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Auto-organização e nação em Michel Debrun

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUALDE CAMPINAS INSTITUTODE FILOSOFIAE CIÊNCIAS HUMANAS

MARCIO AUGUSTO VICENTEDE CARVALHO

A

UTO

-

ORGANIZAÇÃO

E

NAÇÃO EM MICHEL DEBRUN

Campinas 2015

(2)
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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Marta dos Santos - CRB 8/5892

Carvalho, Márcio Augusto Vicente de,

C253a CarAuto-organização e nação em Michel Debrun / Márcio Augusto Vicente de Carvalho. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

CarOrientador: Itala Maria Loffredo D'Ottaviano.

CarTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Car1. Debrun, Michel Maurice, 1921. 2. Autoorganização. 3. Nação -Construção. 4. Sistemas auto-organizadores. I. D'Ottaviano, Itala Maria Loffredo,1944-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Self-organization and nation in Michel Debrun Palavras-chave em inglês:

Self-organization Nation - Construction Self-organized systems

Área de concentração: Filosofia Titulação: Doutor em Filosofia Banca examinadora:

Itala Maria Loffredo D'Ottaviano [Orientador] Maria Eunice Quilici Gonzalez

Márcio José Silveira Lima Arley Ramos Moreno Ricardo Pereira Tassinari

Data de defesa: 27-11-2015

Programa de Pós-Graduação: Filosofia

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UNIVERSIDADE ESTADUALDE CAMPINAS INSTITUTODE FILOSOFIAE CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 27 de novembro de 2015, considerou o candidato Marcio Augusto Vicente de Carvalho aprovado.

Profa. Dra. Itala Maria Loffredo D'Ottaviano Profa. Dra. Maria Eunice Quilici Gonzalez Prof. Dr. Márcio José Silveira Lima

Prof. Dr. Arley Ramos Moreno Prof. Dr. Ricardo Pereira Tassinari

Prof. Dr. João Carlos Kfouri Quartim de Moraes

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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longo ciclo que se encerra na defesa da presente Tese.

Algumas Instituições (corporificadas em seus membros e vários amigos) me apoiaram neste caminho. De início, agradeço à FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos, tanto pelo apoio recebido quanto pela descontinuidade deste, que me levou a buscar novos e melhores caminhos. Aos colegas do ICADS/UFBA (Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável), especialmente Sandro Ferreira e Márcio Lima, por todo apoio nos momentos de trabalho mais pesado. À UFSB - Universidade Federal do Sul da Bahia pela liberação de atividades acadêmicas nos últimos meses de escrita; em particular ao nosso Reitor Naomar de Almeida Filho, que pessoalmente me estimulou a terminar esta Tese.

Agradeço o apoio dos servidores dos Arquivos Históricos do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), liderados por Eliane Morelli, e dos demais servidores do CLE.

Aos membros das Bancas de Qualificação e de Defesa de Tese, agradeço a paciência pela leitura de um texto longo e, eu sei, nem sempre agradável.

Agradecimento especial para Solange e Daniele Debrun, por doarem aos Arquivos Históricos do CLE o tesouro que são os manuscritos do Prof. Michel Debrun. Espero fazer justiça ao seu pensamento.

Acima de todos, agradeço profundamente minha orientadora, Profa. Itala D’Ottaviano. Nossa relação já completa 16 anos e sempre foi marcada por um grande respeito e a mais profunda admiração de minha parte. Apesar de todos meus atrasos, desvios, mudanças de rumo, Itala nunca me abandonou e nem ao meu trabalho, até quando eu mesmo já acreditava ter desistido dele. Esta Tese é, antes de tudo, meu humilde presente para você.

Joana e Sophia, de quem tive que me afastar por alguns meses para terminar este trabalho: estou de volta.

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Visamos, com esta Tese de Doutorado, fornecer uma análise teórica a respeito da formação de Identidades Nacionais e Nações baseada fortemente numa Teoria da Auto-organização como a proposta pelo Prof. Michel Debrun. Para tanto, analisaremos inicialmente as propostas de Teorias de Auto-organização de Henri Atlan e de Edgar Morin. Num segundo momento, desenvolveremos em detalhe a Teoria de Auto-organização de Michel Debrun, sobre o arcabouço teórico de uma Perspectiva Neomecanicista. Com base em tal Teoria, descreveremos a Nação e a Identidade Nacional como processos auto-organizados no seio de uma sociedade.

Palavras Chave:

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This Doctoral Thesis aims to offer a theoretical analysis regarding the formation of National Identities and Nations strongly based on self-organization theory as proposed by Prof. Michel Debrun. Initially we analyze the Theories of Self-Organization proposed by Henri Atlan and Edgar Morin. Secondly, we will develop in detail Michel Debrun’s Theory of Self-organization upon the theoretical framework of a Neo-mechanicist Perspective. Based on this theory, we will describe Nation and National Identity as self-organizing processes within a society.

Keywords:

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Capítulo 1: Introdução

________________________________________

11

1.1. Trabalhando os Manuscritos ...16

1.2. Estrutura da Tese ...19

Capítulo 2: A Auto-organização de Henri Atlan e Edgar Morin

________

21

2.1. A Impossibilidade Lógica da Auto-organização em Ashby ...24

2.1.1. Definição de Organização ...24

2.1.2. Definição de Máquina ...26

2.1.3. Definição de Sistema Auto-Organizado ...27

2.1.4. A Geração Espontânea de Organização ...29

2.2. A Ordem a Partir do Ruído de Henri Atlan ...30

2.2.1. Complexidade pelo Ruído ...30

2.2.2. O Papel do Ruído como Princípio de Auto-organização em Atlan ...34

2.2.3. Informação, Complexidade pelo Ruído e Significado ...39

2.2.4. Auto-organização Fraca, Forte e Verdadeira (Estrutural, Funcional e Intencional) ...45

2.2.5. Sistemas Humanos ...50

2.3. O Pensamento Complexo de Edgar Morin ...52

2.3.1. Pensamento Complexo (Princípio Dialógico) ...52

2.3.1.1. Macroconceitos ...56 2.3.1.2. Ordem ...57 2.3.1.3. Desordem ...58 2.3.1.4. Ordem e Desordem ...60 2.3.1.5. Interações ...62 2.3.1.6. Organização ...64 2.3.2. Sistêmica ...67

2.3.2.1. Causalidade Complexa e Autonomia ...68

2.3.2.2. Endo-Ecocausalidade ...70

2.3.3. Auto-organização ...72

2.3.4. Informação e Significação ...74

2.3.5. Reprodução e Mudança Social ...79

2.3.6. Para uma Teoria da Nação ...83

2.4. Conclusão Parcial ...85

Capítulo 3: A Auto-organização de Michel Debrun

_________________

89

3.1. A Perspectiva Neomecanicista ...91

3.1.1. Mecanicismo ...92

3.1.2. Neomecanicismo ...95

3.1.2.1. Dinâmica Não-Finalitária ...95

3.1.2.2. Elementos Eventualmente Finalitários ...97

3.1.2.3. Princípio Dialógico Revisitado ...98

3.1.2.4. Terceira dimensão do Neomecanicismo ...99

3.2.1.5. Modelos Tridimensionais ...106

3.2.1.6. Do Reducionismo ao Holismo ...109

3.2. Auto-organização ...110

3.2.1. Graus de Auto-organização ...113

3.2.2. Definição de Auto-organização ...115

3.2.3. Definição Geral e Modalidades de Auto-organização ...118

3.3. Auto-organização Primária ...120

3.3.1 Fases da Auto-organização Primária ...122

(10)

