANDRESSA DE SOUZA DA SILVA, sob título: “Direito de laje como instrumento de garantia do direito de propriedade e do direito à moradia”.

A Banca Examinadora foi formada mediante o Ato Organizacional número 045/PPCJ/2020, baixado pelo Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, Professor Doutor Paulo Márcio da Cruz, composta pelos Professores, Doutor Clovis Demarchi como presidente e orientador, Doutor Levi Hulse (UNIARP) como membro, Doutor Zenildo Bodnar (UNIVALI) como membro.

Conforme consta em Ata, após a avaliação dos membros da Banca, a Dissertação foi aprovada.

Por ser verdade, firmo a presente.

Itajaí (SC), dia 03 de julho de 2020.

PROF. DR. PAULO MÁRCIO DA CRUZ Coordenador/PPCJ/UNIVALI

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ROL DE CATEGORIAS

Dignidade da Pessoa Humana: qualidade intrínseca e distintiva

reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida1.

Direito de Laje: direito real que permite ao titular edificar sobre construção

alheia ou abaixo dela, criando uma unidade dotada de autonomia funcional. É, pois, direito de construir, no caso, o de edificar acima ou abaixo de prédio já edificado, de modo a conservar no mesmo ambiente duas titularidades reais distintas, cada uma delas dotada de matrícula própria no CRI: a unidade construída e a unidade-base. Vale isso a dizer que o caso é de construção erguida em outra construção. Assim, lícito é concluir tratar-se de direito real em coisa própria.2

Favela: aglomerados de residências precárias, amontoadas em pequenos

espaços, sem estrutura urbanísticas ambiental e que se caracterizam pela proliferação de pessoas de baixa renda.3

Função Social da Propriedade urbana: está ligada ao uso, à utilização

concreta do imóvel. Função é obrigação, mais que direito de propriedade. Na propriedade urbana ou destinada a fins urbanos é que se assenta a comunidade, o homem urbano, que a utiliza para as quatro funções básicas do urbanismo (habitar, trabalhar, recrear, circular). Daí, a propriedade urbana que não estiver destinada a

1 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição

Federal de 1988. 9 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 73.

2 ARQUESI, Roberto Wagner. Desvendando o direito de laje. Revista eletrônica de direito civil. a. 7.

n. 1. 2018. Jan-junho. P. 3.

3 SILVA, Paulo Lourenço da. Morando legal: direito de todos (Comentário ao Estatuto da Cidade). Belo

(8)

uma dessas atividades não está cumprindo sua função social. É dizer: a propriedade urbana tem de ser resultado da projeção da atividade humana, abrigando interesses privados e sociais.4

Urbanização: processo pelo qual a população urbana cresce em

proporção superior à população rural. Não se trata de mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana5.

Posse: exercício de algum dos atributos do Direito de Propriedade,

constituindo-se direito autonômo6.

Direito fundamental à Propriedade: extensão patrimonial do ser humano.

É a manifestação exteriorizada e reconhecida pela ordem jurídica que alguém é detentor de um título patrimonial de valor econômico, material ou imaterial.7

Direito social à Moradia: [...] O direito à moradia no artigo 6º da

Constituição Federal, pode ser identificado como um direito que integra o direito à subsistência, o qual, por sua vez, representa a expressão mínima do direito à vida. [...]. Nessa ótica, o acesso à moradia passa a depender também do Estado, que se apresenta como o principal responsável pela salvaguarda dos direitos sociais8.

4 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. 7 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 452. 5 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7 ed. São Paulo: Malheiros editores. 2012.

p. 26

6 KHURI, Nalia de Rezende. A legitimação de posse na dimensão registrária da regularização fundiária.

Orientador: Nelson saule Júnior. 2016. 262 f. Dissertação (Mestrado em Direito Urbanístico) - Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 119.

7 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. p. 451.

8 AGANI, Elaine Adelina. O direito de propriedade e o direito à moradia: um diálogo comparativo

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RESUMO... XI

ABSTRACT ... XII

INTRODUÇÃO ... 13

Capítulo 1 ... 18

DESENVOLVIMENTO URBANO, POSSE E PROPRIEDADE ... 18

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO URBANO ... 18

1.1.1 Caracterização histórica ... 23

1.1.2 Conceito de Cidade e de Favela ... 28

1.1.3 Natureza Jurídica da Cidade ... 31

1.2 DA POSSE ... 32

1.2.1 Aspectos históricos da Posse ... 35

1.2.2 Aspectos conceituais ... 37

1.2.3 Considerações sobre a natureza jurídica ... 38

1.3 DO DIREITO DE PROPRIEDADE ... 41

1.3.1 Aspectos históricos ... 43

1.3.2 Considerações conceituais ... 45

1.3.3 Natureza jurídica ... 46

1.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO ... 47

Capítulo 2 ... 52

DA DIGNIDADE HUMANA E O DIREITO À MORADIA ... 52

2.1 DA DIGNIDADE HUMANA ... 52

2.1.1 Aspectos históricos ... 57

2.1.2 Aspectos conceituais ... 59

2.1.3 Dignidade humana no contexto constitucional brasileiro ... 63

2.2 DO DIREITO À MORADIA ... 66

2.2.1 Questões conceituais ... 72

2.2.2 Direito à Moradia e a Constituição ... 73

Capítulo 3 ... 78

DIREITO DE LAJE, PROPRIEDADE, MORADIA

E DIGNIDADE HUMANA ... 78

(10)

3.1 DIREITO DE LAJE ... 78

3.1.1 Aspectos Históricos ... 81

3.1.2 Aspectos conceituais ... 88

3.1.3 Natureza Jurídica ... 89

3.2 MORADIA DE LAJE: NOVO PARADIGMA DE DIREITOS ... 92

3.3 DIREITO DE LAJE E A SEGURANÇA JURÍDICA IMOBILIÁRIA ... 97

3.4 DIREITO DE LAJE E DIREITO À MORADIA ... 99

3.5 DIREITO À MORADIA E DIGNIDADE HUMANA: RUPTURA DAS INTERSECÇÕES ILEGÍTIMAS DA INFORMALIDADE URBANA ... 102

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 107

(11)

