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Informação e Significação

Capítulo 2: A Auto-organização de Henri Atlan e Edgar Morin

2.3. O Pensamento Complexo de Edgar Morin

2.3.4. Informação e Significação

No âmbito d’O Método de Morin, o surgimento da informação se dá no com o aparecimento da célula viva, resultado de um longo período “protobiótico”. Aqui, não apenas estruturas moleculares de nucleotídeos e aminoácidos sofrem reações químicas ao acaso, mas há uma dialética ordem/desordem/interações/organização, seguindo o princípio dialógico, em que fluxos que chocam e se combinam em redemoinho, anéis químicos remexendo e envolvendo transformações moleculares. “É nesta dança de trocas, reações e transformações que são arrastadas as moléculas dotadas de propriedades duplicadoras; assim se desencadeiam processos multiplicadores e se multiplicam processos desencadeadores.” (Morin, 1980, p. 291).

Além dos “duplicadores” (mais estáveis) deve haver moléculas instáveis mas quimicamente mais reativas; além disso, certos catalisadores já podem desencadear reações que recomponham tanto duplicadores quanto “reativos”: “esta associação proto- simbiótica combina em anel movimentos sequenciais de trocas químicas (que desde logo prefiguram as futuras atividades metabólicas) e de duplicações quase cristalinas (que pré-figuram o mecanismo de auto-reprodução)” (Morin, 1980, p. 292). Este anelamento, que reage ativamente contra separações e distrações é já a constituição de um ser nucleoproteinado produtor-de-si.

Por exemplo, boa parte do livro La Méthode II: La vie de la vie (Morin, 1980) é dedicada a

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complexificar os conceitos de genótipo e fenótipo (na descrição de organismos vivos) com o intuito de caracterizar a organização viva como dotada de um dispositivo generativo (genos) e um dispositivo fenomenal (fenom).

“A retroação incessante do todo enquanto todo sobre as partes para permanecer um todo protege as partes que protegem o todo” (Morin, 1980, p. 292) . 65

Assim, tudo aquilo que favorece a sobrevivência do todo será conservado, integrado e desenvolvido neste processo simultaneamente seletivo e o morfo-estabilizador. Neste processo, regulação e regeneração tornam-se indistintos, pois constitui-se um complexo regulador, apresentando características generativas e fenomênicas . Os duplicadores 66

passam a reproduzir as proteínas que alimentam a própria duplicação dos duplicadores, o que, bem entendido, é do interesse destes, uma vez que reproduzindo-as reproduzem aquilo que alimenta a sua duplicação. Portanto, é preciso que a duplicação restrita (do

duplicador) se transforme em réplica generalizada (do todo).

Assim, as inter-retroações tornam-se comunicacionais, no sentido em que diferentes níveis do sistema (ou proto-sistema) interagem de maneira complexa. Mas ainda não existe um código, ainda não existe informação. Daí em diante, o conjunto metabólico e circuito reprodutor constituem-se em anel genofenomênico, simultaneamente produtor e reprodutor de um ser-máquina auto-(geno-feno)-eco-re-

organizador, cujo complexo generativo constitui um proto-aparelho informacional, e

cujo complexo fenomênico constitui uma organização comunicacional.

O processo de informacionalização não sucede àquilo que acabamos de dizer, está intimamente associado com ele. Efetua-se na interferência prodigiosa dos fatores uns sobre os outros. Assim como a hominização é um processo total de transformação ecológica, genética, organísmica, cerebral e sociológica, de modo de vida, com criação e desenvolvimento da técnica e da cultura, no qual a constituição da linguagem de dupla articulação é um aspecto simultaneamente total e parcial desde processo, assim também temos de conceber a “biotização’ como um processo de desenvolvimentos interferentes inauditos, no qual surge um dispositivo informacional de dupla articulação. […] A gênese da informação corresponde pois a um desenvolvimento metamórfico de uma organização neguentrópica que se torna informacional/comunicacional. A informação, doravante necessária a esta organização, tal como esta organização lhe é

Emergência de uma endocausalidade; ver Seção 2.3.2.2.

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Conforme Seção anterior.

necessária, emerge sob a forma de engrama”. (Morin, 1980, p. 295-297) 67

Desta forma, Morin descreve a passagem da não-informação à informação com as seguintes características:

• A informação nasce de um processo organizacional, que se desenvolve a partir de interações eventuais aleatórias mas se consolida em interrelações estáveis;

• A informação nasce ao mesmo tempo que se constitui um complexo

generativo/regenerador.

E, para o desenvolvimento da informação, a não-informação intervém de novo, desta vez sob a forma de ruído, ou seja de perturbação. Mas não é o ruído que cria a nova informação; é a conjunção organização/informação/interações/ruído:

FIGURA 4 – TETRAGRAMA INFORMACIONAL

A partir deste novo tetragrama, Morin afirma que os seres vivos estão organizados modo comunicacional, uma vez que não se pode dissociar a atividade fenomênica de uma célula de processo de comunicação, onde a circulação de elementos químicos desempenha o papel de quase-sinais, desencadeadores ou inibidores segundo o circuito de DNA/RNA/proteínas. A comunicação da informação desencadeia ou inibe fabricações e transformações que mantêm e produzem a unidade do ser celular.