3.3.2. Nova Definição de Auto-organização Primária ...128

3.4. Auto-organização Secundária ...129

3.5. Temas Relacionados à Auto-organização ...136

3.5.1. Criatividade ...136

3.5.2. Temporalidade ...138

3.6. Considerações sobre Sistemas Auto-Organizados ...140

4. Nação em Michel Debrun

__________________________________

144

4.1. Consciência Coletiva em Durkheim ...148

4.2. Identidade Nacional ...150

4.2.1. Emergência da Identidade Nacional ...151

4.2.2. Condições para a Identidade Nacional ...152

4.2.3. Elementos da Identidade Nacional ...153

4.3. Nação em Michel Debrun ...155

4.3.1. Razões para a Nação (e para a Identidade Nacional) ...157

4.3.2. Surgimento da(s) Nação(ões) ...158

4.3.2.1. Valores ...160

4.3.2.2. Nação e Identidade Nacional na encruzilhada de três dimensões ...163

4.4. Nação, Identidade Nacional e Auto-organização em Michel Debrun ...165

4.4.1. Condições para o Surgimento e Manutenção da Nação ...169

4.4.2. Memória, Projeto e Ajuste Organizacional ...170

4.5. Considerações e Questões Finais sobre a Nação ...173

5. Considerações Finais

______________________________________

179

Bibliografia

_______________________________________________

185

Anexo: Manuscritos de Michel Debrun sobre Identidade Nacional

Brasileira

_________________________________________________

192

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 1 ...193

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 2 ...219

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 3 ...242

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 4 ...248

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 5 ...284

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 6 ...305

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 7 ...336

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 8 ...345

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 9 ...377

Caixa 45 – A Identidade Nacional Brasileira – Pasta 10 ...387

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Capítulo 1: Introdução

O postulado que orienta os trabalhos desta coletânea pode ser assim sintetizado: certas organizações podem emergir, se

desenvolver ou se reestruturar

essencialmente a partir delas próprias. Não por geração espontânea ou “arrancando-se” do vácuo. Mas a partir do que elas já começam a ser, embora não em decorrência mecânica desse primeiro patamar. Ideia difícil a circunscrever e que se presta a múltiplas interpretações.

– Michel Debrun, Prefácio: Por que,

quando e como é possível falar em auto-organização?

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De acordo com estudiosos do tema, as Teorias da Auto-organização surgem a partir de desenvolvimentos teóricos iniciados com os estudos sobre a cibernética – termo proposto por Norbert Wiener para definir a ciência do controle e da comunicação, tanto no animal quanto na máquina.

A principal série de eventos que marcou o surgimento da cibernética foi, segundo Dupuy (1996), a sequência de 10 conferências promovidas pela Fundação Josiah Macy Jr., de 1946 a 53, sendo a maioria realizada em Nova Iorque; as Conferências, cujo título oficial era “Circular Causal and Feedback Mechanisms in Biological and Social Systems”, ficaram conhecidas como Conferências Macy. Ali foram apresentados conceitos pioneiros, como “retroalimentação”, “rede de processamento não-linear”, “homeostase”, “circularidade operacional”, além de serem abordados temas revolucionários como a Teoria da Informação e a Teoria dos Jogos.

Simultaneamente, desenvolve-se também a Teoria Geral dos Sistemas (ou Sistêmica) com a aplicação do instrumental de Análise Matemática nas Ciências Biológicas e Humanas (Tassinari, 2003), tendo como principal divulgador von Bertalanffy (1973). A partir de trabalhos de Bateson e von Foerster, começa a se difundir no grupo cibernético a idéia de que certos fenômenos ocorrem sem a necessidade de uma imposição externa de ordem (ou de uma regra rígida de reprodução dada a priori). Estes pesquisadores passam a aplicar os conceitos da cibernética aos sistemas abertos , criando uma “cibernética de segunda ordem” ou “segunda 1

cibernética”.

Interessante notar que, apesar deste “parentesco”, o pensamento sistêmico e o próprio tema da auto-organização (onipresente, ainda que não fosse designado explicitamente) servem, no Simpósio Alpach de 1969, como armas para uma crítica à própria cibernética: De acordo com Dupuy (1996, p. 73), nos anos 60 e 70, a cibernética, que se tornara segunda cibernética ou cibernética de segunda ordem, “sobreviveu a si própria e se mostrou capaz de desenvolver uma corrente de pesquisas sobre os ‘sistemas de auto-organização’”.

Possibilidade descrita por von Bertalanffy (1973) como uma “fértil hipótese de trabalho” (p. 204), não

1

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As linhas de pesquisa e áreas do conhecimento diretamente descendentes da cibernética se dividiram em três ramos: a “simulação cognitiva” à maneira de Newell e Simon; a inteligência artificial propriamente dita; e por fim, um “ramo morto” (na descrição de Marvin Minsky), a segunda cibernética ou teoria dos sistemas auto-organizadores. Em termos mais atuais, as duas primeiras corresponderiam, respectivamente, à Inteligência Artificial Fraca e à Inteligência Artificial Forte.

Entretanto, o ramo considerado “morto” por Minsky viria a crescer e frutificar, em especial devido ao trabalho de Heinz von Foerster. Este, ao impor um olhar biológico sobre a informação, afirma que ela emerge, é criada pelo próprio processo computacional, agora identificado com o funcionamento do ser vivo. Tal “geração de informação” seria evidente no caso de sistemas vivos que não (apenas) processam informação adquirida do meio, mas a partir de si próprios, da sua própria organização e de um modo recursivo, circular, auto-referente e autônomo.

Henri Atlan desenvolve sua própria Teoria da Auto-organização na esteira desta relação entre biologia e informação, tendo seu livro Entre o Cristal e a Fumaça (1979) tornado-se um clássico da Filosofia da Biologia. No Capítulo 2 desta tese, estudaremos sua “Ordem a Partir do Ruído” (Order from Noise), a modalidade específica de auto-organização defendida por este autor nos anos 1970.

A escolha deste pesquisador como um dos pontos de referência da presente tese, entretanto, ultrapassa seus desenvolvimentos para a biologia (aos quais seu nome se encontra mais associado), e se justifica por dois novos pontos apresentados por Atlan em momentos posteriores ao Entre o Cristal e a Fumaça. Por um lado, o pesquisador francês expande sua definição de auto-organização, de forma a definir três níveis distintos de fenômenos que podem ser assim denominados: auto-organização fraca,

forte e verdadeira. A segunda motivação para a adoção de Henri Atlan como uma de

nossas bases conceituais diz respeito ao seu interesse por utilizar sua Teoria da Auto-organização para tratar a intencionalidade humana, sobre bases físicas, biológicas e computacionais. Tal esforço aproxima o autor do caminho que desejamos seguir ao tratar do problema da constituição da Nação em termos da atuação (consciente ou não) de seu membros, em concomitância com fatores estruturais, ambientais e históricos, levando-os a apresentar uma Identidade Nacional.

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Algumas destas definições e desenvolvimentos mais recentes já foram descritos em Tassinari e Carvalho (2004) e serão revistos de modo mais detalhado no momento apropriado no presente trabalho, com a complementação de textos do próprio Atlan.

Henri Atlan tem um papel decisivo, ainda, na trajetória intelectual do segundo autor a ser visitado nesta tese: Edgar Morin. O sociólogo, já com uma carreira consolidada em Sociologia da Cultura, é convidado, por Jacques Robin, em 1967 a se tornar membro do “Grupo dos Dez”, grupo que se reunia informalmente todos os meses, formado ao final de um colóquio entre filósofos, biólogos e sociólogos para refletir sobre as relações entre as ciências e as técnicas e também sobre as relações entre a cultura e a política. Os fundadores foram, além de Morin e Robin, Robert Buron e Henri Laborit, aos quais não tardaram a se juntar Jacques Attali, Jacques Sauvan, Jacques Monod, René Passet, Joël de Rosnay e Henri Atlan.