RESUMO

A presente Dissertação está inserida na Linha de Pesquisa de Constitucionalismo e Produção do Direito. O escopo do presente estudo é desenvolver a análise da relação entre o contexto Sociológico, Histórico e Econômico do Direito de Laje, enquanto instrumento do Direito Social à Moradia e do Direito de Propriedade nas Favelas. O corte epistemológico do estudo está pautado na análise do Desenvolvimento Urbano e seus desdobramentos diante do cenário de disfuncionalidade urbana generalizada. Romper com os parâmetros do processo polarizado estabelecido no contexto migratório, demanda a necessidade de funcionalizar o Direito, com a finalidade de lhe conceder os parâmetros de Instrumentalização Democrática, a partir do reconhecimento do Fato Sociocultural denominado Moradia de Laje. A relação do Direito à Moradia com o espaço social é fundada no contexto de interdependência, pois suas conjunturas são delineadas sob o prisma de um espaço comunitário, em que o Direito é fundamento basilar para a fruição da vivência Democrática. A esfera Histórica, no entanto, delineou um processo dicotômico entre a Cidade e Favela, compreendendo-se como dois institutos jurídicos distintos subsistindo no mesmo Espaço Urbano. O que lhes difere é justamente a sua principal característica, o reconhecimento do Direito enquanto fundamento da tutela social. O processo de segregação, portanto, constituiu-se como um processo de Estratificação Social do Indivíduo perante a Sociedade, marginalizando o local de Habitação por intermédio do cenário de segregação do Espaço Urbano, a partir de formação de Contextos Periféricos. A Moradia de Laje se tornou, assim, instrumento presente no cenário urbano vinculado a uma situação de fato estabelecida no complexo contexto de Moradias vinculadas ao processo migratório. O seu reconhecimento jurídico está distante de se constituir como um fim em si mesmo, uma vez que o desenvolvimento do Direito Urbanístico tem como escopo democratizar à Cidade a partir de prestações positivas do Estado sob a égide da funcionalização do Direito. O reconhecimento jurídico não é capaz de instrumentalizar à Moradia, nem à Propriedade, tampouco confere Dignidade sem a prestação positiva do Estado para funcionalizar o local de Habitação e fazer do cenário de Informalidade um contexto de Direitos. A pesquisa utilizou a base lógica indutiva com a pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Moradia; Direito de Laje, Propriedade; Favelas; Dignidade

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ABSTRACT

This Dissertation fits within the Line of Research on Constitutionalism and Lawmaking. This essay aims to analyse the relationship between the Sociological, Historical and Economic contexts of the Real Right of Slab, understood as an instrument to actualise the Social Right to Housing and the Right to Property in the Shantytowns. The epistemological cut of the essay finds its ground on the analysis of Urban Development and its repercussions in a scenario of generalised urban dysfunctionality. Breaking with the parameters of the polarised process established in the migratory context demands making Law more pragmatic to transform it into a Democratic Instrument by recognising the Social Fact called Slab Housing. By ruling the division of the community space to actualise both the Right to Housing and the social use of space, the Law allows the citizens to enjoy a Democratic experience. Throughout history, however, the City and the Shantytown developed separately, as two distinct legal institutes sharing the same Urban Space. The core difference between them is precisely its key characteristic: the Law recognises and offers social protection to only one of them. This different treatment launched a segregation process when people occupied the suburbs, a process of Social Stratification of the Individuals before the Society based on each one’s place of Housing within the Urban Space. The Slab Housing appeared in the urban scenario as fait accompli within the complex context of Housing people submitted to a migratory process. Its legal recognition is far from being an end as the development of Urbanistic Law aims to democratise the City via positive actions performed by the State to actualise the Law. Legal recognition cannot actualise the Rights to Housing or Property on its own, nor does it confer Dignity without the State acting to actualise the Right to Housing and transform the Informal scenario into a place where people have Rights. The research adopted an inductive approach and used books and documents as its prime sources.

(13)

INTRODUÇÃO

O objetivo institucional da presente Dissertação é a obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Univali.

O seu objetivo científico é analisar a implementação do Direito de Laje, visando averiguar a repercussão social e jurídica deste Direito na instrumentalização do Direito de Propriedade e do Direito Social à Moradia.

Para a análise, foram levantados os seguintes problemas de pesquisa: A Urbanização, como processo histórico disfuncional do contexto migratório dicotômico, constitui-se como novo rumo para os parâmetros jurídicos de proteção à Posse e de efetivação do Direito à Propriedade?

O Direito social à Moradia, na vertente da Urbanização desfuncionalizada, é capaz de se coadunar ao cotejo valorativo da Dignidade Humana sem suscitar a função social do Estado?

O Direito de Laje é uma nova forma de democratização do acesso ao Direito à Propriedade e ao Direito social à Moradia?

Nesse norte, suscitou-se as seguintes hipóteses:

a) O Desenvolvimento Urbano se estabeleceu como um processo disfuncional de concentração social, cuja desordem promoveu dicotomias estruturais entre espaços formais e informais em suas diferentes estruturas, suscitando nova ótica legislativa quanto à proteção à Posse e ao Direito à Propriedade;

b) O Direito Social à Moradia tem como corolário o Princípio constitucional da Dignidade da Pessoa humana, de modo que enseja ações prestacionais do Estado com o escopo de promover a redução das Desigualdades sociais e urbanas;

c) A positivação do Direito de Laje representa o reconhecimento jurídico de um processo urbano histórico, econômico e sociológico de alargamento do conceito de Propriedade a partir de uma nova estética do Direito social à Moradia.

(14)

Os resultados do trabalho de exame das hipóteses estão expostos na presente dissertação, de forma sintetizada, como segue.

Principia–se, no Capítulo 1, com a análise do Desenvolvimento Urbano enquanto sintoma do processo de mutabilidade do contexto social. A obsolescência da atividade campesina perante o processo de industrialização promoveu novos moldes na construção de cenários exploratórios desenvolvidos no entorno do processo de Urbanização. O contexto migratório ensejou um novo parâmetro de Habitação e de concentração populacional, o que inegavelmente promoveu a mutabilidade do Direito.

Esse cenário migratório constituiu situações fáticas na tutela de formação das regiões periféricas, ao passo que o Direito à Moradia passou a ser desenvolvido sob o prisma monetário, vinculado a uma esfera de sociabilidade essencialmente desestruturada.

Diante das singularidades dos contextos sociais urbanos, o Direito Urbanístico foi transmudado à categoria jurídica, cujo aporte mais do que modificar à base legal, deve modificar as relações sociais desenvolvidas sob a égide do espaço social segregacionista.

Nesse prisma, o reconhecimento dos Sistemas Periféricos frente ao crescimento populacional, consolidou dois marcos distintos do processo de Urbanização. Iniciando com a migração para as Cidades, e, posteriormente o processo migratório da Cidade para nichos urbanos informais, denominados Favelas9.

É a partir desse prisma que a tutela do Desenvolvimento e os Direitos que lhe são inerentes se desenvolvem, notadamente a proteção jurídica da Posse, que passou a ser constituída como fato socialmente aceito nas comunidades periféricas, sem, contudo, ensejar a extensão de direitos vinculados ao Direito à Propriedade.

9 Não se desconhece o termo “aglomerados subnormais” adotado pelo IBGE. Todavia, nesta

pesquisa, o termo adotado será Favela, mormente porque sua nomenclatura é comumente conhecida e remete a temática específica que se pretende, enquanto a subnormalidade pode estar vinculada a diversos parâmetros, sem especificamente se relacionar com o conceito de favela tratado neste trabalho.

(15)

Por sua vez, o Direito de Propriedade sofreu um afastamento na democratização do seu acesso, diante das novas formas estéticas de Moradias consolidadas no processo histórico de Urbanização.

