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Data do documento. 14 de maio de 2015

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Processo 104/03.8TBVRS.E1 Data do documento 14 de maio de 2015 Relator Cristina Cerdeira

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Direito de propriedade > Usucapião > Legado > Escritura de justificação notarial > Venda de bens alheios

SUMÁRIO

I) – No caso de eventual existência de um erro material na escritura de justificação notarial, este não pode ser rectificado na sentença, sem que alguma das partes o tivesse requerido e houvesse concordância da parte contrária, em virtude do Tribunal estar limitado ao alegado pelas partes nos respectivos articulados e ao que consta nos quesitos da Base Instrutória, só podendo conhecer das questões suscitadas pelas partes (artº. 608º, nº. 2 do NCPC). II) - Ocorrendo tal situação, o erro material da escritura deve ser rectificado em sede própria, ou seja, no Cartório Notarial onde a mesma foi realizada, através do mecanismo previsto no artº. 132º do Código do Notariado.

III) - A usucapião constitui um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, através do exercício da posse, mantida por certo período de tempo, e como facto aquisitivo originário do direito real de gozo, impõe-se e prevalece sobre qualquer outra forma de aquisição derivada do direito real e tem eficácia retroactiva.

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não chega para caracterizar a posse, visto que é idêntica na posse e na detenção, daí que seja o elemento subjectivo (o animus) que fará a diferença, caracterizando a situação de facto como posse em nome próprio ou como detenção, consoante a intenção com que o detentor exerce o poder de facto sobre a coisa. Ou seja, é necessário que haja, da parte do detentor, a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela.

V) - Tendo uma disposição testamentária deixado de ser possível (por dois irmãos, sendo um deles o autor do testamento que contém essa deixa testamentária, terem procedido, ainda em vida de ambos, à partilha das heranças abertas por óbito dos seus pais, ficando cada um deles com o seu património), a mesma tornou-se juridicamente ineficaz, e sendo ineficaz, o legado a favor de um terceiro não produziu quaisquer efeitos, pelo que deve ser declarado ineficaz.

VI) - A venda de um bem alheio por quem não tem legitimidade para o fazer, tem como consequência a nulidade do negócio, nos termos do artº. 892º do Código Civil, com os efeitos previstos no artº. 289º do mesmo diploma legal. VII) - Tratando-se de um negócio nulo, a invalidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal, tal como prescreve o artº. 286º do Código Civil, não se vislumbrando motivos para que a sanção da venda de bem alheio se afaste do regime geral das nulidades, para além dos desvios previstos na própria norma.

(Sumário elaborado pela Relatora)

TEXTO INTEGRAL

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I. RELATÓRIO

BB, CC e mulher DD, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de

processo ordinário, contra EE e mulher FF e GG, (…), pedindo que se:

a) Reconheça que são donos e legítimos proprietários do prédio identificado em 1. da petição inicial;

b) Reconheça o registo da descrição nº. 2873 e do registo a favor dos AA. na Conservatória do Registo Predial de V..., na sequência da Apresentação nº. 8 de 24/09/97;

c) Reconheça que HH foi o herdeiro de JJ e que o legado a favor da 2ª Ré GG não incluía o prédio descrito no artº. 1º da petição inicial;

d) Declare nulo e sem nenhum efeito o legado da testadora JJ a favor de KK, por à data da abertura da herança não existir o legado; ou caso assim não seja, e) Declare a não partilha ou divisão de bens entre GG e o falecido LL ou seus herdeiros;

f) Declare nulo o registo da descrição nº. 2897 da Conservatória do Registo Predial de V... e do registo resultante da Apresentação nº. 7 de 27/11/1997 a favor da 2ª Ré GG, determinando-se o respectivo cancelamento;

g) Declare nula a escritura de compra e venda realizada em 31/01/2001 no 1º Cartório Notarial de Faro entre a 2ª Ré e o Réu EE, por a vendedora não ser proprietária única do imóvel transmitido, com todos os efeitos legais, declarando-se a respectiva ineficácia;

h) Declare nulo o registo na Conservatória do Registo Predial de V... a favor dos 1ºs Réus EE e mulher FF resultante da Apresentação nº. 1 de 27/06/2001, por lhes ter sido transmitido o imóvel por quem não era o respectivo proprietário ou proprietário exclusivo, determinando-se o respectivo cancelamento.

Para tanto, alegam, em síntese, que são donos e legítimos proprietários de um prédio misto, designado P..., com a área de 18.120 m2, onde se inclui 200 m2 de parte urbana, sito em Vila N..., descrito na Conservatória do Registo Predial

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de V... com o nº. 02873 e inscrito na matriz sob o artº. rústico nº. 09 – Secção AJ e o artº urbano nº. 1616, que adquiriram por usucapião, conforme escritura notarial realizada em 6/08/1997, tendo registado tal aquisição.

Mais alegam que em Julho de 2002, foram confrontados com a inscrição do mesmo prédio misto, na mesma Conservatória do Registo Predial sob o nº. 2897, a favor da 2ª Ré GG, por legado de JJ casada com HH no regime da comunhão geral de bens, tendo tal registo sido efectuado em data posterior à apresentação realizada pelos Autores.

Posteriormente, a referida GG vendeu o aludido prédio misto ao seu sobrinho EE, ora 1º Réu, por escritura notarial realizada em 31/01/2001, tendo a referida compra e venda dado origem ao registo a favor dos 1ºs Réus.

Referem, ainda, que os registos a favor da 2ª Ré e do 1º R. são nulos, por não terem respeitado o trato sucessivo e a sequência das datas dos respectivos registos, em virtude da existência de registo anterior.