Durante os encontros deste grupo, Morin aprofunda seus conhecimentos sobre biologia e tem seu primeiro contato com o pensamento cibernético. Mas é com Jacques Monod (que lhe pede a leitura dos manuscritos de O Acaso e a Necessidade) e Henri Atlan que ele é iniciado na nova biologia, em sua Teoria da Auto-organização e na segunda cibernética de von Foerster. A partir destes encontros, novas teorias e conceitos, além das leituras de Michel Serres, Gregory Bateson, Ilya Prigogine, entre outros, Morin irá conceber a idéia de um conjunto de livros denominado O Método, que deveriam abarcar as ciências como um todo e a partir de uma base paradigmática que evite os reducionismos: a epistemologia da complexidade.

O fato de Edgar Morin ser um sociólogo de formação e de grande parte de seu trabalho teórico dirigir-se a estudar as sociedades como “todos auto-organizados” faz dele peça fundamental para o desenvolvimento desta Tese, tendo em vista a meta de relacionar a existência de identidades em torno de fenômenos sociais como a Nação às Teorias da Auto-organização. Mais uma vez, a categoria informação tem importância capital nos desenvolvimentos deste autor, e sua análise sobre a organização e surgimento das idéias gerais nos fornece instrumentos privilegiados para a descrição de uma teoria capaz de dar conta da emergência de objetos como a Nação.

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No Brasil, os estudos sobre auto-organização vêm sendo desenvolvidos principalmente pelo Grupo Interdisciplinar CLE de Auto-organização, do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da UNICAMP. A partir dos trabalhos realizados por este grupo desde 1986 surge a principal vertente teórica nacional sobre o tema, sob a coordenação do Prof. Michel Debrun até seu falecimento em 1997, refletida nos livros Auto-organização: Estudos Interdisciplinares (atualmente com cinco volumes) e em inúmeros artigos e apresentações dos pesquisadores individuais.

Tal produção é a base teórica e metodológica para a confecção desta Tese de Doutoramento, e será revista de forma a compor um todo coeso quando da explicitação da Teoria da Auto-organização de Michel Debrun e do Grupo CLE (Capítulo 3). Tal base teórica será, no entanto, contrastada (e complementada, quando couber) pelas descrições de processos auto-organizadores fornecidas por Henri Atlan e Edgar Morin (Capítulo 2).

Há, entretanto, que se justificar a escolha de parte do título desta tese: Nação. Acima de tudo, a motivação para a adoção deste tema para uma Tese de Doutoramento vem do próprio Professor Michel Debrun, o qual afirmava haver uma questão importante em sua teoria sobre a Identidade Nacional Brasileira que poderia ser resolvida por meio da aplicação de Teorias da Auto-organização. Tal afirmação se encontra refletida em várias passagens de seus manuscritos (os quais serão descritos abaixo), como por exemplo na citação abaixo:

[…] Muito embora tendências filosófico-científicas atuais nos permitam, sem cair na ilusão metafísica e/ou na formulação de frases sem sentido, pensar a Nação em termos ontológicos. Para essas tendências, que consideram a Nação como uma forma/modalidade complexa da auto-organização, ver, em particular, Edgar Morin, “O Método”. Só que não lançaremos mão da noção de auto-organização. Abandonaremos, no nosso ensaio, toda e qualquer veleidade ontológica em referência à Nação. (Debrun, Caixa 45, Pasta 2, 16/03/91) 2

Assim, o texto de Debrun deixa a discussão da realidade ontológica da Nação nas entrelinhas, visto que sua teoria da Identidade Nacional não necessita de uma definição explícita e substancial deste conceito; entretanto, sua indicação sobre a

Os manuscritos de Michel Debrun estão organizados em diversas caixas, contendo cada uma um

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conjunto de pastas. Assim, as citações a tais manuscritos seguirão o seguinte padrão: (Caixa n, Pasta

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possibilidade de descrever a Nação em termos ontológicos nos inspira e nos impulsiona no sentido de desenvolver esta descrição, de forma a fazer desta Tese de Doutoramento um complemento não apenas à sua Teoria da Auto-organização mas também a seus apontamentos (a serem reunidos futuramente num livro) sobre a Identidade Nacional Brasileira.

Resumidamente, podemos dizer que esta tese visa, num primeiro momento, realizar uma revisão da literatura referente às Teorias da Auto-organização de Henri Atlan e Edgar Morin, de forma a contrastá-las à Teoria da Auto-organização de Michel Debrun, nossa base metodológica principal. Esta última será descrita não apenas em sua forma pura (ou seja, apenas por meio da análise dos textos do próprio Michel Debrun), mas também por meio da incorporação do produto de três décadas de trabalho dos pesquisadores do Grupo Interdisciplinar CLE Auto-organização.

Finalmente, tal base teórica será utilizada na análise de fenômenos apontados pelo próprio Michel Debrun como passíveis de análise no âmbito de uma Teoria da Auto-organização: a emergência da Nação e da Identidade Nacional. Argumentaremos que o que faz a força e o caráter impositivo (para seus próprios participantes) da Nação é que ela não resulta de decisões, mesmo que semelhantes e inúmeras, mas de um equilíbrio de forças, o qual não foi planejado e tampouco decorre de simples acaso: esta característica nos remete a definições de auto-organização e criatividade, uma vez que a coletividade deve se unir em torno de valores comuns que vão sendo formados, inventados e remodelados na própria interação entre “pertinentes”. Desta forma, a Nação passa a existir como “princípio espiritual” (faceta informacional do processo), ficando, no entanto, claro que a relação de equilíbrio relativo de forças permanece como embasamento energético desse princípio. Temos, aqui, a presença de duas dimensões sempre consideradas fundamentais por Debrun: energia e informação; tais conceitos serão explorados a fundo no capítulo relativo à Nação (Capítulo 4).

1.1. Trabalhando os Manuscritos

Neste momento cabe uma breve descrição do trabalho realizado sobre os manuscritos deixados pelo Prof. Michel Debrun, os quais servirão de base para a discussão presente no Capítulo 4 desta Tese.

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Quando de sua morte, em 2007, o professor francês radicado no Brasil desde 1956 deixou um arquivo contendo grande quantidade de recortes de jornal, artigos de revistas, textos, teses e comunicações pessoais, tanto próprios, quanto de terceiros e cobrindo um amplo espectro de assuntos. Mas, entre as mais de 80 caixas deixadas por ele (e doadas ao Centro de Lógica por sua esposa Solange e sua filha Daniele), encontravam-se também os manuscritos para artigos e livros que permaneceram inacabados, ou sem o tratamento final para publicação. Entre estes textos se encontra o já publicado livro Gramsci: Filosofia, Política e Bom Senso (2001), além uma coletânea de artigos sobre diversos assuntos e mais quatro livros: Ideologia da

Realidade Brasileira (IRB), Identidade Nacional Brasileira (INB), Da Auto-organização à Auto-Criação e um livro sobre globalização e neoliberalismo.

Entre as caixas catalogadas, a de maior interesse para esta Tese é a Caixa 45, que contém a maior parte dos manuscritos sobre Identidade Nacional Brasileira; merecem destaque, ainda, vários artigos de jornais e revistas, esparsos no conteúdo de diversas caixas, que tratam especificamente este tema. Tais textos, ainda que escritos por terceiros, nos serviram como guia para compreender o interesse de Debrun sobre nosso país e nosso povo (que ele considerava como “dele”), ao mesmo tempo que nos revela o panorama intelectual e o percurso cognitivo do autor ao discorrer sobre o tema.