A sonegação do Direito de Propriedade ensejou, assim, a criação do padrão informal de Cidade, o que naturalmente modificou o Direito diante de um cenário de polarização em distintas proporções socioeconômicas.

A partir desses pressupostos, o Capítulo 2 dedica-se a análise da Dignidade Humana e do Direito social à Moradia.

A tutela da Dignidade da Pessoa humana não comporta uma relação conceitual estática, mormente porque sua relação transmuda de acordo com o cenário social em que está inserida. Sua exteriorização independe de um reconhecimento jurídico prévio, porquanto é inerente a personalidade do indivíduo, vinculado a sua existência.

Todavia, a efetividade da Dignidade Humana não pode ser dissociada do reconhecimento estatal, mormente porque o cenário disfuncional requer prestações positivas do Estado para romper as dicotomias socias e econômicas a fim de equalizar o acesso à direitos. A polarização do espaço urbano, e, consequentemente, a fruição do Direito social à Moradia não se constitui como um fim em mesmo, dependendo da esfera estatal para a garantia de Direitos Fundamentais sob pena de se constituir um engodo.

Nesse prisma, o Direito social à Moradia quando analisado sob a vertente da Dignidade Humana, requer prestações positivas do Estado tanto na previsão legislativa de novos direitos decorrentes de cenários historicamente consolidados, quanto na instrumentalização do direito, sob pena de formalizar garantias e sonegar sua fruição.

A superação do processo de marginalização do indivíduo transcende a previsão legislativa e adentra na tutela da criação de mecanismos para a efetividade do direito, para que a norma jurídica possa ultrapassar seus contornos formais e venha a materializar o direito.

O Capítulo 3 fundamenta-se na análise do Direito de Laje e seus desdobramentos para a Tutela de Democratização do Espaço Urbano.

(16)

Inicialmente, é importante compreender a existência de uma nova estética de Moradia, pautada na Laje. O seu reconhecimento enquanto Moradia, sob o esteio da esfera legal, é imprescindível para a compreensão dos novos contornos legislativos relacionado à Laje.

O Direito de Laje, portanto, representa um novo paradigma de Direito derivado do reconhecimento sociológico, histórico e econômico da urbanização da Sociedade. A sua previsão decorre de uma situação fática consolidada, cuja previsão demonstra a necessidade de romper ditames preestabelecidos na seara legislativa e transmudá-los à realidade fática, a fim de democratizar o acesso à direitos, derruindo as dicotomias, que durante o curso temporal da Sociedade, dividiu o espaço urbano entre espectadores da norma e destinatários.

No entanto, é pertinente consignar que a sua efetivação não se esgota na mera previsão legislativa, sendo necessário a atuação estatal para funcionalizar o direito, com o escopo de promover programas de regularização fundiária para a promoção do acesso àqueles que têm a informalidade como seu abrigo.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados aspectos destacados da Dissertação, seguidos de estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o Direito de Laje enquanto instrumento de garantia do Direito de Propriedade e do Direito à Moradia. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação10 foi utilizado o Método Indutivo11, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano12, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Dissertação é composto na base lógica indutiva.

10 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido [...].” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 14 ed. ver., atual. e ampl. Florianópolis: Empório Modara, 2018. p. 112-113.

11 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma

percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 114.

12 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,

Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

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Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente13, da Categoria14, do Conceito Operacional15 e da Pesquisa Bibliográfica16.

13 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o

alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 69.

14 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia.” PASOLD,

Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 41.

15 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita

para os efeitos das ideias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa

jurídica: teoria e prática. p. 58.

16 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD,

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Capítulo 1

DESENVOLVIMENTO URBANO, POSSE E PROPRIEDADE

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO URBANO

A urbanização17 tornou-se parte da identidade social, na persecução de novos contextos de qualidade de vida, transmudando a realidade social para a obsolescência das atividades campesinas.

Goitia18 assinala que “o grande desenvolvimento das cidades e das formas de vida urbana é um dos fenômenos que melhor caracteriza a nossa civilização contemporânea.” A concentração da Sociedade nas Cidades é referência para um parâmetro de qualidade de vida consignado na perspectiva do desenvolvimento industrial, no qual o âmbito rural não se coadunou com a estrutura social pautada no dinamismo do complexo sistema monetário industrial.

O Processo de Urbanização representa o fenômeno da Sociedade industrializada19, de maneira que o cotejo histórico do Desenvolvimento Urbano foi consubstanciado sob o viés cosmopolita20.

A industrialização21 promoveu uma relação de causalidade complexa, fomentando o Processo de Urbanização sob o viés exploratório, de modo que a Problemática Urbana ensejou novos moldes a partir de pressupostos socioeconômicos, cujo efeito modificou a identidade urbana global.

17 Emprega-se o termo “urbanização” para designar o processo pelo qual a população urbana cresce

em proporção superior à população rural. Não se trata de mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana. (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileirop. 26).

18 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. 4 ed. Lisboa: Editorial presença, 1996.

p. 175.

19 Vide SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. p. 26.

20 Nesse sentido, Silva destaca que “a urbanização da Humanidade é, portanto, um fenômeno moderno,

fenômeno da sociedade industrializada.” (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. p. 26)

21 A última modificação fundamental que as cidades sofreram nos tempos modernos foi ocasionada por

essa complexa série de acontecimentos a que se tem chamado a revolução industrial (GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. 4 ed. Lisboa: Editorial presença, 1996, p. 155).

(19)

A Cidade, adverte-se, é preexistente ao fator industrial22, todavia, seu efeito decorrente do contexto de industrialização acentuou consideravelmente a tutela do Desenvolvimento Urbano.

Nesses moldes, o Processo de Urbanização figura como um sintoma23 da mutabilidade dos padrões de desenvolvimento da humanidade, por intermédio do processo de industrialização do labor como um fenômeno social.24

Nas palavras de Ferreira25 “o problema do desenvolvimento é sobretudo um problema sociológico. Não pode ser encarado dentro de um aspecto estritamente econômico, é no fundo e na sua essencialidade mais um problema sociológico do que econômico”. É nessa problemática sociológica que se assenta o processo histórico do Desenvolvimento Urbano Exploratório, a qual inevitavelmente culminou na construção do Sistema Periférico atual.

Tem-se, na perspectiva da Sociologia Urbana26, a polarização do solo, e, sobretudo, a polarização do Indivíduo na seara da normalidade, sedimentando a Cidade com um padrão econômico historicamente problemático27. A polarização do Indivíduo é fruto da segregação econômica, que, sem aporte estrutural para a demanda populacional migratória, deu ensejo ao processo exploratório diante de um contexto de seletividade social naturalmente desenvolvido no cenário capitalista.