No início muito embrionária, a comunicação com o exterior, a ecocomunicação, vai desenvolver-se. Os ecossistemas (descritos por Morin como

INFORMAÇÃO RUÍDO

INTERAÇÃO ORGANIZAÇÃO

“Le processus d’informationnalisation ne succède pas à ce que nous venons de dire, il lui est

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intimement associé. Il s’effectue dans l’interférence prodigieuse des facteurs les uns sur les autres. De même que l’hominisation est un processus total de transformation écologique, génétique, organismique, cérébral, sociologique, de mode de vie, avec création et développement de la technique, de la culture, où la constitution du langage à double articulation est un aspect à la fois total e partiel

de ce processus, de même il faut concevoir la ‘biotisation’ comme un processus de développements interférents inouïs, où surgit le dispositif informationnel à double articulation. […] La genèse de

l’information correspond donc à un développement métamorphique d’une organisation néguentropique devenant informationnelle/ communicationnelle. L’information, désormais nécessaire à cette organisation, comme cette organisation lui est nécessaire, émerge sous forme

“unidades complexas e espontaneamente organizadas a partir das interações entre seres vivos que povoam um nicho ecológico” (1980, p. 305)) tornam-se universos comunicacionais extremamente complexos. Assim, os múltiplos desenvolvimentos interferentes da vida (desenvolvimentos dos indivíduos, do seu aparelho cerebral, dos seus comportamentos; desenvolvimento e complexificação da sociabilidade e das sociedades; desenvolvimento e complexificação dos ecossistemas) constituem um desenvolvimento múltiplo da comunicação . 68

A informação generativa e a informação circulante podem transformar-se uma na outra, mas a transformação de uma informação circulante uma ação generativa só é possível se ela encontrar um aparelho capaz de registrá-la e a tratar. Os ruídos que intervêm na circulação informacional intracelular e entre organismos são fontes de erros que, acumulando-se, conduzem ao envelhecimento e à morte. Isto significa, em outros termos, que o problema da informação deve situar-se no “contexto da totalidade genofenomênica dos seres neguentrópicos/informacionais, onde a organização é sempre

um fenômeno de comunicação, onde a comunicação é sempre um fenômeno de organização” (Morin, 1980, p. 307) . 69

Morin concorda com a crítica feita por Atlan à teoria da informação de 70

Shannon, que despreza o significado da mensagem: “a informação shannoniana chega a ser inteiramente muda ou cega quanto à significação, à qualidade, ao valor e ao alcance da informação para o receptor” (Morin, 1980, p. 278). Isto quer dizer que a significação funciona fora da teoria, pois se decide na prática antropossocial. A teoria shannoniana da informação oculta o metassistema antropossocial que ela supõe e no qual surge a significação.

Ao considerar o campo antropossocial, Morin descreve todo um conjunto de novas características informacionais-significacionais:

Veremos uma descrição mais refinada deste processo na Seção 3.1.2.4., em que descreveremos um

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conceito de informação que nos parece mais adequado aos propósitos desta Tese.

Definição semelhante à de Ashby, ainda que em contextos diferentes: como vimos na Seção 2.1.1,

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Ashby trata toda organização como comunicacional, no sentido em que comunicação implica em algum grau de restrição entre elementos. Morin, por seu lado, parece restringir estes conceitos ao mundo vivo, formulação que parece próxima aos expoentes da autopoiese: ver, por exemplo, Maturana & Varela (2001).

Ver Seção 2.2.3.

• Um aparelho cerebral que dispõe de grande capacidade de memória, dotado de potencialidades lógicas, construtivas, imaginativas e oníricas . 71

• Uma linguagem de dupla articulação.

• Uma estrutura social genofenomênica, que constituiu um complexo gerador/regenerador da sua própria complexidade: a cultura . 72

• O aparecimento do aparelho de Estado próprio da megassociedade histórica, aparelho que concentra em si o poder generativo das regras sociais.

• O desenvolvimento de aglomerações urbanas onde o jogo da comunicação informacional se efetua com a criação de suportes e de veículos cada vez mais variados, multiplicando a informação de modo quase ilimitado e instantâneo para um custo de energia cada vez mais restrito.

A esfera noológica, constituída pelo conjunto dos fenômenos ditos espirituais, é um universo riquíssimo que compreende idéias, teorias, filosofias, mitos, fantasmas, sonhos. A idéia isolada e o grande sistema teórico, o fantasma e o mito, não são “irreais”, não são “coisas” do espírito. São a vida do espírito. São seres de tipo novo […], existentes informacionais, de dimensão zero, como a informação, mas que têm os caracteres físicos fundamentais da informação e, até, certos caracteres biológicos, uma vez que são capazes de se multiplicar extraindo a neguentropia dos cérebros humanos e, através deles, da cultura que os irriga; os nossos espíritos e, em maior escala, as nossas culturas são ecossistemas onde eles encontram não só o alimento, mas também fortuna e risco. (Morin, 1980, p. 310) 73

“É como que uma máquina de Turing capaz de tudo produzir e reproduzir, não biologicamente, mas

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noologicamente (ideias, sonhos, fantasmas, mitos) e, com a ajuda das mãos, tecnologicamente (utensílios, máquinas, objetos, habitações, monumentos)” (Morin, 1980, p. 307).

Ver próxima seção.

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“La sphère noologique, constituée par l’ensemble des phénomènes dits spirituels, est un très riche

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univers qui comprend idées, théories, philosophies, mythes, fantasmes, rêves. L’idée isolée et le grand systhème théorique, le fantasme et le mythe ne sont pas ‘irréels’. Ce ne sont pas des ‘choses’ de l’esprit. Ils sont la vie de l’esprit. Ce sont des êtres d’un type nouveau, des existants informationnels, de zéro dimension, comme l’information, mais qui ont les caractères biologiques puisqu’ils sont capables de se multiplier en puisant de la néguentropie dans les cerveaux humains, et, à travers eux, dans la culture qui les irrigue; nos esprits et plus largement nos cultures sont les éco-systèmes où ils trouvent, non seulement aliment, mais chance, risque” (Morin, 1977, p. 340).