O material manuscrito do livro Identidade Nacional Brasileira (INB), presente especificamente na Caixa 45, é composto por aproximadamente 800 folhas manuscritas, quase todas datadas. Há folhas até da década de 1970, indicando um interesse de longa data em escrever sobre o assunto, mas os escritos encontram-se majoritariamente no período entre 1989 e 1994; esta concentração reflete-se especialmente na quantidade de exemplos tomados à realidade nacional deste período (como por exemplo, a eleição de Fernando Collor de Melo, ou a união nacional em torno da atuação da seleção masculina de vôlei nas Olimpíadas de 1992).

Outro ponto digno de nota diz respeito ao idioma: aproximadamente 200 páginas manuscritas foram escritos em Francês. Ao analisar a quantidade de páginas neste idioma, e sua distribuição por data, percebe-se que Debrun produziu grande quantidade de texto de maneira concentrada (ou seja, várias páginas escritas em um único dia). Isto parece nos indicar que o autor voltava ao seu idioma natal quando tinha

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uma inspiração que o faria escrever em quantidade; voltaremos a este ponto no capítulo específico sobre sua descrição da Identidade Nacional.

Avaliando o conjunto de manuscritos deixados por Debrun (e não apenas os referentes à Identidade Nacional Brasileira), percebe-se também algo de interessante a respeito de seu modus operandi: quando alguma idéia surgia, o professor tinha que colocá-la no papel de imediato, qualquer que fosse a situação. Assim, há escritos não apenas em papel sulfite e blocos timbrados do Centro de Lógica, mas também no verso de folhetos de propaganda e até em envelopes de mala direta .

O processo de transcrição dos manuscritos ocorria em etapas. Durante mais de um ano, em visitas mensais ao Arquivo do CLE, os manuscritos eram fotografados em câmera digital, sem a utilização de flash para não expôr o material a condições adversas desnecessariamente. Em seguida, com as fotos visualizadas na tela do computador, procedia-se à digitação do texto, mas mantendo ao máximo a formatação original. Isto significa que manteve-se a indicação de textos escritos às margens do papel, ou ainda da possibilidade de palavras e frases alternativas, quando o autor deixava mais de uma possibilidade de texto.

Encerrada esta fase de digitação, tínhamos em mãos todo o “material-bruto” do livro INB; este material consta como Apêndice da presente Tese. Ainda que os manuscritos estivessem razoavelmente divididos por data e capítulo, o trabalho de edição deste material exige a tomada de várias decisões: por qual texto devemos optar, quando o próprio Debrun nos deixava escritas alternativas? Textos escritos às margens devem ser incorporados de que forma ao fluxo principal de texto? Como cobrir lacunas deixadas pelo autor no encadeamento de idéias? A própria distância temporal entre manuscritos diferentes nos obriga a refletir: há substituição de um texto por outro sobre o mesmo tema, ou superposição? Há que se conectar idéias distantes, algumas vezes, por um intervalo de uma década.

Finalmente, Debrun estava sempre revisitando a estrutura que desejava dar ao seu livro. Há desde versões prevendo um total de 22 capítulos (possivelmente divididos em vários volumes), até propostas mais recentes (datando de 1996) com planos simplificados ou “levemente alternativos” (palavras do autor) com relação aos anteriores. Dado o conteúdo dos manuscritos (e o falecimento do professor, que deixou

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vários dos capítulos posteriores do livro apenas indicados), optamos pela seguinte estrutura, adaptada da proposta por Debrun em manuscrito de março de 1994:

Parte I: Definições e Questões Teóricas

1. Entre o Caráter Nacional, o Nacionalismo e a Nacionalidade 2. A Nação e o Porquê da Nação

3. O Estado-Nação e a Identidade Nacional

4. A Controvérsia Brasileira sobre o Nacional e o Popular Parte II: Rumo a uma Identidade Nacional Brasileira Autêntica

5. Primeira República: A Eclosão das Diferenças e o Desejo de Nação

6. O Projeto de Nação Cívica e Hierárquica 7. O Projeto de Nação-Projeto

8. O Divórcio entre o Nacional e o Popular

A versão inicial do livro Identidade Nacional Brasileira (INB), de Michel M. Debrun deve ser um subproduto desta Tese de Doutoramento. Vale ressaltar que, para o desenvolvimento da tese aqui defendida, as análises constantes da I Parte do livro Identidade Nacional Brasileira serão de fundamental importância, sendo que o Capítulo 4 do presente texto consistirá de uma discussão das definições e questões teóricas propostas por Debrun a respeito da Nação, à luz da Teoria da Auto-organização esboçada no terceiro capítulo.

1.2. Estrutura da Tese

Tendo em vista ser este um texto destinado Defesa de Tese no Programa de Doutorado em Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, cabem alguns esclarecimentos acerca do conteúdo deste documento.

O Capítulo 2 é composto por uma descrição das Teorias da Auto-organização de Henri Atlan e Edgar Morin, acompanhada de uma análise crítica de seus desenvolvimentos. Inicialmente, descreveremos brevemente o artigo seminal de W.

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Ross Ashby, Principles of the Self-Organizing System, precursor na área e citado constantemente pelos autores abordados neste capítulo.

De importância capital para esta Tese de Doutoramento é o Capítulo 3, intitulado “A Auto-organização de Michel Debrun”. Este capítulo deverá apresentar como base a Teoria da Auto-organização como idealizada pelo Prof. Debrun; tal desenvolvimento, entretanto, será descrito à luz das análises realizadas nos capítulos anteriores, visando conectar o pensamento deste autor a uma herança que não pode ser desprezada. Mais que isso, o capítulo irá considerar também a produção mais recente, posterior a Debrun mas tributária de suas idéias básicas e originais. Desta forma, além dos artigos do próprio Michel Debrun (reunidos em D’Ottaviano e Gonzalez, 2009), serão visitados os textos mais recentes dos membros do Grupo Interdisciplinar CLE Auto-organização, em especial os publicados nos cinco livros Auto-organização:

Estudos Interdisciplinares, publicados pela Coleção CLE.

Finalmente, o Capítulo 4 – “Nação em Michel Debrun” seguirá de perto as discussões apresentadas por Debrun nos manuscritos do livro Identidade Nacional

Brasileira (INB), em especial em sua primeira parte relativa a conceitos e questões

teóricas. Visamos, ao final do trabalho deste doutorado, fornecer uma análise teórica a respeito da formação de Identidades Nacionais e Nações baseada fortemente numa Teoria da Auto-organização como a proposta pelo Prof. Debrun.

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Capítulo 2: A Auto-organização de Henri Atlan e Edgar Morin

Uma ciência dinâmica não tem tempo de se voltar para o seu passado.

– Jean-Pierre Dupuy, Nas Origens das

Ciências Cognitivas

Se realmente existem questões eternas, e se, provavelmente, já se disse tudo a respeito delas, a maneira de dizer é o mais importante, e a renovação dos termos de um problema equivale, na verdade, à renovação do próprio problema.

– Henri Atlan, Entre o Cristal e a Fumaça

Quanto mais aprendemos sobre os organismos, mais somos levados a concluir que eles não são simplesmente análogos às máquinas, mas são máquinas.

– Warren McCulloch, Mysterium Iniquitatis of

Sinful Man Aspiring into the Place of God

Uma sociedade composta de pura desordem é tão impossível quanto um universo de pura desordem. Uma sociedade composta de pura ordem não é menos impossível. O sonho demente de ordem social pura é traduzido pelo campo de concentração e é punido pela

desordem infinita do assassinato.