22 LEFEBVRE, Henri. Direito à Cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Moraes, 1991. 23 Lefebvre reflete que “a industrialização caracteriza a sociedade moderna. O que não tem por

consequência, inevitavelmente, o termo “sociedade industrial”, se quisermos defini-la. Ainda que a urbanização e a problemática do urbano figurem entre os efeitos induzidos e não entre as causas ou razões indutoras, as preocupações que essas palavras indicam se acentuam de tal modo que se pode definir como sociedade urbana a realidade social que nasce a nossa volta. (LEFEBVRE, Henri.

Direito à Cidade).

24 Nesse sentido, Silva destaca que “a urbanização da Humanidade é, portanto, um fenômeno moderno,

fenômeno da sociedade industrializada.” (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro.)

25 FERREIRA, Pinto. Sociologia do desenvolvimento. 5 ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1993.p.

36.

26 “A Sociologia Urbana é lembrada quando os problemas sociais vinculados às cidades são uma

ameaça à plena dinamização do capitalismo. É ingênuo supor que até o presente momento esse processo de urbanização não tenha oferecido problemas sociais de todas as ordens”. (BLAY, Eva Alterman. A Luta pelo Espaço: Textos da Sociologia Urbana. 2 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1978. p. 14).

27 A respeito da problemática da polarização do solo, ver BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o

problema e o falso problema. In: MARICATO, Erminia (org.). A Produção Capitalista da Casa (e da

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“[...] a urbanização é feita à custa do baixo preço pago pela força de trabalho e consequente crescimento do capital ampliado” 28. Em uma Sociedade em que o capital é pressuposto basilar para fruição de Direitos, a expectativa laboral transcende a um Fato Social e se transforma em uma Função Social, cujo aporte está intrinsicamente interligado às garantias vinculadas à vivência em Sociedade.

A busca por melhores condições de vivência social, no entanto, encontrou entrave na ausência de aporte socioeconômico, de modo que o Processo de Urbanização foi incapaz de promover estabilidade para a migração populacional, fazendo da Desigualdade característica do estereótipo das Cidades. 29

Castro30 assinala que “há entre a informalidade das atividades laborais e a favelização no Brasil um casamento emblemático.” A ausência de aporte econômico para comportar as expectativas do anseio migratório combinado com a ausência de planejamento administrativo acerca da nova realidade social urbana, constituiu o Fenômeno Social denominado “Informalidade”.

A Informalidade tornou-se, assim, uma característica social do Desenvolvimento Urbano, na qual o indivíduo passa a ser marginalizado no seu espaço de vivência social, iniciando pelo labor, como premissa fundamental a salvaguarda de Direitos na tutela capitalista. A ausência de estrutura econômica condensou o percurso histórico para o Contexto Periférico, na qual a Informalidade da

28 BLAY, Eva Alterman. A Luta pelo Espaço: Textos da Sociologia Urbana. p. 14.

29 BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema. In: MARICATO, Erminia

(org.). A Produção Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial. p. 42.

(21)

Moradia correspondeu a um sintoma diante da complexidade31 dos desdobramentos do Processo de Urbanização.32

Existe um paradoxo vinculado ao contexto migratório para as Cidades, uma que vez que o migrante entende a Cidade enquanto oportunidade de adequação aos moldes econômicos, pautado na liberdade de livre disposição de forma de trabalho33.

Por outro lado, o estado de crise socioeconômica reduziu o Indivíduo ao estado de sobrevivência, fato vinculado ao espectro capitalista em que a Desigualdade correspondeu a um parâmetro ordinário da Sociedade34, trazendo ao uso do solo uma conotação de Poder Socioeconômico frente ao Desenvolvimento Social.35

A perspectiva econômica na tutela do Desenvolvimento Urbano ganha, assim, contornos de problemática, transpondo da persecução de qualidade da vida para aglomerados de problemas estruturais, que distante de se reduzirem a questões de infraestrutura, adentraram no processo de sonegação de direitos.

31 Nesse sentido, Blay leciona que “A chamada crise urbana se resume numa retratação das formas de

absorção da força de trabalho numa barreira para a reprodução do capital. O primeiro ângulo desta crise resulta na agora excessiva oferta de força de trabalho frente a uma retração geral do mercado. O que fazer com toda esta população? Repentinamente ela se torna intolerável e os problemas de moradia e de saúde que a afligem assumem novas proporções desmedidas. É claro que os problemas se agravam à proporção que o desemprego e a queda do valor do salário aumentam. Mas estes fatores já estavam presentes nos períodos anteriores nos quais, entretanto, podiam ser escamoteados através de uma pseudoliberdade de integração à sociedade de consumo. As favelas repletas de televisões simbolizavam com a problemática sugerida: a força de trabalho se inseria no meio urbano como desse, levantava formas de abrigo denominadas moradias, mas ao mesmo tempo trabalhava, ganhava e consumia. Agora, porém, essa mesma força de trabalho continua crescendo, não tem onde trabalhar ou trabalha mediante remuneração, e não consome produtos industrializados. O circuito da crise se completa e agrava. (BLAY, Eva Alterman. A Luta pelo Espaço: Textos da Sociologia Urbana. p. 16.).

32 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. p. 452.

33 “A divisão do trabalho e o aumento da produtividade tornaram possível a concentração humana em

cidades e a cooperação do trabalho tornou-se necessária, uma vez que o novo sistema exigia a proximidade de trabalhadores de diversas especialidades e de diversos estabelecimentos, forçados a intercambiar bens e serviços”. (BLUMENFELD, Hans. A metrópole urbana. In: Cidades: A Urbanização da Humanidade. Tradução de José Reznik. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. p. 54.).

34 BLAY, Eva Alterman. A Luta pelo Espaço: Textos da Sociologia Urbana. p. 16.

35 Sendo a cidade uma imensa concentração de gente exercendo as mais diferentes atividades, é lógico

que o solo urbano seja disputado por inúmeros usos. Esta disputa se pauta pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em consequência, é assemelhada ao capital (SINGER, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, Erminia (org.). A Produção Capitalista da Casa (e da Cidade)

(22)

Silva36 adverte que “a urbanização gera enormes problemas. Deteriora o ambiente urbano. Provoca a desorganização social com carência de habitação, desemprego, problemas de higiene e de saneamento básico37”. Estabelece-se,

portanto, o Padrão Periférico como fundamento arraigado ao crescimento das Cidades, conferindo ao solo atribuições essencialmente econômicas, desvinculadas da esfera de sociabilidade coletiva de direitos.

Feitas essas digressões, concluiu-se, emprestando-se os fundamentos de Ferreira38, que o Desenvolvimento Urbano não pode ser restringido apenas na perspectiva econômica, uma vez que sua real problemática é revelada na esfera sociológica, compreendendo-se que a epistemologia do Desenvolvimento Urbano transcende ao valor monetário e vigora em conjunturas mais profundas, na qual a monetização passa a ser um dos fatores diante do novel de complexidade do Processo de Urbanização.39

À primeira vista, a perspectiva econômica revela-se como a raiz dos Problemas Urbanos, todavia, na análise sistemática é possível compreender que o problema estrutural do desenvolvimento social antecede aos moldes da segregação econômica, de modo que o estudo jurídico do Desenvolvimento Urbano perpassa, sobretudo, por um enfrentamento de problemáticas sociológicas40.