Acrescentam que o legado supra referido não foi validamente efectuado, uma vez que no momento da sua morte, JJ deixou como herdeiro o seu marido sobrevivo HH, o qual por força do regime da comunhão geral de bens que regulava o casamento, era proprietário de metade dos bens pertença do casal, nos quais se inclui o prédio em questão, que não corresponde a nenhum dos imóveis referidos no testamento de JJ como legados a favor da 2ª Ré, nem nunca podia ter sido transmitido à mesma a não ser pelo marido da testadora que, como único e universal herdeiro, recebeu o remanescente da herança. Ademais, fazendo o imóvel em causa parte dos bens que constituíram a herança dos pais da testadora, o legado a favor do seu irmão KK deixou de ser eficaz, uma vez que ambos partilharam a herança de seus pais antes de JJ falecer.

Por morte de JJ nunca foi feita qualquer partilha dos seus bens, o mesmo se verificando por óbito de HH, que deixou testamento instituindo onze sobrinhos como seus herdeiros, pelo que a 2ª Ré GG nunca podia ter a propriedade do

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prédio misto acima identificado.

Referem, ainda, que em 27/07/1977, foi celebrado um contrato-promessa de permuta entre LL (marido e pai da 1ª A. e 2º A. marido) e a 2ª Ré GG, no qual acordaram que o imóvel em causa nestes autos caberia ao promitente LL, sendo que a partir daquela data cada um dos promitentes passou a explorar os respectivos imóveis, tratando e cuidando dos mesmos e auferindo o respectivo rendimento, continuando os AA. a fazê-lo até à data.

Concluem, invocando a má-fé dos RR. porquanto estes tinham conhecimento da situação do imóvel em causa e ainda assim procederam ao registo do mesmo para conseguir inscrevê-lo na sua titularidade.

Os RR. contestaram, alegando que as declarações feitas na escritura de justificação notarial são falsas, que o prédio em causa nunca foi doado verbalmente aos AA., sendo que estes nunca exerceram a posse sobre o mesmo que justifique a sua aquisição por usucapião, que a aquisição do prédio a favor da Ré GG decorre da interpretação do testamento outorgado por JJ, no qual esta instituiu um fideicomisso a favor da Ré GG e de LL.

A referida JJ, pelo seu testamento, instituiu como fiduciário o seu irmão KK, que veio a falecer no estado de casado com MM, e como fideicomissários a Ré GG e LL, já falecido e que foi marido da A. BB. Tendo o LL falecido antes do fiduciário KK, a Ré GG ficou sendo a única fideicomissária, pertencendo-lhe todos os bens que constituíam a herança deixada pela testadora JJ.

Acrescentam que, por via desta interpretação do aludido testamento, a Ré GG é legítima proprietária do prédio identificado pelos AA. na sua petição inicial. Terminam, pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido, e peticionando a condenação dos AA. como litigantes de má fé no pagamento de multa e indemnização a favor dos RR. para reembolso das despesas realizadas com o presente processo, bem como que seja declarado falso o teor da escritura de justificação notarial invocada pelos

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Autores.

Os RR. deduziram, ainda, reconvenção, na qual pedem que:

a) seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial;

b) os AA. sejam condenados a entregarem tal prédio aos RR., livre e desembaraçado de pessoas e bens;

c) os AA. sejam condenados a pagar uma indemnização aos RR. por lucros cessantes e pelos danos causados com a sua conduta, a liquidar em execução de sentença;

d) seja ordenado o cancelamento do registo predial nº. 2873/970924 da Conservatória do Registo Predial de V..., por ser nulo e de nenhum efeito;

e) seja determinado o cancelamento de todos e quaisquer outros registos e averbamentos que possam existir a favor dos AA. relativamente ao mesmo prédio.

Os AA. vieram apresentar réplica, invocando, em relação à reconvenção, a excepção da caducidade, e impugnando os factos articulados pelos Réus.

Concluem, pugnando pela improcedência da reconvenção e do pedido de condenação por litigância de má fé, por pretenso abuso de direito.

Foi realizada audiência preliminar e proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção da caducidade invocada pelos AA. reconvindos, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que não sofreram reclamações.

Após a prolação do despacho saneador e antes da realização da audiência de julgamento, veio a Ré GG a falecer (fls. 296), tendo-se procedido à habilitação dos seus sobrinhos NN, casado com PP, QQ, RR e S S como herdeiros da falecida, para em sua substituição prosseguirem os ulteriores termos do processo (fls. 142 a 145 do Apenso A).

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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência:

a) Declarou que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de V... sob o nº. 02873/970924 e o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de V... sob o nº. 02897/971127 são o mesmo e um único prédio: o prédio misto sito na freguesia de Vila N..., no sítio do P..., composto de cultura arvense, amendoal, solo subjacente cultura arvense com amendoal, alfarrobeiras, oliveiras e edifício térreo – 18.120 m2, com inclusão de 50 m2 de parte urbana, a confrontar a norte com caminho, sul e nascente com TT, e poente com VV, com o valor patrimonial de 308.923$00, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 0009-Secção AJ e urbano sob o artigo 1616, existindo duplicação de fichas no registo predial;

b) Declarou os AA. BB, CC e mulher DD, proprietários do referido prédio misto situado na freguesia de Vila N..., no sítio do P..., composto de cultura arvense, amendoal, solo subjacente cultura arvense com amendoal, alfarrobeiras, oliveiras e edifício térreo – 18.120 m2, com inclusão de 50 m2 de parte urbana, a confrontar a norte com caminho, sul e nascente com TT, e poente com VV, com o valor patrimonial de 308.923$00, descrito na Conservatória do Registo Predial de V... sob o nº. 02873/970924 e sob o nº 02897/971127, e inscrito na matriz rústica sob o artº. 0009-Secção AJ e urbana sob o artº. 1616, tendo-o adquirido por usucapião;

c) Declarou HH único herdeiro de JJ;

d) Declarou ineficaz o legado de JJ a favor da falecida Ré GG, o qual não incluía o prédio descrito em a) e, consequentemente, determinou o cancelamento de todos os registos relativos à aquisição do direito de

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propriedade desse prédio pela falecida Ré GG por via desse legado; e) Declarou nulo o contrato de compra e venda do prédio descrito em a), celebrado entre a falecida Ré GG e os RR. EE e FF, por escritura pública de 31/01/2001, celebrada no 1º Cartório Notarial de Faro, a folhas 7 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº. 217-A e, em consequência, determinou o cancelamento de todos os registos relativos à aquisição do direito de propriedade desse prédio pelos RR. EE e FF por via desse negócio;

f) Julgou improcedentes todos os outros pedidos formulados pelos AA. na petição inicial e todos os pedidos formulados pelos RR. na reconvenção.