(22)

Une science dynamique n’a pas le temps de se retourner sur son passé. – Jean-Pierre Dupuy, Aux Origines des

Sciences Cognitives S’il existe bien des questions éternelles, et

si probablement tout a déjà été dit sur ces questions, la façon de le dire est la plus importante et le renouvellement du problème lui-même. – Henri Atlan, Entre le Cristal et la Fumée

Everything we learn of organisms leads us to conclude not merely that they are analogous to machines but that they are machines. – Warren McCulloch, Mysterium Iniquitatis of Sinful Man Aspiring into the

Place of God

Une société de pur désordre est aussi impossible qu’un univers de pur désordre. Une société d’ordre pur est non moins impossible. Le rêve dément de l’ordre pur est traduit par le camp de concentration et se paie par le désordre infini de l’assassinat. – Edgar Morin, Science avec Conscience

(23)

As duas primeiras frases utilizadas como epígrafes deste capítulo aparentam ser opostas; entretanto, Dupuy está na verdade ironizando uma situação em que a origem de um conceito foi abandonada e esquecida, para prejuízo da área. Ele concorda, assim, com a epígrafe seguinte, de Atlan, que grosso modo afirma ser a “maneira” de apresentar um problema mais importante que o “conteúdo” a ser abordado. Assim, velhas questões tornam-se “novas” questões quando apresentadas em roupagem diferente.

E quais são estas “questões eternas” às quais o autor se refere? Uma delas é a dicotomia entre mecanicismo e finalismo na biologia. Para abordar esta dicotomia, Atlan constrói, em Entre o Cristal e a Fumaça, uma trama teórica que culmina em uma Teoria da Auto-organização de caráter bastante particular, baseada na idéia de “ordem pelo ruído” (order from noise) que opera sobre redundâncias nos sistemas, como veremos adiante.

A idéia de que só há organização numa mistura de ordem e desordem estará no cerne da segunda cibernética, com o princípio de “ordem pelo ruído” formulado por von Foerster na década de 1960, e, depois, no centro da Teoria da Auto-organização desenvolvida por Henri Atlan. Mas já em 1951 escrevia von Foerster (nas atas das Conferências Macy ): “a informação pode ser considerada ‘ordem subtraída à 3

desordem’ (order wrenched from disorder)” (Dupuy, 1996, p. 159).

O trabalho do sociólogo Edgar Morin também se baseia fortemente nos princípios de ordem e desordem, levando este autor a afirmar que “o que é ‘único real’ é a conjunção da ordem e da desordem” (Morin, 1977, p. 75). Após uma reviravolta conceitual em sua carreira acadêmica (descrita no livro Meus Demônios, Morin (1995)), Morin passa a trabalhar uma sociologia baseada nos conceitos da cibernética. A partir de seu Método (Morin, 1980), poderemos construir uma abordagem para uma Teoria da Auto-organização e de especial valor para o tema Identidade Nacional em Michel Debrun; esperamos mostrar que esta abordagem pode ser extremamente valiosa para o entendimento de fenômenos que não podem ser redutíveis nem apenas a suas dimensões sociais, nem a suas dimensões físico-biológicas.

Ver o Capítulo 1 – Introdução.

(24)

A auto-organização em Morin é estreitamente relacionada ao pensamento

complexo; a estas duas matrizes, une-se a sistêmica, a qual nos apresenta os

instrumentos conceituais que permitirão um tratamento mais formal de tais fenômenos. Partiremos inicialmente do pensamento complexo, procedendo em etapas até, através da utilização de instrumentos da sistêmica, conceituar os fenômenos auto-organizados. Finalmente, utilizaremos este caminho para chegar a uma conceituação preliminar de Nação em Morin.

Seguiremos um caminho determinado para montar o quebra-cabeça que nos permitirá chegar, ao final deste capítulo, a uma descrição do funcionamento de sistemas auto-organizados, de acordo com Morin. Entretanto, já sabendo que nosso objetivo é caracterizar Nação com um tal sistema, iremos mostrando como cada conceito abstrato apresentado em cada seção pode ser encontrado na sociedade. Assim, por exemplo, as relações complexas estão presentes em todo sistema complexo (e não apenas nos auto-organizados), mas já tentaremos demonstrar sua aplicabilidade na análise social. Desta forma, acredito tornar mais agradável a leitura de uma sessão que seria extremamente enfadonha, caso fosse escrita linearmente (conceitos abstratos → organização → auto-organização → sociedade → Nação), ainda que sob o risco de fazer o leitor se perder nos vaivéns do caminho.

Neste capítulo, discutiremos algumas hipóteses e conceitos destes dois autores, Atlan e Morin, com uma análise crítica e identificando possíveis distinções. Ambos autores são tributários do pensamento dos cibernéticos. Entre eles, W. Ross Ashby traz conceitos e discussões importantes para o desenvolvimento desta tese, e que dizem respeito à apropriação que Atlan e Morin fazem de seu pensamento. Desta forma, iniciaremos o capítulo com uma breve discussão do texto Principles of the

Self-Organizing System, publicado por Ashby originalmente em 1962.

2.1. A Impossibilidade Lógica da Auto-organização em Ashby

2.1.1. Definição de Organização

Para Ashby, o núcleo duro do conceito de “organização” está na noção de “condicionalidade”: “uma vez que a relação entre duas entidades A e B se torna condicional ao valor ou estado de C então um componente necessário de ‘organização’

(25)

está presente. Portanto, a teoria da organização é parcialmente co-extensiva à teoria

das funções de mais de uma variável” (Ashby, 1962, p. 256). O tratamento da

condicionalidade nos leva a crer que é necessária a existência de um espaço de possibilidades, dentro do qual algum subconjunto de pontos indique as atualidades.

Este modo de ver a condicionalidade leva Ashby a relacioná-la à

comunicação entre partes; a partir desta noção, o autor sugere definir partes como

“organizadas” quando “comunicação” (num sentido geral) ocorre entre elas . Uma vez 4

que comunicação implica algum grau de “restrição” (constraint) entre elementos, Ashby afirma que a presença de organização entre variáveis é equivalente à existência de uma restrição no espaço das possibilidades.

Desta forma, o autor não pensa a organização como algo “a mais”, algo adicionado ao conjunto dos elementos de um sistema mas, ao contrário, uma restrição no conjunto de estados possíveis do sistema, na interrelação entre seus elementos.

Tal espaço de possibilidades contém mais do que existe de fato no mundo físico real; este nos dá o subconjunto do que realmente é, enquanto que o espaço representa a incerteza do observador.

O espaço-produto pode, portanto, mudar se o observador mudar; e dois observadores podem legitimamente usar diferentes espaços-produto dentro dos quais verificam o mesmo subconjunto de eventos atuais em algum objeto atual. A “restrição” é, portanto, uma relação entre observador e objeto; as propriedades de qualquer restrição particular dependerão tanto do objeto real quanto do observador. Segue que uma parte substancial da teoria da organização se preocupará com propriedades que não são intrínsecas ao objeto, mas

são relacionais entre observador e objeto. (tradução nossa) 5

Veremos formulação semelhante, ainda que modificada para outro contexto, em Morin; ver Seção 2.3.4.

4

“The product space may therefore change if the observer changes; and two observers may legitimately

5

use different product spaces within which to record the same subset of actual events in some actual thing. The ‘constraint' is thus a relation between observer and thing; the properties of any particular constraint will depend on both the real thing and the observer. It follows that a substantial part of the theory of organization will be concerned with properties that are not intrinsic to the thing but are

(26)

2.1.2. Definição de Máquina

A partir da definição anterior, percebe-se que Ashby considera que a organização de um sistema apresenta relativa independência de sua dinâmica interna, tendo em vista que esta grande “organização” é, em parte, relacional e dependente do observador. Desta forma, é possível que um sistema apresente dinâmica, mas não seja descrito como organizado, e vice-versa.

Além disso, o autor afirma ser possível tratar matematicamente os conceitos fundamentais de um sistema; ainda que o objeto real possa ser um objeto físico, é possível identificar características essenciais de “máquinas em geral”. Na definição de máquinas em geral, Ashby descarta dois conceitos como irrelevantes:

• Materialidade: a máquina não precisa ser feita de matéria real, de elementos, pois o que importa é que o sistema se comporte como seguindo uma lei e de modo maquinal.