O fundamento está sedimentado no novo estágio social pautado na Urbanização da Sociedade, o qual representou formas sociais em que as Aglomerações Urbanas vieram historicamente segregando o espaço social, por

36 BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema. In: MARICATO, Erminia

(org.). A Produção Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial. p. 58.

37 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. p. 27. 38 FERREIRA, Pinto. Sociologia do desenvolvimento. p. 36.

39 Processo de desigualdade “O “capital” imobiliário é, portanto, um falso capital. Ele é, sem dúvida,

um valor que se valoriza, mas a origem de sua valorização não é a atividade produtiva, mas a monopolização do acesso a uma condição indispensável àquela atividade. (SINGER, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, Erminia (org.). A Produção Capitalista da Casa

(e da Cidade) no Brasil Industrial. p. 22.).

(23)

intermédio de disposições de organização dicotômicas entre Cidade e Informalidade41.

A desordem social apresentou sua própria organização polarizada, o que equivale a análise de dois cenários distintos em uma mesma realidade. Inicia com a migração do campo para Cidade na tutela do Desenvolvimento Urbano, e, posteriormente, passa da migração da Cidade para os Setores Periféricos42.

Essa relação polarizada construiu parâmetros de Acesso à Direitos fundados em cotejos essencialmente econômicos, no qual tem-se como pressuposto de fruição de garantias sociais e individuais o lugar de habitação, a partir do processo de especulação imobiliária43.

O Desenvolvimento Urbano tornou-se, portanto, a problemática de uma relação de causalidade sociológica, baseada no contexto histórico e econômico, em que os padrões de Desigualdade estabelecidos condensaram as bases de um cenário de informalidade generalizada.

Nesse ínterim, busca-se promover um diagnóstico inicial acerca do modelo de Sociedade e de Cidade estabelecido no decurso temporal, para, posteriormente, analisar o remédio social proposto ante a carga axiológica de Direitos vinculados à Moradia.

1.1.1 Caracterização histórica44

A caracterização das Cidades perpassa necessariamente por um processo histórico de contextos sociais, culminando em parâmetros de modelo de vivência, os quais essencialmente delinearam novos rumos aos percursos de desenvolvimento da Sociedade.

41 DAVIS, Kingsley. A urbanização da humanidade. In: Cidades: A Urbanização da Humanidade.

Tradução de José Reznik. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. p. 13.

42 Análise realizada pelo professor Juliano Zanini na defesa da monografia para obtenção do título de

bacharel em Direito, intitulada “Mudar a favela: contornos da política urbana”.

43 SINGER, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, Erminia (org.). A

Produção Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial. 2 ed. São Paulo: Alfa-Omega,

1982. p. 27.

44 As primeiras cidades formaram-se por volta dos anos 3500 a.C. no vale compreendido pelo Tigre e

o Eufrates. Mas o fenômeno urbano só se manifesta significativamente a partir da primeira metade do século XIX

(24)

Nas palavras de Goitia45, “se as cidades, além de ligadas à história, são elas próprias história, isso explicará muito da sua realidade”. A caracterização histórica da Cidade corresponde a narrativa de Fenômenos Sociais juridicamente tutelados, pois, no momento que compreendemos que além de fazer história, ela é a própria história, seus contornos são aportados por especial proteção jurídica, distante de relatos sociais e próximo a ideia de vidas agrupadas em uma mesma esfera de sociabilidade.

“Não devemos esquecer que a cidade é, em si própria, um formidável arquivo de recordações. A cidade é a condensação da sua própria salvaguarda”46. A Cidade carrega um valor axiológico intangível, porquanto seu contexto relata histórias do desenvolvimento da Sociedade, e, portanto, a caracterização histórica da Cidade é sinônimo da construção do seu próprio Direito.

O contexto histórico da Cidade47 transcende a narrativa de contextos fáticos e narra os contornos de novos moldes na Tutela de Direitos derivados da mutabilidade das Relações Sociais. “A forma de uma cidade permanece mesmo depois de a substância social que lhe deu vida ter desaparecido. Por isso, formalmente, a cidade é também história em si própria”.48 A história do desenvolvimento urbano é o sinônimo

de seus Fenômenos Jurídicos, e, sobretudo a história da Sociedade que o alimenta. A Desintegração é a principal característica das Cidades no decurso temporal, a relação fragmentária que lhe estabelece se revela no seu cenário caótico e disforme49. Seus efeitos decorrem de uma relação de falta de planejamento, sem, contudo, retirar sua beleza cuja forma não se pode reduzir, pois a beleza da Cidade é justamente a vida que lhe concede o seu caos.

Distante de romantizar as mazelas sociais, busca-se compreender que é a partir dela que o Direito se desenvolve. A mazela social é pejorativa em todos os seus aspectos no tocante à Tutela de Direitos, pois ela é sinônimo da falência do modelo social adotado, no entanto, na medida em que ela foi estabelecida como

45 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. p. 33. 46 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. p. 37.

48 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. p. 34. 49GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. p. 20-21.

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característica do Desenvolvimento Urbano, a ela não se cabe privar o reconhecimento de sua própria beleza, cuja disfunção amolda o Direito.

No contexto histórico, a problemática de habitação no Brasil teve seu início com a abolição da escravatura. A libertação dos escravos ensejou a migração para as Cidades, uma vez que a atividade era desenvolvida essencialmente no campo, o que levou ao êxodo rural na procura de atividades remuneradas. A ausência de aporte aos escravos após a abolição da escravatura iniciou o processo de desordem habitacional, diante da precariedade estrutural e monetária que foram expostos após o ato chamado de “libertação”.50

Apesar do processo de migração oriundo da abolição da escravatura, o contexto histórico de urbanização ganhou intenso contorno nas décadas iniciais do século XX, período em que a perspectiva de avanço estava restringida a urbanidade diante de um padrão campesino socialmente arcaico.51

A obsolescência da atividade campesina no contexto histórico do Desenvolvimento Urbano é fruto do processo de transformações econômicas e sociológicas. O efeito, contudo, condensou e ainda condensa problemáticas estruturais sedimentadas na acumulação da força de trabalho em uma mesma concentração de espaço. 52

A partir da década de 1930, o reconhecimento jurídico do processo industrial começou a se estabelecer, tendo sido promulgando o Código de Águas e Código de Minas, iniciando uma perspectiva regulatória da economia industrial que vinha se estabelecendo rapidamente53.

Todavia, o cenário de empobrecimento social, sob a ótica do contexto migratório industrial, iniciou seus contornos a partir do ano de 1930, o qual dava

50 BEZERRA, Regina Iara Ayub. Conjuntos habitacionais segundo a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.

In: PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida. Regularização fundiária: Lei 13.465/2017. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 120.