Inconformados com tal decisão, os RR. EE e mulher FF dela interpuseram recurso, extraindo-se das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1. «Vem o presente recurso interposto da decisão que julga parcialmente procedente a presente acção, declarando que os Autores adquiriram por usucapião o prédio em apreço nos autos e declarando ineficaz o legado instituído por JJ a favor de GG, tia dos ora Apelantes e, por consequência, declarou nulo o contrato de compra e venda que esta fez do mesmo prédio a favor dos ora Apelantes;

2. O objecto do presente recurso consiste na reapreciação da matéria de facto, por forma a alterar as respostas que permitiram dar como factos provados os constantes nos pontos 20 a 24 da douta sentença recorrida;

3. Resulta ter sido praticada uma errada apreciação da prova documental e testemunhal produzida nos autos, conforme fundamentos supra expostos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos;

4. Para esse efeito, requer-se a análise dos documentos juntos aos autos e daqueles que agora se juntam como complemento de prova, para melhor se

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compreender o alcance de toda a prova documental;

5. Requer-se igualmente a audição e valoração dos depoimentos das testemunhas para validar a presente pretensão de recurso;

6. Os Apelantes entendem que o tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e apreciação da prova documental e testemunhal produzida, com prejuízo para a decisão da matéria de facto dada como provada e consequente condicionamento da decisão final, em violação do disposto nos artigos 5º, 607º, 608º, 609º e alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615º, todos do Código de Processo Civil;

7. Nos termos dos artigos 5º, 608º e 609º, todos do Código do Processo Civil, se é verdade que o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à matéria de direito, também deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, sem prejuízo do que a lei lhe permitir ou impuser quanto ao conhecimento oficioso de outras questões, não podendo decidir fora dos limites da causa de pedir;

8. Com o devido respeito por melhor opinião, consideram os Apelantes que, ao decidir a douta sentença recorrida dar como facto provado que “o prédio misto identificado em 1 e 3 foi doado verbalmente aos Autores por KK e mulher MM e HH há mais de 20 anos contados da propositura da presente acção”, foi violado o nº 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil, porque o Juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes;

9. E, nesta matéria, nem os Autores alegaram, nem nunca declararam a existência e possibilidade de qualquer doação verbal que lhe tenha sido feita pelo referido HH;

10. Por outro lado, ao decidir que o HH é o único herdeiro da falecida JJ foi violado o artigo 2.133º do Código Civil, na redacção de 1966, uma vez que, tendo-lhe sobrevivido o seu único irmão KK, este é o seu único herdeiro legal. 11. Ao decidir declarar ineficaz o legado instituído pela falecida JJ a favor da GG,

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sem invocar o seu fundamento legal, a douta decisão recorrida sofre de obscuridade e de ininteligibilidade, o que viola o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;

12. Ao decidir não dar qualquer relevância à falsidade das declarações prestadas pelos Autores como justificantes, o que está objectiva e documentalmente provado, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 5º e 608º, ambos do Código do Processo Civil, porque cabe ao Juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, sem prejuízo do que a lei lhe permitir ou impuser quanto ao conhecimento oficioso de outras questões;

13. Entendem os Apelantes que o Tribunal “a quo” devia ter dado a devida relevância à falsidade das declarações prestadas pelos Autores como justificantes, o que, necessariamente deveria conduzir, senão à nulidade da escritura de justificação notarial, então à declaração da sua ineficácia, conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2008, publicado no DR nº 63 -1ª Série de 31 de Março, em situação semelhante;

14. A decisão ora recorrida não teve em atenção que a propositura da presente acção ocorre em 2003, isto significa que vinte anos para trás, estaríamos em 1983. E nesse ano de 1983, já tinha falecido a JJ (1967), assim como o seu marido HH (1975), mantendo-se vivo o KK, que ficou na posse e propriedade do referido prédio, que ainda assistiu ao falecimento do LL (1993), marido e pai dos Autores;

15. A decisão ora recorrida não teve em atenção que os Autores aguardaram pelo falecimento do KK, ocorrido em 24 de Março de 1997, para cinco (5) meses após o seu falecimento em 6 de Agosto de 1997, celebrarem a escritura de justificação notarial, não tendo tido essa preocupação, nem em vida do LL, nem nos quatro anos que se seguiram ao seu falecimento e ainda em vida do KK; 16. Foram violados os dispositivos legais relativos à posse e à usucapião,

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nomeadamente os artigos 1296º, 1.261º, 1.262º e 1.287º, todos do Código Civil, porquanto os Autores não podem ter adquirido, por usucapião, o prédio em apreço nestes Autos, conforme invocam na justificação notarial e foi doutamente decidido, por não estarem presentes nem o corpus, nem o animus, nem os demais requisitos legais, nomeadamente o decurso do prazo dos 20 anos, uma vez que não ficou apurada qualquer data relativa a eventual início por parte dos Autores do exercício do direito de propriedade sobre o prédio em apreço.

17. O que ficou provado é que em 1977 o falecido LL está ciente de que o prédio em apreço nos autos irá pertencer à GG e que até 1997, é o KK quem exerce os direitos de propriedade sobre o referido prédio, sendo que a presente acção foi instaurada em Fevereiro de 2003, o que determina que os Autores não podem ter adquirido, por usucapião, o prédio em apreço nestes Autos, conforme foi doutamente decidido.

18. Analisada a matéria de facto em conformidade com acima exposto, os pontos 20 a 24 necessariamente têm de ser dados como não provados.