• Energia: não importa se, em seu funcionamento, a máquina ganha ou perde energia, uma vez que o que importa é a regularidade do comportamento.

“Uma máquina é aquilo que se comporta maquinalmente, ou seja, que seu estado interno, e o estado de suas cercanias, definem unicamente o próximo estado que ela assumirá” (Ashby, 1962, p. 261). Compondo todas as afirmações acima, o autor define uma “máquina com entrada” como um conjunto S de estados internos, um conjunto I de entradas (inputs) ou estados externos e uma função f do conjunto-produto (cartesiano) I x S em S., ou seja, f: I x S → S . A “organização” de um sistema seria dada, assim, pela função f.

Assim, “organização” e “função” são dois modos de olhar para a mesma coisa – a organização sendo notada pelo observador do sistema real e a função sendo registrada pela pessoa que representa o comportamento em simbolismo matemático ou outro. (tradução nossa) 6

Finalmente, uma organização é “boa” se mantém o sistema estável em torno de um determinado equilíbrio, ou se mantém determinado conjunto de variáveis

“Thus ‘organization’ and ‘mapping’ are two ways of looking at the same thing – the organization being

6

noticed by the observer of the actual system, and the mapping being recorded by the person who represents the behavior in mathematical or other symbolism” (Ashby, 1962, p. 262).

(27)

“essenciais” dentro de certos limites. Isto nos mostra que não há “boa” organização num sentido absoluto: tal caracterização é sempre relativa, já que uma organização que pode ser boa num contexto ou sob um critério pode ser ruim sob outras circunstâncias.

Para realizar esta classificação (organização boa ou má) é necessário que seja especificado tanto um conjunto de perturbações passíveis de alterar o sistema, quanto uma “meta” para o mesmo. As perturbações ameaçariam levar o sistema para longe de sua meta. “A ‘boa’ organização é então da natureza de uma relação entre o conjunto de perturbações e a meta. Mude o conjunto de perturbações, e a organização, sem ela própria mudar, é avaliada como ‘ruim’ ao invés de ‘boa’” (Ashby, 1962, p. 266). Assim, em uma organização não há propriedade que seja boa de maneira absoluta; esta classificação é relativa a algum ambiente dado, ou a algum conjunto dado de ameaças e perturbações, ou a algum conjunto dado de problemas.

2.1.3. Definição de Sistema Auto-Organizado

De acordo com Ashby, dizer que um sistema é auto-organizado nos traz dois significados.

• Sistema que começa com suas partes separadas, com comportamento independente do comportamento das demais. Na evolução do sistema, suas partes agem de forma que se alteram formando conexões de algum tipo. Tal sistema é “auto-organizado” no sentido em que muda de “partes separadas” para “partes juntas”. Ashby sugere que estes sistemas deveriam “ser chamados

‘auto-conectados’ pois a mudança de independência entre as partes à condicionalidade

pode sempre ser vista como uma forma de conexão” (Ashby, 1962, p. 267). Este caso refletiria o surgimento de uma organização, a passagem de um sistema de um estado desorganizado para um estado organizado. 7

Talvez esta modalidade de auto-organização se relacione com o conceito de auto-organização primária,

7

(28)

• Mas “organização” também pode significar a passagem da “má” organização para a “boa” organização . Quanto à possibilidade de que um sistema se auto-8

organize neste sentido a postura de Ashby é bastante firme:

[…] nenhuma máquina pode ser auto-organizada neste sentido. A razão é simples. Defina o conjunto S de estados de forma a especificar de que máquina estamos falando. A “organização” deve, então, como dito acima, ser identificada com f, a função de S em S que o impulso básico da máquina (qualquer que seja a força) impõe. Agora, a relação lógica aqui é que f determina as mudanças de S: f é definida como o conjunto de pares (si, sj) tal que o impulso interno do sistema forçará o estado si a mudar para o estado sj. Permitir que f seja uma função do estado é tornar todo o conceito nonsense. (tradução nossa) 9

Como, então, podemos tratar de homeostatos ou programas de computador que modificam sua programação (para usar exemplos levantados pelo próprio autor) sem utilizar o conceito de auto-organização? Ashby apresenta o seguinte raciocínio: ao dizer que a organização de um sistema mudou, estamos dizendo que a função f (que representa esta organização) passou a ser outra função, digamos g. Mas dizer isto significa apenas dizer que f e g são valores de uma variável dependente do tempo: α(t); ou seja, a organização desta máquina seria inicialmente definida por α(t1) = f e

posteriormente passa a ser definida por α(t2) = g. “A aparência de ser ‘auto-organizada’

pode ser dada apenas pela máquina S associada a outra máquina [α]. Então a parte S pode ser ‘auto-organizada’ dentro do todo S+α” (Ashby, 1962, p. 269) . 10

Podemos caracterizar um sistema como auto-organizado apenas em sua conjunção com outro sistema (podemos chamá-lo de sistema “ambiente”); Ashby

Aqui, também, é possível relacionar esta modalidade à auto-organização secundária de Debrun.

8

“[…] no machine can be self-organizing in this sense. The reasoning is simple. Define the set S os states

9

so as to specify which machine we are talking about. The ‘organization’ must then, as I said above, be identified with f, the mapping of S into S that the basic drive of the machine (whatever force it may be) imposes. Now the logical relation here is that f determines the changes of S: f is defined as the set of couples (si, sj) such that the internal drive of the system will force state si to change to sj. To allow f to be a function of the state is to make nonsense of the whole concept” (Ashby, 1962, p. 267-268). Von Foerster, em seu artigo On Self-Organizing Systems and their Environments, de 1960, já afirmava:

10

“There are no such things as self-organizing systems!” (p. 1). Este autor, entretanto, propunha que se “[…] continue the use of the term ‘self-organizing system’, whilst being aware of the fact that this term becomes meaningless, unless the system is in close contact with an environment, which

possesses available energy and order, and with which our system is in a state of perpetual inter-action,

such that it somehow manages to ‘live’ on the expenses of this environment” (p. 3). (“[…] continue utilizando o termo ‘sistema auto-organizado’ desde que se tenha em vista o fato de que este termo se torna sem sentido, a não ser que o sistema esteja em contato próximo com um ambiente, que possua

energia e ordem disponíveis, e com o qual nosso sistema esteja em estado de perpétua interação, de

(29)

considera que este seria um sentido extremamente parcial e restrito do termo e que, assim, este termo é auto-contraditório. “(…) já que o uso da frase ‘auto-organização’ tende a perpetuar um modo fundamentalmente confuso e inconsistente de ver o assunto, é provavelmente melhor permitir que a frase desapareça” (Ashby, 1962, p. 269) . 11

2.1.4. A Geração Espontânea de Organização

Apesar da objeção lógica levantada pela argumentação acima, Ashby ainda assim acredita na geração espontânea de organização dada pela dinâmica interna dos sistemas: “todo sistema dinâmico determinado isolado obedecendo a leis imutáveis

desenvolverá ‘organismos’ que são adaptados a seus ‘ambientes’” (Ashby, 1962, p.

270).

O autor apresenta o seguinte argumento: um sistema se encontra fora do equilíbrio na maior parte de seus estados, mas os sistemas em geral tendem ao equilíbrio. Desta forma, o caminho entre um estado de não-equilíbrio a um estado de equilíbrio corresponde à passagem de um conjunto maior de estados possíveis para um menor; ou seja, este processo corresponde a uma seleção de estados.

