• Nenhum resultado encontrado

Causalidade Complexa e Autonomia

Capítulo 2: A Auto-organização de Henri Atlan e Edgar Morin

2.3. O Pensamento Complexo de Edgar Morin

2.3.1. Pensamento Complexo (Princípio Dialógico)

2.3.2.1. Causalidade Complexa e Autonomia

Para mais, observa-se que é através da combinação destes tipos de retroação que se torna possível o funcionamento sistêmico: “A retroação negativa sozinha é a organização sem evolução. A retroação positiva sozinha é a derivação e a dispersão” (Morin, 1980, p. 209). Uma combinação de retroações negativas (com a formação de fluxos antagônicos) associadas a mecanismos de feedback positivo (que separadamente reforcem tais fluxos) pode eventualmente se estabilizar em um anel que retroage enquanto todo sobre cada momento e elemento do processo. O anel retroativo não surge da retroação, ele é o conjunto de retroações confundindo-se com a idéia de totalidade ativa, visto que articula num todo, ininterruptamente, elementos e acontecimentos que, entregues a si mesmos, poderiam desintegrar este todo.

O anelamento é, por isso, a constituição, permanentemente renovada, duma totalidade sistêmica, cuja dupla e recíproca qualidade emergente é a produção do todo pelo todo (generatividade) e o reforço do todo pelo todo (regulação). […] Tal totalidade pode comportar no seu seio outros anéis retroativos que ela gera e regenera tanto quanto estes a geram e regeneram. Assim, a forma verdadeira dum ser vivo não é apenas a forma arquitetônica dum edifício de componentes, é a forma dum multiprocesso retroativo anelando-se a si mesmo a partir de múltiplos e diversos anéis (circulação de sangue, do ar, dos hormônios, do alimento, dos influxos nervosos, etc.). Cada um destes anéis gera e regenera o outro. O anel global é, ao mesmo tempo, o produto e o produtor destes anéis especiais. Aqui se impõe a idéia de recorrência. (Morin, 1980, p. 175) 56

Isto não é inteiramente verdadeiro. Existem sistemas hetero-organizados que recebem de sujeitos

55

exteriores parte de sua ordem; mas estamos analisando, neste momento, sistemas que possam desenvolver processos de auto-organização e que, portanto, desenvolvem seus determinismos e estruturas internamente.

“Le bouclage est par là même la constitution, en permanence renouvelée, d’une totalité systémique,

56

dont la double et réciproque qualité émergente, est la production du tout par le tout (générativité) et le renforcement du tout par le tout (régulation). […] Une telle totalité peut comporter en son sein d’autres boucles rétroactives qu’elle génère et régénère autant qu’elles la génèrent et la régénèrent. Ainsi la forme vrai d’un être vivant n’est pas tellement celle, architecturale, d’un édifice de composants, elle est celle d’un multiprocesseur rétroactif se bouclant sur lui-même à partir de multiples et diverses boucles (circulation du sang, de l’air, des hormones, de la nourriture, des influx nerveux, etc.). Chacune de ces boucles génère et régénère l’autre. La boucle globale est le produit en même temps que le producteur de ces boucles spéciales. Ici s’impose l’idée de récursion” (Morin, 1977, p. 185-186)

O anel, desta forma, remete à idéia de processo recorrente: todo processo cujos estados ou efeitos finais produzem os estados ou causas iniciais. Podem ser percebidas duas dimensões na definição anterior: uma dimensão de autonomia organizacional (estados que geram a si mesmos) e uma de autonomia causal (efeitos que produzem as causas); esta última dimensão é geralmente percebida (quando se observa o sistema longe de sua origem, já durante um funcionamento estável) como uma causalidade circular, dentro da qual dificilmente se distinguem causas e efeitos.

E o que pode ser dito a respeito dos elementos/indivíduos que compõem o sistema? Existe processo recorrente em sua formação? Afirmamos que sim: da mesma maneira que vislumbramos, no funcionamento de certos sistemas, mecanismos de causalidade circular, observamos também mecanismos de produção de seus próprios elementos. É o caso de qualquer sistema de seres vivos: os indivíduos se reproduzem, produzindo, assim, novos elementos do próprio sistema. Certos sistemas podem – através de seus elementos – chegar também a uma autonomia de produção, à produção- de-si.

Temos um quadro complexo, repleto de ações e retroações, que pode nos levar a uma definição de sociedade:

Uma sociedade é produzida pelas interações sobre os indivíduos e essas interações produzem um todo organizador que retroage sobre os indivíduos para co-produzi-los enquanto indivíduos humanos, o que eles não seriam se não dispusessem da instrução, da linguagem e da cultura. Portanto, o processo social é um círculo produtivo ininterrupto no qual, de algum modo, os produtos são necessários à produção daquilo que os produz. (Morin, 1996, p. 182) 57

A noção de organização está diretamente relacionada às de estrutura e sistema. Organização é aquela face de um sistema que representa um todo, gerado a partir da inter-relação de elementos diferentes; portanto, ela constitui, ao mesmo tempo, uma unidade e uma multiplicidade. Um sistema social, além disso, é sempre mais (pois apresenta emergências ausentes nas partes) e menos que a soma de suas partes; simultaneamente, o todo coage/estimula as partes:

“Une société est produite par les interactions entre individus, mais ces interactions produisent un tout

57

organisateur, lequel rétroagit sur les individus pour le coproduire en tant qu’individus humains, ce qu’ils ne seraient pas s’ils ne disposaient pas de l’éducation, du langage et de la culture. Ainsi le processus social est une boucle productive ininterrompue où en quelque sorte les produits sont nécessaires à la production de ce qui les produit” (Morin, 1982, p. 170).

• Na organização social, por um lado, as coações jurídicas, políticas, militares e outras fazem com que muitas de nossas potencialidades sejam inibidas ou reprimidas.

• P o r o u t r o l a d o , s u rg e m , n o t o d o o rg a n i z a d o , q u a l i d a d e s “emergentes” (constatadas empiricamente sem serem dedutíveis logicamente), que retroagem ao nível das partes podendo estimulá-las a exprimir sua potencialidade.

Antes de avançarmos, cabe uma observação. Em todas estas possíveis instâncias de autonomia (anelamentos, causalidades circulares, produção-de-si) não se excluem as influências exteriores. Uma autonomia causal não significa a anulação das causas exteriores, mas sim uma transformação do efeito normal destas últimas. Da mesma forma, o estado do sistema em determinado momento pode ser afetado pelo estado do ambiente, mas já de maneira indireta, ou seja, através da mediação dos mecanismos internos. E, finalmente, a produção-de-si necessita utilizar – na maioria dos casos – energia, recursos e produtos vindos do exterior do sistema como matéria-prima. Estas observações têm como objetivo lembrar que um sistema autônomo não é necessariamente um sistema isolado; mais que isto, lembrar que a abertura organizacional é uma característica essencial das organizações.