19. E ser declarada, pelo menos, a ineficácia da escritura de justificação notarial em conformidade com o artigo 5º do Código de Processo Civil.

20. E ser declarado válido e eficaz o legado instituído pela JJ a favor da GG e, por conseguinte, válido e legal o contrato de contrato e venda celebrado a favor dos Apelantes, com as legais consequências quanto à validade dos respectivos registos prediais.

21. Concluindo-se pela improcedência da presente acção e procedência do pedido reconvencional formulado pelos Apelantes.

Nestes termos e nos demais de Direito e ainda com o douto suprimento de V.Exªs, deverá ser dado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a devida

JUSTIÇA!»

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1. «A douta sentença está juridicamente correcta;

2. Os Factos Provados nºs 15 a 18 resultam do facto constante da alínea N) da Matéria Assente, dos documentos existentes nos autos e do Facto Provado nº 19 reconhecido por acordo das partes;

3. O Facto Provado nº 20 resulta da prova testemunhal produzida nos autos; 4. O mesmo se verificando quanto aos Factos Provados nºs 21 a 24;

5. A posse dos A.A., ora Apelados, foi pacífica, pública, titulada e de boa-fé; 6. E durou há mais de 20 anos considerada a data da propositura da acção; 7. Facto provado, inclusive, pela mulher do proprietário do imóvel, MM, na escritura notarial de justificação realizada em 06.08.1997;

8. O prédio em causa era propriedade de KK e pertenceu a sua irmã JJ que 9. O deixou em usufruto a seu falecido marido HH;

10. Os irmãos JJ e KK não tiveram filhos;

11. Sempre foi vontade dos irmãos referidos deixarem aos seus empregados LL, ora Apelado, e GG, ora Apelante, património imobiliário como reconhecimento pelos serviços durante anos e dedicação prestada;

12. A JJ fez disposição testamentária em 12.08.63 nesse sentido, enquanto estavam indivisas as heranças de seus falecidos pais;

13. Tal disposição testamentária relativa ao legado foi ineficaz, dada a partilha de bens entretanto realizada ainda em vida pelos irmãos JJ e KK;

14. Tal partilha prejudicou o legado e o fideicomisso estabelecido ao irmão KK; 15. O prédio em causa nos autos, sito no P..., foi doado verbalmente ao A. LL pelos seus proprietários antes de 1983;

16. Tal doação nunca foi formalizada notarialmente; 17. E decorreu em ano que não foi possível determinar;

18. Desde antes de 1983 que os A.A. LL e mulher cultivam o prédio e retiram dele os seus frutos, usufruindo da propriedade como proprietários da mesma e 19. Há mais de 15 anos reconstruiram a parte urbana existente na mesma propriedade, tornando-a habitável e utilizando-a;

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20. Não foi provado nos autos que o anterior proprietário KK estivesse na posse da propriedade sita no P... até à data do seu falecimento;

21. O lapso verificado na escritura notarial de justificação realizada em 06.08.97 em relação ao nome do cônjuge de KK, mas indicado como tal, deveu-se a erro de escrita ou de declaração;

22. Tal lapso foi rectificado em Tribunal e

23. Não tem, nem teve, qualquer influência na decisão de atribuição da usucapião por ser irrelevante;

24. Não só porque a mulher de KK foi uma das Outorgantes da referida escritura notarial de justificação, mas também porque

25. O titular proprietário do imóvel era indiferente para a decisão do reconhecimento da usucapião e do decurso do lapso de tempo para a sua atribuição;

26. Não se verificou qualquer falsidade quanto aos factos constantes da escritura notarial de justificação celebrada em 06.08.1997;

27. O lapso verificado não envolvia também qualquer facto essencial da referida escritura notarial, podendo ser rectificável a todo o tempo;

28. A mulher de KK, de nome MM era e foi a única e universal herdeira deste; 29. O Acórdão nº 1/2008 de 04.12.2007 do Supremo Tribunal de Justiça não tem aplicabilidade ao caso sub judice, dado envolver uma realidade jurídica distinta; 30. Os A.A., ora Apelados, sempre actuaram na propriedade em causa e referida nos autos com o ânimo de exercerem o direito de propriedade,

31. Não só no cultivo da mesma, mas na contratação de trabalhadores e na exploração dos frutos que colhem e até das obras e benfeitorias levadas a efeito no local, quer na parte urbana, quer na parte rústica,

32. Para além do pagamento de consumos de água, electricidade e gás e dos respectivos impostos;

33. Os pagamentos de IMI referidos pelos R.R., ora Apelantes, resultam unicamente do facto de terem participado aos Serviços de Finanças a aquisição

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constante do Facto Provado nº 5 realizada por EE e que

34. Foi declarada nula na alínea e) da parte dispositiva da douta sentença, a qual também determinou o respectivo cancelamento na Conservatória;

35. Os documentos comprovativos de tais pagamentos de IMI juntos pelos ora Apelantes devem ser desentranhados dos autos;

36. Dado violarem o preceituado nos artºs 425º e 651º nº 1 do C.P.C.;

37. O depoimento da testemunha LL relativo ao facto de KK lhe ter transmitido que iria entregar a propriedade ao A. LL, mediante o pagamento de uma importância enquanto fosse vivo, não foi confirmada como tendo ocorrido efectivamente na prática e em caso afirmativo em que ano;

38. Não foi produzida qualquer prova da concretização de tal facto;

39. Tal facto só pode ser interpretado como uma intenção do referido KK;

40. Todas as testemunhas dos R.R., ora Apelantes, referiram ao Tribunal que era intenção de KK e da irmã JJ de deixar património imobiliário aos seus dois empregados – LL e GG – como prova da sua dedicação durante anos;