Para sistemas simples (tomemos como exemplo um pêndulo em movimento harmônico amortecido) o desenvolvimento de um ponto qualquer de não-equilíbrio para o repouso (único estado possível de equilíbrio) é trivial; em sistemas de tamanho e complexidade suficientes, esta passagem deixa de ser trivial e passa a ser geradora de uma forma especialmente resistente. Mas, em ambos casos, Ashby acredita que um conjunto pequeno de regras bem definidas pode explicar tanto o desenvolvimento quanto o mais simples ao mais complexo. Até mesmo a origem da vida e da inteligência podem ser abordadas deste modo:

O que é necessário para que vida e inteligência apareçam? A resposta não é carbono, aminoácidos ou qualquer outra característica especial, mas apenas que as leis dinâmicas do processo sejam imutáveis, isto é, que o sistema deve estar

isolado. Em qualquer sistema isolado, vida e inteligência inevitavelmente se desenvolvem (estas podem, em casos

No Capítulo 3 a contradição poderá ser incorporada com os conceitos de auto-organização, emergência,

11

(30)

degenerados, se desenvolver apenas em grau zero). (tradução nossa) 12

De acordo com Ashby, o desenvolvimento de qualquer sistema dinâmico determinado isolado desenvolverá organismos adaptados a seus ambientes; “neste sentido, então, toda máquina pode ser pensada como ‘auto-organizada’, pois desenvolverá, a um grau permitido por seu tamanho e complexidade, alguma estrutura funcional homóloga à de um ‘organismo adaptado’” (Ashby, 1962, p. 273).

Discutiremos em maior detalhe esta abordagem de Ashby no terceiro capítulo, em que abordaremos a auto-organização a partir de Michel Debrun.

O autor encerra este artigo propondo um programa de pesquisa na identificação da base física dos registros de memória do cérebro, já que hoje podemos definir “memória” de maneira exata, a saber: “uma restrição sobre eventos do passado e do presente, e uma relação entre eles” . Parte do desenvolvimento de Henri Atlan, 13

buscando uma base física para a intencionalidade, pode ser vista como herdeira do programa de pesquisa proposto por Ashby.

2.2. A Ordem a Partir do Ruído de Henri Atlan

2.2.1. Complexidade pelo Ruído

Comecemos com as definições de Henri Atlan para “organização” e “complexidade”, quando aplicadas a sistemas biológicos. Repetição, regularidade, redundância parecem ser contrapostas pelo autor a outros ingredientes presentes em organizações dinâmicas: variedade, imprevisibilidade, contingência e complexidade. A “organização” estaria vagamente relacionada a um tipo de ordenamento, uma estrutura; “complexidade” representaria a plasticidade de um organismo.

A organização – entendida, por Atlan, como estrutura e invariância – é o que deve ser legado a gerações seguintes dos seres vivos. Para além, a idéia de repetição

“What is necessary that life and intelligence should appear? The answer is not carbon, or amino acids

12

or any other special feature but only that the dynamic laws of the process should be unchanging, i.e. that the system should de isolated. In any isolated system, life and intelligence inevitably develop (they may, in degenerate cases, develop to only zero degree)” (Ashby, 1962, p. 272).

Veremos brevemente o papel da memória nos processos de auto-organização conforme

13

desenvolvimentos de Debrun (Seção 3.3.1.2) e, mais particularmente, a relação da memória com a consolidação da Nação e da Identidade Nacional, na Seção 4.4.

(31)

invariante da estrutura traz em seu bojo um componente teleológico , visto que a 14

sucessão geracional simplesmente atualiza conteúdos pré-existentes nos organismos vivos.

“A teleologia – raciocínio através das causas finais – é como uma mulher sem a qual o biólogo não consegue viver, mas com quem tem vergonha de ser visto em público” (Atlan, 1993, p. 17). Jacques Monod utiliza o conceito de teleonomia, substituindo a teleologia ou o finalismo: um processo teleonômico não funcionaria em virtude das causas finais, apesar de ter esta aparência e embora pareça orientado para a realização de formas que só se evidenciariam ao final do processo. O que o determinaria, de fato, seria a realização de um programa (contido no genoma) causalmente determinado pela sequência de estados pelos quais o organismo passou.

Para sermos mais precisos, optaremos por definir, arbitrariamente, o projeto teleonômico essencial como o que consiste na transmissão, de uma geração a outra, do conteúdo de invariância característico da espécie. Todas as estruturas, todas as funções, todas as atividades que contribuem para o sucesso do projeto essencial, serão portanto designadas por “teleonômicas”. (Monod, 2002, p. 19) 15

Esta definição de teleonomia por Monod contribuiu decisivamente para o estabelecimento do “Dogma Central” da biologia molecular, segundo o qual a síntese das proteínas consiste na transmissão e tradução da informação codificada nas cadeias de DNA sob a forma de sequências de bases nucleotídicas. É de se notar a universalidade do código de correspondência entre as sequências nucleotídicas dos genes e as sequências de aminoácidos das proteínas. O “Dogma Central” traz em seu bojo um duplo caráter: por um lado, a redução dos fenômenos da vida a reações físico-químicas; por outro, a necessidade de incorporação, na física e na química, de todo um conjunto de noções cibernéticas (programa, código, informação). Desta maneira, trata-se de uma redução do fenômeno vivo a uma físico-química ampliada – justamente a chamada físico-química biológica. O que diferencia a físico-química biológica da outra

Cabe notar que, ao contrário do que afirma o autor, a repetição estrutural é condição necessária mas não

14

suficiente para componentes teleológicos: existem estruturas que se repetem como carimbos no papel

sem a teleologia.

“Pour être plus précis, nous choisirons arbitrairement de définir le projet téléonomique essentiel comme

15

consistant dans la transmission, d’une génération à l’autre, du contenu d’invariance caractéristique de l’espèce. Toutes les structures, toutes les performances, toutes les activités qui contribuent au succès du projet essentiel seront donc dites ‘téléonomiques’” (Monod, 1979, p. 27).

(32)

físico-química e a aproxima da lógica das relações psicossociais é a complexidade do “projeto essencial”, do ser vivo.

Programa, código, informação, transcrição, mensagem, tradução: todo esse vocabulário da biologia molecular é diretamente importado da descrição das comunicações entre seres humanos. Portanto, é a uma física repintada nas cores da psicologia que a biologia foi reduzida! Na realidade, sabemos que houve um intermediário, e que esse intermediário foi... a cibernética, essa disciplina que, justamente, adotara como objetivo “derrubar a muralha que separa o magnífico mundo da física do gueto da mente”, para retomar os termos líricos de Warren McCulloch. (Dupuy, 1996, p. 96) 16

Entretanto, faz-se necessário questionar, “primeiramente, de fato, de que programa se trata? Trata-se, a rigor, de uma metáfora” (Atlan, 1993, p. 18), e uma metáfora (bem-sucedida, diga-se de passagem) que leva a um reducionismo genético que já vem se enfraquecendo, mas que foi dominante nas posturas intelectuais do final do século 20. Em seu artigo de 1998 (Intentional Self-Organization, presente na coletânea Atlan (2011)), o autor afirma que parte importante das funções biológicas é devida à dinâmica metabólica das regulações citoplasmáticas, levando a diferentes padrões de atividade do genoma em diferentes situações e células.

[…] nenhuma das metáforas programa ou DNA-como-dado deveria ser tomada literalmente, já que uma visão mais realística da célula deveria ser a de uma rede em evolução de reações metabólicas na qual um dado padrão da atividade genética determina a estrutura da rede metabólica; a dinâmica dessa rede pode levar a um estado estável temporário, capaz, por sua vez, de modificar o padrão de atividade genética, e assim por diante. (tradução nossa)17 18,

A questão da evolução das espécies também passou por um processo de questionamento: segundo o esquema geral do neo-darwinismo, mutações ocorridas ao

“Programme, code, information, transcription, message, traduction: tout ce vocabulaire de la biologie

16

moléculaire est directement importé de la description des communications entre êtres humains. C’est donc à une physique repeinte aux couleurs de la psychologie qu’a été réduite la biologie! En réalité, on sait qu’il y a eu un intermédiaire, et que cet intermédiaire est… la cybernétique, cette discipline qui, précisément, s’était donné pour objectif d’effondrer la muraille qui sépare le monde magnifique de la physique du ghetto de l’esprit, pour reprendre les termes lyriques de Warren McCulloch” (Dupuy, 1994, p. 77).