51 MARICATO, Erminia. Metrópole, legislação e desigualdade. Estud. av. [online]. 2003, v.17, n. 48,

pp.151-166. Disponível em: <http://dx.doi.org/ 10.1590/S0103-40142003000200013.>. Acesso em: 15 mai. 2019.

52 BLAY, Eva Alterman. A Luta pelo Espaço: Textos da Sociologia Urbana. p. 14.

53 BEZERRA, Regina Iara Ayub. Conjuntos habitacionais segundo a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.

In: PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida. Regularização fundiária: Lei 13.465/2017. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 121.

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insights do contexto emergencial do contingente populacional marginalizado54. A perspectiva histórica do desenvolvimento urbano no Brasil é, portanto, fruto do contexto de exclusão social aliado à industrialização e urbanização da vida social progressiva, sob o prisma da inércia estatal diante de um cenário de mudança social generalizado 55

“No Governo Vargas, no início dos anos 1940, surgiram a Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, para a exploração do minério56.”Todavia, foi anos de 1950 que, sob a égide da presidência de Juscelino Kubitschek, deflagrou-se um Plano de Metas voltado à industrialização no País, com ênfase na indústria automotiva, o que transpassou a base econômica de essencialmente rural para efetivamente industrial57.

A expansão urbana continuou a ganhar força no cenário social, acompanhada de uma realidade emergencial consubstanciada nos anos 50 e 60 a partir da intitulada “crise urbana”, cujos sintomas não foram devidamente considerados e tampouco houveram posturas do Estado ou da Economia para funcionalizar as novas perspectivas da vivência social urbanizada. Nesse período, a expansão do capitalismo estava atingindo um auge no setor de investimentos da economia, a partir de uma perspectiva do lucro como fonte inesgotável. 58

O Poder aquisitivo, assim, inicia um processo de Segregação Socioespacial, no qual o indivíduo figura como vítima e produtor do processo exploratório, uma vez que é instigado a alimentar o sistema, no fomento do cenário

54BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema. In: MARICATO, Erminia

(org.). A Produção Capitalista da Casa (e d Cidade) no Brasil Industrial. 1982. p. 58.

55 GRUBBA, Leilane Serratine; CORRÊA, Angélica da Silva. A banalização da pobreza no Brasil a partir

das concepções de Amartya Sem. Revista de Direito da Cidade. Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 237-258, 2019. ISSN 2317-7721. Disponível em:< https://doi.org/10.12957/rdc.2019.35787>. Acesso em: 29 abr. 2019. p. 256.

56 BEZERRA, Regina Iara Ayub. Conjuntos habitacionais segundo a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.

In: PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida. Regularização fundiária: Lei 13.465/2017. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 121.

57 BEZERRA, Regina Iara Ayub. Conjuntos habitacionais segundo a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.

In: PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida. Regularização fundiária: Lei 13.465/2017. p. 121.

(27)

produtivista da sociedade. “Vive, portanto, entre as angústias do crediário e a necessidade de consumir mais.59

Nesse novo contexto social, a liberdade buscada nas cidades é falaciosa, porquanto vinculada numa relação de subsistência, o trabalhador é direcionado a um processo exploratório no qual figura como vítima da máquina produtivista, não havendo espaço para vertentes igualitárias.

A respeito do modelo de liberdade formatado no desenvolvimento urbanista sob a égide do cenário econômico, Blay60 assina que “é a liberdade interpretada pelo camponês brasileiro que, mesmo habitando nas condições mais precárias, ainda assim acha que está “melhor” na cidade do que no campo. É a forma capitalista atual de interpretar a liberdade urbana”.

Historicamente, o cenário de marginalização social se assentou como característica do Desenvolvimento Urbano, ocasião em que a divisão urbanística se sedimentou como um sintoma de uma problemática, em que no processo de construção sociológica não houveram mecanismos para se conter ou ao menos torná-la menos opressora.

O empobrecimento social, todavia, não se constitui como um fenômeno social que se possa definir. Aliás, sua estrutura carrega um elemento intrínseco de indefinição na qual a pobreza urbana é apenas um sintoma do processo de consequencialidade do modelo capitalizado61 de vivência, o qual anuncia um prognóstico ainda maior quando analisado sob o prisma do cenário de relativização de Direitos62.

59 BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema. p.42. 60 BLAY, Eva Alterman. A Luta pelo Espaço: Textos da Sociologia Urbana. p. 15.

61 Nas palavras de Arantes “[...] o capital em pessoa é hoje o grande produtor dos novos espaços

urbanos, por ele inteiramente “requalificados”. Tudo se passa como se a ideologia do espaço público, economizando o momento retórico da frase (oficial ou difusamente oposicionista), fosse enunciada diretamente pela fisionomia das cidades, definida agora por uma estratégia empresarial de novo tipo, que vai determinando com lógica própria os parâmetros de sua intervenção, realocando populações e equipamentos segundo as grandes flutuações do mercado (ARANTES, Otília B. Fiori. Urbanismo

em Fim de Linha e Outros Estudos sobre o Colapso da Modernização Arquitetônica. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 1998. p. 138-139.).

62 GRUBBA, Leilane Serratine; CORRÊA, Angélica da Silva. A banalização da pobreza no Brasil a partir

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A origem da Cidade tem seu fundamento instituído no binômio desigualdade social e centralização de Poder. As disfuncionalidades sociais enfraqueceram historicamente a massa populacional que não conseguiram fazer da formalidade seu cenário de habitação, tendo sido marginalizada ao longo do percurso histórico ante a ausência de adequação dos padrões formais, fazendo do sistema periférico mais do que um local de Habitação, um padrão segregado de parâmetro de vida63.

1.1.2 Conceito de Cidade e de Favela

A textura social exibe uma complexidade ímpar, vinculada à contextos plurais perpetrados em uma mesma esfera de sociabilidade. É um contrassenso tentar definir o mutável, o dinamismo se prolifera de modo há obstar a modulação de uma forma. Simplesmente, não há como definir o indefinido. Nesse sentido, Rolnik64 assinala que “a cidade é um objeto muito complexo e, por isso mesmo, muito difícil de se definir”.

“As grandes e densas aglomerações que caracterizam a população urbana acarretam uma relação humana e uma complexidade social nunca atingidas65”. A Urbanidade é dotada de múltiplas vertentes como fator que veio naturalmente se estabelecendo como paradigma social, de maneira que a construção de um conceito uníssono se torna insípido diante da universalidade de características, culturas, Direitos e percepções associadas ao contexto das Cidades.

“A cidade é uma construção antropológica e que deve transcender o próprio termo, pois deve levar em consideração o passado, presente e futuro66”. A Cidade é a personificação do mutável transpassado pelas modificações diárias das relações sociais, no qual o indivíduo, enquanto protagonista do Desenvolvimento Urbano, obsta qualquer definição predelineada, porquanto é dotado de movimentos dialéticos cuja concepção está em eterna construção.