41. O A. LL só recebeu o imóvel sito no P..., identificado nos Factos Provados nºs 1 e 3;

42. A Ré GG recebeu outro património imobiliário, nomeadamente casas de habitação;

43. O fideicomisso constante do testamento de JJ não se transmitiu na sua totalidade para a Ré GG;

44. O legado de JJ não abrangeu o imóvel descrito nos Factos Provados nºs 1 e 3;

45. Os A.A., ora Apelados, tiveram a posse do imóvel sito no P... durante mais de 20 anos, o que é sustentáculo do direito de usucapião que exerceram e que 46. O Douto Tribunal a quo lhes reconheceu;

47. É irrelevante quem eram os proprietários do imóvel para tal reconhecimento;

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49. Não houve violação de preceitos legais, nomeadamente dos artºs 5º, 607º, 608º, 609º e alíneas c) e d) do nº 1 do artº 615º do C.P.C. e dos artºs 1261º, 1262º, 1287º e 1296º do Código Civil;

50. Aceitando-se unicamente que houve deficiente aplicação do artº 2133º do Código Civil na redacção de 1966, mas sem que tal tenha qualquer influência na decisão da causa.

Termos em que

Deve manter-se a decisão recorrida com todas as consequência legais, Como é de inteira

JUSTIÇA».

O recurso foi admitido por despacho de fls. 464. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelos RR. EE e mulher FF, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

II) – Da titularidade do direito de propriedade sobre o prédio em questão, apreciando:

1. Da invocada aquisição do prédio por usucapião e da aquisição por legado, extraindo as devidas consequências;

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2. Da validade da escritura de justificação notarial;

3. Da validade do contrato de compra e venda celebrado a favor dos RR. recorrentes, com as legais consequências quanto à validade dos respectivos registos prediais.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

«1 - O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de V... sob o nº 02873/970924, freguesia de Vila N..., como misto, no sítio do P..., composto de cultura arvense, amendoal, solo subjacente cultura arvense com amendoal, alfarrobeiras, oliveiras e edifício térreo – 18.120 m2, com inclusão de 50 m2 de parte urbana, a confrontar a norte com caminho, sul e nascente com TT, e poente com VV, com o valor patrimonial de 308.923$00, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 0009-Secção AJ e urbano sob o artigo 1616, foi registado a favor dos Autores, como registo provisório e por dúvidas, por usucapião, pela Ap. 08/970924.

2 - Pelo Av. 01 e Ap. 04/980129 a referida inscrição provisória por dúvidas foi convertida em definitiva.

3 - O mesmo prédio identificado em 1. está também descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de V... sob o nº 02897/971127 e nesta inscrição encontra-se inscrito a favor da Ré GG , pela Ap. 07/971127 e inscrição G-1, por legado de JJ, tendo esta sido casada com HH na comunhão geral de bens.

4 - Porém, pela Ap. 01/20010627 e inscrição G-2, foi o mesmo prédio, mas com a descrição nº 02897/971127 mencionada em 3., inscrito a favor dos Réus EE, casado com a ré FF, por compra.

5 - Por escritura pública de 31.01.2001, celebrada no 1º Cartório Notarial de Faro, a folhas 7 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 217-A, a falecida Ré GG declarou vender ao Réu EE, casado com a Ré FF, o prédio descrito na

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Conservatória do Registo Predial de V... sob o nº 02897/971127.

6 - Pela escritura de habilitação de herdeiros realizada no Cartório Notarial de São Brás de Alportel a 25.06.1997, por óbito de JJ, foi declarado que a mesma faleceu no dia 14.09.1967, no estado de casada no regime de comunhão geral de bens com HH e que não deixou descendentes nem ascendentes mas que fez testamento público lavrado em 12.08.1963, no cartório notarial de Tavira, lavrado a folhas 21, Livro para testamentos públicos, nº 3-T, onde instituiu herdeiros e legatários.

7 - Nesse testamento público mencionado, a testadora JJ deixou à Ré GG, além do mais, a mera propriedade das suas casas de residência e respectivas dependências, no sítio da G..., e um terço de uma courela junta à casa.

8 - No mesmo testamento, JJ deixou a seu irmão KK a mera propriedade do direito e acção a metade das heranças abertas por óbito de seus pais, com a obrigação de o conservar para por sua morte ficar, em partes iguais, para a Ré GG e para LL.

9 - No mesmo testamento, JJ deixou o usufruto dos bens legados e referidos em 6. e 7. ao seu marido HH e bem assim herdeiro do remanescente da sua herança.

10 - O marido da testadora, HH, declarou por escrito, com a mesma data da outorga do testamento mencionado em 5., e autenticado no mesmo Cartório Notarial de Tavira, dar à testadora JJ, sua mulher, a sua aquiescência às disposições que a mesma fez no mencionado testamento.

11 - A testadora JJ faleceu no dia 14.07.1967 e não deixou descendentes nem ascendentes.

12 - Por escritura de habilitação e partilhas realizada no dia 27.05.1967 no Cartório Notarial de Tavira, lavrada a fls. 86v a 91 do Livro A-31 para escrituras diversas, foi realizada a partilha dos bens das heranças por óbito dos pais da mencionada JJ e na qual ficou pertencer a esta o prédio identificado em 1. e 3. 13 - À morte da testadora JJ sobreviveu-lhe o seu marido HH, falecido a

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31.07.1975, que com aquela foi casado no regime de comunhão geral de bens, e até ao presente não se procedeu a quaisquer partilhas dos bens das respectivas heranças.

14 - LL e KK, referidos em 7., faleceram respectivamente em 20.09.1993 e 24.03.1997.

15 - Por escritura pública de justificação notarial, lavrada no Cartório Notarial de V..., a 06.08.1997, a fls. 73 a 75 do livro de notas para escrituras diversas nº 161-A, os autores declararam serem donos e legítimos possuidores, em comum e em partes iguais, dos seguintes prédios, situados no P...:

a) Prédio rústico, composto de terra de semeadura, cultura arvense e oliveiras, com a área de 18.120 m2, a confrontar a norte com caminho, a sul e nascente com TT e outros, e poente com VV, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Vila N... sob o artigo nº 9-secção AJ, e não descrito na Conservatória do Registo Predial;

b) Prédio urbano térreo, que serve de habitação, composto por 4 divisões e uma ramada e uma arrecadação, com área coberta de 50 m2, a confrontar a norte, sul, nascente e poente com KK, inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de Vila N... sob artigo 1616 e não descrito na Conservatória do Registo Predial.