“[…] neither of the two metaphors, DNA as program and DNA as data, should be taken literally, since a

17

more realistic view of the cell would be that of an evolving network of metabolic reactions, in which a given pattern of gene activity determines the structure of the metabolic network; the dynamics of this network can lead to a temporary steady state capable, in turn, to modifying the pattern of gene activity, and so on” (Atlan, 2011, p. 75).

Para mais sobre o assunto, ver Guimarães & Moreira (2000).

(33)

acaso produzindo mudanças nas características hereditárias de uma espécie – associadas à seleção decorrente de pressões devidas às restrições físicas e ecológicas do meio ambiente – favorecem os organismos mais adaptados que, sendo assim os mais fecundos, logo substituem as formas anteriores. Não está muito claro o modo pelo qual este mecanismo de seleção pela fecundidade pode acarretar um aumento progressivo (ou também possível “diminuição?”) de complexidade, bem como a aparente orientação da evolução, em direção a um aumento de complexidade (ou de possibilidades de autonomia, ou de organização).

Jacques Monod atribuiu o caráter pouco convincente deste modelo explicativo às insuficiências de nossa imaginação e de nosso senso comum, acostumados a serem aplicados a sistemas relativamente simples. Esta situação seria, para Monod, análoga ao que ocorre com a física quântica ou a relativista, casos em que nosso senso comum estaria acostumado a tratar o mundo físico imediato, mesoscópico, não nos fornecendo instrumentos de representação capazes de tratar do mundo microscópico de partículas-onda elementares ou aquele dominado por velocidades relativísticas. “Dado que nenhuma razão nos força a presumir que as mesmas categorias da representação sensorial sejam válidas em todos estes universos, concordamos em renunciar a essa representação concreta em prol de uma representação matemática, mais rigorosa” (Atlan, 1993, p. 23).

Isto nos leva à necessidade de estender a física e a química em novas dimensões em que os fenômenos do ser vivo encontrem lugar. Se a maioria dos biólogos moleculares utiliza noções cibernéticas, é para dar conta da finalidade observada na biologia, de um modo em que não seja necessária a invocação de causas finais; “ao contrário, a nova finalidade seria aceitável por provir, não de um idealismo teleológico, mas de um neomecanicismo” (Atlan, 1993, p. 22) . 19

Com efeito, a própria noção de máquina se modificou: anteriormente havia uma oposição entre máquina e sistema organizado, uma vez que a organização era

No Capítulo 3 veremos uma proposta concreta de Michel Debrun de neomecanicismo. Henri Atlan não

19

nos apresenta uma conceituação explícita de neomecanicismo, mas é possível inferir que se trata da física clássica tomada em conjunto com a teoria da informação de Shannon (e consequentes noções introduzidas pela cibernética), além da diferença entre máquinas artificiais e naturais (estas últimas capazes de absorver ruído do meio; ver próxima Seção).

(34)

considerada característica irredutível da vida. As finalidades, também, eram impostas às máquinas por nós, não sendo dirigidas por processos de controle. Foi a cibernética que revolucionou as idéias de máquina e de organização, por meio das noções de controle, retroação, tratamento de informação, aplicadas às máquinas. A partir daí, opera-se uma inversão de coisas (que Atlan considera “justa”) com a aplicação dos conceitos provenientes do conhecimento dessas “máquinas organizadas” aos seres vivos, agora pensados como “máquinas naturais”.

Vê-se que essas questões vão muito além da clássica disputa sobre a possibilidade ou impossibilidade de reduzir a vida à físico-química. Essas questões sobre a lógica da organização buscam respostas simultaneamente válidas para os sistemas físico-químicos não-vivos e para os sistemas vivos. (Atlan, 1993, p. 23) 20

Esta simultaneidade implica não uma redução do vivo ao físico-químico,

mas uma ampliação deste para a biofísica dos sistemas organizados, simultaneamente

aplicável a máquinas artificiais e naturais, e os trabalhos sobre auto-organização rumam neste sentido. Quando, ao invés de “organismo”, tratamos o ser vivo como um “sistema auto-organizado” ou “autômato auto-reprodutor”, enfatizamos suas características cibernéticas particulares, ou seja: (a) sua especificidade está mais ligada a princípios organizacionais do que a propriedades vitais irredutíveis e, (b) tais princípios devem poder ser aplicados a autômatos artificiais.

2.2.2. O Papel do Ruído como Princípio de Auto-organização em Atlan

O Segundo Princípio da Termodinâmica foi estabelecido (por Carnot, Kelvin e Clausius) a partir de noções de energia livre (ou utilizável) e de entropia (grandeza macroscópica que mede a quantidade de calor não-utilizável, ou de calor não transformável em trabalho – por unidade de temperatura).

O enunciado de Kelvin-Planck indica que um sistema, operando em um ciclo térmico, não pode produzir uma quantidade positiva de trabalho nas suas vizinhanças se estiver acoplado a uma única fonte de calor; ou seja, para que a quantidade de trabalho seja positiva é

“On voit que ces nouvelles questions vont bien au-delà de la classique dispute sur la possibilité ou non

20

de réduire la vie à la physico-chimie. Ces questions sur la logique de l’organisation recherchent des réponses valables à la fois pour des systèmes physico-chimiques non vivants et pour des systèmes vivants” (Atlan, 1979, p. 22).

(35)

preciso existir pelo menos duas fontes térmicas com diferentes temperaturas. O enunciado de Clausius para esta lei diz que é impossível construir um dispositivo que opere segundo um ciclo termodinâmico e não produza outro efeito a não ser a transferência de calor de um corpo frio para um corpo quente. Pode-se mostrar que estes dois enunciados são equivalentes. (Bresciani Filho, D’Ottaviano & Milanez, 2008, p. 26)

Sob esta forma, o princípio nos diz que um sistema físico isolado evolui inevitavelmente para um estado de entropia máxima, que ele atinge quando fica em equilíbrio.

Em sua formulação estatística – devida a Boltzmann – este princípio efetivamente nos diz que um sistema físico, estando isolado, evolui inevitavelmente para um estado maior de “desordem” molecular. Assim, Boltzmann mostra a igualdade entre esta quantidade de calor não-utilizável e uma medida do estado de “desordem” molecular baseada no estudo das probabilidades de ocorrência dos seus estados energéticos possíveis (“microestados” do sistema”). Na física, pode-se definir desorganização como distribuição totalmente aleatória de objetos, homogeneidade estatística.

Inspirados na Segunda Lei da Termodinâmica, Weaver & Shannon (1949) elaboraram a Teoria Matemática da Comunicação, na qual a probabilidade de presença de um determinado sinal serve para medir a quantidade de informação trazida por ele,

sem que sua significação seja jamais levada em conta.

Formalmente, tal teoria resulta numa expressão matemática muito próxima da de Boltzmann para a entropia:

• Medida da quantidade de informação (Shannon): H = - Σi pi log pi

onde pi: probabilidade de presença de signos

• Entropia (Boltzmann): S = -k Σi pi log pi

onde k = 1,38 x 10-23 J/K (Constante de Boltzmann)

e pi: probabilidade de ocorrência do estado microscópico i

Sem a constante k, a medida estatística da entropia física seria rigorosamente idêntica à da medida da quantidade de informação ou “entropia de mensagem”, como a chamou Shannon. Mas, nesse caso, ela não teria relação com a

Referências

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