63 ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3 ed. 6 reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2009. p. 21. 64 SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

2011. p. 24.

65 DAVIS, Kingsley. A urbanização da humanidade. In: Cidades: A Urbanização da Humanidade. p.

13-14.

66 RECH, Adir Ubaldo; RECH, Adivandro. Cidade Sustentável: Direito Urbanístico e Ambiental

(29)

Ledrut67 assinala que “o urbanismo é, ao mesmo tempo, ciência e arte, técnica e política, poesia e filosofia”. No mesmo espaço em que habita a marginalidade, persiste um novel inspirador de diferentes personalidades com distintas percepções em que a Arte, a Vida, e o Direito se desenvolvem, cujas amarras se negam a habitar em um ambiente limitado e estruturam suas próprias indefinições.

A natureza acadêmica do presente estudo, no entanto, denota a estruturação de um referente teórico conceitual para Cidade e Favela, mas, adianta-se, que estes não representam um fim em si mesmo, uma vez que se advoga pela mutabilidade diária das concepções sociais, na qual a sua natureza não permite reduzir a uma forma conceitual preestabelecida.

Diante dessas breves considerações, como corte epistemológico entende-se que “cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistema político-administrativo, econômico, não agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população.68

No conceito técnico, “emprega-se o termo “urbanização” para designar o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural. Não se trata de mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana”.69

Rolnik70 assinala que “a relação morador da cidade/poder urbano pode variar infinitamente em cada caso, mas o certo é que desde a sua origem cidade significa, ao mesmo tempo, uma maneira de organizar o território e uma relação política”.

67 LEDRUT, Raymond. Sociologia urbana. Tradução Maria Heloisa de Souza Reis. São Paulo:

Forense, 1971. p. 8.

68 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7 ed. São Paulo: Malheiros editores. 2012.

p. 26.

69 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. p. 26.

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No tocante à favela “a experiência nos demonstra que são aglomerados de residências precárias, amontoadas em pequenos espaços, sem estrutura urbanísticas ambiental e que se caracterizam pela proliferação de pessoas de baixa renda”.71

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE refere-se ao termo favela com a nomenclatura “aglomerado subnormal” definindo que “é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia [...] para fins de habitação em áreas urbanas e, [...] caracterizados por [...] carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas restritas à ocupação”.72

Amore e Leitão73 assinalam que:

Favela, vila, quebrada, gueto, comunidade, mocambo, maloca, barraco, morro, alagado, núcleo, complexo, aglomerado, assentamento. São muitos os nomes para designar um conjunto nada homogêneo de espaços urbanos, de lugares de moradia popular no Brasil e na América Latina. Não raro, são acompanhados por adjetivos como informal, ilegal, irregular, subnormal, precário... particularmente quando se associam àqueles lugares intervenções urbanas que, de algum modo, carregam um status de “não cidade” Não cidade? Cidade, não. Cidade parece não ser palavra digna ou suficiente para significar esses espaços.

Feitas essas digressões, conceitua-se Cidade como sinônimo de Favela74, constituindo-se como local de habitação em que o Direito se desenvolve. Não é dotado de uma estrutura arquitetônica preestabelecida, tampouco pode ser reduzida a um aspecto econômico, é, sobretudo um local de convivência em que a formalidade e a informalidade subsistem a partir do sistema econômico que alimenta a Sociedade.

71 SILVA, Paulo Lourenço da. Morando legal: direito de todos (Comentário ao Estatuto da Cidade).

Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. p. 25.

72 BRASIL. IBGE. Disponível

em:https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/tipologias-do-territorio/15788-aglomerados-subnormais.html?=&t=o-que-e. Acesso em 02 ago. 2019.

73 AMORE, Caio Santo; LEITÃO, Karina. Favela de Nome, cidade de fato. In: FERREIRA, Lara;

OLIVEIRA, Paula; LACOVINI, Victor (Org.). Dimensões do Intervir em Favelas: desafios e perspectivas. São Paulo: Peabriu TCA/ Coletivo LabLaje, 2019.

74 Neste trabalho, como conceito operacional formulado neste estudo, não será suscitada diferença no

conceito de Cidade e Favela, pois a Favela é por si só parte da Cidade, de modo que a diferenciação entre ambas, refere-se apenas no espaço que ocupam. As diferenças no tratamento dispensado no contexto histórico e conceitural, todavia, foram delineados com o escopo de atender a um referente teórico.

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1.1.3 Natureza Jurídica da Cidade

A natureza jurídica do desenvolvimento das Cidades historicamente foi delineada por aspectos mais profundos da sociologia social75, não pode ser pensando por um viés essencialmente jurídico, porque há em sua estrutura uma relação sociológica antecedente que lhe norteia. “O objeto de um estudo sociológico das cidades é, na verdade, sua própria existência coletiva. Uma cidade não é apenas um amontado de homens e de edifícios”.76

A natureza jurídica da Cidade, e, consequentemente do Desenvolvimento Urbano não pode ser considerado um Fato Social fechado, mas um fenômeno em que inexiste uma limitação jurídica ou social. Persegue Igualdade no seu contexto plural, diante de um cenário de desigualdade historicamente definido77.

Castro78 assinala que “há e tem de haver igualdade entre os citadinos, porque destinatários da prestação de serviços e igualdade e, ainda, porque ocupantes do espaço territorial, nos limites da igualdade e da desigualdade de cada um”.

A Cidade e as atividades que nela se desenvolvem tem disciplina jurídica que lhes imprime o Direito Urbanístico.79 A concentração da Sociedade no contexto

Urbano, inevitavelmente demandou a tutela de um processo de proteção jurídica em que o Direito se desenvolveu como fonte de uma relação social sistemática.

Silva80 assinala que “a urbanização criou problemas urbanos que

precisavam ser corrigidos pela urbanificação, mediante a ordenação dos espaços habitáveis – de onde se originou o urbanismo como técnica e ciência”. O autor conceitua, ainda, urbanificação sustentando que consiste “no processo deliberado de

75 Relegada a segundo plano ao tempo em que o crescimento das cidades se processava

impetuosamente, a Sociologia Urbana é lembrada quando os problemas sociais vinculados às cidades são uma ameaça à plena dinamização do capitalismo. É ingênuo supor que até o presente momento esse processo de urbanização não tenha oferecido problemas sociais de todas as ordens. (BLAY, Eva Alterman. A Luta pelo Espaço: Textos da Sociologia Urbana. p. 14.),

76 LEDRUT, Raymond. Sociologia urbana. p. 8.

77 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. p. 456. 78 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. p. 456. 79 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. p. 455. 80 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. p. 27.

(32)

correção da urbanização, consistente na renovação urbana, que é a reurbanização [...]81.

O processo de reurbanização é tutelado por prestações positivas do Estado que se valendo de Políticas Públicas deve ter como enfoque a redução das dicotomias urbanas no complexo cenário de Desigualdade Urbana82.