16 - Mais declararam os Autores, na mesma escritura, que os prédios identificados em 14. estão na sua posse há mais de 20 anos por lhes terem sido doados verbalmente por KK e mulher ZZ.

17 - E declararam também os Autores, na mesma escritura, que desde então vêm possuindo tais prédios de forma pacífica, pública e ininterruptamente, de boa-fé e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.

18 - E declararam ainda na mesma escritura que dos referidos prédios vêm extraindo todas as suas utilidades e praticando todos os actos conforme ao exercício do direito de propriedade.

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19 - Os prédios identificados em 14. são hoje um único prédio misto, o identificado em 1. e 3.

20 - O prédio misto identificado em 1. e 3. foi doado verbalmente aos Autores por KK e mulher, MM, e HH há mais de 20 anos contados da propositura da presente acção.

21 - E desde então os Autores vêm possuindo tal prédio de forma pública e pacífica, agindo com a convicção de serem seus donos.

22 - E de forma continuada ou ininterruptamente à vista de toda a gente. 23 - E sem oposição de ninguém.

24 - E desde então os Autores têm extraído as utilidades do prédio».

*

Apreciando e decidindo.

I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: (…)

Assim, dada a desconformidade entre o que consta do quesito 1º da Base Instrutória, elaborado em função da matéria alegada pelas partes, e o que efectivamente resultou dos depoimentos das testemunhas dos AA. acima referidas, no confronto com os documentos juntos aos autos, a inexactidão existente na escritura de justificação notarial quanto à identificação de um dos doadores do prédio misto em questão e que se reflecte no mencionado quesito 1º, bem como a impossibilidade do Tribunal “a quo” proceder à rectificação do lapso detectado nos termos em que o fez na sentença recorrida, e independentemente do que foi declarado pelos AA. na mencionada escritura e que consta do ponto 16 dos factos provados (correspondente à alínea O) da Matéria Assente), teremos de concluir que não se provou o facto constante do quesito 1º, o qual, por esse motivo, terá de ser dado como não provado, eliminando-se assim o ponto 20 dos factos provados.

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(…)

Ora, tendo os AA. logrado provar a prática por eles de actos materiais que caracterizam a sua posse sobre o prédio misto identificado nos autos, há mais de 20 anos, nos termos referidos nos quesitos 2º a 5º da Base Instrutória, e uma vez eliminado o ponto 20 dos factos provados, entendemos que deverá ser alterada a redacção do ponto 21 dos factos provados (que estava relacionado com o ponto 20), a qual passará a ser a seguinte, mantendo-se os pontos 22 a 24 inalterados:

22) – Os AA. há mais de 20 anos vêm possuindo o prédio misto identificado em 1. e 3., de forma pública e pacífica, agindo com a convicção de serem seus donos.

Deverá, pois, na sentença recorrida, ser eliminado o ponto 20 dos factos provados, por ter resultado não provado o quesito 1º, e alterada a redacção do ponto 21 dos factos provados nos termos atrás explanados.

*

II) – Da titularidade do direito de propriedade sobre o prédio em questão: 1. Da invocada aquisição do prédio por usucapião e da aquisição por legado: No caso “sub judice”, os AA. alegam serem os titulares do direito de propriedade sobre o prédio misto em questão, invocando a sua aquisição por usucapião.

Por sua vez. os RR., ora recorrentes, pugnam pelo reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o aludido prédio misto, invocando a sua aquisição por compra à falecida Ré GG , a qual teria adquirido a propriedade do mesmo por legado de JJ.

A usucapião constitui um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, através do exercício da posse, mantida por certo período de tempo (artº. 1287º do Código Civil).

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E como facto aquisitivo originário do direito real de gozo, a usucapião impõe-se e prevalece sobre qualquer outra forma de aquisição derivada do direito real e tem eficácia retroactiva (artº. 1288º do Código Civil).

Para conduzir à usucapião a posse tem sempre de revestir duas características: ser pública e pacífica. É pública a posse que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados e pacífica a posse adquirida sem violência, isto é, sem coacção física ou moral (artºs 1261º e 1262º do Código Civil).

Por outro lado, a usucapião assenta numa posse reiterada, que se prolonga no tempo por um certo período estabelecido na lei.

Assim, sendo a posse pública e pacífica, a aquisição do direito por usucapião verifica-se quando decorrido determinado período de tempo, que diverge conforme o objecto do direito real a adquirir sejam coisas móveis ou imóveis. Tratando-se de coisas imóveis, como sucede no caso em apreço, o prazo para a usucapião depende ainda do possuidor ter um título aquisitivo do direito a que a posse respeita e o haja registado, ou ter um título sem que o tenha registado ou não ter sequer um título. E depende ainda da boa ou má-fé do possuidor.

Quanto ao título – que não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca – dispõe o artº. 1259º do Código Civil que a posse é titulada quando se funda em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico.

Havendo título, a posse presume-se existente desde a data do título (artº. 1254º, nº. 2 do Código Civil).

Não havendo registo do título, nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, ou de vinte anos, se for de má fé (artº. 1296º do Código Civil).

Relativamente à boa fé, estabelece o artº. 1260º do Código Civil que a posse é de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem, sendo que a posse titulada se presume de boa fé e a não titulada de

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má fé, e a posse adquirida por violência se considera sempre de má fé.

Como é sabido, a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artº. 1251º do Código Civil).

Necessita de dois elementos: o corpus e o animus.

Segundo a nossa lei, a relação material com a coisa (isto é, o corpus da posse), em si mesma, não chega para caracterizar a posse, visto que é idêntica na posse e na detenção, daí que seja o elemento subjectivo (o animus) que fará a diferença, caracterizando a situação de facto como posse em nome próprio ou como detenção, consoante a intenção com que o detentor exerce o poder de facto sobre a coisa. Ou seja, é necessário que haja, da parte do detentor, a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº. 1/2008 de 4/12/2007, publicado no D.R. – 1ª Série, nº. 63, de 31/03/2008 e acórdãos do STJ de 16/10/2008, proc. nº. 08A2357 e da RE de 14/02/2008, proc. nº. 2367/07-2, acessíveis em www.dgsi.pt).

De volta ao caso dos autos, competia aos AA. a prova dos factos constitutivos do seu direito de propriedade sobre o prédio misto identificado em 1. e 3. (artº. 342º, nº. 1 do Código Civil), o que estes lograram fazer, pois resultou provado que os AA. há mais de 20 anos vêm possuindo o mencionado prédio de forma pública e pacífica, continuada ou ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e extraindo desde então as utilidades do prédio, agindo com a convicção de serem seus donos – ou seja, provou-se que os AA. adquiriram a posse daquele prédio unilateralmente, pela prática reiterada, pacífica e pública dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade (artº. 1263º, al. a) do Código Civil) – pelo que não subsistem dúvidas de que os mesmos adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre aquele prédio.

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contra-alegações, que a aquisição do imóvel não foi transmitida aos AA. em função da doação verbal referida na escritura de justificação notarial, mas operou-se por via da usucapião em resultado da posse por eles exercida durante mais de 20 anos.

Acresce referir que tendo os AA. adquirido o direito de propriedade sobre o referido prédio por usucapião, isto é, por um modo de aquisição originária, o seu direito de propriedade é um direito novo, independente e prevalecente sobre qualquer outro direito real anterior constituído sobre o mesmo bem, sendo indiferente quem eram os proprietários do imóvel à data da posse reiterada inerente ao exercício daquele direito invocado pelos Autores.

Por esta razão, torna-se irrelevante a decisão sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo prédio invocado pelos Réus.

Porém, os RR., ora recorrentes, alegam ter adquirido o direito de propriedade sobre o prédio em causa por contrato de compra e venda (um modo de aquisição derivada) celebrado com a falecida Ré GG, tendo esta adquirido o seu direito de propriedade por legado de JJ, e referem ter havido erro de julgamento por parte do Tribunal “a quo” ao declarar ineficaz o legado instituído no testamento da falecida JJ a favor da Ré GG.

Contudo, salvo o devido respeito, não lhes assiste razão.

Provado se mostra que o prédio em questão pertenceu em tempos a KK (pai) e mulher ZZ. Quando ambos faleceram, deixaram como herdeiros os seus filhos, KK, casado com MM, e JJ, casada com HH.

Em 12/08/1963, a referida JJ fez um testamento pelo qual: a) deixou à Ré GG, além do mais, a mera propriedade das suas casas de residência e respectivas dependências, no sítio da G..., e um terço de uma courela junta à casa; b) deixou ao seu irmão KK a mera propriedade do direito e acção a metade das heranças abertas por óbito de seus pais, com a obrigação de o conservar para por sua morte ficar, em partes iguais, para a Ré GG e para LL; c) deixou o usufruto dos referidos bens legados ao seu marido HH e herdeiro do

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remanescente da sua herança.

No legado atribuído à Ré GG, não existe qualquer disposição testamentária que incida expressamente sobre o prédio em questão, mas apenas sobre as casas de residência e respectivas dependências, no sítio da G..., e um terço de uma courela junto à casa.

No entanto, a questão da validade do legado não se coloca, porquanto ainda antes da morte de JJ, ocorrida a 14/07/1967, esta e o seu irmão KK, em 27/05/1967, procederam à partilha das heranças abertas por óbito dos seus pais, tendo ficado a pertencer a JJ o prédio em causa nos autos - ou seja, ainda antes de falecer, JJ tornou-se proprietária plena do referido prédio.

Nessa medida, a disposição testamentária a favor de KK e sobre a parte que lhe caberia na herança dos seus pais, e consequentemente no prédio em questão, deixou de ser possível, uma vez que cada um dos irmãos ficou com o seu património, tornando-se cada um proprietário pleno dos prédios divididos.

Ora, tendo esta disposição testamentária deixado de ser possível, tornou-se juridicamente ineficaz, e sendo ineficaz, o legado a favor da Ré GG não produziu quaisquer efeitos, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura na parte em que declarou ineficaz tal legado e determinou o cancelamento do registo de aquisição do direito de propriedade do prédio em causa pela Ré GG por via daquele legado.

Nesta parte, o único reparo que importa fazer à sentença recorrida tem a ver com o facto de nela se referir que a falecida JJ deixou como seu único herdeiro seu marido HH e considerar que o prédio em questão foi transmitido do património de JJ para o do seu cônjuge, aquando da sucessão, quando este apenas recebeu o respectivo usufruto, sendo o seu único herdeiro legal o seu irmão KK, por força do preceituado no artº. 2133º do Código Civil, na redacção de 1966.

Contudo, tal lapso é irrelevante dado que não está em causa, no caso “sub judice”, a propriedade do imóvel, mas a posse do mesmo pelos AA. durante um

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determinado período de tempo, sendo certo que a aquisição do prédio pelos AA. ocorreu por usucapião e não por outro instituto, ao qual se sobrepõe.

A posse exercida pelos AA. foi o sustentáculo da aquisição do direito de propriedade por usucapião que aqueles viram reconhecido na sentença recorrida, pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar irrelevante a decisão sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo prédio invocado pelos Réus.

2. Da validade da escritura de justificação notarial:

Entendem os recorrentes que o Tribunal “a quo” devia ter dado a devida relevância à falsidade das declarações prestadas pelos Autores na escritura de justificação notarial, o que deveria conduzir, senão à nulidade da aludida escritura, pelo menos à declaração da sua ineficácia.