Nesse contexto, a natureza jurídica inerente a Cidade está sedimentada a partir de institutos próprios, sob o enfoque da criação do Direito Urbanístico enquanto norma reguladora da Sociedade e das mazelas sociais.

Em um Estado Democrático de Direito, o estado de marginalização social não subsiste, sendo que a natureza jurídica do Desenvolvimento Urbano é justamente dar amparo a direitos fundamentais basilares, pois é na Cidade que a Sociedade se desenvolve e o próprio Direito ganha seus contornos.

1.2 DA POSSE

O Código Civil, no artigo 1.196, preceitua que “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

A posse é um fenômeno social em que, apesar de não ser dotado da integralidade das garantias inerentes ao Direito de Propriedade, guarda a sua proteção jurídica83.

Nesses moldes, a Posse pode ser definida pelo exercício de algum dos atributos do Direito de Propriedade, constituindo-se direito autonômo, pois, conquanto

81 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. p. 27. 82 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. p. 27.

83Mastrodi e Batista assinalam que “A expressão segurança jurídica da posse decorre, por óbvio, do

conceito de segurança jurídica, considerado ora valor, ora princípio, ora norma fundamental da estrutura orgânica de qualquer sistema normativo. Ela se refere à necessidade de previsão ou previsibilidade da realização das consequências (ou expectativas) previstas normativamente em qualquer sociedade civil.”(MASTRODI, Josué; BATISTA, Ana Carolina. Existe um direito fundamental à posse? Estudo sobre a relativização do conceito de propriedade imobiliária urbana em face do direito de moradia. Revista de Direito da Cidade, [S.l.], v. 7, n. 4, p. 1527-1554, fev. 2016. ISSN 2317-7721. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/20907>. Acesso em: 08 nov. 2019. p. 29.

(33)

a Posse esteja intrinsecamente relacionada com as características do Direito de Propriedade, pode ser exercida de forma independente84.

Viana85 assinala que a Posse é dotada de um dinamismo oriundo de sua esfera de materialização, enquanto a Propriedade pode ser estática. O título da Propriedade não obriga a efetivação dos seus atributos, admitindo-se, portanto, uma posição passiva. O possuidor, ao contrário, está obrigatoriamente vinculado a um posicionamento ativo da fruição da coisa.

Por consequência, a Posse “é protegida pelo Direito, não para conceder simples satisfação de aproximação corpórea da coisa ao sujeito, poder físico sobre a coisa, poder de sujeição, mas para possibilitar-lhe a utilização econômica do bem”. 86

Abre-se, portanto, as discussões acerca da segurança jurídica da Posse, a fim de garantir a continuidade temporal do possuidor, distante do cenário de abstração legal e próximo a proteção concreta, para que a Posse não se reduza a um viés indeterminando, porquanto seus efeitos inevitavelmente vão de encontro a proteção jurídica no tocante à dignidade dos possuidores87.

A contextualização da Posse ganha novos contornos quando analisado sob a égide do processo histórico da Urbanização, ensejando a sobreposição da Posse em detrimento do Direito de Propriedade.

O acesso ao aspecto formal da Moradia se tornou intrinsecamente interdependente a uma função econômica, cujo panorama se estabeleceu na desigualdade material, o que culminou na seletividade social no manejo do Direito à Propriedade, causando a sobreposição de situações fáticas no cenário habitacional.

84 KHURI, Nalia de Rezende. A legitimação de posse na dimensão registrária da regularização fundiária.

Orientador: Nelson saule Júnior. 2016. 262 f. Dissertação (Mestrado em Direito Urbanístico) - Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 119.

85 VIANA, Marco Aurélio S. Do conceito moderno de posse. Revista da faculdade de direito da UFMG,

[S.l.], n. 28-29, p. 301-332, fev. 2014. ISSN 1984-1841. Disponível em: <https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/988/922>. Acesso em: 11 mar. 2019. p. 302.

86 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 38.

87 MASTRODI, Josué; BATISTA, Ana Carolina. Existe um direito fundamental à posse? Estudo sobre a

relativização do conceito de propriedade imobiliária urbana em face do direito de moradia. Revista

de Direito da Cidade, [S.l.], v. 7, n. 4, p. 1527-1554, fev. 2016. ISSN 2317-7721. Disponível em:

<https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/20907>. Acesso em: 08 nov. 2019. p. 35.

(34)

Rosenfield88 assinala que “no caso da posse, forma incompleta da propriedade, há uma apropriação de fato, geralmente reconhecida pela comunidade, que assegura que um bem físico de determinada pertença a uma certa pessoa”.

O processo migratório para às Cidades e a consolidação da Informalidade Urbana no que tange às Favelas, configurou a situação fática da Posse, cujo reconhecimento social é dotado dos mesmos atributos do Direito de Propriedade, sem, contudo, atingir os critérios jurídicos para a sua consolidação. Ou seja, sua atuação decorre do reconhecimento de um direito comunitário em que a Posse se consolida como realidade da fruição do Direito à Moradia para a população que não teve aporte econômico para adentrar no vínculo formal imobiliário89.

É necessário que se observe que a Posse não pode ser considerada apenas como uma situação social instável em que a proteção jurídica é deturpada diante da relação fática, sendo necessário transpor para a o reconhecimento de sua Função Social amparada no “direito fundamental previsto implicitamente pela Constituição Federal a partir do momento em que prevê a funcionalização da propriedade”.90

A Função Social da Posse está assentada no espaço de necessidade a partir de um contexto histórico do processo do Desenvolvimento Urbano. Não reconhecer a proteção jurídica à posse é negar a proteção jurídica às Cidades91, uma vez que a problemática das Favelas perpassa necessariamente pela análise da

88ROSENFIELD, Denis Lerres. Reflexões sobre o direito de propriedade. Rio de Janeiro, Elsevier,

2008. p. 66.

89 BEZERRA, Regina Iara Ayub. Conjuntos habitacionais segundo a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.

p. 130.

90 ESTEVES, Bruna Valone; PEREIRA, Luciana Mendes. A função social da posse. Revista Jurídica

da UniFil, [S.l.], v. 11, n. 11, nov. 2018. ISSN 2674-7251. Disponível em: <http://periodicos.unifil.br/index.php/rev-juridica/article/view/714>. Acesso em: 06 nov. 2019.

91 Sem segurança jurídica, os moradores possuidores não têm proteção legal para viver com dignidade

e paz, já que sua posse é compreendida como um fato sempre precário e, muitas vezes, contrário ao direito de propriedade. Estes moradores tendem a viver com o temor de ameaças de despejo, o que compromete sua qualidade de vida, já que a insegurança dificulta circunstâncias normais e importantes da vida cotidiana (MASTRODI, Josué; BATISTA, Ana Carolina. Existe um direito fundamental à posse? Estudo sobre a relativização do conceito de propriedade imobiliária urbana em face do direito de moradia. p. 36.)

Referências

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