No caso em apreço, os AA. lançaram mão da escritura de justificação notarial para demonstrar a aquisição originária do direito de propriedade em relação ao prédio em causa, sendo certo que os RR. entendem que não lhes assiste razão por as declarações em que se basearam não corresponderem à verdade.

Como se refere na sentença recorrida, a questão consiste essencialmente em saber se deve ser considerada inválida a escritura de justificação outorgada pelos AA., por assentar em declarações falsas, sendo certo que o que está em causa é o facto justificado, isto é, a situação jurídica do prédio, com vista à sua descrição predial, ou seja, saber quem é o titular do direito de propriedade sobre determinado prédio.

Acolhemos a posição defendida na sentença recorrida quando refere que a mencionada escritura não padece de qualquer invalidade formal, pois foram observados todos os pressupostos formais estabelecidos no Código de Registo Predial e no Código do Notariado e nela enunciados, acrescentando, ainda, que: «A única desconformidade das declarações dos Autores prende-se com a identificação dos doadores: os Autores identificam como doadores KK e mulher ZZ por lapso (como já supra analisado), em vez de KK e MM. E omitem a

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menção ao doador HH.

Quanto ao lapso, nenhuma dúvida ou questão se levanta, sendo o mesmo irrelevante.

Relativamente à omissão, tal também não fere a escritura de invalidade, na medida em que, a um nível substantivo, os autores efectivamente adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio por usucapião, como supra se analisou. Razão pela qual a escritura se apresenta válida».

A este respeito acresce referir que o Tribunal “a quo”, confrontado com a desconformidade acima referida, não considerou que tivesse havido falsidade das declarações prestadas pelos AA. na escritura de justificação notarial, como pretendem os recorrentes, mas apenas um mero lapso de escrita nos termos atrás explanados, lapso esse que não assume qualquer relevância, nem pode produzir os efeitos pretendidos pelos RR., ora recorrentes, tanto mais que está provada a aquisição pelos AA. do direito de propriedade sobre o aludido prédio misto por via da usucapião, conforme já mencionado.

Nesta conformidade, não existe, pois, qualquer motivo para declarar a nulidade da aludida escritura de justificação notarial, ou pelo menos, a sua ineficácia, soçobrando, também nesta parte, a pretensão dos recorrentes.

3. Da validade do contrato de compra e venda celebrado a favor dos RR. recorrentes e suas consequências quanto à validade dos registos prediais: Tendo os AA. adquirido o direito de propriedade sobre o prédio em questão nos presentes autos por usucapião, coloca-se a questão da validade da venda do referido prédio feita pela falecida Ré GG aos RR. EE e FF, ora recorrentes, tanto mais que estes pretendem que seja declarado válido e eficaz o aludido contrato de compra e venda, com base na validade e eficácia do legado instituído por JJ a favor de GG .

Conforme já foi referido, a usucapião tem eficácia retroactiva, pelo que a constituição do direito de propriedade dos AA. retroage ao momento em que se iniciou a sua posse (artº. 1288º do Código Civil) - ou seja, desde há mais de 20

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anos (contados da data da propositura da acção), portanto, desde pelo menos 1983.

Assim sendo, quando a Ré GG vendeu o aludido prédio aos RR., ora recorrentes, por escritura pública celebrada em 31/01/2001 (pontos 4 e 5 dos factos provados), os AA. já eram os legítimos proprietários do prédio, por um modo de aquisição originária (a usucapião), que é novo, independente e prevalece sobre qualquer outra forma de aquisição derivada.

Constata-se, assim, que a Ré GG vendeu aos RR. EE e FF, como sendo seu, um determinado prédio que no momento da venda – e em momento anterior e posterior - não lhe pertencia.

Dispõe o artº. 892º do Código Civil que “É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso”.

Como bem refere a sentença recorrida, a venda efectuada pela falecida Ré GG aos ora recorrentes integra a previsão normativa deste artigo, constituindo uma venda de bem alheio, a qual tem como consequência a nulidade do negócio com os efeitos previstos no artº. 289º do Código Civil.

Tratando-se de um negócio nulo, a invalidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, tal como prescreve o artº. 286º do Código Civil, não se vislumbrando motivos para que a sanção da venda de bem alheio se afaste do regime geral das nulidades, para além dos desvios previstos na própria norma, posição esta também defendida na sentença recorrida.

Acolhemos a posição defendida por Pedro Romano Martinez (in “Direito das Obrigações (Parte Especial) - Contratos, 2ª ed., Almedina, págs. 112 e seguintes), que também foi seguida pelo Tribunal “a quo”, de onde destacamos o seguinte excerto: “Tratando-se de uma nulidade, ela pode ser invocada por qualquer interessado (artigo 286º do Código Civil). Nestes casos, um dos

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interessados será o verdadeiro titular dos bens alienados que, evidentemente, pode e tem interesse em invocar a nulidade do negócio jurídico. Este interessado não é obrigado a arguir a nulidade do contrato, na medida em que, tendo a titularidade do direito real, através de uma acção de restituição da posse, poderia igualmente fazer valer os seus direitos. Mas para além das acções de reivindicação e de restituição, pode ainda o titular do direito real invocar a nulidade do contrato”.

Assim sendo, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, ao declarar a nulidade do contrato de compra venda celebrado entre a falecida Ré GG e os RR., ora recorrentes, por constituir venda de bem alheio.

Relativamente aos efeitos da nulidade, em face dos factos provados, não tendo havido entrega do prédio aos RR. e desconhecendo-se se outros efeitos se produziram, bem andou o Tribunal “a quo” ao determinar o cancelamento de todos os registos efectuados com base na escritura pública de compra e venda que titulou a venda de bens alheios.

Por tudo o que se deixou exposto, deve julgar-se improcedente o recurso interposto pelos RR. EE e mulher FF, confirmando-se a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos RR. EE e mulher FF e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes.

Évora, 14 de Maio de 2015

(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

(Maria Cristina Cerdeira)

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(António Manuel Ribeiro Cardoso)

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